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A eventual defesa no impeachment

04/12/2015 às 07:35
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O artigo discute sobre eventual argumentação de defesa que poderá ser usada no procedimento de impeachment.

Estamos diante de um fato consumado. Foi aberto o procedimento de impeachment da atual presidente.

Emparedado por uma série de denúncias de corrupção e abandonado pelo PT no Conselho de Ética, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decidiu vingar-se e acolheu ontem a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT), o primeiro a ser analisado pelo Congresso desde a renúncia do ex-presidente Fernando Collor, em 1992. Cunha concordou com os argumentos apresentados pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, que apontam a existência de crime fiscal no orçamento deste ano. A tramitação começa hoje, com a leitura da denúncia no plenário.

O novo pedido de afastamento protocolado pelas oposições, assinado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior, usa um parecer recente do Ministério Público junto ao TCU indicando que este ano Dilma assinou ao menos quatro decretos presidenciais que somam R$ 800 milhões, provas de que Dilma autorizou gastos sem permissão do Congresso, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma prova com a assinatura da própria presidente, o que caracteriza o chamado “ato de ofício”.

O Professor Reale Junior insiste em que as “pedaladas fiscais” de 2014 e 2015 já condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) também façam parte do processo, mas esse debate deve ir ao STF. Lá se discute se os fatos que já foram objeto de análise e reprovação das contas pelo TCU no primeiro mandato da presidente podem ser objeto de discussão no procedimento de impeachment.

Para se ter uma ideia do que representam essas pedaladas fiscais, a regularização delas, significa um rombo de próximo de R$50 bilhões no orçamento, com relação a atrasos no repasse de recursos devidos pelo Tesouro aos bancos públicos vista a meta fiscal para 2015.

Os Decretos de abertura de crédito, assinados pela Presidente, estão em flagrante afronta à lei orçamentária, afirma-se. O artigo 15 da LRF diz tratar-se de despesa não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público, criando as condições para a tipificação do crime no artigo 359 do Código Penal. No Artigo 10, alínea 4, da Lei de Responsabilidade Fiscal está dito: São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária: 4 – Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária. No Artigo 11, alínea 3, explicita-se: São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: 3 – Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.

É importante ressaltar, argumentam consultores do TCU, que as ‘pedaladas’ foram na verdade instrumento para fraudar a programação financeira e o cronograma mensal de desembolso. Ao omitir pedidos de créditos suplementares cujas despesas se confirmaram em 2014, repetindo o padrão de 2013, ficaria clara a intenção de não incluir tais créditos de despesas obrigatórias na programação financeira para parecer, artificiosamente, haver fôlego financeiro e fiscal para realizar mais despesas discricionárias, que são aquelas que os governos gostam de realizar em ano eleitoral, como os investimentos, pois isso dá voto.

O Executivo com essa conduta flertou com a improbidade(artigos 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa), por violação ao disposto no artigo 36 da Lei Complementar 101/00, devendo ainda ser apurada a responsabilidade penal no que concerne a incidência do artigo 359 – A do Código Penal. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. Pode-se ainda falar na incidência do artigo 359 – D do Código Penal.

Há ainda o crime de responsabilidade, nos termos do artigo 11 da Lei 1.079, de 14 de abril de 1950, que envolve a fiel guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos e o fato de contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.

O fato deve ser objeto de investigação pelo Ministério Público Federal para análise da materialidade e autoria delituosa em todas as suas circunstâncias. Com a investigação feita deverá se concluir se houve ou não conduta criminosa e suas consequências no Direito Penal.

As condutas referenciadas exigem na prática da conduta o dolo.

Não há dúvida alguma com relação a aplicação do dolo direto. Somente se realiza o tipo penal através do resultado.

No entanto, surgem dúvidas com relação ao chamado dolo eventual.

No dolo direto ou determinado, o agente prevê o resultado(consciência) e quer o resultado(vontade). No dolo eventual o agente prevê o resultado(consciência), não quer, mas assume o risco(vontade). O dolo eventual, espécie de dolo indireto ou indeterminado(dolo alternativo ou dolo eventual) distingue-se da culpa consciente, quando o agente não prevê o resultado(que era previsível) e não quer, não assume risco e pensa poder evitar.

Reportagem do jornal “Valor Econômico” revelou a existência de nota técnica assinada pelo ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin, em 30 de dezembro de 2014, em que o então secretário diz ser dele a responsabilidade por fazer a liberação e a transferência de recursos pelo tesouro.

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Na nota técnica referenciada, redigida pela Coordenadoria Geral de Programação Financeira(Cofin) e pela Subsecretaria de Política Fiscal(Supof), Arno reitera que “cumpre à Supof e à Cofin procederem na operacionalização da liberação/transferência desses recursos, posteriormente à autorização de liberação pelo secretário do Tesouro Nacional”.

