A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO COMO PROFISSIONAL LIBERAL

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O presente artigo faz uma análise do instituto da responsabilidade civil do médico como profissional liberal tendo como enfoque principal a falta de humanização do atendimento médico em relação ao paciente.

1. INTRODUÇÃO

 

No momento que alguém se vê lesado ou tem a perda de uma chance de uma vantagem futura ou evitar um prejuízo,  um dano é gerado, o qual consiste na própria chance perdida, nascendo o dever de indenizar.

 

Tem-se vivenciado, no atual cenário, a falta de médicos, ou de médicos sem a devida formação humanística, que na maioria das vezes ocasionam uma série de danos aos pacientes, sendo que em muitos casos, essas lesões se dão através de uma perda de uma chance.

Nesse sentido, Nelson Figueiredo Mendes (2006, p. 16), destaca que:

Há defensores da ideia de que não basta melhorar progressivamente o nível das Faculdades de Medicina e sim que deveria ser instituído um Exame, para permitir a prática profissional em Medicina, em analogia ao Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Seria o Exame do Conselho, para que o médico pudesse obter seu registro junto ao Conselho Regional de Medicina Estadual e exercer a profissão. Inicialmente, tal exame seria opcional, para posteriormente ser obrigatório, após a promulgação de lei específica. Atualmente, há estudos para se implantar a Ordem dos Médicos do Brasil, pela fusão da Associação Médica Brasileira com o Conselho Federal de Medicina.

Partindo-se do pressuposto que o dano não pode ficar sem a reparação, a vítima ou sua família não podem arcar com as consequências da conduta alheia, o que seria um afrontamento com o espírito da responsabilidade civil. Assim, neste contexto, surge o dever de indenizar, a fim de proporcionar a reparação para os pacientes que são submetidos a um atendimento/tratamento médico sem o devido respeito à dignidade da pessoa humana.

O tema responsabilidade civil passou por uma evolução no decorrer dos últimos anos e juntamente com esta evolução verificou-se várias mudanças na forma de aplicação da Responsabilidade Civil.

Por este motivo, o presente artigo visa abordar a responsabilidade civil na seara das atividades dos profissionais liberais, os quais, por estarem incluídos como prestadores de serviços, são regulados pelo conteúdo do Código de Defesa do Consumidor. Desta forma, tomando como base o artigo 14, §4º do Código mencionado acima, verifica-se que, como regra, a obrigação dos profissionais liberais frente aos seus pacientes é de meio, caracterizando-se, portanto, em responsabilidade subjetiva.

2. Conceito de profissional liberal

Primeiramente, cabe destacar o conceito de profissional liberal para, posteriormente, ser realizado o estudo sob o aspecto da responsabilidade civil relacionada com a atuação desses profissionais na prestação de serviços. Assim, Sergio Cavalieri Filho (2014, p. 570) classifica:

Profissional liberal, como o próprio nome indica, é aquele que exerce uma profissão livremente, com autonomia, sem subordinação. Em outras palavras, presta serviços pessoalmente, por conta própria, independente do grau de escolaridade. Não só o médico, o advogado, o engenheiro, o psicólogo, o dentista, etc. podem ser profissionais liberais, mas também o sapateiro, o carpinteiro, o marceneiro, o eletricista, o pintor, a costureira, desde que prestam serviços com autonomia, sem subordinação – enfim, por conta própria. Pela ótica do Código, o melhor caminho é definir o profissional liberal pelas características de sua prestação de serviços, e não pelo seu grau de escolaridade, ou pelo enquadramento na regulamentação legal.

O fato destes profissionais serem liberais, não extinguem a responsabilidade pelos seus danos, o qual estão disciplinados pelo Código de Defesa do Consumidor. A diferença na responsabilização dos profissionais liberais reside no fato de não ser objetiva, exigindo, portanto, a prova de culpa. As atividades realizadas por estes profissionais são exercidas pessoalmente e a determinadas pessoas, por isto configura-se intuitu personae, que na maioria dos casos se estabelece pela confiança. Vejamos o que refere o CDC a respeito:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

[...]

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. (BRASIL, 2015)

Grande parte das atividades exercidas por profissionais liberais no Brasil são consideradas como obrigações de meio, neste caso, não há uma garantia de que o resultado será alcançado. Contudo, se o consumidor não ficar satisfeito com o atendimento prestado, caberá a este comprovar a culpa do profissional e recorrer ao judiciário para ver seu problema sanado.

