RESUMO
A garantia da liberdade religiosa, sem a qual não se pode verdadeiramente falar em autonomia individual, cabe, em última análise, ao Estado e, eventualmente, obriga a uma intervenção sempre que um determinadomínimoseja colocado em causa. No plano internacional, ao Direito Internacional cabe o papel de definir as fronteiras da tolerância na interação religiosa. Por isso, é necessário o engajamento dos Estados assinantes da Declaração Universal dos Direitos Humanos de modo que a comunidade internacional providencie as medidas cabíveis para a rápida eliminação desta intolerância em todas as suas formas. Com isso, o presente trabalho buscou no geral identificar como o Direito Internacional aborda a violação do direito de liberdade religiosa através da análise do caso do cristão iraniano Yousef Nadarkhani, fazendo uma breve abordagem histórica do processo de internacionalização dos direitos humanos e do direito à liberdade religiosa em si. Por fim, visa propor formas de promoção à tolerância e o respeito ao direito de liberdade religiosa.
Palavras-chave: direito internacional, direitos humanos, liberdade religiosa.
ABSTRACT
The guarantee of religious freedom, without which one can’t truly speak of individual autonomy, it is, ultimately, to the state and eventually requires an intervention whenever a certain minimum is in jeopardy. At international level, international law's role is to define the boundaries of tolerance in religious interaction. Therefore, the commitment of signatory states of the Universal Declaration of Human Rights so that the international community provide the necessary measures for the speedy elimination of this intolerance in all its forms is necessary. Thus, the present study sought to identify how the general international law addresses the violation of the right to religious freedom by examining the case of Yousef Nadarkhani Iranian Christian, making a brief historical approach to the internationalization of human rights process and the right to freedom religion itself. Finally, it aims to propose ways of promoting tolerance and respect for the right of religious freedom.
Keywords: international law, human rights, religious freedom
1.INTRODUÇÃO
Segundo GUERREIRO (2005), o fenômeno religioso divide os Estados e há quem diga que afasta as "civilizações". Ao mesmo tempo, une os indivíduos que o partilham com uma força incompreensível do ponto de vista racional. A garantia da liberdade religiosa, sem a qual não se pode verdadeiramente falar em autonomia individual, cabe, em última análise, ao Estado e, eventualmente, obriga a uma intervenção sempre que um determinado mínimo seja colocado em causa. Ao Direito cabe o papel de definir as fronteiras da tolerância na interação religiosa.
O relator Especial da ONU, Heiner Bielefeldt, (2011) na décima-nona sessão do Conselho dos Direitos Humanos da ONU a decorrer em Genebra, defendeu a importância de distinguir claramente significados diferentes dentro do conceito de reconhecimento de Estado, a fim de evitar possíveis mal-entendidos que possam afetar negativamente a implementação da liberdade de religião ou crença, ou minar o seu estatuto como um universal direito humano.
De acordo com os dados obtidos no levantamento, que abrangeu 198 países, em 2011, 40% deles tinham alta ou muito alta restrição à liberdade religiosa, índice que em 2007 era de 29% das nações pesquisadas. Além deste agravamento no número de países, há um fator que eleva a preocupação: como boa parte destes países têm uma população elevada, verificamos que quase três quartos da população mundial (5,1 bilhões de pessoas) vivem sob restrições a este direito. O levantamento deixou nítida a demarcação territorial deste fenômeno, que atinge fortemente os países do norte de África, Oriente Médio, Rússia, Índia, China e a região da Oceania próxima a ela.
Com isso, o presente trabalho buscou no geral identificar como o Direito Internacional aborda a violação do direito de liberdade religiosa através da análise do caso do cristão iraniano Yousef Nadarkhani, fazendo uma breve abordagem histórica do processo de internacionalização dos direitos humanos e do direito à liberdade religiosa em si. Por fim, visa propor formas de promoção à tolerância e o respeito ao direito de liberdade religiosa.
