Recesso Parlamentar e Convocação Extraordinária do Congresso Nacional.

Processo para apuração de crime de responsabilidade de Presidente da República

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16/12/2015 às 06:51
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No presente artigo, discutem-se as possibilidades de funcionamento do Congresso Nacional fora do período constitucional ordinário, especialmente em vista de questões como a ausência de aprovação da LDO ou da existência de processo de Impeachment em curso.

RECESSO PARLAMENTAR E CONVOCAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO CONGRESSO NACIONAL. PROCESSO PARA APURAÇÃO DE EVENTUAL CRIME DE RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA.

                                                                                                  I

 

O Congresso Nacional funciona em sessão legislativa ordinária anual, dividida em dois períodos, com uma interrupção, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro, conforme estabelece o art. 57 da Constituição da República, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006.[1]

Denominam-se períodos legislativos as divisões da sessão legislativa anual, incluídas as prorrogações decorrentes das hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do art. 57 da Constituição, conforme especifica o art. 3º da Resolução nº 3, de 1990, do Congresso Nacional.[2]

As citadas hipóteses de prorrogação de período legislativo são: a) a transferência para o primeiro dia útil subsequente, no caso de data de início que recaia em sábado, domingo ou feriado; e b) a vedação de interrupção da sessão legislativa em caso de não aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

 

                                                                                                 II

Fora dos períodos de funcionamento acima dispostos, considera-se em recesso o Congresso Nacional, durante o qual funciona uma Comissão representativa, eleita por suas Casas na última sessão ordinária de cada período legislativo.[3]

Desta disposição, percebe-se que, sob o ponto de vista jurídico, se considera em recesso o Congresso Nacional tanto ao final da sessão legislativa, em 23 de dezembro, quanto no intervalo entre o primeiro e o segundo períodos legislativos anuais, em 18 de julho. Isso porque a eleição da Comissão representativa se dá na última sessão do respectivo período, como dispõe a Carta Constitucional.

O recesso legislativo não é um período de repouso.

Sob o ponto de vista dos parlamentares, trata-se da ocasião em que se interrompem as atividades funcionais no Congresso Nacional, e se lhes oportuniza o retorno ao convívio com suas bases eleitorais.[4]

Sob o ponto de vista institucional, mantém-se a Comissão representativa, de forma que o Poder Legislativo da União permanece em funcionamento, assim como todos os seus serviços administrativos.

 

                                                                                                 III

A Constituição da República estabeleceu somente três hipóteses de funcionamento regular das Casas do Congresso Nacional fora dos períodos de atividade previstos no caput do art. 57 de seu texto.

A primeira hipótese é a possibilidade de retardamento ou de prorrogação do período legislativo, até o primeiro dia útil subsequente, quando algum dos dias de início ou término recaírem sobre dia não-útil (sábado, domingo ou feriado). Essa é a disposição contida no §1º do mesmo art. 57[5].

A segunda hipótese é a de impossibilidade de interrupção da sessão legislativa sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias. Essa é a vedação contida no §2º do art. 57[6].

A terceira hipótese é a de convocação de sessão legislativa extraordinária do Congresso Nacional, para deliberar sobre a matéria para a qual foi convocado, incluindo-se automaticamente as medidas provisórias na pauta de votações. Esse caso está previsto no §6º, e regulamentado ainda pelos §§ 7º e 8º, todos do art. 57 da Constituição[7].

Sobre a primeira hipótese, não há questões relevantes que possam emergir, no presente momento, merecedoras de indagação jurídica. Portanto, passa-se a seguir a discorrer acerca das duas outras hipóteses.

 

                                                                                                 IV

Os prazos de tramitação referentes aos projetos de Lei de Diretrizes Orçamentárias e de Lei Orçamentária anual deveriam ser estabelecidos em Lei Complementar, conforme prescreve o art. 165, §9º, da Constituição da República.

Diante da ausência de tratamento legislativo complementar da matéria, no entanto, vige ainda o disposto no §2º do art. 35 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que determina: a) quanto à lei de diretrizes orçamentárias, o seu envio ao Congresso até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro (15 de abril do ano) e sua devolução para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa (17 de julho); b) quanto à lei orçamentária, o seu envio ao Congresso até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro (31 de agosto) e sua devolução para sanção até o encerramento da sessão legislativa.[8]

Em outras palavras, o ADCT determina que a Lei de Diretrizes Orçamentárias seja encaminhada à sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa. E, como já visto, o texto constitucional determina a vedação de interrupção da sessão legislativa em caso de não aprovação da LDO.

Sobre a vedação de interrupção da sessão legislativa, em caso de não aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, abrem-se, em princípio, duas possibilidades interpretativas.