A discussão surge dentro do que se intitulou de “pedaladas fiscais”, forma de maquilagem identificada na execução da programação financeira do Executivo.

Parece, para alguns intérpretes, que tudo teria se passado de forma centralizada pela pessoa do ex-secretário do Tesouro que deteria o domínio do fato.

Estaria a Presidente da República sem saber do fato e alheia ao que aconteceu a seu redor com relação a todas as suas circunstâncias?

Fala-se em “cegueira deliberada”, que “seria uma espécie de dolo eventual, onde o agente sabe possível a prática de ilícitos no âmbito em que atua e cria mecanismos que o impedem de aperfeiçoar a sua representação dos fatos”. A doutrina lançou o exemplo do doleiro que suspeita que alguns de seus clientes possam lhe entregar dinheiro sujo para operações de câmbio e, por isso, toma medidas para não ter ciência de qualquer informação mais precisa sobre os usuários de seus serviços ou sobre a procedência do objeto de câmbio.

Assim é possível equiparar a cegueira deliberada ao dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos. Dessa forma é essencial que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento com a intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer. Se ele incorrer em desídia ou negligência, na formação dessas barreiras, não haverá dolo eventual, podendo haver culpa consciente.

Alerte-se que a programação financeira e o contingenciamento são matérias de competência do presidente da república e a conduta dolosa que desrespeita os seus preceitos o sujeita a crime de responsabilidade. O crime é próprio de modo que só pode ser cometido por determinada pessoa, tendo em vista que o tipo penal exige certa característica do sujeito ativo.

É certo que a defesa da Presidente da República que deve ser conduzida independentemente da participação da AGU, deve levar em conta não só essa possibilidade de cometimento de ilícito sob culpa consciente, o que extirparia o crime por falta do elemento típico dolo ou ainda pela inexigibilidade de conduta diversa.

Damásio Evangelista de Jesus (Comentários à lei de responsabilidade fiscal, São Paulo, Saraiva, 2001, pág. 611) ensinou que poderá haver no crime previsto no artigo 359 – A do Código Penal e nos demais crimes contra as finanças públicas a incidência da causa de exclusão de ilicitude prevista no artigo 24 do Código Penal (estado de necessidade). Para Celso Delmanto, Roberto Delmanto (Código penal comentado, São Paulo, ed. Renovar, 6ª edição, pág. 735) haverá ainda a possibilidade de inclusão nos delitos da inexigibilidade de conduta diversa, exculpante extralegal. Sabe-se, aliás, que o Código Penal não contempla a inexigibilidade de conduta diversa como causa legal de exclusão de culpabilidade.

Na doutrina pátria, Francisco de Assis Toledo (Princípios básicos de direito penal, São Paulo, Saraiva, 1991, pág. 329) admite a causa supralegal desde que se considere a não-exigibilidade, em seus devidos termos, isto é, não como um juízo subjetivo do próprio agente do crime, mas, ao contrário, como um momento do juízo de reprovação da culpabilidade normativa, o qual compete ao juiz do processo. À luz de Bettiol, ensina que cabe ao juiz, que exprime o juízo de reprovação, avaliar a gravidade e a seriedade da situação histórica na qual o sujeito age, dentro do espírito do sistema penal. Sendo assim, quando se parte do pressuposto de que um comportamento só é culpável na medida em que um sujeito capaz haja previsto e querido o fato lesivo, deve-se necessariamente admitir que tal comportamento já não possa considerar-se culpável todas as vezes em que, por causa de uma circunstância fática, o processo psíquico de representação e de motivação se tenha formado de forma anormal.

Consuma-se o crime, em qualquer de suas modalidades, com a ordem ou autorização de abertura de crédito, incorrendo nas irregularidades relacionadas. Com relação às modalidades ordenar e autorizar somente se consumam com a efetiva abertura do crédito, nas circunstâncias mencionadas.

Essa será a defesa da presidente, principalmente no âmbito criminal, se for o caso: a tese da cegueira deliberada de forma a atrair conduta culposa que fuja do tipo doloso; a inexigibilidade de conduta diversa no âmbito da culpabilidade. Poderá ter boas possibilidades de sucesso.

No campo do impeachment, processo misto, de índole politico-criminal, tudo poderá acontecer dentro da cultura politica que se tem.

Enquanto isso o povo brasileiro segue sofrendo  por sua sobrevivência diária, lutando por seu trabalho e seu ganha-pão.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A eventual defesa no impeachment. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4538, 4 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45074. Acesso em: 5 nov. 2024.

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