Breves apontamentos acerca do compliance em matéria criminal

25/11/2015 às 08:56
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Atualmente, o compliance se mostra uma realidade no (novo) cenário jurídico-corporativo brasileiro. À base disso, o texto versará sobre a indispensabilidade, hodiernamente, da implementação de mecanismos de controle no seio empresarial.

Nunca é tarde para se adequar aos modelos vanguardistas de combate à lavagem de dinheiro, corrupção e criminalidade financeira. Passados cerca de 25 anos do surgimento dos mecanismos de controle na Europa e nos Estados Unidos da América, provenientes de um novo modelo político-criminal (autorregulação regulada[1]), finalmente, o Brasil parece ter um sistema de prevenção à lavagem de capitais e corrupção que se equipara aos países desenvolvidos. Por meio da edição de alteração legislativa, em 2012, que modificou os pormenores da Lei n. 9.613/98, acrescentando disposição que prevê a obrigação de determinadas pessoas jurídicas e físicas de criarem políticas internas para auxiliar no controle ao branqueamento de capitais, comunicando eventuais movimentações atípicas aos órgãos de controle, o Brasil normatizou a imperiosidade de manter um efetivo programa de compliance no seio empresarial.

No entanto, em que pese a modernização da legislação brasileira nesse viés, após três anos, não há, por ora, uma cultura de compliance em terrae brasilis. Isso, possivelmente, se deve ao fato da ausência de uma noção de prevenção, muito em virtude da falta de informação e dos altos custos que demandam o atendimento a regulações administrativas somados ao implemento de programas de compliance. Ademais, alguns juristas entendem, inclusive, que o estabelecimento de tais medidas, com o conseqüente repasse de movimentações atípicas aos órgãos de controle, podem culminar na quebra de confiança entre os obrigados e os seus clientes/fornecedores[2]. Outro ponto que a doutrina estrangeira discorre em relação ao compliance em matéria criminal é a sua (in)eficiência na redução da criminalidade. Conforme asseverou Blanco Cordero, levando em linha de consideração os países do civil law, os resultados são decepcionantes, mormente se considerados os elevados custos, tanto do Estado, como das empresas, para colocarem em prática os programas[3]. Nos países anglo-saxões, contudo, o compliance parece ter uma melhor aceitação. Inclusive, nos Estados Unidos da América, a Federal Sentencing Guidelines estabelece a redução de penas de índole criminal se, porventura, a empresa possuir um efetivo programa de compliance[4].

A despeito disso, fato é que, hodiernamente, apesar das nebulosas conseqüências que norteiam a ausência de práticas integrativas no âmbito empresarial, os programas de compliance são uma realidade no cenário jurídico-corporativo. A sua estruturação deve ser feita através de um modelo de integração que seja independente e não hierárquico, justamente, para dar credibilidade e integridade ao compliance. Isso porque, com o fito de evitar conseqüências jurídico-penais para os dirigentes da empresa (à luz das recentes teorias de imputação penal inauguradas no julgamento da APn 470, como a cegueira deliberada[5]), o implemento de um modelo de controle das movimentações financeiras em âmbito empresarial que seja diretamente ligado à alta cúpula da instituição e a ela não subordinada, é crucial para o bom andamento do programa e, consequentemente, a sua eficácia.

Nessa linha de raciocínio poderão haver três tipos de compliance, sob uma perspectiva global: o primeiro se refere ao modelo de integração à gestão de riscos, na qual esse setor da empresa fiscaliza e supervisiona todas as atividades de compliance realizadas por cada setor da empresa. Sistematicamente isenta a alta cúpula da empresa do programa de combate à lavagem de dinheiro, o que, segundo Bottini, permite os riscos da imputação penal por dolo eventual, através da teoria da cegueira deliberada. Em outro giro, há modelo de integração ao departamento jurídico, no qual o compliance estaria adstrito a este setor da empresa. A sua problemática reside no fato de que poderá haver conflitos de interesses entre os setores jurídicos e o de prevenção à lavagem de dinheiro, bem como ausência de remessa de problemas cotidianos à alta cúpula da administração corporativa, o que daria azo para responsabilização penal. Por derradeiro – e nessa hipótese, o modelo mais acertado – infere-se que o modelo de independência funcional, cuja prevenção à lavagem de dinheiro é conduzida por setor específico da corporação, com profissionais que tenham contato direto com a Presidência ou Conselho de Administração, é o mais correto para que problemas cheguem à alta cúpula, evitando-se a temida cegueira deliberada[6].

Em outro turno, o jurista norteamericano Philipp Welner pontua três elementos básicos de um bom programa de compliance, são eles: um código de conduta, um departamento de compliance ou compliance officer e um hotline para denúncias (whistleblower). Os programas de compliance, por vezes, na ótica norteamericana, advêm das próprias sentenças criminais que determinam o seu implemento. Ainda, a responsabilidade da empresa em relação a atos criminosos praticados por seus funcionários se vincula diretamente a quem é o beneficiado da prática delitiva. Assim, “if an employee breaks the law while acting within the scope of employment, and the act in question was initiated for the benefit of the corporation, then the corporation itself is liable for the underlying offense committed by its employee”[7].