Em primeiro lugar, pode-se cogitar de que a norma em questão, contida no §2º do art. 57 da Constituição da República, impeça o Congresso Nacional de entrar em recesso durante a segunda quinzena de julho e durante o intervalo de 22 de dezembro a 2 de fevereiro, enquanto não aprovado e encaminhado à sanção o projeto de lei de diretrizes orçamentárias.

Esta interpretação adviria de uma leitura extensiva do disposto no §2º do art. 57, ao entender a citada vedação de interrupção da sessão legislativa como exceção constitucional ao seu encerramento. Tal entendimento viria reforçado com a ideia de que à mesma razão deva corresponder o mesmo direito, conforme a velha máxima hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi idem jus.

A matéria é nova, porque jamais ocorreu em nossa história constitucional, desde a Constituição de 1988[9][10]. Não parece, no entanto, corresponder esta interpretação à melhor leitura do texto constitucional.

O recurso à interpretação histórica demonstra[11] que o Constituinte Originário tinha em mente institutos diversos quando se referia à vedação de interrupção da sessão legislativa (como sanção pela não aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias) e à vedação de encerramento da sessão legislativa (como sanção pela não aprovação da Lei Orçamentária Anual, retirada do projeto).

E mais: que a opção pela vedação ao encerramento da sessão legislativa foi deliberadamente excluída do texto constitucional na fase do Segundo Substitutivo do Relator da Comissão de Sistematização.

Com efeito, o texto constitucional vigente demonstra, em seu art. 57, caput, que a sessão legislativa, dividida em dois períodos legislativos, tem início a 2 de fevereiro e se encerra a 22 de dezembro; e, entre os períodos legislativos, há uma interrupção da sessão legislativa, que ocorre, em regra, de 17 de julho a 1º de agosto.

O §2º do art. 57 limita-se a prescrever a vedação de interrupção da sessão legislativa. Portanto, nota-se que está a tratar, naturalmente, do recesso do mês de julho, exclusivamente; caso contrário, trataria não apenas de interrupção, mas também do encerramento da sessão legislativa. Vale a máxima hermenêutica segundo a qual as normas que instituem exceções são interpretadas estritamente.

E nem seria conveniente, para o constituinte, equiparar as duas situações. Na verdade, a própria Constituição da República estabelece alguns efeitos decorrentes do término da sessão legislativa ordinária[12], além de outros efeitos regimentais estabelecidos pelas Casas do Congresso Nacional, e que acabariam por ser afetados pelo prosseguimento indefinido da sessão legislativa acaso não encerrada pela ausência de votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias; esses inconvenientes, porém, não se verificam pelo prosseguimento da sessão legislativa no mês de julho, quando apenas se suprime o intervalo entre os períodos legislativos.

Desse modo, nota-se que, a despeito de serem indiferentemente denominados de recesso parlamentar, há diferenças específicas entre os citados períodos (do intervalo dos períodos legislativos e do intervalo entre sessões legislativas ordinárias), de modo que se afasta o recurso à analogia com o art. 57, §2º, da Constituição, relativamente ao recesso de dezembro a janeiro.

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Ademais, a lei não contém palavras inúteis. Se a Constituição cuida especificamente das hipóteses de encerramento (constante do art. 35, §2º, do ADCT) e de interrupção da sessão legislativa (prevista no art. 57, §2º, do texto constitucional), é porque se trata de institutos diversos.

Em reforço, registra-se que o §3º do art. 2º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados dá a mesma interpretação aqui referida, a contrario sensu: “A sessão legislativa ordinária não será interrompida em 30 de junho enquanto não for aprovada a lei de diretrizes orçamentárias pelo Congresso Nacional”. Note-se que há deliberada exclusão da interrupção de dezembro, a despeito da falta de atualização da data na disposição.

Assim, segundo esta linha interpretativa, à qual adere o presente estudo, não deve haver prorrogação da sessão legislativa para além de 22 de dezembro do ano em curso, sendo forçoso o encerramento temporário das atividades institucionais do Congresso Nacional pelo recesso parlamentar, ressalvada a possibilidade de convocação extraordinária.

 

                                                                                                 V

Decorrência do regime constitucional de convocação e funcionamento das reuniões do Congresso Nacional é a não-recepção, pela Carta Constitucional vigente, do art. 37 da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950[13].

Essa norma estabelecia a convocação extraordinária do Congresso Nacional para o prosseguimento do julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade, com um quórum de um terço de uma das Casas do Congresso Nacional.

Ocorre que o quórum de convocação extraordinária do Congresso Nacional no regime constitucional vigente à época de aprovação da lei do impeachment (notadamente, a Constituição de 1946) era justamente esse, de um terço, conforme dispunha o seu art. 39, parágrafo único[14].

