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Modificações na Parte Geral do novo CCB.

Das pessoas e dos bens

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Fim da Personalidade

Acrescentou-se, no art. 7º, a morte presumida sem decretação de ausência se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; ou se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até 2 (dois) anos após o término da guerra (após esgotadas as buscas). Tal disposição normativa traz ao bojo do direito codificado o cerne da disciplina relativa a antiga ação de justificação de morte, sendo importante passo rumo a perfeita caracterização da morte em situações onde existe forte probabilidade dela ter ocorrido.

A morte com ausência, prevista no art. 6º, in fine, é novidade mais importante ainda, pois rompe com a antiga sistemática (o ausente era considerado absolutamente incapaz), além de deslocar o instituto da ausência para a Parte Geral (já que se refere ao fim da personalidade), retirando-o do direito de família.

A disciplina da ausência não sofreu alteração de monta com relação ao direito anterior (além da mudança do local onde é tratada), ressalvando-se apenas que a diminuição dos prazos para sua decretação, apesar de aparentemente ser novidade no nosso sistema jurídico, de fato não o é, uma vez que o Código de Processo Civil já traz normas prevendo os prazos mais curtos ora reproduzido no novel diploma Civil.

Feitos esses esclarecimentos, apenas para não deixar sem tratamento matéria antes não afeta à Parte Geral, passa-se a analisar, sucintamente, os principais aspectos do instituto, que se divide em três fases: curadoria do ausente, sucessão provisória e sucessão definitiva.

Na curadoria do ausente, a preocupação maior é com o patrimônio deste. O suporte fáctico vem assim descrito: Desaparecendo qualquer pessoa do seu domicílio + sem que haja notícia sua + sem deixar representante ou procurador para administrar seus bens + havendo requerimento de qualquer interessado ou do MP » juiz :arrecadará os bens do ausente + nomeará curador para administrá-los. O curador deve ser o cônjuge (se não estiver separado), companheiro, pais ou descendentes, nessa ordem. Feita a arrecadação, empossado o curador, juiz manda publicar, por um ano, de dois em dois meses, edital convocando o ausente. Um ano após a publicação do último, pode qualquer interessado requerer a abertura da sucessão provisória.

Nesta, abre-se o inventário e dá-se a partilha dos bens, mas com certas restrições. Com efeito, a sentença só produz efeitos 6 meses depois de ser publicada pela imprensa; os bens são partilhados, mas os herdeiros têm de prestar garantia para serem empossados nos bens, exceto os descendentes e os cônjuges; é vedada a venda de bens imóveis, exceto em caso desapropriação, para evitar ruína, ou para comprar títulos da dívida pública, se convier; e só metade das rendas pertencem aos herdeiros (que devem comprar imóveis e títulos da dívida pública, além de prestar contas anualmente), exceto cônjuge, companheiro, ascendente e descendente.

Por fim, 10 anos após passado em julgado a sentença que decreta a abertura da sucessão provisória, ou então cinco anos da última notícia dele, se tiver mais de 80 anos, dá-se a sucessão definitiva, cujas conseqüências podem ser assim resumidas: cessam os óbices, e se o ausente voltar pega as coisas que existirem e no estado em que se encontrem (se com o produto da venda foram comprados títulos ou outros imóveis, dá-se a sub-rogação real,se não o ausente receberá o preço que os herdeiros receberam). Quanto ao cônjuge: após a sucessão, presume-se a morte, e esta cessa o casamento, ao contrário do direito anterior, onde a ausência não rompia o vínculo matrimonial.


Direitos da Personalidade

À época da elaboração do Código Civil de 1916, ainda havia dúvidas quanto a existência dos direitos da personalidade, dúvida esta desde há muito solucionada na doutrina e jurisprudência, que os consagraram francamente, assim como o fez o texto constitucional de 1988. Outrossim, é o Código Civil o primeiro diploma a consagrar um Capítulo inteiro a disciplina normativa de tais direitos.

Miguel Reale [10] assim se expressou sobre a introdução desse capítulo: "Merece encômios essa providência de incluir disposições sobre os direitos da personalidade, uma vez que a pessoa é o valor-fonte de todos os valores jurídicos."

