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Captação de sufrágio

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A Justiça Eleitoral Brasileira, refletindo as condições de sua estrutura judiciária, ainda é encarada, em certos pontos, como ineficiente, mais especificadamente na coibição de abusos eleitorais que visam obter votos dos eleitores de forma desmedida e inconseqüente. Isto se deu, inclusive, pelo fato de que os brasileiros, de uma forma geral, estavam aceitando, com certa normalidade, diversos casos de abusos e irregularidades que comprometiam a lisura do pleito eleitoral.

As deficiências observadas na Justiça Eleitoral decorrem da própria história político-eleitoral brasileira e de alguns outros elementos sócio-culturais específicos da camada mais carente da sociedade, agravada ainda mais pelo fato de que, muitas vezes, os próprios juizes eleitorais, ao decidirem alguma demanda, o fazem levando mais em conta o aspecto político ao jurídico.

Entretanto, apesar da evolução de um sistema eleitoral isento de problemas não estar completa, com o advento da Lei 9.504/97, que regula as eleições em geral, em especial o artigo 41-A, que foi acrescentado pela Lei 9.840 de 28 de setembro de 1999, o processo eleitoral, ao menos teoricamente, passou a dispor de mais rigorismo e celeridade na punição dos políticos corruptos.

Apenas para exaltar a importância do problema, a repressão penal dos abusos eleitorais vem de longa data. Na Antiga Roma, durante a República, a aliciação dos eleitores em busca de seus votos mediante dinheiro ou favores, exercida pelos candidatos e pelas associações políticas, era punida com rigor, ao ponto de existir uma proibição feita aos pretendentes a cargos eletivos de vestirem, nos lugares públicos, trajes que os diferenciassem de seus concidadãos. Porém, como vem de longe a fraqueza da lei ante os interesses eleitoreiros, tal proibição caiu em desuso.

Na atualidade, a aliciação de eleitores continua a existir, e a inventividade dos candidatos está cada vez maior. Durante o período eleitoral, verifica-se a busca acirrada dos candidatos a cargos eletivos para angariar votos, e, em virtude disso, muitas vezes os candidatos cometem abusos de forma a ferir jurídica e moralmente o processo das eleições.

Uma das formas mais antigas e conhecidas de concretização desses abusos eleitorais é a chamada captação de sufrágio, que é a popular compra de votos. Assim, pode-se definir a captação de sufrágio como o ato do candidato que promete ou entrega ao eleitor algum bem ou vantagem, em troca de seu voto, pouco importando se o bem ou vantagem é efetivamente entregue ou não para a concretização do ilícito eleitoral.

Captar significa apoderar-se de algo utilizando-se de meios ardilosos e, no caso em tela, o objetivo é conseguir votos. A criatividade dos candidatos para adquirir votos é ilimitada, especialmente diante de tantas carências populares. A lista é extensa: dentaduras, óculos, sapatos, roupas, cobertores, berços, exames de laboratório, passagens, transporte, fogões, cestas básicas... numa lista sem fim que demonstra a falta de recursos e o estado de miséria da população brasileira.

E foi com o intuito de inibir essa histórica prática costumas, que surgiu o artigo 299 do Código Eleitoral (Lei 4.737 de 15 de julho de 1965), estabelecendo que a compra de votos é crime, in verbis:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou promover abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena – Reclusão até 4 (quatro) anos e pagamento de 5 (cinco) a 15 (quinze) dias-multa.

Este artigo continua em vigor, todavia, peca em vários aspectos, pois nos raros casos em que se consegue obter provas, demonstrando a compra de votos feita pelo candidato, a eventual condenação que pode ocorrer, é tardia e os mandatos questionados já estão praticamente terminados. Assim, a captação de sufrágio era uma prática tão rotineira e pouco punida que os próprios eleitores a aceitavam.

Desta forma, com o objetivo de obter uma punição mais eficaz para a moralização do processo eleitoral e a contenção da captação de sufrágio, surgiu o artigo 41-A da Lei 9.504/97, trazendo a cassação do registro de candidatura ou do diploma do candidato, quase que de maneira imediata.

Pelo artigo 41-A da Lei 9.504/97, configura-se a captação ilícita de sufrágio o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar ao eleitor, no intuito de conquistar-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, desde o registro de candidatura até o dia da eleição.

A conquista do voto por meio ilícito, corrompendo a vontade eleitoral é crime próprio do candidato. A pessoa que pratica o ato ilícito, em nome do candidato, com a finalidade de conseguir o voto do eleitor, comete abuso de poder econômico ou corrupção, nunca captação de sufrágio, uma vez que o texto legal é claro ao mencionar expressamente apenas o candidato a cargo eletivo.

A captação de sufrágio pode ser evidenciada pelo abuso de poder econômico ou político, tratando-se de corrupção eleitoral latu sensu, em que se vise colher votos através de ofertas ou promessas de recompensa, não sendo necessário que o eleitor consiga receber a vantagem ou o bem ofertado pelo candidato, basta a promessa para que o crime esteja configurado.

