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Breves anotações sobre a Lei nº 10.409/02

02/12/2003 às 00:00
Leia nesta página:

1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O CAOS LEGAL

Ao entrar em vigor em fevereiro de 2002, com quase metade dos dispositivos vetados, a Lei 10.409/02 sofreu repúdio dos operadores do direito, porque nasceu capenga nos pontos fundamentais, somente com capítulos referentes aos aspectos procedimentais, porquanto vetado o capítulo III que tratava do direito material (crimes e penas). Mais. O procedimento das fases investigativa e judicial veio a lume omisso quanto a certos institutos inalienáveis ao devido processo legal de crimes de tóxicos, bem como o texto é pobre tecnicamente, exigindo verdadeira ginástica interpretativa para sua implementação.

De todo modo, por guardar compatibilidade vertical com a Constituição Federal está vigendo e o procedimento é aplicável aos crimes de tóxicos previstos na Lei n. 6368/76.

Registre-se que, por ser um diploma falho, para sua completude e exeqüibilidade, de mister agregar os diplomas subsidiários referidos na própria Lei, além de outros que serão objeto de análise no curso do trabalho. O aspecto mais benéfico ao réu no procedimento judicial e que seduziu os operadores do direito para a implementação do diploma, malgrado suas deficiências, cinge-se à defesa preliminar anterior ao recebimento da denúncia.

Por ora, estudemos as principais falhas e dúvidas:

a)Como no capítulo IV, o art. 27 da Lei estabelece que o "procedimento relativo aos crimes definidos nesta lei rege-se pelo disposto neste capítulo" e, na medida em que o capítulo III que definia crimes e penas, foi integralmente vetado, indaga-se se este capítulo e a própria lei teriam eficácia;

b)Como o capítulo V, que trata do procedimento judicial, não sofreu vetos importantes, sua integral implementação não suscitaria maior dificuldade, uma vez que os crimes de tóxicos são por todos conhecidos desde 1976;

c)A omissão de institutos de natureza processual, como o incidente de dependência toxicológica, imporia a integração dos dois diplomas, sob pena de prejuízo ao réu e total desvirtuamento da finalidade precípua dessas Leis voltadas à punição do traficante e auxílio na recuperação de usuários e dependentes.

Pragmaticamente, compreende-se a opção pela ineficácia do instituto, haja vista a existência de um diploma sistematizado (Lei n. 6368/76) que seria abandonado desarrazoadamente. Vale dizer, como o veto atingiu todos os tipos penais (Capítulo III), ainda que o procedimento da Lei n. 10.409/02 esteja em vigor, este não poderia ter eficácia e aplicabilidade aos crimes previstos na Lei 6368/76, porquanto afastados pela própria Lei n. 10.409/02. [1]

Porém, o diploma vige e parafraseando Hans Kelsen, deve ser respeitado e implementado até que seja retirado do mundo jurídico. Daí existir, em pólo oposto, doutrinadores e decisões em diversos estados da Federação (TJSP, TJMG, TJPR, TJRS, TJGO e TJDF), defendendo a aplicabilidade integral do diploma, com ênfase aos capítulos IV e V, cujos fundamentos podem ser resumidamente explicitados, a saber:

1.1 – Doutrina:

a)Para Damásio Evangelista de Jesus, os artigos 27 a 34 revogaram parcialmente as disposições da Lei n. 6.368/76 que disciplinavam a parte inquisitiva do procedimento referente aos delitos de tráfico de drogas. Já, as disposições do Capítulo V da Lei n. 10.409/02 (artigos 37 a 45), que disciplinam a instrução criminal, revogaram parcialmente a mesma parte processual da Lei n. 6.368/76, (permanecendo as normas da lei anterior sobre institutos não regulados pela Lei n. 10.409/02) [2]. No mesmo sentido, Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini e Willian Terra de Oliveira [3];

b)Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio defendem a vigência integral do diploma [4]. No mesmo diapasão, situa-se o entendimento exarado pelo professor paranaense Isaac Sabbá Guimarães [5];

c)Renato Flávio Marcão entende que o artigo 27 fulminou de ineficácia o capítulo IV, remanescendo intocado o capítulo V, que dele independe [6];

1.2 – Jurisprudência: os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná e Brasília trazem decisões, em pelo menos uma de suas Câmaras, preconizando pela aplicabilidade integral dos Capítulos IV e V, da Lei em comento, sempre em sintonia com a Lei 6368/76 [7].