Desta forma, o médico, não tem como garantir que o tratamento oferecido para o seu cliente causará a cura na sua totalidade, da mesma forma que o advogado que atua no processo não tem como garantir o resultado da demanda para o seu cliente.

Não podemos submeter os profissionais liberais a mesma responsabilidade daqueles que prestam serviços em massa, configurando estes em responsabilidade objetiva. Cavalieri Filho (2014, p. 570-571) entende que:

O Código não criou para os profissionais liberais nenhum regime especial, privilegiado, limitando-se a afirmar que a apuração de suas responsabilidades continuaria a ser feita de acordo com o sistema tradicional, baseado na culpa. Logo, continuam a ser-lhes aplicáveis as regras da responsabilidade subjetiva com culpa provada nos casos em que assumem obrigações de meio, e as regras da responsabilidade subjetiva com culpa presumida nos casos em que assumem obrigação de resultado.

Este regime mais brando não dá ao profissional um privilégio, mas apenas, o benefício da verificação da culpa, sendo que a inversão do ônus da prova poderá ser usada em favor do consumidor, independentemente se esta responsabilidade se der por culpa ou não, conforme preceitua o art. 6º do CDC, senão vejamos:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (BRASIL, 2015)

Cabe ressaltar, que, quando estes profissionais liberais estiverem executando obrigações consideradas de resultado, é exigido que o resultado prometido seja alcançado. Exemplos desta situação é a cirurgia plástica, sendo que o médico se compromete em tais resultados, onde, em muitos casos o médico apresenta um desenho a paciente de como ficará após a cirurgia, comprometendo-se desta forma com o resultado.

Quando um paciente procura um profissional liberal da área médica, aquele se vê protegido, entrega a este o seu bem maior, que é a sua própria vida e o profissional tem o dever de informar e prestar todo o auxílio necessário para a concretização do resultado.

3. Relação entre médico e paciente

 Com o surgimento da sociedade capitalista, surge uma busca compulsiva por produtos e pela prestação de serviços, consequentemente, resultando na prática da relação de consumo, bem como na violação dos direitos do consumidor.

Com o intuito de proteger os atos emanados da relação de consumo, a Constituição Federal prevê como direito fundamental, o dever do Estado na defesa do consumidor

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (BRASIL, 2015)

Acerca do assusto, dispõe Cavalieri Filho (2014, p. 431):

Antes da vigência do Código de defesa do Consumidor, os riscos do consumo corriam por conta do consumidor. Falava-se até na aventura de consumo, porque consumir, em muitos casos, era realmente uma aventura. O fornecedor se limitava a fazer a chamada oferta inocente, e o consumidor, se quisesse, que assumisse os riscos dos produtos consumidos. Não havia legislação eficiente para proteger os consumidores contra os riscos do consumo. Antes, pelo contrário, havia inúmeros obstáculos jurídicos para se chegar á responsabilização do fornecedor. Ele só respondia por culpa, a culpa provada, e esta era uma espécie de couraça que tornava o fornecedor irresponsável. A reparação dos danos só podia ser obtida pela via direta – responsabilidade pelo fato de outrem ou da coisa -, por não se admitir nenhuma relação jurídica direta entre o fornecedor e a vítima.

A relação entre o médico e o paciente não deixa de ser uma relação de consumo, onde as partes firmam um contrato, sendo ele, expresso ou tácito.

Para a formação deste contrato há elementos indispensáveis para sua caracterização, desta forma destaca Maria Helena Diniz (2003, p. 46)

Sendo o consentimento recíproco o ponto nuclear de todo negócio jurídico contratual, de relevante interesse é caracterizar o instante em que ele se verifica, porque daí decorre a existência do próprio contrato. É preciso fixar o momento em que se dá o acordo de vontades. No instante em que as vontades, manifestadas segundo a forma livre ou determinada, conforme o caso, se justaponham ou coincidem é que nasce o contrato. Todavia, é preciso ressaltar que o contrato não surge pronto; é, ao invés, o resultado de uma série de fases, que ás vezes se interpenetram, mas que, em detida análise, se destacam perfeitamente: negociações preliminares, proposta e aceitação.

O Código de Defesa do Consumidor define em seu artigo 3° quem é fornecedor, desta forma:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 2015)

Desta forma, como destaca o CDC, os profissionais liberais são considerados fornecedores, e, como tais, mantêm uma relação contratual, sendo que esta relação decorre de uma convenção entre as partes. Por esta razão, o dispositivo regulador de suas atividades é o Código de Defesa do Consumidor, o qual, também é aplicado ao profissional médico.