Dito isso, passa-se a análise do assunto.

Tendo em vista que a personalidade jurídica é inerente a todo ser humano nascido com vida, a ela estão atrelados direitos subjetivos (direitos da personalidade) hábeis a defender o que lhe é próprio: integridade física, integridade moral e integridade intelectual. Tais direitos não passíveis de apreciação econômica imediata, já nascem com a pessoa, sendo inerentes a toda pessoa natural (seu sentido econômico é totalmente secundário, e só aparece em caso de transgressão, quando se apresenta uma reparação pecuniária indenizatória, substitutiva), e constituem-se numa verdadeira e indispensável forma de dar efetividade ao princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana.

Vêm do fato jurídico do nascimento com vida, personalidade, sendo direitos subjetivos, exigíveis pelo titular contra o sujeito passivo universal, quer dizer, cabe a todos respeitar esses direitos (não violá-los).

Têm por características, entre outras, serem: inatos (originários, se adquirem ao nascer, independentemente de qualquer ato de vontade); absolutos (oponíveis erga omnes); inalienáveis (impassíveis de transmissão, à título gratuito ou oneroso); imprescritíveis (não se perdem pelo seu não uso, independentemente do tempo); irrenunciáveis (o titular não pode deles abdicar); e vitalícios (perduram por toda a vida, alguns até mesmo para depois da morte).

Tais direitos podem, em caráter excepcional, sofrerem restrições, desde que estas não sejam permanentes nem gerais, devendo-se para tanto se utilizar do princípio da razoabilidade, em cada caso concreto.

Exemplificadamente, pode-se resumi-los, tal qual a doutrina de Paulo Lôbo [11], em direito à: vida (aí incluída a discussão quanto a aborto e autanásia); liberdade; intimidade (fatos, situações e acontecimentos que a pessoa deseja manter sob seu domínio exclusivo, ex. dados e documentos); vida privada (ambiente familiar e cuja lesão resvala nos outros membros do grupo); honra (respeito, boa fama); imagem (retrato, efígie); direito moral de autor; sigilo; direito à identificação pessoal (aí incluída a proteção ao nome da pessoa); e direito à integridade física e psíquica.

Quanto a disciplina específica do Código, nos arts. 13-14, tenta-se impedir os atos de disposição do próprio corpo, salvo às hipóteses especificadas nas Leis 9434 e 10211, que permitem transplante entre vivos desde que não cause forte risco à vida ou mutilação inaceitável, sendo vedado, em qualquer caso, o comércio de órgãos. Ou seja, pode desde que: não importe diminuição permanente da integridade física + não contrarie os bons costumes. Pode desde que sejam órgãos duplos (rins), ou se regenerem (fígado), etc.

Questão interessante nesse ponto diz respeito a transexualidade: condição sexual da pessoa que rejeita a sua identidade genética e a própria anatomia de seu gênero, identificando-se psicologicamente com o sexo oposto. Segundo Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze [12] é possível fazer a cirurgia de mudança de sexo, desde que : especialistas provem a sua necessidade + não haja risco para o paciente + autorização judicial (direito à dignidade, felicidade, compõem o SF).

Por fim, registre-se que também abrange (a integridade física) o direito ao corpo morto: art 14 e Lei 10211 (que acabou com a presunção de doação, agora precisa de autorização do cônjuge ou parente. Devendo-se observar que essa autorização só deve ser exigida em caso de omissão da pessoa falecida, seja por testamento ou qualquer instrumento hábil).

No art. 15 exige-se a necessidade de prévia autorização do paciente em caso de tratamento médico ou intervenção cirúrgica que ponham em risco a vida da pessoa, ressalvando-se que a necessidade de concordância não abrange os casos de urgência.

A tutela ao nome vem especificada nos arts. 16-19, e se faz, segundo Paulo Nader [13]: "a tutela deste direito da personalidade se faz impedindo o uso do nome e pseudônimo por outras pessoas, garantindo o seu uso pelo titular do direito e permitindo a sua modificação nos casos previstos em lei". De outra banda, a utilização do nome de alguém em propaganda comercial requer a sua autorização prévia; assim como a lei veda a sua utilização em publicações ou representações, capazes de provocar o desprezo social.