Da breve exposição, com a vênia aos posicionamentos contrários, entendemos que o diploma foi sancionado e, em conseqüência, há de ser aplicado in totum, derrogado, pois, o procedimento adotado na Lei 6368/76, complementado pelos institutos indispensáveis à sua viabilidade lógica e legal, tanto pela compatibilidade vertical que guarda com a Carta Política Brasileira, como porque os tipos de tóxicos permaneceram inalterados. A implementação do diploma impõe o emprego de interpretação sistemática e teleológica, para o fito de se harmonizar aos diversos textos normativos vigentes, dando sentido e coerência ao sistema jurídico [8].


2 – ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DA LEI

O procedimento a ser estudado abarca exclusivamente os crimes previstos nos artigos 12 a 14 da Lei 6368/76, de vez que os crimes dos artigos 15, 16 e 17, por serem de menor potencial ofensivo, submetem-se aos ditames da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95, modificada pela Lei n. 10.259/01).


3 – VIGÊNCIA

Entrou em vigor no dia 28 de fevereiro de 2.002 (LICC, art. 1º), isto é, 45 (quarenta e cinco) dias após – vacatio legis – porquanto publicada no D.O.U. de 14 de janeiro de 2002, sem definir a data que passaria a vigorar, aplicando-se, por conseguinte, a contagem de prazo determinada pelo § 1º do art. 8º da Lei Complementar n. 95/98.


4 – DIPLOMAS SUBSIDIÁRIOS

O artigo 27, parte final, determina que se aplique subsidiariamente, as disposições do Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal. Como dito, afigura-se imprescindível a complementação do diploma pela parte material e pelos institutos de natureza processual da Lei n. 6368/76 não previstos, como o segredo de justiça e o incidente de dependência toxicológica.


5 – DO PROCEDIMENTO COMUM – FASE POLICIAL

O artigo 28 é, também, um dispositivo defeituoso, pois não tem cabeça, somente parágrafos, e reza em seu § 1º que para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade do produto, da substância ou da droga ilícita.

O laudo de constatação pode ser elaborado por um só perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea, sem necessidade de diploma superior, equivale dizer, que não conte com habilitação técnica. Repetindo redação da Lei 6368/76 (artigo 22, §§ 1º e 2º), prevê, ainda, a possibilidade de o perito signatário deste também atestar o segundo laudo, de natureza definitiva.

5.1 - O laudo de constatação condiciona a lavratura do auto de prisão em flagrante, por conferir provisoriamente a materialidade da infração. Por isso, a doutrina o classifica como condição específica de procedibilidade para a denúncia ou para a transação penal.

5.2 – Inquérito Policial – O artigo 29 e seu parágrafo prevêem que o inquérito policial será concluído no prazo máximo de 15 (quinze) dias, se o indiciado estiver preso, e de 30 (trinta) dias, quando solto. Esses prazos podem ser duplicados pelo juiz, mediante pedido justificado da autoridade policial. Obviamente, só há sentido na duplicação do prazo quando o agente estiver preso.

Em suma, o prazo para conclusão do inquérito policial da Lei 6368/76 (05 dias) foi triplicado.

RELATÓRIO: Ultimado o inquérito policial, a autoridade policial relatará sumariamente as circunstâncias do fato e justificará as razões que a conduziram à classificação do delito, indicando a quantidade e a natureza do produto, da substância ou da droga ilícita que foram apreendidos, o local ou as condições em que se desenvolveu a ação criminosa e as circunstâncias da prisão, bem como mencionará sobre a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente (artigo 30).

A exigência de relatório específico e devidamente justificado ao final do procedimento investigatório busca, ontologicamente, evitar abusos, como o de usuários sejam indiciados como traficantes, haja vista a impossibilidade de prestarem fiança ou mesmo de se livrarem soltos.

DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES: Remetidos os autos do inquérito a juízo, podem ser realizadas diligências complementares destinadas a esclarecer o fato. Estas e os laudos porventura não coligidos deverão ser juntados até o dia anterior ao da audiência de instrução e julgamento (artigo 31 e parágrafo único), eis que nesta o Juiz poderá sentenciar o feito.

