13. Obrigatoriedade do registro do contrato
O registro do contrato preliminar perante a matrícula imobiliária, ou perante o serviço de títulos e documentos, serve para dar publicidade ao ato. Serve para dar eficácia erga omnes àquela promessa, de modo que, terceiro, não venha alegar desconhecimento quanto à existência do pacto em contrahendo.
Dado o caráter pessoal desse vínculo obrigacional, a ausência de seu registro não impedia o reconhecimento da pretensão adjudicatória. Essa, aliás, era a posição do Egrégio Superior Tribunal de Justiça [35], que proclamava a irrelevância do registro, inclusive fazendo alusão à criteriosa obra de DARCY BESSONE. [36]
A corte infraconstitucional reiteradamente decidia que: "O direito à adjudicação compulsória é em si de caráter pessoal, não dependendo, para sua plena eficácia entre os próprios contratantes, de registro no ofício imobiliário"; [37] "O direito à adjudicação compulsória é de caráter pessoal, restrito aos contratantes, não se condicionando a obligatio faciendi à inscrição no registro de imóveis". [38]
Com o advento do Código Civil de 2002, fatalmente haverá profunda alteração nesse raciocínio, já que o novo estatuto impôs a obrigatoriedade do registro do contrato preliminar, no parágrafo único do art. 463.
O novo Código Civil aborda o contrato preliminar na seção VIII do Título V, que trata dos contratos em geral. Depreende-se de seu art. 463 que concluído o contrato preliminar e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive. A novidade veio no parágrafo único, ao exigir o prévio registro do contrato preliminar, obviamente no Serviço Registral de Títulos e Documentos ou no Serviço Registral de Imóveis.
A exigência de prévio registro representa instrumento inibitório à prática de negócios jurídicos sucessivos sobre o mesmo bem, com lesão ao direito do primeiro adquirente ou de terceiros que venham adquirir o bem já negociado. O prévio registro frustra as tentativas de fraudes contra credores.
Essa inovação, ou seja, o requisito do registro para exigir-se a celebração do contrato definitivo, teoricamente revoga as Súmulas nºs 84 e 239 do Superior Tribunal de Justiça. Assim, é requisito de admissibilidade da ação de adjudicação compulsória, em favor do promitente comprador, o prévio registro do contrato preliminar. Sem o registro, passa o promitente comprador a não ter interesse processual para a adjudicação compulsória, não lhe restando outra alternativa se não pedir perdas e danos, na exegese do art. 465 do citado Código Civil.
O registro passou a ser elemento indispensável para a eficácia do contrato preliminar, de ordem individual, em face do adquirente, porquanto assegurador do direito de exigir, quando não constante cláusula de arrependimento, a celebração do contrato definitivo e de ordem generalizante (efeito erga omnes) em relação a terceiros que ficam obstados, pelo registro prévio, de adquirirem o bem objeto do contrato preliminar já concluído com outrem.
O professor Dilvanir JOSÉ DA COSTA não vê com bons olhos a redação do parágrafo único do art. 463 do Código Civil. Para ele, estando registrado e não contendo cláusula de arrependimento, o contrato preliminar passa a reger-se pelos arts. 1.417 e 1.418. Não estando registrado, o art. 464 prevê outra solução: a ação de outorga de escritura, mediante sentença, como já ocorre na forma prevista no art. 639 do Código de Processo Civil, sem necessidade de prévio registro. Conclui que se o contrato for levado à registro, transformar-se-á em direito real de aquisição (arts. 1. 417 e 1.418 do Código Civil). E se não for? Responde que é o caso de se aplicar o art. 464 do CC, c/c art. 639 do CPC. [39]
14. Considerações Finais
A partir de 1994 o processo civil brasileiro passou por uma completa reformulação, objetivando celeridade na prestação jurisdicional e sua efetividade.
