RESUMO
O Direito Internacional dos Direitos Humanos, como se sabe, constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do Pós-Guerra, como resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo. É neste cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Nesse sentido, uma das principais preocupações desse movimento consistia na conversão dos Direitos Humanos em tema de legítimo interesse da comunidade internacional; isto é, de Direitos Globais. Consiste em proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais, tendo em vista que a sistemática internacional, como garantia adicional de proteção, institui mecanismos de responsabilização e controle internacional, acionáveis quando o Estado se mostra falho ou omisso na tarefa de implementar direitos e liberdades fundamentais. Assim, a metodologia utilizada consistiu na pesquisa bibliográfica, tendo como técnica a descritiva e explicativa. O objetivo deste artigo consiste em mostrar uma breve retrospectiva histórica das gerações dos Direitos Humanos, demonstrando ao leitor a longa caminhada rumo aos direitos humanos universais globais e a maneira como estão sendo efetivados no Estado Democrático de Direito.
Palavras chaves: Gerações dos Direitos Humanos. Direitos Globais. Estado Democrático de Direito.
1 INTRODUÇÃO
Quando se fala em “direitos globais” logo se vem à mente a questão da internacionalização dos Direitos Humanos, e, muito embora se saiba que este é um acontecimento que é relativamente recente na história da humanidade, não se pode olvidar que é um grande passo na busca de ideais perseguidos durante séculos.
A temática se torna importante não é somente o interesse dos estudiosos do Direito, mas, sobretudo, o interesse da sociedade mundial e, não diferente no âmbito brasileiro, necessário se faz compreender a forma pela qual é examinado os direitos humanos globais quando se considera o Estado Democrático de Direitos.
A compreensão em torno dos direitos humanos é de que estes são direitos históricos, dos quais, ao longo de diversas revoluções, foram adquiridos, do qual se permite, na atualidade, observar um estágio no qual, pela primeira vez na história, os mesmos estão ganhando eficácia internacional, porque estão voltados a todos os povos.
Outrossim, quando se fala de internacionalização desses direitos, os estudos se valem das divisões feitas por Norberto Bobbio. Através delas se percebe, claramente, que nem o mundo, nem o Direito foi sempre assim.
Norberto Bobbio (1992, p. 51) dividiu a história dos direitos fundamentais do homem em três grandes gerações ou dimensões, de acordo com o lema da grande Revolução Francesa: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade; [...] na primeira encontra-se a positivação dos direitos humanos; na segunda a generalização e; por último, na terceira, tem-se a internacionalização dos direitos conquistados”.
Ao considerar as três grandes gerações ou dimensões dos direitos fundamentais, tem-se o surgimento da “Declaração Universal dos Direitos Humanos” que, sem sombra de dúvidas, foi um dos passos iniciais mais importantes para a internacionalização dos direitos fundamentais, que como assevera Norberto Bobbio (1992, p. 31): “[...] a Declaração Universal é apenas o início de um longo processo, cuja realização final ainda não somos capazes de ver”.
Saliente-se, no entanto, que para o surgimento da Declaração, em 1948, obteve-se em 1945, a carta das Nações Unidas. Os países que constituíam as Nações Unidas eram: Estados Unidos, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Reino Unido, aos quais se juntaram a França e a China. Eram esses os Aliados da Segunda Guerra que lutaram contra os nazi-fascistas, tendo como alicerce da referida Carta as quatro liberdades elaboradas pelo presidente norte-americano Franklin Delano Rossevelt.
Ao se somar essas liberdades a outros direitos fundamentais (igualdade, dignidade da pessoa humana) estas foram base para a posterior elaboração da Declaração de 1948. Os direitos e liberdades eram abrangentes para atingir os interesses de todos os Aliados. As quatro liberdades de Franklin Delano Rossevelt são: a liberdade de expressão; a liberdade de credo; a liberdade contra o medo e a liberdade contra as necessidades materiais.
Posteriormente, à Declaração Universal dos Direitos Humanos, visando os direitos globais, novos tratados internacionais surgiram para que cada vez mais se alcançasse a efetivação erga omnes dos direitos humanos. Os problemas do passado não desapareceram, porem importa salientar que muitos países, a exemplo, do Brasil, passaram a se preocupar em voltar sua política externa para a proteção da dignidade da pessoa humana.
O Brasil tem grande participação em tratados e convenções sobre Direitos Humanos, tanto no âmbito global, quanto no âmbito interamericano. E, dessa forma, como o presente em seu preâmbulo, a Declaração é um ideal a ser seguido com esforço pelos seres humanos.
Utilizando como caminho metodológico a pesquisa bibliográfica, tendo como técnica descritiva e explicativa, assim, objetiva esse artigo, mostrar uma breve retrospectiva histórica das gerações dos Direitos Humanos, demonstrando ao leitor a longa caminhada rumo aos direitos humanos universais globais e a maneira como estão sendo efetivados no Estado Democrático de Direito.
2 AS GERAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS
Os Direitos Humanos preconiza que todo indivíduo pode fazer reivindicações legítimas de determinadas liberdades e benefícios. Desta forma, constituem-se em uma ideia política que tem uma base moral e que estão relacionados com a democracia, igualdade e justiça, e, dessa forma, são fundamentados na dignidade da pessoa humana, dos quais os objetivos principais consistem em promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BASTOS, 2000).
Poder-se-ia afirmar que os Direitos Humanos possuem suas raízes ainda nos primórdios da civilização e desenvolvem-se ao longo da historia conforme as necessidades sociais e a evolução das correntes de pensamento de cada época (MORAES, 2005).