2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
A proteção internacional dos direitos humanos organiza-se em dois tipos de sistemas de proteção, sendo eles o global e os regionais. O sistema global foi institucionalizado após a Segunda Guerra Mundial pela Organização das Nações Unidas, a ONU. Seus principais instrumentos normativos são a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Os sistemas regionais, por sua vez, foram formados por organizações continentais no decorrer da segunda metade do século XX, tendo destaque a Organização dos Estados Americanos, o Conselho da Europa e a União Africana.
Os três principais sistemas regionais de proteção dos direitos humanos são o interamericano, o europeu e o africano, apesar de haver, ainda que de forma incipiente, a formação de um sistema árabe-islâmico de proteção dos direitos humanos, todos com o propósito de promover a proteção e a valorização dos direitos humanos. Os sistemas global e regionais são verdadeiros instrumentos de proteção dos direitos humanos no plano internacional. Ambos são fundados no princípio da dignidade humana e, por isso, complementam-se e interagem com os sistemas nacionais de proteção dos direitos humanos, a fim de proporcionar maior efetividade possível à promoção e à proteção dos direitos humanos.[2].
Ao longo dos anos, objetivou-se a codificação do direito internacional.
No século XIX ocorrem as primeiras importantes tentativas de codificação do direito internacional, sobressaindo nesse particular os projetos de Fliore e de Bluntschli. Em 1902, graças à proposta de José Higino, na Conferência Internacional Interamericana, realizada na Cidade do México, teve início o trabalho de codificação interamericano. O movimento foi coroado de êxito, tanto assim que em 1928 foram assinadas em Havana a Convenção sobre Direito Internacional Privado (o Código Bustamante), bem como diversas convenções de direito internacional, todas elas baseadas no projeto elaborado por Epitácio PESSOA (p. 184)[3].
Sem dúvidas, a Declaração dos Direitos Humanos foi um marco na história dos direitos inerentes à pessoa humana, sendo o documento pioneiro em estabelecer a proteção universal dos direitos humanos. Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de Dezembro de 1948, através da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações[4].
É atualmente o documento mais traduzido do mundo. Muitos Estados utilizaram-na como inspiração na edição de suas constituições. Com isso, pela primeira vez na historia da humanidade, constituindo assim um conjunto de princípios norteadores do direito internacional que alguns juristas definem como “código universal dos direitos humanos”, “direito pan-umano” ou “super-constituição” mundial, distinta e superior ao Direito Internacional[5].
A Carta Internacional dos Direitos Humanos, por sua vez, é formada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em conjunto com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois Protocolos Opcionais (sobre procedimento de queixa e sobre pena de morte) e com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu Protocolo Opcional. Nos arts. 2 a 21 encontram-se garantidos direitos civis e políticos, enquanto que nos arts. 22 a 28 tem-se direitos sociais, econômicos e culturais. Atualmente pode ser considerada fonte do direito internacional, na forma de costume, não tendo mais, apenas caráter de soft law[6]. Desde sua criação, uma série de tratados internacionais de direitos humanos e outros instrumentos adotados desde 1945 expandiram o corpo do direito internacional dos direitos humanos[7].
3. A LIBERDADE RELIGIOSA
A religião é presente na vida humana desde épocas remotas. Nota-se a necessidade de que o homem possui de expressar aquilo que pensa e crê, regendo assim a sua conduta em sociedade conforme as suas convicções.
Sempre houve aqueles que reivindicavam o direito de determinar a crença dos demais, empregando, se necessário, todo tipo de coação. Muitos homens por causa de suas crenças preferiram sofrer as consequências de serem fiéis a elas do que agirem de forma contrária, mesmo sob a ameaça do Estado ou de outro grupo majoritário, religioso ou não. Muitos dos cristãos primitivos foram vitimados pelo Império Romano por adorarem um “único Deus” se recusando a adoração do Imperador. De igual modo, outros tantos foram vitimados pela “Santa” Inquisição no período conhecido como Idade Média, por viverem ou pregarem em desacordo com dogmas da Igreja dominante (OLIVEIRA, 2007, p.34)[8].