Um dos maiores avanços da efetividade do processo na área obrigacional adveio com a Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que deu ao órgão jurisdicional a possibilidade da concessão da tutela específica da obrigação, reforçando, assim, a autoridade do contrato.
As chamadas liminares no processo de conhecimento, antes só concedidas em determinados procedimentos especiais como nas ações possessórias e nos mandados de segurança, passaram à categoria de regra geral em qualquer procedimento, estabelecendo-se a possibilidade de antecipação de tutela não só nas hipóteses genéricas do art. 273 do Código de Processo Civil, como, também, nas hipóteses específicas de obrigação de fazer ou não-fazer de que trata o art. 461 da referida lei instrumental.
NOTAS
01. Arruda ALVIM. Manual de direito processual civil, p. 60.
02. Araken de ASSIS. Manual do processo de execução, p. 405.
03. Álvaro VILLAÇA AZEVEDO. Teoria geral das obrigações, p. 24.
04. Washington Peluso Albino de SOUZA. Lições de direito econômico, p.135/136.
05. RADBRUCH, Filosofia do direito, trad. de Cabral de Moncada, São Paulo, 1937, p. 207, apud Miguel REALE, Fundamentos do direito, p. 18.
06. RADBRUCH, apud Miguel REALE, op. cit., p. 20.
07. Claudia LIMA MARQUES, Contratos no código de defesa do consumidor, p. 37.
08. O direito civil constitucional e a nova teoria dos contratos, p.174.
09. Orlando GOMES, Transformações gerais do direito das obrigações, p.2.
10. Orlando GOMES, Transformações gerais do direito das obrigações, p.3.
11. Orlando GOMES, Transformações gerais do direito das obrigações, p.9.
12. Ricardo Luis LORENZETTI, Fundamentos do direito privado, p. 119.
13. A esse respeito a doutrina de Leonardo MATTIETTO, O direito civil constitucional e a nova teoria dos contratos, in Gustavo TEPEDINO (coord.), Problemas de direito civil-constitucional, p.163/185.
14. J.J. Gomes CANOTILHO, Direito constitucional, p. 326.
15. Claudia Lima MARQUES. Contratos no código de defesa do consumidor, p.102.
16. Abuso do direito, p. 133.
17. O projeto do Código Civil, p. 10.
18. Segundo Georges RIPERT, "Para chegar a esta concepção da vontade soberana, criando ela própria e unicamente pela sua força direitos e obrigações, foi preciso que na obra lenta dos séculos a filosofia espiritualizasse o direito para desembaraçar a vontade pura das formas materiais pelas quais se dava, que a religião cristã impusesse aos homens a fé na palavra escrupulosamente guardada, que a doutrina do direito natural ensinasse a superioridade do contrato, fundando a própria sociedade sobre o contrato, que a teoria do individualismo liberal afirmasse a concordância dos interesses privados livremente debatidos sobre o bem público. Pode então reinar a doutrina da autonomia da vontade que é ao mesmo tempo o reconhecimento e o exagero do poder absoluto do contrato. Hoje procura-se a fonte de todos os compromissos numa vontade expressa ou tácita, e ensina-se que a vontade pode sempre criar um compromisso lícito. A obrigação assumida não é mais que uma manifestação do direito natural que assiste a todo o homem de se obrigar e, portanto, de manifestar uma liberdade que ele não pôde alienar. A Escola do direito natural persuadiu todos de que este compromisso, porque é voluntário, é necessariamente conforme à lei moral. Quando alguém decide alguma coisa a respeito do outro, dirá Kant, é sempre possível que lhe faça alguma injustiça, mas toda a injustiça é impossível quando ele decide por si próprio" (A regra moral nas obrigações civis, p.53-4).
