Uma visão sobre a mutilação genital feminina

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07/12/2015 às 13:11
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Esta pesquisa tem como objetivo propor direta e indiretamente uma discussão sobre a diversidade valorativa e de percepção ética, entre o direito internacional e os grupos praticantes de mutilação genital feminina.

Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo propor direta e indiretamente uma discussão sobre a diversidade valorativa e de percepção ética, entre o direito internacional e os grupos praticantes de mutilação genital feminina compreendendo assim, a mutilação em sua totalidade, porém ressaltando as visões sobre a negatividade deste tipo de mutilação e argumentá-las. Para finalizar, visa também apresentar os mecanismos internacionais de combate à mutilação genital feminina, demonstrando sucintamente quais os projetos e maneira de atuação dos mesmos, além da situação atual da pratica em âmbito global.


Introdução

Esta monografia relatará sobre uma prática caracterizada por diversas denominações, mas que será aqui frequentemente tratada de mutilação genital feminina.

Veremos que ao longo da história o homem vem tentando criar soluções para seus problemas em busca daquilo que lhe parece justo. Atualmente estas ideias podem ser mais facilmente compartilhadas, principalmente após a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), que permitiu a criação de meios legais para atingir e perpetuar os direitos humanos nos países membros e de certa forma em todos os outros também. Porém, ainda existem muitas tradições e rituais antigos que são contrários a estes direitos.

O primeiro dos três capítulos desta monografia, explicará o que é conceituado como regime internacional, considerando a posição das Organizações Não – Governamentais como ativas no sistema, demonstrando assim, que questões externas podem influenciar e alterar o comportamento dos Estados.

O segundo capítulo tratará sobre o surgimento dos direitos das mulheres, em especial o surgimento e desenvolvimento dos instrumentos internacionais criados pela ONU na defesa dos direitos das mulheres, que possibilitará no terceiro capítulo, observar a relação entre os grupos praticantes da mutilação e os sujeitos de direito internacional, trazendo alternativas para seus interesses múltiplos, verificando a possibilidade de um consenso entre os mesmos e o estabelecimento de seus limites para uma convivência pacífica.

O terceiro capítulo então segue explicando mais detalhadamente o principal objeto de estudo do trabalho: a mutilação genital feminina, demonstrando assim, como é praticada, seu suposto surgimento, seus danos à saúde da mulher e demonstrando algumas tentativas de combate à prática. Ao final do capítulo, será colocada a questão de que a mutilação genital feminina não deve ser vista apenas como uma tradição e nem mesmo apenas como um ato de inferiorização das mulheres, mas sim como uma questão mais complexa no sentido de que sociedades praticantes da mutilação, carregam culturas miscigenadas por diferentes povos da antiguidade.

Enfim, o Estado que possui entre sua população comunidades que praticam tal ritual, é frequentemente visto com “maus olhos” perante a comunidade internacional, incluindo a opinião publica que é também indiretamente capaz de tumultuar as relações deste Estado com o sistema. É nesse sentido que há muitas mobilizações para algum tipo de acordo que tente preservar as tradições, porém conscientizando a população local e sucessivamente eliminando práticas prejudiciais à saúde, permitindo assim, o livre arbítrio.


1. Regimes Internacionais

Neste primeiro capítulo, será abordado o advento de múltiplos atores no sistema internacional, tomando como base para esta afirmação, as idéias de Paul R. Viotti e Mark V. Kauppi (1993). Segundo estes autores, a Imagem Pluralista sustenta que além dos Estados outros atores também exercem influência no sistema internacional, sendo o sistema estabelecido pela integração de um conjunto de atores. Hedley Bull (in CEPALUNI, 2004) explica que “os procedimentos do direito internacional, a maquinaria diplomática e a organização internacional, assim como os costumes e convenções de guerra são instituições internacionais” (CEPALUNI, 2004). Segundo Stephen Krasner, para Bull as instituições “help to secure adherence to rules by formulating, communicating, administering, enforcing, interpreting, legitimating, and adapting them” (KRASNER, 1983, p. 2)

“Genericamente, um sistema é um conjunto de relações entre atores, colocados em um meio específico, com certo grau de interdependência entre si e submetidos a certo modo de regulação” (PECEQUILO, 2004, p.37).

Segundo Pecequilo, os Estados estão inseridos neste sistema de maneiras diferentes “afinal, permanecem movimentos de resistência e níveis de desenvolvimento e inserção distintos” (PECEQUILO, 2004, p.155). A postura do Estado dentro desse contexto é constituída por diversas circunstâncias, entre elas os atores externos e internos como a opinião pública ou até mesmo uma opinião individual, que são também caracterizadas como forças transnacionais, ou seja, “envolvem desde a circulação de pessoas até de idéias”, sendo “forças relativas à sociedade civil” (PECEQUILO, 2004, p.71). Os Estados são assim, atingidos positiva ou negativamente tendo no desenvolvimento tecnológico uma maior possibilidade de propagação, no sentido de permitir a facilidade de comunicação e locomoção, se manifestando nacional e internacionalmente, ganhando amplitude com os meios de comunicação em especial a mídia, que muitas vezes divulgam os casos de maneira superficial, ou seja, sem um estudo aprofundado das raízes do problema e repletos de pré-juízos, causando distorções. Como salienta Cristina Pecequilo, com o avanço da tecnologia e comunicação, a opinião pública vem cada vez mais desempenhando um papel influente e promissor nas decisões dos atores no sistema internacional.