SOBRESTAMENTO DO PROCESSO, PERDÃO JUDICIAL E REDUÇÃO DA PENA: boa parte da doutrina discorda da aplicabilidade desses institutos, vez que previstos no artigo 32, que não tem caput e nem parágrafo primeiro. Como diz João José Leal, são dispositivos legais juridicamente inócuos ou ineficazes, devendo aplicar-se a respeito os artigos 13 e 14 da Lei nº. 9.807/99 (Lei de Proteção às Testemunhas) [9].

Dentro da aplicabilidade integral do diploma que defendemos, não obstante a existência de artigos sem parágrafos e sem cabeça (verdadeiras almas penadas), defluem os seguintes entendimentos:

Sobrestamento do Processo: é cabível somente durante o inquérito policial e representa um acordo entre o MP e o indiciado que "revelar a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça". Porém, a lei nada definiu sobre o instituto, não há regras sobre prazo ou processamento – o que pode ser aclarado pela doutrina –, mas é certo que uma vez cumpridas as condições acordadas, o MP poderá optar pelo arquivamento do inquérito policial, até porque é seu destinatário e a autonomia funcional indica não precisar se dirigir ao Juiz para requerer a homologação do acordo [10].

Perdão Judicial e Redução da Pena: se a delação eficaz for posterior ao oferecimento da denúncia, por proposta do MP, o Juiz aplicará a minorante, de 1/6 até 2/3, ou concederá o perdão judicial, sempre justificando (artigo 32, § 3º).

INFILTRAÇÃO POLICIAL (agente encoberto) e FLAGRANTE PRORROGADO OU DIFERIDO: Os institutos estão sujeitos à autorização judicial, após manifestação ministerial. O flagrante prorrogado é permitido no caso de tráfico internacional e é aquele em que o agente policial, de acordo com as circunstâncias, buscando uma atuação mais eficaz, decide não prender o sujeito no momento em que pratica a infração.

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5.3 - Prisão Temporária: As Leis 7960/89 e 8072/90 ingressam no rol de diplomas subsidiários. Não há que se confundir cautelares típicas – flagrante e preventiva – e sua inserção no prazo regular para o término da instrução processual, de oitenta e um dias, com a prisão temporária que não é cautelar típica e, por conseguinte, não pode ser inserida no contexto do prazo para finalizar uma instrução criminal. As cautelares típicas trazem em seu bojo indícios firmes de autoria do crime, enquanto a temporária busca exatamente a formação desses indícios.

A prisão temporária só tem cabimento quando se buscam indícios de autoria, de tal sorte que os prazos previstos na Lei de Crimes Hediondos, podem ser aplicados independentemente dos prazos previstos na Lei 10.409/02 ou de qualquer outra, porque a custódia tem por desiderato a investigação pela Polícia Civil ou pelo Ministério Público, para elucidação da autoria. Com esta, pode-se decretar a prisão preventiva, quando fluirá o prazo da Lei.

Não se afigura correta a interpretação que não admite, por exemplo, o decreto de prisão temporária por 30 (trinta) dias e sua prorrogação, porque conflitaria com o prazo do inquérito policial previsto na Lei em comento. A prisão temporária tem natureza cautelar, com âmbito de incidência mais reduzido que as demais modalidades de prisão cautelar, ou seja, unicamente dentro do inquérito policial. Seu propósito é o de instrumentalizar o inquérito policial com manancial probatório concernente à autoria ou participação do suspeito ou indiciado em grave infração penal e fornecer cabedal probante que subsidie a futura denúncia.

Nos crimes de tóxicos, os prazos que animarem o decreto de temporária não se confundem com os prazos do inquérito policial, até porque, de regra, não se cogita dela quando houver prisão em flagrante delito. Salvo, no caso de co-autoria, quando pode existir a possibilidade de confusão entre prisão em flagrante e prisão temporária. Vejamos um exemplo para melhor compreensão. Suponha-se um caso de narcotráfico, onde há agentes presos em flagrante e outros sob investigação, e a autoridade policial represente pela prisão temporária de terceiro(s). Para que os agentes presos não sofram constrangimento ilegal por excesso de prazo, de mister o desmembramento dos autos. Aqui, vale lembrar que a figura do flagrante prorrogado é benéfica não só para maior e melhor desmantelamento da organização criminosa como para instauração do procedimento que atente às diretrizes legais e não ofenda nenhum princípio constitucional inerente ao devido processo legal.