Assim como os demais direitos e liberdades inerentes à vida humana, a liberdade religiosa é mais uma garantia estabelecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 18:
“Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”[9].
De um ponto de vista histórico da humanidade,
[...] o Tratado de Osnabruque, concluído por ocasião da paz de Vestfália (1648), consignava cláusulas que, talvez pela primeira vez, asseguraram, nas relações internacionais, o respeito à liberdade de cultos de minoria religiosa (no caso, a minoria protestante). Neste, como em tratados posteriores, cuidava-se de garantir apenas a igualdade entre confissões cristãs. Esse reconhecimento consta do Tratado de Viena, de 31 de maio de 1815, entre a Áustria, a Grã-Bretanha, a Prússia, a Rússia e os Países-Baixos, a propósito da reunião da Bélgica à Holanda, e no qual se afirmou a necessidade “de assegurar a todos os cultos proteção e favor iguais e de garantir a admissão de todos os cidadãos, qualquer que seja a sua crença religiosa, nos empregos e ofícios públicos” (p. 679)[10].
Apesar desta tendência contemporânea à proteção dos direitos humanos, ainda são constantes as violações aos preceitos pelos poderes estatais. Nesta estatística, Cuba, Honduras e Venezuela concentram o foco de maior preocupação, segundo informe anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos[11].
Os critérios de classificação para listar os países que mais ferem os direitos da pessoa humana são as violações graves contra a institucionalidade democrática, a suspensão total ou parcial dos direitos postulados na Convenção e na Declaração Americana, as violações maciças, graves e sistemáticas dos direitos humanos por parte do Estado e a ocorrência de crises institucionais, omissões e não cumprimentos que deixem vulnerável a materialização de tais direitos. Merece destaque o fato de que, pela primeira vez, os Estados Unidos foi citado, devido ao seu controle do centro de detenção de Guantánamo.
Ao mesmo tempo, se faz necessário reconhecer que as violações sistemáticas e maciças dos direitos humanos aumentam com a mesma velocidade da assinatura dos tratados e são tão universais quanto as declarações que os proclamam, como denunciam quotidianamente os relatórios das Nações Unidas e das Organizações Não Governamentais e como podemos constatar quotidianamente no nosso País. Poderíamos interpretar este fenômeno como um efeito da própria declaração universal: violações aos direitos humanos sempre existiram na historia da humanidade em todas as épocas e civilizações, porém somente agora aparecem como tais, porque somente agora temos um critério e um parâmetro que nos permite medi-las, verifica-las e denunciá-las (p.24)[12].
Com vista de reafirmar os direitos humanos, principalmente no que concerne à liberdade religiosa, em 1991, a Declaração Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias, promulgada em Assembleia Geral das Nações Unidas considera o problema das minorias nacionais e étnicas, religiosas ou linguísticas que tem sido um fator de instabilidade no contexto atual. Chama a atenção para a necessidade da cooperação internacional para a promoção e a proteção dos direitos das pessoas pertencentes a grupos minoritários e a promoção da amizade entre os povos.[13]
Anos depois, em 1995 pela conferência da Unesco é promulgada a Declaração de Princípios sobre a Tolerância. Este documento pressupõe as ações das Nações Unidas na luta contra a discriminação racial e a promoção da educação em direitos humanos e os direitos das populações indígenas do mundo[14]. Revela também preocupação com a intensificação da intolerância, da violência e da discriminação étnica, religiosa linguística, de grupos vulneráveis.