Para Viotti e Kauppi (1993), a Imagem Pluralista lida com uma agenda internacional muito extensa, onde não apenas as questões militares e de segurança nacional estão em voga, isso, pois consideram que questões econômicas e sociais, incluindo os direitos humanos, por exemplo, também formam a base da segurança nacional e de bem-estar mundial, construindo regras de conduta para o sistema internacional. (VIOTTI e KAUPPI, 1993).

É dessa maneira que se verifica que todo o tipo de manifestação no sistema internacional se auto influencia e constrói o sistema, ou seja, todas as questões e atores internos influenciam os externos e vice-versa. Porém estes atores não possuem capacidade, objetivos e possibilidades iguais dentro do sistema. Apesar disso uma alteração no sistema leva muitas vezes à mudança de comportamento dos países.

Assim como salienta Cristina Pecequilo (2004), os Estados possuem diferentes interesses e visões, o que fará com que cada Estado aja de maneira diferente e tenha um peso diferente nas tomadas de decisões dentro do sistema. Esta situação também faz com que os Estados sejam influenciados diferentemente em suas condutas no mesmo sistema em que atuam. Isso se deve à diversidade de organização interna dos Estados, como também por questões históricas e de idade dos mesmos. Weber (Apud PECEQUILO, 2004, p.48), caracteriza os Estados como “sustentados por princípios de dominação legítimos que podem nascer tanto da lei, quanto da tradição, como do carisma”.

Muitas das relações entre os atores estatais se dão por interesses ocultados, onde as riquezas naturais e econômicas podem ser a chave para uma cooperação que se apresenta como sem interesse de maximização de poder. Como exemplo podemos citar a defesa dos direitos humanos que na grande maioria dos casos, só são defendidos quando há o “interesse” em defendê-los.

As OIG (Organizações Internacionais Governamentais), ou Instituições Internacionais, são atores internacionais sustentados por uma relação entre Estados, ou seja, “agrupamentos políticos que têm nos Estados seus membros fundadores”. (PECEQUILO, 2004, p.67)

Apesar de serem compostas pelos Estados, Pecequilo analisa que de objetivos específicos (centrados apenas em uma questão) ou abrangentes (centrados em objetivos amplos), as OIG possuem normas próprias e independentes, se tratando de “uma organização representativa dos interesses conjuntos dos Estados” (PECEQUILO, 2004, p.67). Pecequilo considera também que foi o advento das duas Grandes Guerras que fez surgir a necessidade de se criar este tipo de organização, visando uma melhor convergência entre os Estados, assim as Organizações Internacionais Governamentais (OIG) geram freqüentes discussões relativas ao propósito para o qual foram criadas e fazem o papel de mediadoras entre os atores internacionais envolvidos na questão. Assim como continua Pecequilo, as OIG estabelecem limites e condutas para os Estados através de normas pré-estabelecidas por seus membros, podendo ter atuação regional ou global, porém a existência e preservação destas organizações faz com que seja determinante a colaboração dos Estados, tanto em questões econômicas para o mantimento da organização, quanto na questão de descumprimento das regras, mesmo que o descumprimento das mesmas possa apenas acarretar uma situação na qual o descumpridor fique em posição desconfortável, não havendo uma ação especifica contra o rompedor das regras. Nesta monografia, será somente utilizada a Organização das Nações Unidas (ONU) como OIG de âmbito global.

Para os pluralistas não existe a diferença estabelecida pelos realistas entre low politic e high politic, num sistema onde “idéias e valores, organizações internacionais e trasnacionais, grupos de interesses, e opinião publica” são juntamente com os Estados, atores importantes (VIOTTI E KAUPPI, 1993, p. 200). Os grupos de interesses ou grupos ideológicos são “grupos privados que visam somente objetivos próprios, usando de sua influência junto dos partidos políticos e governos em busca de benefícios” (PECEQUILO, 2004, p.53).

Entretanto, inseridas dentro do sistema internacional, estão as Organizações Não-Governamentais (ONG). Estes tipos de organizações são de iniciativa privada que atuam “dentro e fora dos Estados e nascem para lidar com questões especificas de interesse dentro de uma determinada sociedade, cujas demandas não têm sido adequadamente atendidas por este Estado ou pela necessidade de chamar a atenção para um tópico particular” (PECEQUILO, 2004, p.73) assim, seu poder, influência e importância para os outros atores do sistema está na sua capacidade de passar informações à mídia em grande escala.

As ONGs sofrem muitas vezes de dependência financeira, pois não são instituições que visão lucratividade, porém mesmo assim atendem muitas vezes a uma demanda de necessidades sociais que deveriam ser de responsabilidade do Estado criando “redes de solidariedade” (PECEQUILO. 2004, p.74) e conscientização.