6 – DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

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6.1 – Atribuições do parquet - Art. 37 – No prazo de 10 (dez) dias, o representante do MP deve adotar uma das seguintes providências: requerer o arquivamento; requisitar diligências; oferecer denúncia com um máximo de 05 testemunhas; deixar de propor a ação penal contra agentes ou partícipes do crime.

A grande novidade trazida pelo dispositivo é a última previsão. Trata-se da assunção em nosso sistema do princípio da oportunidade nos crimes de ação pública de competência exclusiva do MP, reduzindo, mais ainda, o campo de incidência do princípio da obrigatoriedade (ou legalidade) que já havia sido mitigado na Lei 9099/95, quando conferiu ao órgão ministerial o poder-dever de transacionar com o autor do fato (artigo 76). Agora, se o indiciado colaborou decisivamente (delação eficaz) com as investigações e fez jus ao sobrestamento do inquérito policial, ultimado o prazo acordado, terá o MP a faculdade de não oferecer a denúncia em relação a ele, voltando-se contra os demais. Se o Magistrado discordar do pedido de arquivamento, poderá se valer do princípio da devolução, consagrado no art. 28 do CPP e repetido nos §§ 2º e 3º, do artigo 37.

6.2 – Denúncia, citação, interrogatório e defesa preliminar – Art. 38 e parágrafos – Oferecida a denúncia é determinada a citação pessoal do denunciado, em vinte e quatro horas, para, no prazo de 10 dias, apresentar a defesa preliminar e, no prazo de 05 dias ser interrogado. O interrogatório preliminar é o primeiro momento de contato entre juiz e denunciado.

6.2.1 – Defesa Preliminar: trata-se de medida salutar. Por congregar a defesa prévia e as exceções processuais para discussão em momento anterior ao recebimento da denúncia, pode trazer inúmeros benefícios ao denunciado, como a repulsa à denúncia e até obstruir a instauração da ação penal.

Dentre as inúmeras falhas técnicas do legislador no diploma em comento, neste artigo, além de confundir mandato com mandado, determinou a citação antes do recebimento da inicial acusatória, o que é tecnicamente incorreto. Não se cita o denunciado, mas o réu, visando a formação do actum trium personarum. O adequado seria prever a notificação e, após o recebimento da denúncia, a citação pessoal, como no rito dos crimes funcionais (CPP, artigos 513 a 518).

A defesa preliminar deve ser ofertada por advogado, sob pena da nomeação de um dativo para fazê-lo, no prazo de 10 (dez dias).

6.2.2 – Manifestação do Ministério Público: no prazo de 05 (cinco) dias, o órgão ministerial opinará sobre a defesa preliminar. É medida adequada ao devido processo legal, embora aparentemente ofenda ao contraditório, por propiciar nova manifestação ao órgão acusatório que ofertara a denúncia. Explica-se. O órgão acusatório é também custos legis, e este cientificado de alguma prova relevante ou argumento que conduza à falta de justa causa, pode se posicionar pela inexistência de crime ou pela desclassificação, propiciando a rejeição da denúncia.

6.2.3 - Decisão liminar judicial: em 05 dias, o juiz recebe ou rejeita a denúncia, através de decisão necessariamente fundamentada, sob pena de nulidade.

Decisão Positiva: recebida a denúncia, designa audiência de instrução e julgamento, em ato único onde interrogará o réu e após a oitiva das testemunhas e debates orais, sentindo-se habilitado, proferirá sentença. Esta decisão é irrecorrível, mas pode o réu impetrar Habeas Corpus pleiteando ausência de justa causa para a ação penal (CPP, artigo 648, I).