Mas, considerando as reivindicações legítimas de determinadas liberdades e benefícios, anteriormente, os estudos de José Luiz Quadros de Magalhães (2002), mostrou que esses denotam a expressão do que deveria ser e prevalecer entre os estados, e os indivíduos de uma sociedade. Quando falamos em Direitos Humanos, utilizamos esta expressão, como sinônimo de direitos fundamentais.
Qualquer Estado, independente da extensão territorial, de ser pobre ou rico, tem por obrigação legal que reconhecer os direitos humanos, isso deve ocorrer independentemente do sistema político e socioeconômico adotado por esta nação, pois de acordo com Antônio Henrique Perez Luño (2003, p. 318) os Direitos Humanos são:
Un conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la liberdad y la igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional.
A positivação dos direitos que hoje são alcunhados de fundamentais e que correspondem, de mais a mais, às gerações de direitos humanos das quais ocorreu, segundo Flávia Piovesan (2004, p. 124):
[...] nas variadas Cartas Fundamentais, em correspondência ao transcurso da história da humanidade e efetivamente se perfectibilizou no ordenamento jurídico pátrio, com a proporção que hoje se concebe, com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, como uma consequência histórica da transmudação dos direitos naturais universais em direitos positivos particulares, e, depois, em direitos positivos universais.
Por isso mesmo, inexiste equívoco quando se confere a essa Norma Fundamental a atribuição de refletir um momento histórico significativo, pois, complementando, Flávia Piovesan (2004, p. 25), assevera que:
Isso ocorre porque atualmente, o máxime do alargamento no campo dos direitos e garantias fundamentais até hoje conquistado, colocando-se, ainda, entre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria.
São, assim, considerados humanos, os direitos conferidos a todo e qualquer sujeito, no intuito de se resguardar sua dignidade, direitos esses que “a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir”, conforme assinalou João Batista Herkenhoff (2004, p. 31), todos decorrentes de alterações no pensamento filosófico, jurídico e político da humanidade, e que, positivados, convencionou-se designar por “direitos fundamentais”.
Como precedente histórico de processo de internacionalização dos direitos humanos, assinalam-se a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), convenções pelas quais foi possível, pela primeira vez, conforme assevera Flávia Piovesan (2004, p. 125): “redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de direito internacional”.
Os direitos humanos de primeira geração são resultantes, principalmente, da Declaração Francesa dos direitos do Homem e do Cidadão e da Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, que surgiram, conforme salientou anteriormente, Celso Lafer (1988, p. 126):
Após o confronto entre governados e governantes, é dizer, da insatisfação daqueles com a realidade política, econômica e social de sua época, e que resultou nessas afirmações dos direitos de indivíduos em face do poder soberano do Estado absolutista.
Não se pode olvidar, portanto, que foi a partir do o século XVIII que se observou o marco da derrota do antigo regime absolutista pelas conquistas burguesas da Declaração de Virgínia (1776) e Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que designaram direitos individuais à liberdade, igualdade, segurança, propriedade entre outros, que exigiam a abstenção do Estado para o gozo de tais direitos, sendo estes designados de Direitos de 1ª geração ou direitos civis, políticos e individuais (COMPARATO, 2005).
Compreende-se, então, que a 1ª geração dos direitos humanos formalmente emoldurados – direitos individuais, foi gestada no século XVII, com a formulação da doutrina moderna sobre os direitos naturais, que embasou ideologicamente a luta que culminou com a criação do Estado Moderno e a transição do sistema feudal para o capitalismo (BONAVIDES, 2006).
Saliente-se que o direito de liberdade era a garantia da livre iniciativa econômica, livre manifestação da vontade, livre câmbio, liberdade de pensamento e expressão, liberdade de ir e vir, liberdade política, mão de obra livre. Nesse contexto, considerando o decorrer do século XIX, este foi marcado pelos constantes questionamentos acerca da grande contradição entre os princípios divulgados nas declarações formais de direitos do século XVIII, e a realidade material vivida pela maioria da população (BASTOS; MARTINS, 2009).
Não se pode olvidar que essa nova realidade foi o berço das ideias socialistas e das organizações sindicais e políticas da classe operária e dos demais setores populares, que reivindicavam a intervenção estatal na regulamentação do trabalho e na garantia de condições para a efetivação dos direitos declarados (BASTOS; MARTINS, 2009).
Mais tarde, porém, com a consagração dos direitos de liberdade, ocorreu a passagem destas, as chamadas liberdades negativas, para os direitos políticos e sociais, que exigiam uma intervenção direta do Estado, para ver-se concretizados, com a passagem da consideração do indivíduo singular, primeiro sujeito a quem se atribuiu direitos naturais, para grupos de sujeitos, sejam famílias, minorias étnicas ou até mesmo religiosas, pois de acordo com o que enuncia Hewerstton Humenhuk (2004):
Os direitos sociais ou prestacionais, como o direito à saúde, configuram, assim, um dos elementos que marcaram a transição do constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social, direitos que impõem, determinam ou exigem do Estado enquanto ente propiciador da liberdade humana, não mais aquela atividade negativa, de restrição de sua atuação, mas uma ação positiva, através de uma efetiva garantia e eficácia do direito fundamental prestacional.
E, assim, foi necessário a ampliação do conteúdo dos Direitos Humanos no qual o Estado passou a ser o promotor das garantias e dos direitos sociais, viabilizando condições materiais para o exercício de uma vida digna. Estes novos direitos (à organização sindical, previdência social, saúde, trabalho, educação, etc.), exigiram a intervenção estatal e se constituíram nos direitos de 2ª geração ou direitos sociais, econômicos e culturais (COMPARATO, 2005).