No art. 20 procura-se afirmar forma específica de proteção à honra e imagem da pessoa, sendo importante ressaltar que a lei não proíbe o uso da imagem, tanto que não condiciona a sua utilização inocente à prévia utilização. O que a lei visa é coibir o abuso, o uso indevido que provoque constrangimento, que normalmente vem representado pela ofensa à honra, mas não necessariamente, como aliás já vinha decidindo (antes do novo Código Civil), o STF, como se percebe no RE 215-984/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso (DJU 28.02.2002):

"Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constragimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constragimetno. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5º, X."

Outra questão interessante diz respeito ao confronto de certos direitos da personalidade (especialmente imagem e honra), com a liberdade de informação. Certamente não se pode ter uma visão absolutista (no sentido de sem limitação) a esses direitos da personalidade, de modo que o direito de informar, verdadeira pedra basilar do Estado Democrático de Direito, não pode ser aniquilado por uma interpretação extensiva, que defenda a impossibilidade de informar sobre determinados assuntos porque isso poderia ofender a honra de alguém (denúncias de corrupção, por exemplo). Ou seja, no confronto entre essas duas ordens opostas de direitos, deve-se buscar a limitação ao direito de informar na própria CF, por meio da: garantia de direito de resposta proporcional ao agravo; vedação ao anonimato; e indenização do dano material e moral decorrente da sua violação (que deve ser analisada em cada caso concreto, segundo um critério de razoabilidade, vedando-se os abusos, estes sim devem gerar indenização, mas permitindo-se o direito geral de informar).

Por fim, acrescente-se que o art. 12 traz uma forma específica de tutela, sendo de se acrescer que o seu parágrafo único, ao dizer quem tem legitimidade para pleitear em nome do morto, não fala em companheiro (provavelmente um esquecimento, já que essa expressão fora esquecida, só sendo colocada no projeto já pronto), termo que deve se entender incluído no citado artigo, o mesmo se dizendo quanto ao parágrafo único do art. 20.


Pessoa Jurídica

No art. 41 inseriu-se as autarquias e demais entidades entre as pessoas jurídicas de direito público interno.

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Primeiramente cabe responder a indagação de qual a justificativa para um Código Civil (ramo por excelência do direito privado, onde as relações jurídicas travadas se dão entre sujeitos que não têm supremacia um em face do outro) trazer a classificação das pessoas jurídicas de direito público (onde o Estado participa de relações jurídicas utilizando-se do seu poder de império, da sua supremacia); sendo tal resposta formulada a partir da constatação de que a Parte Geral do CC se destina a todos os ramos do direito, emprestando os seu conceitos a todas as relações jurídicas, mesmo que de ramos outros que não o direito civil, o que inclusive dá uniformidade e sistematização ao sistema jurídico pátrio; além do que inexiste um Código de Direito Público, ou mesmo de direito administrativo, pelo que se faz útil a existência dessa classificação, ainda que num Código Civil, sob pena de inexistir essa norma geral.

Quanto ao conteúdo dessa inovação, o conceito de autarquia nos é dado pelo Dec-lei 200, que assim dispõe:

"serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receitas próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada".

No tocante as demais entidades, são elas as fundações públicas criadas por lei e as agências reguladoras, que consistem, na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello [14], em "autarquias, qualificadas como autarquias sob regime especial, ultimamente criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades".

Quanto a responsabilidade das pessoas jurídicas, foi inserido o art. 43, que acrescenta disposição sobre a responsabilidade objetiva do Estado, seguindo assim a diretriz constitucionalmente estabelecida.

Nos arts. 44, I e II, c/c 53 e 981, fez-se a perfeita distinção entre sociedade e associação.

De fato, no CC de 1916 não existiam regras cuidando dessa diferença, cabendo a doutrina tal mister; agora, o próprio NCC traz a perfeita distinção dessas espécies de pessoas jurídicas, destinando à associação a vontade humana de várias pessoas que se unem para alcançar objetivos não econômicos, enquanto à sociedade a vontade humana de várias pessoas que se unem para alcançar objetivos econômicos, ou seja, lucro a ser por elas repartido. Tal distinção, feita à luz do princípio da operabilidade, põe fim a qualquer tipo de dúvida porventura antes existente.