Decisão Negativa: Se rejeitar, caberá Recurso em Sentido Estrito. Aos motivos de rejeição do artigo 43 do CPP, aditaram-se quatro novos, dispostos no art. 39, a saber:

a)Quando a inicial for manifestamente inepta (inépcia formal: falta de descrição do fato, de indicação do acusado, etc.);

b)Faltar pressuposto processual: entenda-se, se o juízo não for competente, se houver ilegitimidade de parte ou faltar o pedido, a denúncia ou queixa será refutada. No caso de incompetência, declina e remete os autos a quem de direito;

c)Faltar condição para o exercício da ação penal: complementa o artigo 43 do CPP que omitia o interesse de agir. Agora, ausente qualquer das três condições genéricas do direito de ação: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade para agir e interesse de agir (justa causa) a rejeição se impõe;

d)Quando não houver justa causa para a acusação. Justa causa é o fumus boni iuris do processo penal que se confunde com o interesse de agir. Significa prova razoável do delito, porém séria e viável, acrescida de indícios de autoria. Do contrário, a acusação tornar-se-ia temerária – inépcia material – justificando a rejeição [11].

6.2.4 – Audiência de Instrução, debates e julgamento: para receber a denúncia, o juiz prescinde do laudo definitivo. Mas, como este é pressuposto da sentença, deve ser juntado até o dia anterior à audiência, para prova definitiva da materialidade. Se não juntado, o Magistrado não pode decidir, devendo converter o julgamento em diligência para tal finalidade.

Na audiência, o Magistrado realiza os seguintes atos:

a) Interrogatório do acusado presente. Se foi citado pessoalmente e desapareceu ou se intimado não se fez presente ou se mudou de residência sem comunicar o juízo, torna-se revel. O processo prosseguirá normalmente (CPP, art. 367). São dois interrogatórios? A doutrina se divide, uns por razões várias são contra a dupla realização da prova, ora porque o interrogatório somente deve ser judicial, porque a audiência una é mais adequada ao novo sistema (Flávio Renato Marcão [12] e Rômulo de Andrade Moreira [13]); ora porque o interrogatório anterior se amolda unicamente à citação por edital, restando somente o da audiência (Luiz Flávio Gomes e outros [14]). De outro lado, defende-se que os dois atos estão em consonância com o devido processo legal, propiciando maior amplitude de defesa (Fernando Capez e Vitor Eduardo Rios Gonçalves [15]).

Flávio Renato Marcão defende e justifica seu ponto de vista, alegando que a Lei 10.409/02, em face de seus inúmeros equívocos, está sendo objeto de modificação no Congresso Nacional através do Projeto de Lei 6108/02, e que na modificação do artigo 38, ficará excluído o interrogatório anterior à defesa preliminar [16].

b) Testemunhas. As testemunhas, em número de cinco, serão inquiridas dentro da tradição: primeiro, as de acusação, depois, as arroladas pela defesa.

c) Debates Orais. Primeiro a acusação e depois o defensor do acusado. Havendo assistente, ele fala depois do MP. O prazo é de vinte minutos para cada um, prorrogável por mais dez, a critério do juiz. Embora a lei não autorize, em casos excepcionais, nada impede que o juiz consigne prazo para apresentação de memoriais escritos.

d) Sentença. Após os debates, cabe ao juiz proferir sentenciar. Se não se sentir habilitado, pode ordenar que os autos lhe sejam conclusos para, no prazo de 10 (dez) dias, proferir a sentença (parágrafo único do art. 41).

6.3 – Citação por Edital. A confusa redação prejudica entender-se o alcance do texto, sendo imperativo o uso da interpretação sistemática. Determina-se a aplicação do artigo 366, ao processo em que o acusado, citado pessoalmente ou por edital, ou intimado para qualquer ato processual, deixar de comparecer sem motivo justificado. Embora, à primeira vista, a letra da lei aparente indicar a aplicação do art. 366 do CPP (suspensão do processo e do curso do prazo prescricional), ainda que a citação tenha sido pessoal e o réu não compareceu nem constituiu advogado, não é, porém, esta a hipótese alvitrada. A Lei 9.271/96 não se restringiu a modificar tão-somente o art. 366, mas o fez, também, em relação aos artigos 367 a 369. E, como se sabe, dispõe o art. 367 que o processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo. Logo, em relação às regras gerais do Processo Penal brasileiro, nada mudou neste aspecto em relação ao novo procedimento, ou seja, o processo só será suspenso se o revel foi citado por edital. Se a citação foi pessoal, o julgamento ocorrerá à sua revelia. Neste sentido, é a lição de Fernando Capez e Victor Eduardo Rios Gonçalves [17].