Entende-se que a 2ª geração dos direitos humanos – os direitos metaindividuais, coletivos ou difusos, é resultado do embate entre as forças sociais, que se dá com o desenvolvimento do modelo burguês de sociedade, de um Estado liberal que se consolida através de um espetacular desenvolvimento da economia industrial. Compreendem os Direitos Sociais, os direitos relativos à saúde, educação, previdência e assistência social, lazer, trabalho, segurança e transporte (BONAVIDES, 2006).
Os Direitos Econômicos são aqueles direitos que estão contidos em normas de conteúdo econômico que viabilizarão uma política econômica. Classifica-se entre direitos econômicos, pelas características marcantes destes direitos, o direito ao pleno emprego, transporte integrado à produção, e direitos do consumidor (BONAVIDES, 2006).
Os Direitos Políticos são direitos de participação popular no poder do Estado, que resguardam a vontade manifestada individualmente por cada eleitor sendo que a sua diferença essencial para os direitos individuais é que, para estes últimos, não se exige nenhum tipo de qualificação em razão da idade e nacionalidade para o seu exercício, enquanto que para os Direitos Políticos, determina a Constituição requisitos que o indivíduo deve preencher (BONAVIDES, 2006).
Considerando as dificuldades e as conquistas, decorrentes da luta social pelo reconhecimento e pela eficácia dos direitos civis e políticos, de primeira geração, e dos direitos econômicos, sociais e culturais, direitos de segunda geração, outros valores, até então não tratados como prioridade na sociedade ocidental, foram colocados na pauta de discussão em período posterior ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Referidos valores, para serem efetivados, exigiam soluções inovadoras que só o reconhecimento de direitos de estirpe diversa dos já positivados poderia satisfazer (TAVARES, 2006).
Estes novos direitos passaram, assim, a serem alcunhados de direitos de 3ª geração, dos quais segundo André Ramos Tavares (2006, p. 421-422):
Tais direitos, também conhecidos como direitos da solidariedade ou fraternidade, caracterizam-se, assim, pela sua titularidade coletiva ou difusa, tendo coincidido o período de seu reconhecimento ou positivação com o processo de internacionalização dos direitos humanos.
Os Direitos Humanos, passa pela sua 3ª geração, a partir de uma consciência de um novo mundo, onde conforme afirma Paulo Bonavides (2006, p. 522):
A consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento deu lugar em seguida a que se buscasse uma outra dimensão dos direitos (humanos) fundamentais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade, conforme assinala Karel Vasak, e provida de uma latitude de sentido que não parece compreender unicamente a proteção específica de direitos individuais ou coletivos.
Caracterizando-se, portanto, com a necessidade iminente de proteção aos grupos humanos, que, diga-se de passagem, gerou uma série de novos anseios e reivindicações sociais, como os direitos à paz no mundo, autodeterminação dos povos, preservação do meio ambiente e utilização do patrimônio comum da humanidade, reconhecidos como direitos de 3ª geração, direito dos povos ou da solidariedade (COMPARATO, 2005).
Saliente-se que tais direitos se caracterizam pelo distintivo de demandarem a participação intensa dos cidadãos, sem a qual não tem eficácia, requerendo a existência de uma consciência coletiva na atuação individual de cada membro da sociedade, em aliança com Estado, e, sob esse aspecto, o posicionamento de Cláudio Moser e Daniel Rech (2003, p. 15) é de que existem inúmeros desafios, pois:
Os desafios foram mudando com o tempo e com eles a abrangência das perspectivas dos direitos humanos, ultrapassando o foco tão fundamental dos direitos políticos e civis para abarcar também o universo dos direitos sociais, econômicos e culturais. A prática e a história dos parceiros de Misereor refletem essa abertura de visão, mas também – e principalmente – o avanço em relação à sua implementação. Isso, aliás, ampliou a trajetória e exige ainda mais esforços para que efetivamente sejam alcançados os direitos para todos e todas que vivem em nosso país e no mundo.
Não existe legitimidade em reivindicações de nenhuma ideologia que não aceite ou incorpore, a prática dos Direitos Humanos, entretanto, observa-se que mesmo depois de inúmeros encontros, tratados, congressos e declarações todos sob o consenso das comunidades internacionais, os direitos declarados não são respeitados na sua integra.
E, nesse contexto, há doutrinadores, ainda, que reconhecem a existência de uma 4ª geração ou dimensão de direitos humanos, que se identificariam com o direito contra a manipulação genética, direito de morrer com dignidade e direito à mudança de sexo, todos pensados para o solucionamento de conflitos jurídicos inéditos, novos, frutos da sociedade contemporânea, pois segundo Ingo Wolfgang Sarlet (1998, p. 52):
Há, ainda, doutrinadores, como o constitucionalista Paulo Bonavides, que entendem que a quarta geração de direitos identificar-se-ia com a universalização de direitos fundamentais já existentes, como os direitos à democracia direta, à informação e ao pluralismo, a exemplo.
Compreende-se, portanto, a existência de um paradoxo inserido na contemporaneidade da qual passa a se configurar como uma sociedade obsessivamente preocupada em definir e proclamar uma lista crescente de direitos humanos. Dessa forma, se torna impotente para fazer descer do plano de um formalismo abstrato e inoperante esses direitos e levá-los a uma efetivação concreta nas instituições e nas práticas sociais (VAZ, 2003).