4. O CASO YOUSEF NADARKHANI
Yousef Nadarkhani é iraniano e pastor cristão. Foi acusado, condenado e sentenciado à morte por apostasia, por tornar-se um cristão. Os oficiais iranianos exigiram que ele negasse sua fé em Jesus Cristo ou morte, ele respondeu: "Eu não posso." Ele foi preso ilegalmente e separado de sua esposa e dois filhos desde 2009, acusado do crime de blasfêmia. Recebeu sentença de morte por apostasia no ano de 2010. Seu caso ganhou repercussão internacional, por parte da imprensa e de ativistas de Direitos Humanos. Ele já foi julgado pela corte diversas vezes, o que lhe deu a oportunidade de renegar sua fé para que a sentença de morte fosse suspensa. Muitas ações e protestos ao redor do mundo ajudaram a adiar sua execução. A esposa de Yousef foi condenada à prisão perpétua.
Em janeiro de 2013, a Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no Irã (CIDHI) lançou outro relatório, denominado "O custo da fé: perseguição de cristãos protestantes e convertidos no Irã", o qual argumenta que grande parte das prisões de cristãos iranianos são "arbitrárias" e políticas, em vez de serem por conta de algum crime cometido. Segundo este relatório, as acusações mais comuns incluem "propaganda contra o regime", "ação contra a segurança nacional", "contato com inimigo estrangeiro ou grupo anti-regime" e "conspiração com inimigos estrangeiros"[15].
Segue abaixo a tradução não-oficial da sentença do Tribunal Supremo Iraniano, datada de 5 de dezembro de 2010:
O senhor Youcef Nadarkhani, filho de Byrom, 32 anos de idade, casado, nascido no estado de Gilan, foi condenado por dar as costas ao islamismo, a mais grande religião, cujo profeta é Muhammad, à idade de 19 anos. Ele participou com frequência do culto cristão e organizou serviços residenciais da Igreja, foi batizado, evangelizou e batizou outras pessoas, convertendo muçulmanos à religião Cristã. Foi acusado de violar a Lei Islâmica desde a puberdade (15 anos, de acordo com a lei do islã). Até a idade de 19, no ano de 1996, cresceu como muçulmano em um lar muçulmano. Durante o julgamento, ele negou a profecia do Muhammad e a autoridade do Islã. Ele declarou ser um cristão e já não ser muçulmano. Durante os julgamentos no tribunal com a presença do seu advogado e de um juiz, foi sentenciado a ser executado por enforcamento de acordo com o artigo 8 da Tahrir –olvasileh. A sentença foi apelada pelo seu advogado e enviada para a corte suprema de justiça. A resposta da Corte Suprema de Justiça: Sabemos que o senhor Nadarkhani confessou que, em seu coração e em suas ações, negou ser muçulmano e se converteu ao cristianismo, aconselhando e motivando outros muçulmanos a converterem-se ao cristianismo. E, por causa de suas ações como pastor da Igreja, repetidamente professou sua fé cristã e negou o profeta Muhammad e o 12º Imam, rejeitando totalmente o Corão e a verdade dele. O caso foi enviado para a Corte Suprema de Justiça (Juiz Fazeli) e de acordo com a parte 2 do artigo 265 da lei penal da República Islâmica, o caso
foi recebido e voltou para o tribunal de Gilan, seção 11, e foi investigado novamente para provar que, desde a puberdade (15 anos), até os 19, ele não foi muçulmano, fato reconhecido pelos seus amigos, parentes, as pessoas mais velhas locais e muçulmanos com quem ele mantinha contato. Ele deve se arrepender de sua fé cristã se for o caso. Não foram realizadas outras investigações para provar isto. Caso possa ser provado que ele praticava como muçulmano na idade adulta e não se arrependeu, a pena de execução será efetivada. [16]
A perseguição religiosa é um fenômeno crescente em todo o mundo e o Estado do Irã encontra-se no rol de perseguidores, haja vista ser uma República Islâmica.
