Trezentas mentiras e algumas meias-verdades.

O exagero dos supostos ataques em massa nos EUA

09/12/2015 às 15:04
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Aborda-se a leviana utilização de dados sem fundamento para afirmar que houve mais de 300 ataques em massa nos Estados Unidos em 2015.

No dia 07 de janeiro, integrantes de gangues rivais entraram em confronto num subúrbio de Miami, deixando o saldo de um morto e três feridos. No dia 26 de julho, em Indianápolis, no desdobramento de uma perseguição em uma autoestrada, policiais foram recebidos a tiros ao entrarem num apartamento durante uma festa, quando cinco pessoas foram baleadas. Já em 21 de setembro, em Sand City (Califórnia), outra ação policial terminou com dois suspeitos mortos e dois policiais feridos por disparos. 

Esses fatos são legítimos exemplos da dinâmica da segurança pública e combate à criminalidade nas grandes cidades norte-americanas, o que não difere muito do cenário de muitas metrópoles da América do Sul e, mesmo, de alguns grandes centros urbanos europeus – todos muito aquém da realidade brasileira. No entanto, as ocorrências aqui descritas estão listadas como “ataques em massa” em um site chamadoMass Shooting Tracker, no qual também se pode colher outras tantas ações policiais, conflitos de gangues e até latrocínios, sempre sob o mesmo rótulo. 

É justamente desse site que vem a informação de que teriam ocorrido 355 ataques com múltiplas vítimas nos Estados Unidos em 2015, dado utilizado como fonte pelo jornal Washington Post e repetido por muitos canais brasileiros. Um diagnóstico superficial e muito distante da realidade, que claramente flerta com o sensacionalismo, sobretudo quando se analisa de onde vêm os registros ali contabilizados. 

Ao invés de dados oficiais ou extraídos de departamentos de polícia, o critério utilizado pelo Mass Shooting Tracker para quantificar ataques é puramente midiático. O que há no site é uma listagem de, atualmente, 381 links para matérias das seções policiais de outros portais informativos, sem absolutamente nenhum filtro, nem mesmo contra a duplicidade. Qualquer notícia que envolva disparo de arma de fogo e quatro ou mais baleados está ali, pouco importando se foi um assalto, um confronto com a polícia, um acerto de contas entre gangues ou algum real ato insano contra um grupo de pessoas. Não importa, nem mesmo, se a notícia depois é desmentida ou simplesmente some, os links continuam ali e sendo contabilizados – alguns apontando para páginas de erro. 

O próprio conceito de tiroteio em massa pode ser impreciso, mas os dados coletados pelo Mass Shooting Tracker destoam enormemente de quaisquer outros. Conforme matéria do jornalista Matt Pearce, publicada no último dia 04 pelo Los Angeles Timesos números de outro famoso portal com objetivo semelhante – o da revista Mother Jones – apontam apenas 04 ataques em 2015, todos claramente identificados: o de uma igreja em Charleston, com nove mortos, o de um centro militar de Chattanooga, no Tennessee – cinco mortos -, o de um colégio no Oregon – nove mortos – e, claro, o ato terrorista de San Bernardino, com 14 vítimas fatais. 

Pode-se até dizer que os dados do Mother Jones sejam muito modestos, mas é evidente que os do Mass Shooting Tracker são um óbvio exagero grosseiro. Não dá para considerar fidedignos, estatística ou jornalisticamente, registros que contabilizam ações policiais e crimes comuns como ataques em massa. Se não foram apenas quatro, inexiste qualquer dúvida de que, pelos links que ali estão, ao menos 300 registros desse site não têm absolutamente nada de mass shooting. Dos outros, a única certeza é que foram tiroteios.

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Sobre o autor
Fabricio Rebelo

Pesquisador nas áreas Jurídica e de Segurança Pública, Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (CEPEDES), Professor (cursos livres), Autor de "Articulando em Segurança: contrapontos ao desarmamento civil", Assessor Jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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