Finalmente, os Direitos Humanos da 5ª geração, como os de 4ª, também não são pacificamente reconhecidos pela doutrina, como o são os das três primeiras. No entanto, os direitos que por essa geração são reconhecidos, quais sejam, a honra, a imagem, enfim, os “direitos virtuais” que ressaltam o princípio da dignidade da pessoa humana, decorrem de uma era deveras nova e contemporânea, advinda com o exacerbado desenvolvimento da Internet nos anos 90.
Tais valores, portanto, são defendidos e protegidos por essa geração de direitos, com a particularidade de protegê-los frente ao uso massivo dos meios de comunicação eletrônica, merecendo, assim, proteção não só as pessoas naturais, mas também as pessoas jurídicas (art. 50, Código Civil de 2002).
No Brasil, os Direitos Humanos, ao nível internacional, não implica somente no engajamento deste, ao processo das normas que estão vinculadas ao Direito Internacional. Isso faz com que o país assuma, na busca da integração de tais regras, a ordem jurídica, o compromisso em adotar uma política que seja avessa aos Estados, onde os Direitos Humanos não sejam respeitados.
Assim, a militância pelos Direitos Humanos é aquela capaz de reconhecer em todas as pessoas os valores da dignidade e nesta simples exigência há uma enorme complexidade. Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO (1978, p. 11), Direitos Humanos, refere-se:
A proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado ou regras para se estabelecer condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.
Atualmente, entende-se que o paradigma clássico das Ciências Sociais, baseado nas sociedades nacionais, está sendo substituído por outro, o da sociedade global, levando à reformulação dos conceitos clássicos de soberania e de hegemonia, ainda firmemente arraigados na doutrina política e jurídica das nações, na busca de desenvolver a personalidade humana e abrir novos horizontes.
Diante desse cenário, encontra-se a globalização ou internacionalização dos direitos humanos que é uma das mais importantes questões da atualidade. No entanto, o grande problema deste tema é que ele versa sobre a essência da relação política; isto é, Poder e pessoa, isto é, quanto mais direitos do homem menos Poder e vice-versa.
É bem verdade que os ideais de universalidade dos direitos humanos defendidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde sua criação, manifestados com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948, estão adquirindo uma maior consistência, a despeito da evidente constatação de desrespeitos em vários pontos do mundo.
Entende-se que isso não ocorre apenas porque a globalização está relacionada com a intensa circulação de bens, capitais, informações e de tecnologia através das fronteiras nacionais, com a consequente criação de um mercado mundial, mas, também, em função da universalização dos padrões culturais e da necessidade de equacionamento comum de problemas que, paulatinamente, vem afetado a totalidade do planeta, como o combate a degradação do meio ambiente, a proteção dos direitos humanos, o desarmamento nuclear, o crescimento populacional, entre outros aspectos.
Dessa forma, imperioso se faz compreender a forma pela qual, no âmbito brasileiro, são procedidos o exame dos direitos humanos globais no Estado Democrático de Direitos.
3 O EXAME DOS DIREITOS HUMANOS GLOBAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO
Até o presente momento, compreendeu-se que a positivação dos direitos que hoje são alcunhados de fundamentais e que correspondem, de mais a mais, às gerações de direitos humanos ocorreu nas variadas Cartas Fundamentais, em correspondência, conforme salienta Flávia Piovesan (2004, p. 124):
Ao transcurso da história da humanidade e efetivamente se perfectibilizou no ordenamento jurídico pátrio, com a proporção que hoje se concebe, com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, como uma consequência histórica da transmudação dos direitos naturais universais em direitos positivos particulares, e, depois, em direitos positivos universais.
Diante disso, é passível de entendimento que inexiste equívoco quando se confere a essa Norma Fundamental a atribuição de refletir um momento histórico significativo atual, pois, complementando, a mesma autora, Flávia Piovesan (2004, p. 125), assevera que: “o máxime do alargamento no campo dos direitos e garantias fundamentais até hoje conquistado, colocando-se, ainda, entre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria”; percebe-se, então, o que está para o exame do Estado Direito o Estado Democrático.
Visando uma melhor elucidação dessa terminologia, necessário se faz uma breve fragmentação do instituto, com a finalidade de examinar, assim, o que seja, o Estado de Direito e o Estado Democrático, tendo em vista que de acordo com José Afonso da Silva (2007, p. 119), mister ressaltar, que tal definição é fragmentada, pois: “por si só, não é o bastante para conceituar o que seja o Estado Democrático de Direito, que exige um novo e terceiro conceito, incorporando um componente revolucionário de transformação do status quo”.
Igualmente, não existe a possibilidade de vislumbrar, nessa breve discussão, da possibilidade de que um Estado que não seja de Direito possa vir a ser Democrático, mesmo porque o entendimento é de que a democracia não é um valor que se garante através da normatização de direitos e deveres perante o Estado, exigindo também, e principalmente, a concretização dos direitos humanos, como mais adiante se verá.
Assim, compreende-se que discutir o Estado de Direito, originariamente, observa-se que este tinha como definição de ser Estados liberais, cujas características mais marcantes se perfazem na submissão de todos à lei e cuja elaboração era de competência do Legislativo, formado por representantes do povo, na separação de poderes, que dividisse de maneira independente e harmônica o Legislativo, Executivo e Judiciário, garantindo, assim, a imparcialidade e justeza na elaboração e aplicação das normas e na garantia dos direitos humanos e fundamentais. Entretanto, segundo asseverou José Afonso da Silva (2007, p. 113): “Tais exigências, que remontam à origem dessa forma de Estado, ainda consistem a base principal do Estado Democrático de Direito, configurando, assim, uma grande conquista da civilização liberal”.
