Legalidade do uso da força no caso da anexação do Crimeia pela Rússia

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Análise do uso lícito da força pela Rússia na anexação da Crimeia

Considerando que o Direito Internacional contemporâneo reconhece o uso legítimo da força apenas em caso de legítima defesa individual e coletiva e em caso de segurança coletiva, que exige autorização prévia do Conselho de Segurança da ONU, cabe analisar, à luz do Direito Internacional, se durante a atuação da Rússia na anexação da Crimeia houve a configuração de uma dessas hipóteses permissivas.

A priori, não poderia a Rússia justificar sua atuação na Crimeia como o uso da legítima defesa, uma vez que não houve ataque real ou iminente aos nacionais de etnia russa que habitavam a região.

 Ainda que a população de etnia russa se achasse ameaçada pelo governo central ucraniano, a atuação da Rússia, nos moldes em que se efetivou, teria violado o princípio da proporcionalidade.

Tendo em vista o relatório elaborado, em 15 de abril de 2014, pelo Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos que concluiu pela inexistência de grave violação de direitos humanos na Crimeia, não poderia a Rússia justificar sua atuação sob a alegação de intervenção humanitária.

Por fim, nem mesmo poderia o governo russo, sob a perspectiva do Direito Internacional, fundamentar que sua intervenção naquela região teria sido autorizada pelo governo local, com o fito de torná-la legítima. Isso porque, o consentimento dado por Viktor Yanukovich estava eivado de vício, já que a competência para dar autorização é da autoridade central, ou seja, do presidente da Ucrânia.


Considerações finais

Como consabido, desde o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o uso da força militar em outro Estado foi proscrito, terminantemente, pela Carta da ONU, havendo apenas duas hipóteses reconhecidas pelo Direito Internacional contemporâneo em que é permitido.

No caso envolvendo a anexação da Crimeia pela Rússia, é razoável concluir que, ainda que não se possa afirmar, categoricamente, que tenha o governo russo usado da força durante a sua intervenção militar naquela península, não resta dúvida de que houvera ao menos uma ameaça do uso da força.

Sendo infundadas as alegações do governo russo para justificar sua intervenção militar na Crimeia, uma vez que o relatório do Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos concluiu pela inexistência de qualquer ameaça ou violação de direitos humanos pelo governo central ucraniano contra a população de etnia russa ali presente, resta incontroverso que sua atuação constitui uma agressão à soberania e integridade do Estado ucraniano.


REFERÊNCIAS

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Nota

[1] Dispõe o art. 51 da Carta das Nações Unidas: Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou colectiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer momento, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.

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ABSTRACT: In the present study aims to analyze the legality of the intervention of Russian military force in the Crimea. Therefore, it takes as its starting point the general rule prohibiting the use of force envisaged in the UN Charter, 1945, and then it turns out, in the light of international law, which the assumptions on which can be employed. Thus, it is defined, then, from a legal point of view, whether or not the practice of interference by Russia in the case that led to the annexation of Crimea to its territory.

Keywords: annexation of Crimea, use of force, self-defense, international law

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Sobre as autoras
Cecília Nazareth de Carvalho Brito

Estudante de Direito da Universidade Estadual do Maranhão

Valéria Karine de Sá Carvalho

Acadêmica do 8º período do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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