O pluralismo, portanto, nasce da idéia na qual coloca no indivíduo a capacidade de ação histórica, ou seja, cada ser humano é que conduz a formação da realidade social na qual está inserido. Por isso que a imagem pluralista coloca o processo decisório em vários atores. Outra idéia que perpassa a esta percepção é a da racionalidade dos atores. Acreditava-se que o Estado só possuía duas opções para atingir seus interesses: utilizando a força, ou pela razão, de maneira a convencer até mesmo por vias de negociações diplomáticas seu “obstáculo”.

Apesar dessa simultânea correlação de interesses e influências, a partir do Tratado de Vestfália firmaram-se os pilares de autonomia tanto territorial como na administração interna dos Estados, portanto os demais países devem respeitar a soberania estatal, seguindo a premissa de não intervenção sem consentimento, porém esta situação pode ser revertida, caso que veremos posteriormente.

Fixada na corrente pluralista, a Teoria dos Regimes Internacionais segundo Gabriel Cepaluni (NO PRELO, 2004), trata-se apenas de um composto de estudos que buscam principalmente desenvolver reflexões, já que se trata de uma teoria relativamente nova, onde segundo Strange (apud CEPALUNI, 2004) diversos autores pensam diferentes coisas quando utilizam as palavras “regimes internacionais.” Seguindo o pensamento de Gabriel Cepaluni, a Teoria dos Regimes Internacionais, não explica todos os fenômenos internacionais, porém não estagna suas reflexões, bem como outras teorias que fixam os mesmos conceitos para todos os fenômenos, sem perceber ou sem se moldar diante das transformações do sistema.

Utilizaremos então, o conceito estabelecido por Stephen D. Krasner (in Pecequilo, 2004, p.150), onde os regimes internacionais são resumidamente

“conjuntos de princípios, normas, regras e procedimentos de tomadas de decisão implícitos e explícitos em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área das Relações Internacionais e fornecem as estruturas nas quais as relações entre os Estados podem se organizar de maneira mais completa e equilibrada.” (PECEQUILO, 2004, P.150)

Os regimes internacionais são instituições nas quais os Estados teoricamente criam e decidem sobre sua aceitação, ou seja, o bom funcionamento dos regimes depende apenas dos atores envolvidos para a finalidade de estabilizar o sistema, para a busca de uma política mundial, tornando a cooperação “positiva”. Segundo Keohane e Nye (apud PECEQUILO, 2004), isso ocorre, pois cria condições mais estáveis e conhecidas de interação com outras nações, fornecendo um conjunto claro de regras e princípios para todos, dando conta de problemas específicos na ação coletiva. “A interação dentro deste arcabouço permite a diminuição da incerteza quanto ao comportamento do outro, tornando-o mais previsível, e facilita a troca e o acúmulo das informações” (PECEQUILO, 2004, p.150). Com os regimes internacionais, o poder militar deixou de ser um poder predominante, passando a ser mais um recurso, porém não o principal, pois as questões morais e sanções econômicas começaram a despontar como um fator temível para os Estados, “tornando mais custosas e menos viáveis as possibilidades de resolução de seus problemas via conflito direto” (PECEQUILO, 2004, p.149). Podemos dizer assim que os regimes internacionais tratam também dos constrangimentos e incentivos que os Estados ganham por um determinado comportamento, onde nem todas as leis são cumpridas e nem todos os rituais são legislados.

Devido a crescente permeabilidade das fronteiras, talvez fosse possível pensar em um futuro onde ao invés de vigorar um Estado forte com leis próprias, da maneira como o conhecemos hoje, vigore apenas as organizações internacionais, trazendo “a noção de que a sorte das pessoas está muita ligada entre si e com a natureza física do mundo, no qual elas se reconhecem cada vez mais bem como membros da humanidade” (Zacher, apud PECEQUILO, 2004, p.154)

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Segundo Krasner (apud CEPALUNI 2004), os regimes internacionais podem ser passíveis de três divisões para estudo.

A primeira delas trata-se dos grocianos, que fazem uma ligação entre o Estado e a sociedade, acreditando que o comportamento dos Estados leva inevitavelmente ao longo do tempo à formação de um regime. Assim, por meio da razão, com a formação de instituições internacionais, é possível diminuir ou controlar as adversidades humanas.

O segundo estudo seria os estruturalistas “convencionais”, os quais banalizam os regimes internacionais por não acreditarem que este exerça grande influência no sistema. Assim, Krasner vê nos regimes uma nova forma de hegemonia, expondo que neste sentido regimes são criados para manter ou trazer o poder de um país hegemônico, quer dizer que este país hegemônico é quem acaba criando as regras do sistema internacional mantendo assim seu poder e influência perante os demais países. Desta maneira, havendo uma eventual quebra no sistema, onde o país hegemônico perde sua liderança, o regime que estava em vigor deixa de existir.