Assim, a lei era originariamente compatível com o regime constitucional das reuniões do Congresso Nacional, mas não se mostra consentâneo com a norma de máxima hierarquia que inaugurou o atual regime constitucional. A hipótese é, portanto, e apenas quanto ao ponto, de não-recepção.

 

                                                                                                 VI

Possibilidade de funcionamento das Casas do Congresso Nacional durante o período de intervalo entre as sessões legislativas ordinárias é a convocação extraordinária, disposta no §6º do art. 57 da Constituição.

Nesse caso, descortinam-se duas formas de convocação: a) a primeira, de titularidade do Presidente do Senado Federal, em caso de decretação de estado de defesa ou de intervenção federal, de pedido de autorização para a decretação de estado de sítio e para o compromisso e a posse do Presidente e do Vice-Presidente da República; b) a segunda, de iniciativa do Presidente da República, dos Presidentes da Câmara e do Senado, ou a requerimento da maioria dos membros de ambas as Casas, em casos de urgência ou interesse público relevante; em todos estes casos, a convocação somente se dará pela aprovação da maioria absoluta de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

Nesse contexto, pode-se indagar acerca da possibilidade de convocação do Congresso Nacional para sessão legislativa extraordinária destinada a dar andamento ao pedido de abertura e julgamento de processo por crime de responsabilidade do Presidente da República.

A matéria se insere no juízo de mérito dos senhores Parlamentares. Contudo, seria desarrazoado supor que não houvesse ‘interesse público relevante’ no caso, haja vista tratar-se de questão da maior magnitude política e de enorme impacto na vida social.

Por outro lado, registre-se o argumento no sentido de que a suspensão do funcionamento do Congresso deve suspender os prazos de defesa[15] que estejam eventualmente em curso, possibilitando à Presidência da República maior prazo para elaboração de resposta, de modo que o recesso não acarretaria prejuízo a quem quer que fosse.

Desse modo, não se exclui a possibilidade de convocação extraordinária do Congresso Nacional para deliberar acerca de processo de crime de responsabilidade. Essa decisão deve advir de iniciativa conjunta dos Presidentes das Casas do Poder Legislativo, por iniciativa do Presidente da República ou, ainda, a requerimento da maioria dos membros de ambas as Casas. Em todo caso, deve ser submetida à votação e obter maioria absoluta em ambas as Casas do Congresso Nacional a fim de ser levada a efeito.

 

                                                                                                 VII

À guisa de conclusão, sublinha-se:

  1. O recesso parlamentar não se confunde com férias ou repouso; antes, cuida-se de período em que as atividades funcionais no Congresso Nacional são temporariamente encerradas, a fim de viabilizar ao congressista o contato com suas bases;
  2. O recesso que ocorre no mês de julho pode não ocorrer, por força do disposto no art. 57, §2º, da Constituição da República, quando não houver aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias no prazo estipulado no §2º do art. 35 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;
  3. O recesso que ocorre nos meses de dezembro e janeiro somente pode deixar de ocorrer em virtude de convocação extraordinária do Congresso Nacional, dado que inaplicável, salvo melhor juízo, o disposto no art. 57, §2º, da Constituição, ao encerramento da sessão legislativa.
  4. Esse entendimento tem por base a distinção, estabelecida pelo próprio Constituinte originário, entre a interrupção da sessão legislativa (ocorrida no intervalo entre períodos legislativos da mesma sessão) e o encerramento da sessão legislativa (ocorrido em virtude do termo e independentemente do resultado das votações). Esta opção do constituinte resta clara ao examinarem-se as diferenças de conteúdo entre a disposição pertinente no Primeiro e no Segundo Substitutivos do Relator na Comissão de Sistematização da Assembleia Nacional Constituinte (vide nota 11).
  5. Não foi recebida pelo regime constitucional vigente a disposição do art. 37 da Lei de Impeachment, que permitiria a convocação extraordinária do Congresso Nacional com quórum reduzido de um terço dos membros de uma de suas Casas para o prosseguimento de julgamento por crime de responsabilidade; isso porque o regime constitucional de reuniões do Congresso Nacional não abre margem à redução de quórum de convocação extraordinária – que se rege por norma constitucional cogente e, portanto, indisponível.
  6. É possível, em tese, a convocação extraordinária do Congresso Nacional, na forma da Constituição, para dar andamento a processo por crime de responsabilidade do Presidente da República, por caracterizar-se o requisito de interesse público relevante; este juízo, no entanto, compete exclusivamente aos membros do Congresso Nacional.

 

 

 

 

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Sobre o autor
Hugo Souto Kalil

Advogado do Senado Federal. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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