Um novo relatório das Nações Unidas ressalta violações do Irã dos direitos humanos. Ahmed Shaheed, um relator especial da ONU do Conselho de Direitos Humanos citou evidências de "um padrão notável de violações dos direitos humanos fundamentais garantidos pelo direito internacional."[17]
Vale lembrar que o Irã fez parte dos 48 países que assinaram a Declaração dos Direitos Humanos em 1948 e que, por unanimidade, foi declarada verdadeira e deveria ser adotada em todos os países. A Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, aprovou em 11 dezembro de 2011 uma resolução para eliminar todas as formas de intolerância religiosa na qual se exortam os Estados a garantirem que ninguém seja privado da vida, da liberdade, e da segurança por razões de religião ou crença[18].
Em 7 de março de 2012[19] enviaram uma declaração à imprensa, e a Embaixada da República Islã em Brasília, ao desmentir as notícias publicadas sobre a sentença de condenação de morte do Sr. Yousef Nadarkhani, informa que não foi emitida nenhuma sentença definitiva pelo Poder Judiciário da República do Irã, relativa a esse individuo e ainda consta que o artigo 13º da Constituição da República Islâmica reconhece que os seguidores das grandes religiões celestiais, incluindo cristãos, como minorias religiosas aceitando e enfatizando os seus direitos de cidadãos religiosos, e de acordo com este artigo estão livres para realizar cultos e ensinamentos religiosos e praticar estados cívicos, baseados em sua formação, bem como com relação especifica ao Pr. Yousef Nadarkhani, destaca enfatizando a independência do Poder Judiciário, relembrando que o individuo referido foi preso baseado nas leis e regulamentadas da República Islâmica do Irã.
Vale destacar os esforços que o Brasil teve para libertar o iraniano pastor protestante Yousef Nadarkhani, conjuntamente a crescente pressão internacional para a liberação do Pastor Yousef. O Brasil é um dos poucos países no mundo que tem relações económicas e diplomáticas com o Irã e consegue se comunicar diretamente com o governo iraniano.
Segundo informações da Portas Abertas, uma organização cristã internacional, em setembro de 2012, o pastor Yousef Nadarkhani foi absolvido da acusação de apostasia que poderia condená-lo à morte; mas recebeu uma sentença de três anos de prisão por evangelizar muçulmanos. Uma vez que ele já havia passado cerca de três anos preso em Lakan, Rasht, aguardando o julgamento e sua decisão, o pastor foi liberado imediatamente após pagar fiança.
Contudo, em 25 de dezembro, noite de Natal, durante uma ação irregular, Yousef foi novamente detido por ordens de autoridades da prisão, que afirmaram que o cristão havia sido liberado cedo demais devido à insistência de seu advogado, Mohammed Ali Dadkhah.
Dadkhah, um proeminente advogado de direitos humanos, foi posteriormente condenado a dez anos de prisão e destituído de suas funções na Ordem dos Advogados do Irã, em setembro de 2012, por promover "ações e propaganda contra o regime islâmico" e manter livros subversivos em sua casa. Ele também foi proibido de praticar ou ensinar a lei por dez anos.
Atualmente, Dadkhah está detido na prisão de Evin, em Teerã. Relatórios sobre a detenção informaram que sua saúde está terrivelmente debilitada; ele vem sofrendo perda de memória e vive sob a pressão de confessar uma culpa que não lhe cabe[20].
Os seres humanos caracterizam-se pela diversidade de seus comportamentos, valores, aspectos individuais e liberdade. Cada homem é livre para escolher suas convicções e seus credos. Nesse contexto, todos têm o direito de viver com dignidade e tendo suas singularidades respeitadas. No que tange à liberdade religiosa, a convivência em sociedade requer de cada um a prática constante da tolerância e do respeito.