E em terceiro, estão os estruturalistas “modificados”. Estes acreditam que em situações onde não se alcança vantagem generalizada entre os Estados em negociações, os regimes internacionais auxiliam mesmo sem a existência de uma autoridade na intermediação. Krasner argumenta que nesta “linha de pensamento”, os regimes são requeridos, pois representam seguridade na negociação e nas atitudes isso quer dizer que, as reações se tornam teoricamente previsível, facilitando o relacionamento entre os atores e preservando o Status Quo. Assim, os regimes funcionam além de interesses temporários dos atores que o modifica conforme seus interesses.

Há outras três divisões para os regimes internacionais sobre o ponto de vista de Hasenclever et alli (apud CEPALUNI, 2004) que são fundamentalmente semelhantes as de Krasner.

Esse autor classifica como realista as relações de poder e vantagens nas relações entre Estados, onde os mesmos deveram classificar se é mais vantajosa uma situação de cooperação ou de uma posição independente. Dentro desta mesma perspectiva, há opiniões adversas, onde alguns acreditam que a má distribuição de poder dificulta a criação e o bom desenvolvimento dos regimes, enquanto outros acreditam que justamente a distribuição de poder causa dificuldades, pois é necessário haver um poder pré-estabelecido dominante para a formação de um regime.

O que o autor classifica como neoliberal, seria a crença em um regime pelos Estados até o ponto que os beneficiem, portanto os regimes funcionam como um sistema de benefícios que se não trouxer resultados, não há razão para mante-lo.

Assim como é afirmado por Gabriel Cepaluni (2004), essas divisões dos regimes são na verdade apenas para estudos, pois são entrelaçadas na prática, de maneira que a opção por uma das classificações para a análise de um caso restringiria muito a qualidade de pesquisa, portanto a Teoria dos Regimes Internacionais está baseada justamente na capacidade de interagir com as variadas visões, ampliando a capacidade de estudo e de compreensão dos fatos.

É preciso ter em mente que os regimes muitas vezes beneficiam os países super dependentes, trazendo-lhes uma nova perspectiva e capacidade de atuação no sistema internacional. Além disso, deve-se também lembrar que o sistema não é formado exclusivamente por regimes, mas também por relações “que prevalecem além do horizonte das burocracias internacionais e das barganhas diplomáticas” (CEPALUNI, 2004, p.21).

Encerraremos o capítulo com as palavras do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan (in ALVES, 2001) na apresentação de seu relatório anual em 1999:

“Se o novo compromisso de intervir diante do sofrimento externo deve ter o apoio dos povos do mundo, ele deve ser - e assim ser visto – aplicado de maneira justa e consciente, independentemente da região ou nação. A humanidade é afinal indivisível.

Assim como aprendemos que o mundo não pode permanecer omisso quando violações maciças e sistemáticas de direitos humanos estão ocorrendo, também aprendemos que a intervenção deve ser baseada em princípios legítimos e universais para contar com o apoio continuo dos povos do mundo. Esse desenvolvimento da norma internacional em favor da intervenção para proteger civis de massacres coletivos continuará a apresentar desafios à comunidade internacional. Qualquer evolução de nosso entendimento da soberania do Estado e da soberania individual encontrará desconfiança que devíamos considerar bem – vinda.” (ALVES, 2001, p.301/302)

A partir desses ideais é que será desenvolvido o segundo capítulo. Mostrando assim, a evolução dos direitos das mulheres (gênero) em especial.


2. O Regime Internacional de “Direitos Humanos da Mulher”

Tendo como base o conceito de regimes internacionais do capítulo anterior, este capítulo discutirá a formação do regime internacional de direitos humanos da mulher via a Organização das Nações Unidas.

Mesmo antes da Segunda Grande Guerra, é possível observar manifestações do desejo de se positivar um direito dos Homens. A Revolução Francesa é uma dessas manifestações que merece destaque.

O liberalismo nasceu neste momento, onde houve a necessidade de afirmar a individualidade frente ao Estado; gerando a idéia de que o liberalismo econômico é a forma principal de emancipação.

A revolução de 1789 alterou os valores vigentes da época, porém não produziu uma alteração completa, pois fez surgirem manifestações, especialmente de associações de mulheres, descontentes com a idéia de igualdade que não as atingia.

A grande porta-voz destes ideais foi Marie Gouze, injuriada pela sociedade e guilhotinada em 1793 por se opor à declaração exclusiva dos direitos do homem. Porém antes de sua morte, Marie alterou seu nome para Olympe de Gouges e criou uma das primeiras manifestações em busca dos direitos das mulheres.

Olympe desenvolveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791), como resposta aos Direitos do Homem e do Cidadão e a remeteu para a Assembléia Nacional. Neste documento, a mulher é enfatizada em seus múltiplos aspectos sociais e biológicos como mãe, filha e irmã, alegando que a não inclusão da mulher nos aspectos sociais e políticos é a demonstração de um sistema subdesenvolvido. Assim, as mulheres deveriam obter tanto os benefícios da lei, como responder por ela, destacando aspectos políticos importantes para homens e mulheres.