Acrescente-se ainda, apesar de sua disciplina vir tratada no Livro Direito de Empresa, mas por ser desdobramento dos conceitos aqui abordados, que houve a substituição das expressões sociedades civil e comercial (constantes do CC de 1916), por sociedade simples e empresária, esta destinada às sociedades que visam lucro mediante o exercício de atividade econômica direcionada à produção e/ou circulação de bens ou serviços, enquanto aquela compreendendo as sociedades que não pratiquem atividade empresarial (prática de atividades mais ligadas ao intelecto, como as sociedades de advogados).

Destaque-se também a mudança advinda da nova redação do art. 47, relativo ao poder de agir em nome da pessoa jurídica.

O antigo art. 17 do CC de 1916 fazia menção expressa a representação da pessoa jurídica por aquele que seus estatutos indicassem, ou caso não houvesse tal indicação, por seus diretores. Portanto, havia expressa determinação relativa à representação da pessoa jurídica, quer dizer, alguém agia em nome dela, uma outra pessoa (natural) exercia direitos em nome da pessoa jurídica. Comentando acerca desse dispositivo, no que se refere a essas pessoas designadas nos estatutos para atuarem pela pessoa jurídica, Pontes de Miranda faz a pertinente observação científica de que estas pessoas (a quem denomina órgão) não representam a pessoa jurídica, posto não agirem em nome de outra pessoa, mas sim serem a forma da própria pessoa jurídica se expressar (manifestar vontade). Veja-se a lição Ponteana [15], inverbis:

"Os órgão exprimem vontade, ou exprimem conhecimento, ou sentimento; os órgãos que exprimem vontade são os que dirigem, ou resolvem, internamente, ou praticam atos jurídicos stricto sensu e negócio jurídicos; os atos-fatos jurídicos podem ser praticados por outros, conforme os estatutos.

Quanto à natureza do órgão, é de afastar-se (a) que seja representante, e a teoria que o sustentou invocava o direito romano que nunca disso cogitou, nem tinha a nossa concepção da representação. (b) Órgão é órgão, não é representante voluntário, nem legal: a cebe, como o braço, a mão, a boca, ou os ouvidos humanos; o ato e a receptividade são da personalidade do membro do órgão, ou do membro único, não aparece, não se leva em conta, o que não ocorreria se de representação se tratasse; o órgão atua e repessoa jurídica...."

Na seara processual, o festejado Ovídio A. Batista da Silva [16] já comungava desse pensamento Ponteano, como se pode atestar pela transcrição do seguinte trecho de sua obra, in litteris:

"Os órgãos das pessoas jurídicas – diz PONTES DE MIRANDA (Comentários..., 1973, t. 1, p. 318) – são partes de seu ser, portanto não o representam. A lei constitutiva da pessoa jurídica em causa, seja ela de direito público ou de direito privado, dirá quem a deve presentar, torná-la presente (não representá-la) em juízo. O conceito de representação pressupõe a existência de duas pessoas diferentes, a representada e aquela que a representa. Isto não ocorre quando a pessoa jurídica comparece em juiz, através de seus administradores."

Destarte, quando o atual artigo 47 do NCC se refere à obrigatoriedade dos atos expressos pelos administradores da pessoa jurídica, sem fazer referência a representação, tal qual no Código anterior, caminha na linha da cientificamente mais correta "presentação", tal qual defende Pontes de Miranda, ainda que não no reconheça de modo explícito.

No Art. 52, determinou-se que se aplica às pessoas jurídicas a proteção dos direitos da personalidade, naquilo que couber. Dessa forma, os direitos ao nome, imagem, etc., por serem compatíveis com a pessoa jurídica, merecem de proteção legal igual àquela conferida as pessoas naturais, enquanto que direitos como a proteção da integridade física, por serem incompatíveis, obviamente não se projetam nas relações jurídicas das quais fazem parte os entes morais.

De outra banda, nos novos arts. 54–60, foi inserida toda uma disciplina relativa as associações, contendo regras acerca dos elementos mínimos que deve conter os estatutos, exclusão de associados, competência privativa da assembléia, etc, disciplinamento este inexistente no Codex anterior.