Incide, portanto, do princípio da legalidade a concepção do Estado de Direito, tendo em vista que a democracia, nesses Estados, se pauta, prioritariamente e principalmente, em normas positivas, que são vigentes para todos, e, consequentemente, sem restrições, tornando-se, dessa forma, de fato, na essência dessa forma de Estado, a subordinação da atuação estatal à Constituição e à legalidade democrática.
Sob essa questão, o posicionamento de José Afonso da Silva (2007, p. 121), está para efetividade da lei, através do ato de decisão política, emanado da vontade do povo, onde afirma que:
A lei é efetivamente o ato de maior realce na vida política. Ato de decisão política por excelência, é por meio dela, enquanto emanada da atuação da vontade popular, que o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemão, como guiar-se na realização de seus interesses.
Entretanto, vale salientar que não é qualquer lei que torna democrático o Estado de Direito, mas, sim, normas que visem a concretização da igualdade e da justiça, não que seja composta pela sua generalização, mas, sobretudo, pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais (DA SILVA, 2002).
Complementando, José Afonso da Silva (2007, p. 121), afirmou que:
Não é equívoco dizer-se que no Estado de Direito, a lei é um valor basilar a ser considerado e respeitado, mas que, por ser democrático, o Estado deverá efetivar as normas e preceitos normativos que respaldem valores tais que concretizem a igualdade e a justiça, principalmente.
Assim, diante desse entendimento é possível compreender o que vem a ser um Estado Democrático, no qual se entende que é, assim, aquele no qual há a soberania popular, é dizer, aquele que exige a participação efetiva e positiva do povo na res publica, mas que não se encerra na simples formação de instituições representativas ou na democracia representativa, mas que impõe, isto sim, a participação da população nas decisões importantes do Estado.
Sob outra vertente, poder-se-ia afirmar que o Estado, em contraponto ao Estado Liberal, é aquele que todos têm direito igualitário à participação, atuação esta que a própria Carta Fundamental deve exigir e reclamar dos cidadãos e, por isso, conforme enuncia José Afonso da Silva (2007, p. 118):
Invoca-se, não raras vezes, o Estado Social de Direito, para ultrapassar aquele conceito clássico e liberal de Estado Democrático, como sendo tão somente aquele no qual se respeita a legalidade das normas, para estabelecer-se, entre a democracia e a igualdade, um nó górdio que não se desata ou que, uma vez cortado, implica na inviabilidade de ambos os conceitos, Estado esse no qual a concepção mais recente do Estado Democrático de Direito reflete exatamente um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção.
Segundo lição de Alain Touraine (1996, p. 50), sociólogo francês estudioso da área, o conceito de democracia não se restringiria tão só à existência de poderes separados e independentes, ou mesmo pela preexistência de normas legais a prescrever, permitir e sancionar as condutas, pois que:
A democracia é um conceito muito mais amplo, que se define pela natureza dos elos entre a sociedade civil, sociedade política e Estado. [...], caso haja vasta influência de cima para baixo, não haverá democracia, que necessita, sim, que sejam os cidadãos os atores sociais que orientam seus representantes.
O entendimento é de que a democracia, para que subsista e se realize plenamente, impõe a efetivação dos direitos fundamentais, pré-requisitos que são para uma sociedade justa e igualitária.
Diante disso, complementando, Alain Touraine (1996, p. 43), assevera que:
A democracia existe realmente quando a distância que separa o Estado da vida privada é reconhecida e garantida por instituições políticas e pela lei. Ela não se reduz a procedimentos porque representa um conjunto de mediações entre a unidade do Estado e a multiplicidade dos atores sociais. É preciso que sejam garantidos os direitos fundamentais dos indivíduos; é preciso também que estes se sintam cidadãos e participem da construção da vida coletiva. Portanto, é preciso que estes dois mundos – o Estado e a sociedade civil – que devem permanecer separados, fiquem também ligados um ao outro pela representatividade dos dirigentes políticos.
A compreensão é de que essas três dimensões da democracia – respeito pelos direitos fundamentais, cidadania e representatividade dos dirigentes – completam-se; aliás, é a sua interdependência que constitui a democracia.
Saliente-se que não se objetiva essa breve discussão em discorrer sobre as diferentes formas de democracia possíveis, consoante seja o Estado liberal, Constitucionalista ou Conflitual (como na França, por exemplo).
Mas, qualquer que seja o Estado de Direito de que se trate, todos somente terão o distintivo da democracia, não somente pela existência de poderes independentes, mas, isto sim, pelo grau de concretização que o Estado atribui aos direitos fundamentais, corolários que são dos direitos humanos universais: a democracia envolve, assim, mais do que a representatividade dos dirigentes ocupantes dos cargos políticos, pois segundo Alain Touraine (1996, p. 51-88): “o aumento do controle do maior número de pessoas sobre sua própria existência” e o aumento da capacidade de “reduzir a injustiça e a violência”.
Então, como entender o Estado Democrático de Direito? Como mencionado anteriormente, o Estado Social de Direito nem sempre foi capaz de assegurar a democracia, não obstante a busca pela justiça social e a obediência aos ditames da lei.
É, pois, segundo a Constituição Federal de 1988, o Estado Democrático de Direito, um Estado pelo qual se busca a materialização, principalmente, do princípio da legalidade, aqui entendido não como um valor de cunho programático, que se satisfaz com a positivação em norma fundamental, mas sim um enunciado normativo que impõe uma conduta, tanto do Estado, quanto da sociedade civil, na medida em que está voltado para a efetivação de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inc. I), garantindo o desenvolvimento nacional (art. 3º, inc. II), erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III) e instituindo o bem geral, sem preconceitos de raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV), somente constituindo-se em Estado Democrático quando efetiva o preceito insculpido no parágrafo único do art. 1º da Carta Federal, pelo qual todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição (BRASIL, 1988).