Gouges acreditava na igualdade de oportunidade entre ambos os sexos, o que não significava dizer que homens e mulheres são iguais e que possuem necessidades iguais, além de afirmar que lei é aquilo que provem da vontade de todos desde sua formação.

Hoje esta idéia da “busca de justiça pela desigualdade”, ou seja, suprir as necessidades especifica da mulher ao invés de padronizar os direitos dos homens e das mulheres, vem sendo firmado ao longo dos anos, o que faz com que os direitos humanos vão se complementando conforme o desenvolvimento e mudanças sociais. Assim, para que possa de fato ser chamando de “direitos de todos os Homens”, as declarações relativas aos direitos humanos foram se tornando cada vez mais especificas para atender às necessidades especificas também, não se limitando a declarações generalizadas, que muitas vezes dificultam a compreensão do direito.

Assim, consegue-se ao longo dos anos a “correção da denominação dos direitos fundamentais, substituindo-se a expressão “direitos do Homem”, por ‘direitos humanos”. Ainda que idealmente concebidos como direitos de todos os indivíduos, sendo “o Homem”, no caso, sinônimo da espécie, a prática e, até recentemente, a maioria das legislações não os estendiam à mulher, fosse pela denegação ostensiva dos direitos políticos, fosse pela desconsideração da situação da inferioridade civil ou empírica em que se encontrava, e sob muitos aspectos ainda se encontra, em todas as sociedades”. (ALVES, 2001, p. 128)

Dessa maneira, foram se desenvolvendo diversos tratados, convenções e outras formas de manifestações que se direcionaram e concretizaram instrumentos em defesa dos direitos das mulheres.

Outra pioneira manifestação é a Convenção Internacional Relativa à repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, de 30 de setembro de 1921 em Genebra em decorrência da antiga Sociedade das Nações.

[1945] foi um ano marcado pela criação da Carta das Nações Unidas, a qual se caracterizou pelas referencias de igualdade entre homens e mulheres. Já em 1947, uma Comissão de Direitos Humanos foi criada na ONU pelo Conselho Econômico e Social, permitindo-se assim, a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (dezembro de 1948), que a partir de 1967 fez com as questões de direitos humanos começassem a ser solucionadas. Este mesmo Conselho, com a finalidade de relatar publicamente as agressões aos direitos humanos e buscar negociações com os governos, criou a possibilidade de se listar queixas de violação dos direitos humanos pelo chamado Procedimento 1503, e dispor de relatores especiais por país ou em determinadas situações (temático). Neste caso, uma “ação urgente” pode ser requerida quando é provado que a violação ainda está para ocorrer.

O direito natural foi a base da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois se pelo passar do tempo a interpretação da escrita se desfigurar, houver algum caso de má interpretação, ou má fé devido a latente insegurança e desejo de auto preservação dos Homens, o direito natural atuará como base solida na compreensão. Porém, a Declaração Universal dos Direitos Humanos contou com uma abrangência conceitual. No artigo1°, por exemplo, verifica-se a afirmação de liberdade e igualdade entre os homens, porém no artigo 12 é declarado o direito de não interferência na vida privada e da família, complementando no artigo 18 a liberdade de pensamento, consciência e plena manifestação da religião, ou seja, foi necessário a formação e instrumentos regionais e específicos (como os direitos da mulher), para solucionar as questões de interpretação, correspondendo assim, mais eficazmente em questões especificas.

Foi desenvolvida uma concepção geral sobre os direitos humanos acentuada com a experiência do Holocausto, resultando assim na criação de Relatórios periódicos por parte dos Estados para a ONU, como forma de análise de suas obrigações, tanto de conduta quanto de resultado.

Uma das grandes dificuldades da Declaração Universal foi sua implementação em meio à diversidade ideológica e rivalidades devido o período do pós-guerra, onde ocorreu a “união” de países divergentes.

De qualquer forma, passou a existir diferentes conceitos e dimensões sobre os direitos humanos, o que veio mostrar sua amplitude e altivez, pois se o Estado não mantiver controle total sobre estes direitos, pode ocorrer à intervenção internacional. Assim surgiu uma conversão direta dos Direitos Humanos Universais para o direito interno de alguns Estados. Dessa maneira, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, ganhou autonomia. Contudo, assim como é relatado por Boaventura de Sousa Santos (2004), a luta contra os direitos humanos presente em algumas sociedades, é na verdade contra a hegemonia ou contra o capitalismo, afirmando que é preciso haver um dialogo intercultural dos direitos humanos.

Contudo, estas mudanças da realidade internacional ocorrida a partir do pós Segunda Guerra, são sustentadas por muitos autores como a produção de novos paradigmas, dando uma nova alternativa ao realismo político dominante, especialmente com o surgimento dos atores não estatais. Assim, foi possível verificar no pós-guerra o surgimento de novos regimes devido às modificações estruturais que o sistema internacional passava, notadas também com a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (Nações Unidas-1953), Declaração sobre a Proteção da Mulher e da Criança em estados de Emergência e de Conflito Armado (Nações Unidas-1974), Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW-Nações Unidas-1979), além de outros importantes tratados.