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Há apenas duas hipóteses em que a oferta de bens ou vantagens não configura o ilícito descrito no artigo 41-A da Lei 9.504/97. A primeira exceção é a expressa ressalva feita pelo dispositivo supra com relação ao artigo 26 da Lei das Eleições, que dispõe acerca de gastos permitidos em eleição, como a distribuição de camisetas e outros brindes. A segunda se refere à oferta de um cargo de vice ou suplente em chapa de eleição majoritária. Ocorre, neste caso, uma junção de forças com o intuito de trazer para a coligação os votos de todo o partido e seus simpatizantes. O que é proibido por lei é a oferta de empregos como de professor, de oficial de gabinete, de faxineira, entre outros.

Caso o eleitor receba a oferta, o crime de captação ilícita de sufrágio torna-se qualificado, não sendo necessário que se prove mais nada, pois apenas a prova do oferecimento de vantagem pessoal é suficiente, mesmo que o eleitor não venha a adquirir essa vantagem por motivo alheio a sua vontade, ou mesmo que se negue a aceitá-la por motivos éticos e morais.

Ademais, essa vantagem que configura a captação de sufrágio é a individualizada, não se confundindo com as promessas corriqueiras de época de eleição, ou seja, aquelas feitas em palanques, ou outros meios, para um número indeterminado de pessoas, como por exemplo, a promessa de construção de escolas e hospitais na região. É requisito indispensável que o proveito da vantagem seja para pessoas determinadas ou determináveis, não podendo ser este limite ultrapassado para a incidência do crime. É este o entendimento do Mestre Adriano Soares da Costa (2002, in: jus navigandi), ipsis litteris:

...não se pode colocar em um mesmo patamar as promessas, feitas em campanha, de construção de escolas, calçamentos de rua etc., que são legítimas e dizem respeito à justa aspiração da comunidade de eleitores, com as promessas de vantagem de natureza privada, ainda que seja para uma igreja ou denominação religiosa (que é pessoa jurídica privada, ainda que venha a representar uma comunidade de fiéis e se proponha a defender interesses públicos), com a finalidade de obtenção de apoio político e de captação de votos.

Assim sendo, para a conformação do crime de captação de sufrágio, faz-se necessário a prática de uma ação típica, como doar uma dentadura; a existência de uma pessoa física, que é o eleitor que recebe a dentadura, por exemplo; e o resultado a que aspira o candidato, qual seja, comprar o voto.

Outra questão importante está na delimitação do pedido para a configuração da compra de votos. Há o pedido genérico e o pedido específico, todavia, apenas o pedido específico ou explícito enseja, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, a punição prevista no art. 41-A da Lei 9.504/97. O pedido genérico pode ser o caso de abuso de poder econômico, como, por exemplo, a distribuição de materiais de construção para a população mais carente, mesmo que o candidato não peça abertamente os votos dessas pessoas.

Através do artigo expositor da captação de sufrágio, o marco inicial para a ocorrência do crime é o momento em que o candidato faz o pedido do registro de candidatura, e o marco final é quando o candidato é eleito, acarretando, inicialmente, duas ações, a saber: a Ação de Investigação Judicial Eleitoral e a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Quanto à Ação de Impugnação de Registro de Candidatura, ainda há controvérsias acerca da possibilidade, ou não, de propositura nestes casos. In verbis:

REPRESENTAÇÃO PELA PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA PELO ART. 41-A DA LEI Nº 9.504, DE 1997. CASSAÇÃO DE REGISTRO. TERMO INICIAL DO INTERREGNO PREVISTO NA NORMA INDICADA. FINALIDADE ELEITORAL PARA A CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA PUNÍVEL. 1. O termo inicial do período de incidência da regra do art. 41-A da Lei 9.504, de 1997, é a data em que o registro de candidatura é requerido, e não a do seu deferimento. 2. Para a caracterização de conduta descrita no art. 41-A da Lei 9.504 de 1997, é imprescindível a demonstração de que ela foi praticada com o fim de obter o voto do eleitor (Acórdão nº 19.229, de 15.02.2001 – Recurso Especial Eleitoral nº 19.229 – Classe 22ª/MG (259ª Zona – São Lourenço). Relator: Ministro Fernando Neves. Recorrentes: Coligação Reconstrução (PL/PDT/PSD/PTB) e outros. Advogados: Dr. João Luiz Pinto Coelho Martins de Oliveira e outros. Recorrido: Clóvis Aparecido Nogueira. Advogados: Dr. Bonifácio José Tamm Andrada, Dr. Carlos Henrique de Souza e outros. Decisão: Unânime em não conhecer do recurso).

Logo, apurada a conduta do candidato que tenha a intenção de comprar votos, consubstancia-se em atividade ilegal e criminosa, que enseja a cassação do registro ou do diploma ao autor da prática eleitoral espúria e a conseqüente exclusão deste do pleito eleitoral.

A possível inconstitucionalidade das sanções do artigo 41-A da Lei 9.504/97 tem sido alvo de muita discussão. De um lado estão os que defendem que o artigo 41-A está em harmonia com a Carta Magna, considerando-se que suas punições são tópicas, não ensejadoras de inelegibilidade, tanto que o candidato mesmo punido naquela eleição pode concorrer ao pleito da eleição seguinte. De outra banda, os que asseguram a inconstitucionalidade do citado dispositivo pelo fato de que este acarretaria a inelegibilidade do candidato, o que fere ordem constitucional. Porém, ainda há muito o que se discutir acerca da matéria.

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Sobre a autora
Caroline Maria Pinheiro Amorim

advogada em Maceió (AL)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Caroline Maria Pinheiro. Captação de sufrágio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 140, 23 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4532. Acesso em: 24 abr. 2024.

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