Relativamente as fundações (patrimônio que por ato de vontade do instituidor, seja tal ato inter vivos ou causa mortis, fica destinado ao atendimento de certa finalidade lícita que não visa lucro, e de acordo com os requisitos legais), houve algumas mudanças dignas de nota.

No art. 62, parágrafo único, inseriu-se dispositivo especificando quais finalidades podem ter as fundações – religiosos, morais, culturais ou de assistência –, o que vem a tentar impedir a proliferação desmedida de fundações muitas vezes sem propósitos merecedores de amparo da ordem jurídica. Questão interessante que pode surgir diz respeito as entidades de fins de proteção ao meio-ambiente, educacionais ou científicos; estariam elas vedadas de se constituir sobre a forma fundacional ?

A resposta a tal pseudo indagação depende da compreensão do thelos a que visa a presente regra. Ora, sendo a fundação ente importante ao desempenho de atividades sem fim econômico (portanto, que a priori não despertam o interesse privado em nosso sistema Capitalista) que o Estado não consegue satisfazer sozinho, de forma a que a ordem jurídica sempre encorajou as pessoas (físicas ou jurídicas) a destinarem parcela do seu patrimônio para o desempenho dessas atividades, a interpretação restritiva que venha a vedar a criação de novos entes que visem alcançar importantes objetivos sociais (como fomento à ciência, educação ou proteção do meio-ambiente), vai de encontro a finalidade dessa regra, que almeja reforçar apenas a necessidade de que toda fundação tenha finalidade socialmente útil, sendo proibida a persecução de fim econômico.

No art. 63, estabeleceu-se que se os bens destinados forem insuficientes para constituir a fundação, passarão estes desde logo para outra fundação de fim igual ou semelhante (a menos que haja disposição expressa do instituidor em sentido contrário), quando pelo Código anterior, diante da mesma situação, os bens destinados convertiam-se em títulos da dívida pública e ficavam aguardando valorização até serem suficientes para constituir uma fundação. Obviamente, tal disposição mostrava-se pouco efetiva (socialmente eficaz), tendo muito mais eficácia a nova regra.

Por seu turno, no art. 65, parágrafo único, ao tratar da fase da elaboração dos estatutos da fundação, determinou-se que se o instituidor não estabelecer prazo, àquele encarregado da sua elaboração terá 180 dias para fazê-lo, e não o fazendo, ou extrapolando o prazo fixado pelo instituidor, caberá ao Ministério Público tal incumbência.

O art. 66, § 1º explicita a competência do Ministério Público Federal para agir como fiscal da lei relativamente as Fundações domiciliadas no Distrito Federal e Territórios.

Ainda sobre as fundações, cabe destacar o novel art. 68, que altera o prazo para minoria anular mudança no estatuto, que antes era de 01 (um) ano e agora passou para 10 dias, sedimentando o prazo já previsto no art. 1203, parágrafo único do Código de Processo Civil, prazo este que já vinha sendo utilizado, por se tratar de legislação do mesmo nível e mais nova.

Outrossim, indubitavelmente a alteração da maior repercussão prática quanto as pessoas jurídicas adveio da positivação da Teoria da "desconsideração da personalidade jurídica", ou disregard theory, ou disregard of the legal entity, oriunda do sistema jurídico da common law, e que visa quebrar o dogma absoluto da diferenciação patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus membros.

Para uma melhor compreensão do assunto, vale a pena trazer-se à tona as lições de Alexandre Ferreira de Assumpção Alves [17], in litteris:

"A autonomia patrimonial e outras prerrogativas conferidas pelo direito positivo às pessoas jurídicas (nacionalidade, domicílio, nome, etc.) foram sendo deturpadas. Em várias situações alguns sócios, através da fraude ou do abuso do direito por intermédio da pessoa jurídica, invocavam a separação de patrimônios preconizada pela lei para conseguir a isenção de responsabilidade pelos atos ilícitos praticados, desvirtuando os objetivos que determinaram o reconhecimento da personalidade dos entes coletivos. Como outros institutos clássicos, a pessoa jurídica precisava ser ajustada à realidade social, sobretudo após a segunda metade do século XX, onde a visão liberalista e não-intervencionista do Estado foi profundamente modificada em prol dos ditames da valorização do trabalho, da produção e da justiça social.