Poder-se-ia afirmar em síntese que o Estado Democrático de Direito é o que se propõe a realizar o bem estar social, sob o fundamento de uma lei justa e que assegura a participação mais ampla possível do povo, no processo político decisório. Mas, o que dizer, então da relação entre as gerações de direitos humanos e o Estado Democrático de Direito?
Entende-se que ao analisar o trajeto percorrido para a internacionalização das gerações de direitos humanos, desde seu surgimento até à atualidade, afere-se que é o mesmo caminho que se perseguiu até o alcance do Estado Democrático de Direito, porquanto os fundamentos e do desenvolvimento histórico das gerações de direitos e do Estado Democrático de Direito são exatamente os mesmos, e inclusive sua ascensão e reconhecimento ocorreu no mesmo contexto histórico, constituindo, ambos, duas faces da mesma moeda.
Outrossim, é passível de entendimento de que o Estado Democrático de Direito teve como consequência direta o aumento de bens e direitos susceptíveis da tutela jurídica (princípio da legalidade) que, por sua vez, torna a atividade jurídica do aplicador do direito mais complexa, sempre em busca da maior efetivação possível dos direitos humanos positivados na Carta Fundamental.
Nesse diapasão, cabe ao aplicador do Direito minudenciar o caso concreto, sempre em observância aos princípios garantidores de direitos fundamentais, executando sempre sua árdua tarefa sem ferir a ordem instituída: o Estado Democrático de Direito.
Daí, a importância de se compreender como ocorreu o processo de universalização dos Direitos Humanos, como se segue a breve discussão.
3.1 PROCESSO DE UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITO HUMANOS
Entende-se que o processo de universalização dos direitos humanos permitiu, por sua vez, a formação de um sistema normativo internacional de proteção destes direitos. Na lição de André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros (2013):
Em termos de Ciência Política, tratou-se apenas de transpor e adaptar ao Direito Internacional a evolução que no Direito Interno já se dera, no início do século, do Estado-Polícia para o Estado-Providência. Mas foi o suficiente para o Direito Internacional abandonar a fase clássica, como o Direito da Paz e da Guerra, para passar à era nova ou moderna da sua evolução, como Direito Internacional da Cooperação e da Solidariedade.
É de entendimento, então, que as novas matérias que o Direito Internacional tem vindo a absorver, nas condições referidas, são de índole variada: política, econômica, social, cultural, científica, técnica, dentre outros. Mas, dentre elas, os referidos autores destacam três posicionamentos: primeiro, a proteção e a garantia dos Direitos do Homem; segundo, o desenvolvimento; e terceiro, a integração econômica e política.
Entende-se que a partir da aprovação da Declaração Universal de 1948 e a partir da concepção contemporânea de direitos humanos por ela introduzida, começou o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, quando se adotou inúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos fundamentais. Assim, conforme enuncia Flávia Piovesan (2000, p. 96) formava-se:
O sistema normativo global de proteção dos direitos humanos, no âmbito das Nações Unidas. Este sistema normativo, por sua vez, é integrado por instrumentos de alcance geral (como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966) e por instrumentos de alcance específico, como as Convenções internacionais que buscam responder a determinadas violações de direitos humanos, como a tortura, a discriminação racial, a discriminação contra as mulheres, a violação dos direitos das crianças, dentre outras formas de violação.
Há de se salientar, também, que nesse cenário, firmou-se, no âmbito do sistema global, a coexistência dos sistemas geral e especial de proteção dos direitos humanos, como sistemas de proteção complementares.
Ainda segundo as afirmações feitas por Flávia Piovesan (2000, p. 97):
O sistema especial de proteção tinha por finalidade realçar o processo da especificação do sujeito de direito, no qual o sujeito passa a ser visto em sua especificidade e concreticidade, a exemplo, protege-se a criança, os grupos étnicos minoritários, os grupos vulneráveis, as mulheres, dentre outros. Já o sistema geral de proteção, compreendidos como os Pactos da Organização das Nações Unidas – ONU (1966) tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade.
Saliente-se que ao lado do sistema normativo global, surge o sistema normativo regional de proteção, que busca internacionalizar os direitos humanos no plano regional, particularmente na Europa, América e África. A premissa consistia na consolidação da convivência do sistema global (integrado pelos instrumentos das Nações Unidas) com instrumentos do sistema regional, por sua vez, integrado pelo sistema americano, europeu e africano de proteção aos direitos humanos.
Outrossim, poder-se-ia afirmar, então, que diante desse cenário, os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas complementares. Inspirados pelos valores e princípios da Declaração Universal, das quais compõem o universo instrumental de proteção dos direitos humanos, no plano internacional.
Todavia, em face deste complexo universo de instrumentos internacionais, cabe ao indivíduo, que sofreu violação de direito, a escolha do aparato mais favorável, tendo em vista que, eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance global ou regional, ou ainda, de alcance geral ou especial (PIOVESAN, 2000).