Foram estabelecidos por meio de tratados alguns comitês, entre eles o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (que se reúne em Nova Iorque duas vezes por ano), descrito no décimo sétimo capítulo da Convenção sobre todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. O protocolo disponibiliza poucas ratificações, mas possibilita que individualmente as mulheres denunciem seus governos sobre qualquer violação por meio do Protocolo Facultativo aprovado em 1999.

Os Direitos Humanos obtiveram desenvolvimento a partir de 1966, com a concretização dos Pactos dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto de Direitos Civis e Político. Assim, se tornava cada vez mais clara a idéia de que o Homem precisa de alterações mais básicas para atingir a liberdade ou até mesmo para sobreviver.

Foi neste mesmo período também, que se maturou a idéia de que os Estados não são os únicos sujeitos ao direito internacional, pois já se admitia que os indivíduos (a partir do relatório de 1954) fossem julgados pelo direito internacional.

De 22 de Abril a 13 de Maio de 1968, se realizou em Teerã/Irã, a I Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas com a participação de ONGs de mais 84 países.

Assim como mencionado por Antônio Augusto Cançado Trindade (2OO2), entre outras resoluções, na Conferência de Teerã originalisou-se a IX resolução; que é relativa ao direito da mulher, além de disseminar a noção de que os direitos econômicos, sociais e culturais merecem maior responsabilidade, chamando a atenção para diferenças econômicas entre os países, pois esta situação dificulta a aplicação eficaz dos direitos humanos no sistema internacional.

“Enquanto a primeira geração de direitos humanos (os direitos civis e políticos) foi concebida como uma luta da sociedade civil contra o Estado..., a segunda e terceira gerações (direitos econômicos e sociais e direitos culturais, da qualidade de vida etc.) pressupõem que o Estado é o principal garante dos direitos humanos.

Hoje a erosão seletiva do Estado-Nação, imputável à intensificação da globalização, coloca a questão de saber se a regulação social e emancipação social deverão ser deslocadas para o âmbito global, governo global e equidade global. Na primeira linha desse processo, está o reconhecimento mundial da política dos direitos humanos.” (SANTOS, 2001, p. 9)

Teerã também foi responsável pelo debate sobre a indivisibilidade dos direitos humanos (e isso é mais facilmente verificado com a incorporação aos direitos humanos dos direitos tidos como de terceira geração ou de solidariedade), porque as necessidades humanas individuais ou coletivas atualmente são tidas como inter-relacionadas.

Em Teerã foi “garantida” entre outras, a liberdade de consciência, informação, de expressão e religião, além ainda de “garantir” a liberdade e direitos de cada indivíduo perante os avanços científicos e tecnológicos. Dessa maneira, Cançado (2002), pôde demonstrar que Teerã serviu para desenvolver as bases conceituais e Viena, para promover maior cumplicidade global e regional, estabelecendo assim uma também maior interação do direito interno dos Estados com suas responsabilidades perante o sistema externo para evitar contradições e o risco de não cumprimento.

A Declaração e Programa de Ação de Viena sustentava a acentuada ligação entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos. Viena frisou a ligação dos direitos da mulher aos direitos humanos, dando a responsabilidade aos Estados de zelar pelos direitos humanos em âmbito privado, como exemplo, o assédio sexual e a violência doméstica e emocional, o que não ocorria até a década de 70. Esta nova “abrangência” dos diretos humanos visava demonstrar uma nova definição de igualdade e não apenas a eliminação dos vestígios da discriminação na esfera pública, firmando-se também a Comissão sobre a Situação da Mulher. Também em 1993, foi aprovada a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher.

Como José Augusto Alves (2001) salienta; “a diferença essencial da violência contra a mulher se encontra na naturalidade com que tendia a ser encarada, fosse porque realizada na orbita domestica, fosse porque decorrente de “usos e costumes” aceitos pela sociedade” (ALVES, 2001, p. 129, nota de rodapé). Seguindo esta afirmação, o autor complementa que a Conferência de Viena contribuiu particularmente ao trabalho de eliminação da violência contra as mulheres, dando importância à “eliminação de preconceitos sexuais na administração de justiça e de erradicação de quaisquer conflitos que posam surgir entre os direitos da mulher e as conseqüências nocivas de determinadas práticas tradicionais ou costumeiras... e do extremismo religioso.” (ALVES, 2001, p. 130).

Como salientado por Alves (2001), em Viena ficou reconhecido a participação das ONGs em nível regional, nacional e internacional, perante as suas contribuições para auxiliar o Estado na implementação de normas referentes aos direitos humanos.

Durante a Década da Mulher (1975-1985), proclamada pela primeira Conferência Mundial sobre a Mulher (Mexico-1975), ocorreram significativos avanços, entre eles, a criação de um Instituto de Pesquisa e Treinamento para a Promoção da Mulher (INSTRAW), a segunda Conferência Mundial sobre a Mulher (Copenhague-1980), o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) e a realização da terceira Conferência Mundial sobre a Mulher (Nairóbi-1985).