6.4 – Prazos na Lei. A contagem em dobro prevista no artigo 35, parágrafo único, da Lei 6368/76 quanto aos crimes previstos nos artigos 12, 13 e 14 foi derrogada, pois os prazos procedimentais foram integralmente definidos no novo diploma (LICC, art. 2º).

Já existe manifestação pretoriana em sentido contrário. A 3ª Câmara do TJRS, nos autos do Habeas Corpus n. 70005799325, da Comarca de Santa Maria, em 20 de fevereiro de 2.003, defende a manutenção dos prazos em dobro: assim, o prazo máximo para encerramento da instrução de 98 dias – equivalentes ao prazo de 76 dias, mais os prazos judiciais previstos nos artigos 799 e 800 do CPP – passa para 196, se não houver instauração de incidente de dependência toxicológica, caso em que o prazo será ampliado para 256 dias. Esta, todavia, é uma decisão que não deve prevalecer, haja vista a revogação tácita derivada da implementação de todos os prazos procedimentais pela Lei 10.409/02, de molde a derrogar o procedimento anterior previsto na Lei 6368/76.

6.4.1 - PRAZO MÁXIMO DE CLAUSURA DO RÉU PRESO: a jurisprudência fixou o prazo de 81 dias para o término da instrução de crimes apenados com reclusão, partindo da somatória dos prazos previstos no CPP.

6.4.2 – PRAZO MÁXIMO DE PRISÃO CAUTELAR NA LEI 10.409/02 - O prazo mínimo para a conclusão da instrução do feito, levando-se em conta os menores prazos apontados nos dispositivos legais, é de 76 (setenta e seis dias). Como a nova lei omitiu o prazo do exame de dependência toxicológica, este deve se realizar em 30 dias (art. 23, § 1º, da Lei nº 6368/76), o que eleva o prazo para 106 (cento e seis) dias, excluído o prazo judicial. De outro lado, se considerarmos os prazos em seus máximos, computando-se o interrogatório preliminar, chegaremos ao prazo de 96 (noventa e seis) dias de clausura para o término da instrução, excluído o prazo judicial. A contagem pode ser vislumbrada no seguinte quadro-resumo:

Inquérito Policial (artigo 29);

Prazo de 15 (quinze) dias, podendo ser duplicado, para 30 (trinta), a pedido justificado da autoridade policial.

Denúncia

Em 10 dias o Ministério Público deverá oferecer denúncia, requerer o arquivamento, requisitar diligências ou deixar, justificadamente, de oferecer denúncia contra agentes ou participantes do crime.

Citação

Em 24 (vinte e quatro) horas.

Defesa Preliminar

Prazo de 10 (dez) dias. Não sendo apresentada, o Juiz nomeará dativo para apresentá-la, em igual prazo.

Interrogatório Preliminar

Prazo de 05 (cinco) dias, a partir do oferecimento da denúncia.

Manifestação do Ministério Público

Prazo 05 (cinco) dias para contrariar a defesa preliminar.

Decisão Liminar Positiva

Prazo de 05 (cinco) dias para o Juiz receber a denúncia ou determinar realização de diligências imprescindíveis, no prazo de 10 (dez) dias.

Audiência de Instrução e julgamento

Prazo de 20 dias para interrogatório, audiência de instrução, debates e julgamento (CPP, art. 401). Ato concentrado com interrogatório, oitivas, debates e sentença oral.

Sentença

No prazo de 10 dias, se o Juiz não se sentir habilitado.


7. CONCLUSÃO

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Embora os prazos da nova lei sejam mais severos, os institutos amalgamados ao diploma permitem maior amplitude defensiva, de sorte que a inobservância do rito processual proporcionado redunda em nulidade absoluta, sanável por via do remédio heróico. Trata-se de regra processual de aplicação obrigatória, cuja inobservância importa em violação aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, maculando o feito de nulidade absoluta, nos termos do artigo 564, III, c, do Código de Processo Penal e conforme preconiza a Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal [18].


Notas

01. Neste sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Breves Comentários às Leis n. 10.259/01 (Juizados Especiais Criminais Federais) e 10.409/02 (Tóxicos). Disponível na Internet: http://www.cpc.adv.br/doutrina.htm.

02. JESUS, Damásio Evangelista de. Nova Lei Antitóxicos (Lei n. 10.409/02) - Mais Confusão Legislativa. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, fev. 2002.