Nesta ótica, os diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos protegidos. Sob essa questão, na lição de Antônio Augusto Cançado Trindade (1993, p. 52-53), observa-se que:
O critério da primazia da norma mais favorável às pessoas protegidas, consagrado expressamente em tantos tratados de direitos humanos, contribui em primeiro lugar para reduzir ou minimizar consideravelmente as pretensas possibilidades de ‘conflitos’ entre instrumentos legais em seus aspectos normativos. Contribui, em segundo lugar, para obter maior coordenação entre tais instrumentos em dimensão tanto vertical (tratados e instrumentos de direito interno) quanto horizontal (dois ou mais tratados). [...] Contribui, em terceiro lugar, para demonstrar que a tendência e o propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos – garantindo os mesmos direitos – são no sentido de ampliar e fortalecer a proteção.
Nesse contexto, ao adotar o valor da primazia da pessoa humana, estes sistemas se complementam, interagindo com o sistema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais, pois como salienta Flávia Piovesan (2000, p. 98):
A sistemática internacional, como garantia adicional de proteção, institui mecanismos de responsabilização e controle internacional, acionáveis quando o Estado se mostra falho ou omisso na tarefa de implementar direitos e liberdades fundamentais. Ao acolher o aparato internacional de proteção, bem como as obrigações internacionais dele decorrentes, o Estado passa a aceitar o monitoramento internacional no que se refere ao modo pelo qual os direitos fundamentais são respeitados em seu território.
Fica a observância de que a partir das observações feitas por Kathryn Sikkink (1993, p. 411), entende-se que a questão está na doutrina que rege a proteção internacionais, pois que:
A doutrina da proteção internacional dos direitos humanos é uma das críticas mais poderosas à soberania, ao modo pelo qual é tradicionalmente concebida, e a prática do Direito Internacional dos Direitos Humanos e da política internacional de direitos humanos apresenta exemplos concretos de renovados entendimentos sobre o escopo da soberania.
Não se pode olvidar que a política e a prática de direitos humanos têm contribuído para uma transformação gradual, significativa e provavelmente irreversível da soberania, no mundo moderno. Ademais, compreende-se que o Estado passa, assim, a consentir no controle e na fiscalização da comunidade internacional quando, em casos de violação a direitos fundamentais, a resposta das instituições nacionais se mostra insuficiente e falha, ou, por vezes, inexistente.
Dessa forma, a ênfase dada por Flávia Piovesan (2000, p. 98), para a questão é de que: “A ação internacional é sempre uma ação suplementar, constituindo uma garantia adicional de proteção dos direitos humanos”.
Entende-se, portanto, que estas transformações decorrentes do movimento de internacionalização dos direitos humanos contribuíram ainda para o processo de democratização do próprio cenário internacional, já que, além do Estado, novos sujeitos de direito passam a participar da arena internacional, como os indivíduos e as organizações não-governamentais.
E, no que concerne aos indivíduos, o posicionamento contrário, José Francisco Rezek (2009, p. 158) é de que:
A proposição, hoje frequente, do indivíduo como sujeito de direito das gentes pretende fundar-se na assertiva de que certas normas internacionais criam direitos para as pessoas comuns, ou lhes impõem deveres. É preciso lembrar, porém, que os indivíduos – diversamente dos Estados e das organizações – não se envolvem, a título próprio, na produção do acervo normativo internacional, nem guardam qualquer relação direta e imediata com esse corpo de normas.
Muitos são os textos internacionais voltados à proteção do indivíduo. Entretanto, complementando, o mesmo autor, Francisco Rezek (2009, p. 158-159), afirma que:
A flora e a fauna também constituem objeto de proteção por normas de direito das gentes, sem que se lhes tenha pretendido, por isso, atribuir personalidade jurídica. É certo que indivíduos e empresas já gozam de personalidade em direito interno, e que essa virtude poderia repercutir no plano internacional na medida em que o direito das gentes não se teria limitado a protegê-los, mas teria chegado a atribuir-lhes a titularidade de direitos e deveres – o que é impensável no caso de coisas juridicamente protegidas, porém despersonalizadas, como as florestas e os cabos submarinos.
Para Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (2009, p. 453), ainda há negação ao indivíduo da condição de sujeito internacional, pois que:
A regra ainda continua sendo a de negar ao indivíduo a condição de sujeito internacional. Faz-se necessária ainda a mediação do Estado para que o pleito do indivíduo possa ressoar internacionalmente. Ora, é bem de ver que como no mais das vezes é o próprio Estado que é o agente perpetrador destas lesões, as possíveis queixas daí decorrentes não encontram um canal natural para desaguar. Elas morrem no próprio Estado.
A defesa dos referidos autores é para que o indivíduo seja compreendido como efetivo sujeito de direito internacional. Todavia, anteriormente, Flávia Piovesan (2000) afirmou que o ingresso do indivíduo, como novo ator no cenário internacional, pode ser evidenciado especialmente quando do encaminhamento de petições e comunicações às instâncias internacionais, denunciando a violação de direito internacionalmente assegurado. Compreende-se, então, que os indivíduos convertem-se em sujeitos de direito internacional – tradicionalmente, uma arena em que só os Estados podiam participar.
Com efeito, na medida em que guardam relação direta com os instrumentos internacionais de direitos humanos – que lhes atribuem direitos fundamentais imediatamente aplicáveis –, os indivíduos passam a ser concebidos como sujeitos de direito internacional, pois para Flávia Piovesan (2000, p. 99):
Na condição de sujeitos de direito internacional, cabe aos indivíduos o acionamento direto de mecanismos internacionais, como é o caso da petição ou comunicação individual, mediante a qual um indivíduo, grupos de indivíduos ou, por vezes, entidades não-governamentais, podem submeter aos órgãos internacionais competentes denúncia de violação de direito enunciado em tratados internacionais.