O respeito e a tolerância, como atitude ética, política e jurídica, não implica suportar ou ser condescendente com os demais seres humanos, mas implica aceitar e respeitar as diferenças e singularidades, rejeitar as injustiças sociais e a discriminação de pessoas e grupos e reconhecer que toda pessoa tem a livre escolha das próprias convicções e a liberdade de seguir uma religião ou não ter crença alguma. A tolerância é, portanto, “uma atitude ativa fundada no reconhecimento dos direitos universais da pessoa humana e das liberdades fundamentais do outro” (Declaração de Princípios sobre a Tolerância, Art. 1).[21]
A espiritualidade é uma área da vida que exerce um papel fundamental na existência humana. Pode contribuir para a redução de preconceitos, intolerância e discriminação contra esse outro que é semelhante, mas é concomitantemente diferente. Existe uma aspiração à paz e à democracia por detrás dessa convivência harmoniosa.
Diante desta grave situação de intolerância religiosa no Irã, que afronta o mais básico direito fundamental de um cidadão, que é a expressão de sua fé de forma livre e resguardada pelo sistema legal pátrio, nota-se o quanto a sociedade precisa caminhar para atingir um patamar de respeito mínimo à liberdade religiosa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que um dos princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas é o da dignidade e o da igualdade próprias de todos os seres humanos, e que todos os estados membros se comprometeram em tomar todas as medidas conjuntas e separadamente, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, para promover e estimular o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos, sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião; avalia-se a má conduta do Estado iraniano perante o caso do Yousef Nadarkhani.
O Irã tem se revelado, perante o cenário internacional, um Estado violador dos direitos humanos, especialmente no que tange à liberdade religiosa. Com isso, tem a postura de violar a Declaração Universal de Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, nos quais são proclamados os princípios de não discriminação e de igualdade diante da lei e o direito à liberdade de pensamento, de consciência, de religião ou de convicções.
Nota-se com isso a criação de um contexto favorável ao surgimento de guerras e grandes sofrimentos à humanidade, especialmente nos casos em que sirvam de meio de intromissão estrangeira nos assuntos internos de outros Estados. Gera então um clima inseguro entre os povos e as nações. Não se pode esquecer a importância contida na religião para quem a profere, sendo um dos elementos fundamentais em sua concepção de vida e que, portanto, a liberdade de religião ou de convicções deve ser totalmente garantida.
Infelizmente, pelo mundo tem sido comum ocorrerem manifestações de intolerância e a existência de discriminação nas esferas da religião ou das convicções que ainda existem em alguns lugares do mundo. Deste modo, é de grande relevância promover a compreensão, a tolerância e o respeito nas questões relacionadas com a liberdade de religião e de convicções. Vale também assegurar que não seja acolhido o uso da religião ou das convicções com fins incompatíveis com os da Carta, com outros instrumentos pertinentes das Nações Unidas e com os propósitos e princípios da presente Declaração.
Finalmente, a liberdade de religião ou de convicções deve contribuir também na realização dos objetivos da paz mundial, justiça social e amizade entre os povos e à eliminação das ideologias ou práticas do colonialismo e da discriminação racial. É necessário o engajamento dos Estados assinantes da Declaração Universal dos Direitos Humanos de modo que a comunidade internacional providencie as medidas cabíveis para a rápida eliminação desta intolerância em todas as suas formas.
REFERÊNCIAS
Brasil. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Diversidade religiosa e direitos humanos: reconhecer as diferenças, superar a intolerância, promover a diversidade / Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; organização Marga Janete Ströher, Deise Benedito, Nadine Monteiro Borges. – Brasília : Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2011.
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GUERREIRO, SARA. As fronteiras da tolerância: Liberdade religiosa e proselitismo na Convenção Européia de Direitos Humanos. Coimbra: Almedina, 2005.
ONU, Report of the Special Rapporteur on freedom of religion or belief, Heiner Bielefeldt, 2011.
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ONU. Declaração universal dos direitos humanos. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em 11 de junho de 2014.
RESENDE, Augusto César Leite de. A executividade das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil. Revista de Direito Internacional. Vol. 10, n. 2, Brasília, 2013.
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