03. GOMES, Luiz Flávio, BIANCHINI, Alice e OLIVEIRA, Willian Terra de. Nova lei de tóxicos. Curso pela internet in www.estudoscriminais.com.br., 20.01.02.

04. MORAES, Alexandre de, e SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

05. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos: Comentários Jurisprudência e Prática à luz da Lei 10409/02. Curitiba: Juruá, 2002.

06. MARCÃO, Renato Flávio. Legislação Antitóxicos. Novos Problemas Iminentes. (Projeto de Lei 6.108/2002, que altera a Lei 10.409/2002), in Cadernos Jurídicos da Escola Paulista da Magistratura: São Paulo, ano 4, n. 14, p. 81/84, março-abril/2003.

07. Exemplificativamente citamos um acórdão de São Paulo e um de Minas Gerais, dentro das diretrizes trilhadas neste trabalho: Em 10 de setembro de 2002, a 4ª Câmara Criminal, do TJSP concedeu habeas corpus em processo por crime de tráfico que tramitou na Comarca de Santa Isabel, anulando o processo a partir da citação, determinando sua renovação com a adoção do rito dos artigos 38 a 41 da Lei 10.409/02, relaxando a prisão em flagrante por excesso de prazo no término da instrução (HC n. 390.665.3/6, rel. Des. Hélio de Freitas). Com o mesmo fundamento, em 13 de maio de 2.003, a Primeira Câmara do TJMG, nos autos da Apelação 312.610-9/00, da Comarca de Uberlândia, anulou o feito, de ofício, por ter sido recebida a exordial sem a devida defesa escrita preliminar, e ainda determinando que se expeça o alvará de soltura em favor do acusado, se por al não estiver preso.

08. Idem, MORAES, Alexandre de, e SMANIO, Gianpaolo Poggio.

09. LEAL, João José. A Lei nº. 10.409/02 e o Instituto da Delação Premiada. Boletim IBCCrim n. 118, setembro/2002.

10. MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova Lei de Tóxicos – aspectos processuais. Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, 16.06.2003

11. Idem, GOMES, Luiz Flávio, BIANCHINI, Alice e OLIVEIRA, Willian Terra de.

12. Idem, MARCÃO, Renato Flávio.

13. Idem MOREIRA, Rômulo de Andrade.

14. Idem GOMES, Luiz Flávio, BIANCHINI, Alice e OLIVEIRA, Willian Terra de.

15. CAPEZ, Fernando, e GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Questões Polêmicas da Nova Lei de Tóxicos. Boletim IBCCRIM, ano 10, n. 113, abril/2002, pp. 7/8.

16. Idem, MARCÃO, Renato Flávio.

17. Idem CAPEZ, Fernando, e GONÇALVES, Victor Eduardo Rios.

18. Idem GUIMARÃES, Isaac Sabbá, p. 217.

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Sobre o autor
Jayme Walmer de Freitas

Professor da Escola Paulista da Magistratura e de Pós-Graduação no COGEAE da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador do 7º Curso de Pós Graduação "Lato Sensu" - Especialização em Direito Processual Penal, da Escola Paulista da Magistratura. Autor das obras Prisão Cautelar no Direito Brasileiro (3ª edição), OAB – 2ª Fase – Área Penal e Penal Especial, na Coleção SOS – Sínteses Organizadas Saraiva vol. 14, pela Editora Saraiva, além de coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Coautor do Código de Processo Penal Comentado, pela mesma Editora. Colaborador em Legislação Criminal Especial, vol. 6, coordenada por Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha, pela Editora Revista dos Tribunais. Colaborador em o Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, coordenada por Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva, pela Editora Quartier Latin. Colaborador em o Direito Imobiliário Brasileiro, coordenada por Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio, pela Editora Quartier Latin. Autor de artigos jurídicos publicados em revistas especializadas e nos diversos sites jurídicos nacionais. Foi Coordenador Pedagógico e professor de Processo Penal, Penal Geral e Especial, por 14 anos, no Curso Triumphus – Preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de OAB, em Sorocaba. Juiz criminal em Sorocaba/SP, mestre e doutor em Processo Penal pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Jayme Walmer. Breves anotações sobre a Lei nº 10.409/02. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 149, 2 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4557. Acesso em: 22 dez. 2024.

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