19. Roberto de RUGGIERO, Instituições de direito civil, v. 3, p.303.
20. Ob. cit., p.303-4.
21. Ob. cit., p.305.
22. Federico PUIG PEÑA, Compendio de derecho civil español, p.541.
23. Roberto de RUGGIERO, Instituições de direito civil, v. 3, p.339.
24. Giuseppe CHIOVENDA, Instituições de direito processual civil, p.294/8.
25. Luis Eulálio BUENO DE VIDIGAL, Da execução direta das obrigações de prestar declaração de vontade, p. 115-192.
26. Araken de ASSIS, Manual do processo de execução, p.405-6.
27. Francesco MESSINEO, Manual de derecho civil y comercial, p. 469.
28. Araken de ASSIS, Manual do processo de execução, p.408.
29. A esse respeito Acórdão do E. TJMS: APELAÇÃO CIVEL. TRANSAÇÃO COM VEICULO AUTOMOTOR. REGULARIZAÇÃO DE DOCUMENTOS JUNTO AO DETRAN. RECUSA DO VENDEDOR EM RECONHECER A FIRMA. SUPRIMENTO JUDICIAL. INTELIGENCIA DO ART. 639 DO CPC. NÃO-PROVIMENTO. Provada a realização do negócio e tendo o vendedor se recusado a comparecer no cartório competente a fim de reconhecer sua firma no documento de transferencia do veículo, pode o juiz suprir tal formalidade amparando-se na disposição do art. 639 do CPC. (Apelação Cível - Classe B - XV, 401603. Campo Grande. Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Mello. 2ª T. Cível. Unânime. J. 18/04/1995, DJ-MS, 16/06/1995, p. 06, RJTJMS-105/84).
30. (...) O requerente poderá obter a transferência e inscrição do automóvel no Registro em seu nome através de simples Alvará, obtido através do juízo que inventariou os bens deixados pelo comprador ao falecer. (TARS - APC - Nº 185052529, 3ª Câm. Cív. - Erexim - RS).
31. "Ação de Obrigação de Fazer - CPC, art. 639 - Aquisição de cotas sociais - Inércia em proceder a alteração contratual e registro perante os órgãos competentes - Sentença que produz o mesmo resultado - Recurso desprovido. Se a parte que adquiriu cotas sociais de uma empresa se recusa, injustificadamente, a proceder a alteração contratual e registro junto aos órgãos competentes, dessa avença, pode o outro contratante postular uma sentença que "servirá para condenar o réu a prestar a declaração ou, então, servir como sucedâneo dele" (Alcides de Mendonça Lima, Comentários, Forense, VI vol., Tomo II, 3a. ed., p 852). (TAPR – Ap. Cível - 117034900 - Cascavel – 7ª Câm. - j. 30/03/98 - Ac. 7648 - DJ. 24/04/98).
32. Araken de ASSIS, Manual do processo de execução, p.411.
33. Posição do S.T.F., agora adotada pelo novo Código Civil, é de que a ação do art. 639 do CPC pressupõe todos os requisitos essenciais e acidentais do contrato definitivo, pelo que não cabe adjudicação compulsória nem condenação à outorga de escritura se o compromisso não estiver registrado; resolve-se o contrato, no caso de inadimplemento, em perdas e danos (RTJ, 57/330 e 113/919; 114/844; 117/384; 122/343).
34. Tribunais inferiores passaram a discordar da orientação do S.T.F., decidindo reiteradamente que a adjudicação compulsória era forma de execução do compromisso de contratar e não de execução de direito real de aquisição, pelo que não depende do registro do contrato (Revista de Processo, 19/296; RT, 470/176; RF, 209/199).
35. RSTJ 42/407 e 25/465.
36. DARCY BESSONE de Oliveira Andrade, Da compra e venda - promessa e reserva de domínio.
37. S.T.J., 4ª T., Recurso Especial 8.944-SP, Rel. Min. Athos Carneiro, DJU de 08.09.92.
38. S.T.J., 3ª T., Recurso Especial 19.410-0-MG, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU de 08.06.92, RSTJ, 42/407.
39. Inovações principais do novo Código Civil, RT 796, fevereiro de 2002, p.49.
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