No entanto, ainda é necessário democratizar determinados instrumentos e instituições internacionais, a fim de que possam prover um espaço participativo mais eficaz, que permita maior atuação de indivíduos e de entidades não governamentais mediante legitimação ampliada nos procedimentos e instâncias internacionais.
No que diz respeito às instituições internacionais, a propósito, ilustrativa é a Convenção Americana ao estabelecer, no artigo 61, que apenas os Estados-Partes e a Comissão Interamericana têm direito de submeter um caso à decisão da Corte. Pode-se inferir que de forma lamentável a Convenção Americana, não atribui ao indivíduo ou a entidades não-governamentais legitimidade para encaminhar um caso à apreciação da Corte. Outro exemplo é a Corte Internacional de Justiça que, nos termos do artigo 34 de seu Estatuto, tem a competência restrita ao julgamento de demandas entre Estados, e, assim, não reconhece a capacidade processual dos indivíduos. Sobre as razões históricas deste dispositivo, explica Celso Albuquerque de Mello (2009, p. 582-583):
Quando foi elaborado o projeto de estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional, antecessora da Corte Internacional de Justiça, no Comitê de Juristas de Haia, Loder propôs que se reconhecesse o direito do indivíduo de comparecer como parte perante a Corte. Esta proposta encontrou de imediato a oposição da grande maioria de juristas que faziam parte do Comitê, entre eles Ricci Busatti. Os argumentos contrários foram os seguintes: 1) o domínio da Corte era o Direito Internacional Público e os indivíduos não eram sujeitos internacionais; 2) o recurso à justiça internacional era inadmissível, porque o indivíduo já tinha a proteção dos Tribunais nacionais e se não a tivesse não poderia o Direito Internacional Público dar mais do que era concedido pelo direito interno; 3) na vida internacional o indivíduo já possuía a proteção diplomática.
Nesse diapasão, a criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos fez com que os indivíduos se tornassem verdadeiros sujeitos internacionais, capazes de recorrer às instâncias internacionais, quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto, compreendeu-se que os Direitos Humanos são direitos em processo de evolução e ampliação, juntamente com isso precisam de condições para que sejam efetivados e garantidos ao gênero humano, principalmente, pelo entendimento de que não existe humanidade sem direitos, em face destes lhe serem imprescindíveis, tendo em vista, também, que se não existe preocupação com nossos pares não se pode dizer da existência de seres humanos.
Ainda que se enfrente uma grande guerra de poder, que dificulta a universalidade de direitos por não ser de seu interesse, o mundo caminha para uma maior proteção ao gênero humano, sendo que os tratados internacionais têm tido um grande papel. A criação de um mecanismo capaz de responsabilizar as autoridades que violarem os direitos humanos, independente do cargo que ocupem, é, sem sombra de dúvidas, mais uma etapa no progresso moral da humanidade. Outrossim, compreendeu-se que a luta pela efetivação dos Direitos Humanos ganhou um importante mecanismo de controle, embora importantes Estados não tenham aderido ao Tratado de Roma. Além disso, aboliu-se definitivamente os tribunais “ad hoc”, criados pela ONU, que violavam os princípios do juiz natural, do devido processo legal e da vedação aos tribunais de exceção.
Todavia, importante continuar com a luta em prol dos Direitos Globais, pois países como a China e Estados Unidos ainda não reconhecem essa jurisdição universal, por serem grandes violadores das regras. O reconhecimento poderia ensejar que um primeiro-ministro chinês e um presidente dos Estados Unidos fossem responsabilizados por violações.
Após esse trabalho, conclusão outra não haveria como se alcançar senão a de que a relação entre a efetividade dos Direitos Humanos é o ponto nevrálgico para a realização do Estado Democrático de Direito, é dizer, sem a concretização dos mesmos, positivados com fundamentalidade na Carta Constitucional de cada Estado, a Democracia e o Direito, que compõem essa forma de Estado, não passam de expressões vazias, e a Carta Fundamental não é senão mera folha de papel.
Ao mostrar uma breve retrospectiva histórica das gerações dos Direitos Humanos, demonstrando ao leitor a longa caminhada rumo aos Direitos Humanos universais globais e a maneira como estão sendo efetivados no Estado Democrático de Direito, percebeu-se que a análise do trajeto percorrido para a internacionalização das gerações de direitos humanos, desde seu surgimento até à atualidade, afere-se que é o mesmo caminho que se perseguiu até o alcance do mesmo, porquanto os fundamentos e do desenvolvimento histórico das gerações de direitos e do Estado Democrático de Direito são exatamente os mesmos, e inclusive sua ascensão e reconhecimento ocorreu no mesmo contexto histórico, constituindo, ambos, duas faces da mesma moeda.
O Estado Democrático de Direito teve como consequência direta o aumento de bens e direitos susceptíveis da tutela jurídica (princípio da legalidade) que, por sua vez, torna a atividade jurídica do aplicador do direito mais complexa, sempre em busca da maior efetivação possível dos direitos humanos positivados na Carta Fundamental. Cabe ao aplicador do Direito minudenciar o caso concreto, sempre em observância aos princípios garantidores de direitos fundamentais, executando sempre sua árdua tarefa sem ferir a ordem instituída: O Estado Democrático de Direito, quando se conclui que para que a universalização dos mesmos se torne definitivamente uma realidade, não bastam apenas garantias jurídicas positivadas. Antes de tudo vem a vontade política.
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[2] Docente da Disciplina de Metodologia da Pesquisa em Direito, na Universidade Federal da Bahia – UFBA, do Mestrado em Direito Público. Email: [email protected]. Sebastian Mello[2]