Todas as questões abordadas neste período foram reforçadas como desenvolvimento social na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo-1994) e na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social (Copenhague-1995).

A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento realizada no Cairo, contou com dificuldades de consenso, prejudicando o bom andamento da reunião. As maiores dificuldades de consenso vinham de grupos fundamentalistas religiosos, que mantinham um discurso totalmente religioso nas questões relacionadas aos direitos reprodutivos. Esta conferência enfatizou as relações entre a saúde reprodutiva e direitos humanos, acreditando existir um elo entre direitos humanos, paz e segurança internacional, o que leva ao seu entendimento de que se os direitos individuais também não forem protegidos, não permitirá o desenvolvimento da sociedade, no sentido de que a sociedade não será capaz de atender as necessidades básicas de seus cidadãos, o que consequentemente não lhe permitirá o desenvolvimento em outras áreas.

Entre as medidas recomendadas pelo Programa de Ação do Cairo, “inclui a disseminação de informações. De especial importância para o país e região onde se realizava a conferência era a recomendação de inclusão nos programas de saúde reprodutiva de uma ativa dissuasão da prática da mutilação genital feminina”. (ALVES, 2001, p.165)

O desenvolvimento da sociedade auxilia não somente nas necessidades humanas básicas, mas também faz parte dos direitos inalienáveis dos indivíduos, permitindo a reivindicação destes direitos como direitos legítimos.

Estas idéias foram sendo complementadas por tratados. Isto significa que cada região, devido sua diversidade deve possuir tratados de direitos humanos, mas desde que sejam condizentes com os instrumentos globais; processo que é supervisionado por órgãos internacionais.

Os processos de direitos humanos estão em constante desenvolvimento devido às mudanças sociais que acarretam em novas formas de violação, como as causadas por organismos financeiros, econômicos ou de comunicação. Porém o mais adverso é o fato de muitos países assinarem tratados com reservas, o que faz com que o tratado perca a sua essência, levando à distorção.

Levando-se em consideração que a religião não é o único fator determinante na atual posição da mulher, é possível dizer que mesmo diante da dificuldade de consenso, “ao contrário do paradigma do “choque de civilizações”, de Huntington, a heterogeneidade de crenças culturais e religiosas não impediu a ascensão de alianças transnacionais que desafiassem a trajetória da modernidade.” (ALVES, 2001, p.214).

Dentre tantas outras manifestações que modificaram significativamente o sistema internacional a favor de melhores condições para a mulher, a quarta Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim-1995) e o Pequim + 5 em 2000, foi a que melhor desenvolveu diversas analises e planos práticos, porém assim como no Cairo, a conferência de Pequim também foi prejudicada por grupos fundamentalistas religiosos nas questões sobre controle populacional e de igualdade de direitos, tanto que se chegou a cogitar um retrocesso nas questões avançada no Cairo, especialmente devido ao grande numero de atentados ocorridos contra as mulheres por grupos fundamentalistas durante a data da conferência.

José Augusto Alves (2001), afirma que preconceitos e fundamentalismos “sempre tiveram a mulher como alvo físico preferencial, desde as fogueiras medievais expiatórias da “bruxaria” até os estupros coletivos nas táticas atuais da faxina étnica balcânica...à “circuncisão” mutilatória das prática tradicionais...à preterição de comida em áreas de escassez alimentar, da demora com se tornaram cidadãs votantes e elegíveis nas democracias do Ocidente até a feminização da pobreza no mercado globalizado” (ALVES, 2001, p.214), especialmente após o fim do comunismo.

Essa conferência temática da ONU sobre os direitos das mulheres realizada na China foi a mais elogiada de todos os tempos devido ao grande numero de mulheres e ao ideal generalizado sobre os direitos das mulheres como direitos humanos, considerada a maior conferência já realizada pela ONU na busca pela mudança de um sistema antes considerado imutável, tendo por subtítulo: Igualdade, Desenvolvimento e Paz.

Segundo Mahmood Monshipouri (2004), o papel do Estado se modificou de maneira complexa com a globalização econômica. Mudança complexa no sentido de que cada vez mais as ONGs atuam principalmente de “cima para baixo” (juntamente com os Estados), devido a crescente fragilidade dos Estados diante da tentativa de soluções para os problemas socioeconômicos estatais. Porém isso não é tão fácil de ocorrer.

Boaventura de Sousa (2004) faz uma diferenciação entra: globalização de cima para baixo (hegemônica) e globalização de baixo para cima (contra hegemônica), classificando globalização como “um conjunto de arenas de lutas transfronteiriças”, considerando a abrangência global dos direitos humanos, só obtida à custa da sua legitimidade local. “Para poderem operar como forma de cosmopolitismo,... os direitos humanos têm de ser reconceitualizados como multiculturais.” (BOAVENTURA, 2004, p.15).