A desconsideração da personalidade jurídica, teoria surgida no século XIX a partir da análise dos aspectos negativos da pessoa jurídica, ao contrário do que se imagina, não tem intenção nihilista ou aniquiladora do instituto; ao contrário, busca aprimorar a pessoa jurídica, tornando-a flexível em casos onde a autonomia patrimonial e a personalidade encobrem e incentivam abusos."

Primeiramente, a legislação consumerista, em seu art. 28, foi quem positivou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito do direito civil (a legislação trabalhista e tributária já tinham preceitos que muitos defendiam se referir a despersonalização). Entretanto, faltava uma norma geral, capaz de alcançar todas as relações jurídicas, e não apenas adstrita as relações de consumo, o que só veio com o NCC.

O conteúdo dessa desconsideração pode ser assim entendido:

"A teoria da desconsideração autoriza o magistrado a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica sempre que ocorra um uso abusivo ou fraudulento de sua autonomia, e responsabilizar diretamente o culpado, preservando a sociedade e os outros sócios. A desconsideração será aplicada apenas nos casos em que a autonomia patrimonial foi um instrumento propulsor da fraude; para as demais relações jurídicas, continuará a sociedade apta a exercer direitos e contrair obrigações." (18)

Com efeito, o art. 50 do NCC determina:

"Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."

No suporte fáctico da referida norma percebe-se que havendo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, que causem abuso da personalidade (abuso de direito), haverá a incidência da citada regra, cuja conseqüência (preceito), será a extensão dos efeitos de certas relações jurídicas aos bens particulares dos administradores ou sócios desta.

O desvio de finalidade acontece quando o administrador (ou sócio), pratica atos que contrariam os fins da pessoa jurídica, visando com isso alcançar objetivos apenas para ele vantajosos (e.g. um empréstimo bancário cujos recursos captados não são totalmente utilizados na produção, sendo uma parte repartida entre os diretores na forma de bônus); enquanto a confusão patrimonial pode ser entendida como a sociedade que existe apenas formalmente, posto que na realidade é formada por apenas uma pessoa, detentora de quase todo o seu capital social. A exegese mais consentânea com esse dispositivo, deve ser a de que, em ambos os casos (desvio de finalidade ou confusão patrimonial), só se dá a incidência da norma caso haja abuso da personalidade (abuso de direito), caracterizado pela prática de ato irregular (o administrador praticou um ato contrário a própria pessoa jurídica, visando beneficiar a si ou a terceiros).

No tocante a legitimidade para requerê-la, cabe à parte interessada (credor, sócio prejudicado, etc) ou ao Ministério Público, caso lhe caiba intervir no feito.

Ademais, com relação ao preceito, a redação merece uma crítica, por ter se referido a "os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica", o que dá a entender que a responsabilidade seria subsidiária, quando o correto, segundo o sentido da teoria da desconsideração, já amadurecido em sede doutrinária e jurisprudencial (ainda que de forma restrita a certas áreas do direito), é entender que os efeitos de certas relações jurídicas sejam primeiramente buscados no patrimônio do diretor que praticou o ato irregular, e não apenas em caráter subsidiário; até porque a teoria visa proteger a própria pessoa jurídica, aperfeiçoando-a, e não apenas dar maiores garantias aos credores, tanto é assim que a personalidade deve ser desconsiderada até mesmo em casos onde a pessoa jurídica tem bens suficientes para cobrir certo débito, podendo requerê-lo, por exemplo, um sócio não investido em poderes de presentação.

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Sobre o autor
Angelo Braga Netto Rodrigues de Melo

Especialista e Mestre em Direito pela UFAL. Professor de Direito Civil, Administrativo e Tributário dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação de diversas instituições de Ensino Superior. Autor do livro "Substituição Tributária Progessiva no ICMS - Teoria e Prática". Procurador de Estado. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Angelo Braga Netto Rodrigues. Modificações na Parte Geral do novo CCB.: Das pessoas e dos bens. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 144, 27 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4518. Acesso em: 25 nov. 2024.

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