Demais, Bottini refere que o compliance não se confunde com auditoria interna, uma vez que o primeiro possui o escopo de atuar preventivamente, antes da ocorrência da falha e assegurando o cumprimento das normas específicas da atividade, enquanto que a segunda “exerce uma atividade de controle ou reparo esporádico, pontual, direcionada para análises de amostragens e em muitos casos realizada após a detecção de falhas”[8].

Inequivocamente, um rigoroso, e, por assim dizer, eficiente programa de compliance requer orientações e formações de empregados e diretores sobre os lindes da Lei de Lavagem de Dinheiro, com foco na sua prevenção, elaboração de códigos de conduta, mapeamento de clientes e fornecedores, desenvolvimento de mecanismos de conversação interna e externa que permitam a realização de denúncias e “a implementação de sistema de controle interno de atos imprudentes ou dolosos, com mecanismos de apuração e sanção disciplinar”[9]. Além disso, a estrutura do setor de combate à lavagem de dinheiro deve ter um coordenador e equipe que se atenham somente ao desenvolvimento de políticas de compliance, com profissionais qualificados e de diferentes áreas (interdisciplinaridade) e ampla abrangência para abarcar todas as regulações administrativas, pautando-se, ainda, pelas orientações de jurisprudência.

Todavia, é forçoso reconhecer-se que, muito embora tenha o programa de compliance a função de prevenir ilícitos, estes se, porventura, ocorrerem, não isentará de pena o transgressor, mas sim atenuará, pois

“dentre as diversas razões apresentadas para não conferir ao sistema de certificação o caráter de isenção ex ante de responsabilidade penal, ou melhor, conforme as palavras de Matus Acuña, uma espécie de bula papal, encontra-se a ideia de que o indivíduo não será eximido da pena por ter conduzido virtuosamente sua vida passada, mas sim pelo fato concreto praticado. Trata-se do imperativo do principio da culpabilidade, ou seja, julga-se o fato concreto e não o modo de vida do acusado”[10].

Destarte, o que se avulta no horizonte é a necessidade de compliance no Brasil, cuja simetria com os sistemas jurídicos modernos de combate à criminalidade organizada será, cada dia mais, levada a efeito, mormente após os ataques terroristas realizados, recentemente, na França.  


[1] Sieber assevera que a concepção de autorregulação regulada se vincula a um novo modelo de teoria e política criminal para combater a criminalidade empresarial, principalmente, porque não há outra alternativa melhor. Nada mais é do que a cooperação entre o público e o privado para controle dos circuitos financeiros. SIEBER, Ulrich. Programas de compliance en el Derecho Penal de la Empresa: una nueva concepción para controlar la criminalidad económica. Urquizo Olaechea/Abanto Vásquez/Salazar Sánchez (coords.), “homenaje a Klaus Tiedemann. Dogmática penal de Derecho penal econômico y política criminal”, Lima, Tomo I, p. 205-246, 2011.

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[2] SIEBER, Ulrich. Programas de compliance en el Derecho Penal de la Empresa: una nueva concepción para controlar la criminalidad económica. Urquizo Olaechea/Abanto Vásquez/Salazar Sánchez (coords.), “homenaje a Klaus Tiedemann. Dogmática penal de Derecho penal econômico y política criminal”, Lima, Tomo I, p. 205-246, 2011.

[3] BLANCO CORDERO, Isidoro. Eficacia del sistema de prevención del blanqueo de capitales: estudio del cumplimento normativo (compliance) desde una perspectiva criminológica. Eguzkilore, San Sebastián, p. 117-138, dez. 2009.

[4] WELLNER, Philip A. Effective compliance programs and corporate criminal prosecutions. Cardozo Law Review, vol. 27-1.

[5] Hipótese em que o agente cria uma barreira institucional que evite que recaia qualquer suspeita de prática delitiva sobre ele (cegueira deliberada). Ou seja, não há como chegar ao agente a informação sobre a suspeita de origem ilícita dos bens, direitos ou valores. O Supremo Tribunal Federal tangenciou essa questão e decretou que o agente deve criar essa barreira de forma consciente e voluntária, com a intenção de imiscuir-se de contato com a atividade ilícita, de modo que “o diretor de uma instituição financeira não está em cegueira deliberada se deixa de tomar ciência de todas as operações em detalhes do setor de contabilidade a ele subordinada, e se contenta apenas com relatórios gerais” BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Prevenção à lavagem de dinheiro: novas perspectivas sob o prisma da lei e da jurisprudência. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol. 67, p. 163-195, jan/mar. 2015.

[6] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Prevenção à lavagem de dinheiro: novas perspectivas sob o prisma da lei e da jurisprudência. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol. 67, p. 163-195, jan/mar. 2015.

[7] WELLNER, Philip A. Effective compliance programs and corporate criminal prosecutions. Cardozo Law Review, vol. 27-1.

[8] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Prevenção à lavagem de dinheiro: novas perspectivas sob o prisma da lei e da jurisprudência. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol. 67, p. 163-195, jan/mar. 2015.

[9] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Prevenção à lavagem de dinheiro: novas perspectivas sob o prisma da lei e da jurisprudência. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol. 67, p. 163-195, jan/mar. 2015.

[10] RIOS, Rodrigo Sánchez; ANTONIETTO, Caio. Criminal Compliance – prevenção e minimização de riscos na gestão da atividade empresarial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 114, p. 341-375, mai/jun. 2015.

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Sobre o autor
Marcelo Lemos

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Especializando em Direito Penal Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio Grande do Sul. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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