Como Monshipouri explica (2004), as mulheres tunisianas assim como as de outros Estados, têm encontrado muitas dificuldades na implementação do feminismo de Estado, pois as mulheres passam por um processo de conflito e indecisão ao tentar achar o melhor caminho, onde se sentem divididas entre as concessões de tolerância e discreto "empoderamento" feminino concedido pelo regime estatal, e as regras da religião islâmica de outro. A questão é que os direitos islâmicos estão inseridos nos direitos civis, não condizendo muitas vezes com a atual era global, ou seja, não passam por alterações.

A expressão "empoderamento" utilizada na Conferência de Pequim está se tornando usual. O "empoderamento" então tornou se uma expressão usada para designar uma nova etapa, onde tentará cada vez mais desenvolver novos métodos para que as mulheres possam ter suas necessidades atendidas.

Jorge Werthein, representante da UNESCO no Brasil diz: “Como afirma Hobsbawm, é a "revolução cultural" mais importante do século. Contribui para o questionamento de paradigmas hoje estreito, subverte "verdades" cômodas na defesa de privilégios, contribui para a promessa de novos tempos para homens e mulheres” (Folha de São Paulo, 1997), <https://www.unesco.org.br/noticias/opiniao/artigow/artigo_mulheres_cult/mostra_documento>. Acesso em 03 set. 2004)

O Plano de ação de Pequim inclui

“a prioridade aos programas educacionais formais e informais que dêem suporte e permitam às mulheres...adquirirem conhecimento, tomar decisões... e conseguir respeito...nas questões sexuais e de fertilidade e educar os homens a respeito da importância da saúde das mulheres e o bem estar, dando especial atenção aos programas que...enfatizam a eliminação de atitudes e práticas prejudiciais, incluindo a mutilação genital feminina.”

A conferência de Pequim ressaltou:

“Decrete e reforce a legislação contra a perpetuação das práticas e atos de violência contra às mulheres, tais como a mutilação genital feminina,...e dê vigorosa sustentação aos esforços de organizações não-governamentais e da comunidade para eliminar tais práticas.

O termo "violência contra às mulheres" significa todo o ato de violência que resulta, ou é provável resultar em sofrimento às mulheres ou dano físico, sexual ou psicológico, incluindo ameaças dos tais atos, coerção ou arbitrária privação da liberdade, ocorrendo na vida pública ou privada.” (Tradução Livre, UNITED NATIONS, https://www.un.org/womenwatch/daw/beijing/platform/violence.htm.Acesso em 05 abr. 2004.

A violência contra as mulheres mencionada no Plano de Ação de Pequim, não se limita à mutilação genital feminina, mas considera que práticas tradicionais prejudiciais às mulheres devam ser erradicadas.

Segundo a Anistia Internacional (1996), por ser a mutilação genital feminina praticada por vários povos, com culturas, tradições e religiões diferentes, a mutilação genital feminina não pode ser usada com a justificativa de se tratar somente de um choque cultural.

A mutilação genital feminina pode ser inserida como tortura no contexto do direito internacional, já que envolve dor e sofrimento.

Os governos dos países onde a mutilação genital feminina é praticada, “fizeram pouco ou nada eficaz para impedir a prática” (AMNESTY INTERNATIONAL, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm4.htm. Acesso em 24 abr 2004), pois mesmo após o imediato surgimento da positivação dos direitos das mulheres, junto com a criação da ONU, a mutilação genital feminina somente ganhou importância na agenda internacional recentemente.

O fato da prática da mutilação genital feminina não ser uma violação aos direitos das mulheres diretamente praticada pelos Estados, foi o que inicialmente tornou a prática ilegítima para os direitos humanos, além de estar enraizada às tradições deixando assim, que as intervenções externas em nome dos direitos humanos universais, se tornassem percebida como imperialismo cultural.

Atualmente isso já foi revertido, pois a mutilação genital feminina é reconhecida internacionalmente como uma agressão os direitos humanos, especialmente após a Conferência de Viena. A Declaração de Viena e seu Programa da Ação soaram uma chamada para a eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres serem vistas como uma questão de direitos humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados que dele provem, enfatizam “a obrigação dos Estados respeitarem e assegurar o respeito pelos direitos humanos básicos, tais como o direito à segurança física e mental e à saúde. A falha governamental de ação apropriada para assegurar a erradicação da mutilação genital feminina viola estas obrigações” (AMNESTY INTERNATIONAL, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm4.htm. Acesso em 24 abr 2004).

“A Declaração de Beijing e a Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher são hoje os marcos fundamentais e que se baseará, nos próximos anos, a luta das mulheres pela concretização de seus direitos.” (ALVES, 2001, p. 219/220).

“A mutilação genital feminina foi reconhecida como uma forma de violência contra as mulheres na Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres (ONU) e na Declaração de Pequim (ONU) e Plataforma de Ação. Uma perspectiva dos direitos humanos também obriga a comunidade internacional a assumir sua parte da responsabilidade para a proteção dos direitos humanos das mulheres e das meninas. É inaceitável que a comunidade internacional remanesça passiva no nome de uma visão distorcida do multiculturalismo” (AMNESTY INTERNATIONAL, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm4.htm. Acesso em 24 abr 2004).

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