Para um melhor entendimento, devemos ter a compreensão do que é o ato médico, sendo que o Conselho Federal de Medicina, define o ato profissional como sendo:

Artigo 1º - Definir o ato profissional de médico como todo procedimento técnico-profissional praticado por médico legalmente habilitado e dirigido para:

I.a promoção da saúde e prevenção da ocorrência de enfermidades ou profilaxia (prevenção primária);

II. a prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (prevenção secundária);

III. a prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos (prevenção terciária). (Resolução n° 1.627/2001)

Ressalta-se que vivemos em uma época de avanços tecnológicos vertiginosos, ams que devido este progresso, no mais das vezzes deixa-se para trás importantes concepções de humanização, quais sejam: preocupação, cuidados, dedicação, entre outros.

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Como na vida particular, este distanciamento ocorre também na esfera profissional e também em consultórios, clínicas e hospitais. Com mais frequência médicos e pacientes passam a dar lugar a números, diagnósticos e exames se tornando códigos, sendo que a a comunicação passa a perder a sua essência fundamental.

perde-se a referências do médico de família, aquele que acompanhava todos os integrantes ao longo de suas vidas, conhecedor do contexto familiar e integral do paciente. Hoje, damos espaço para aquele estranho que avalia outro estranho em poucos minutos, sem um diálogo plausível, sem lançar uma analise holistica sobre o paciente. Cria-se assim uma parede, a qual divide distanciadamente o médico do paciente.

É possível destacar que nem sempre a negligência, imprudência ou imperícia são as causas determinantes dos processos, pois vem crescendo as situações em que os médicos são obrigados a indenizar não por terem agido com culpa, mas, por não terem dispensado toda a atenção necessária a seus pacientes.

Desta forma, fica latente o crescente número de situações em que o médico não dispensa a atenção necessária, ou seja, não se coloca no lugar do paciente, que vem lhe procurar como uma alternativa ou alento a sua dor e sofrimento físico e psíquico, passando, o médico a ignorar este cenário, como se a humanidade que constitui o paciente não existisse, ou seja, o problema que lhe é apresentado não fosse relevante o suficiente para merecer um tratamento digno.

Nesse sentido, André Nigre (2008, p. 27) destaca:

A relação médico-paciente deve ser estabelecida de forma horizontal, com interesses comuns, sem o paternalismo autoritário do profissional e sem a submissão total do paciente.

O paciente deve, primeiramente, respeitar o médico e não teme-lo; já o profissional deve ser visto como seu parceiro na busca pelo bem-estar físico e psíquico, e não como seu algoz.

Assim, torna-se necessário que tanto os profissionais da medicina, como os pacientes, devem repensar a maneira como se dá esta relação, pois nada é tão importante quanto o paciente conhecer o médico, e o médico conhecer o nome e o rosto do seu paciente, realizando um tratamento humanizado, adequado, para uma boa compreensão da aplicação do tratamento proposto.

Deve-se aplicar nesta relação os valores do princípio da dignidade da pessoa humana , estabelecendo-se  a humanização do atendimento, como objetivo principal de um atendimento eficaz e de qualidade à população.

O profissional deve ter em mente o medo, a fragilidade, o sofrimento e a aflição do paciente e trata-lo com respeito, dignidade e solicitude, pois se sabe que a atenção muitas vezes se torna um dos melhores remédios para que se possa alcançar o caminho da cura (NIGRE, 2008, p. 28).

Note-se que os médicos são considerados peritos em suas atividades e podem exercê-la livremente no mercado. Como consequência, respondem pelos danos que causarem e prejuízos que acarretarem por imprudência, imperícia ou negligencia, além de estarem comprometidos com o instituto da prestação a saúde, que configura deveres com a sociedade e com o Estado. Desta forma, qualquer profissional, de qualquer profissão que causar dano a um paciente por negligência, imperícia ou imprudência comete um erro considerado profissional e responderá pela conduta culposa.

 

4. Obrigação de meio e de resultado

 Na doutrina há controvérsia sobre a distinção das obrigações de meio e de resultado, principalmente no que diz respeito ao ônus da prova para comprovação da responsabilidade.

Sobre a matéria, destaca Flávio Tartuce (2011, p. 457):

Como visto, de acordo com o entendimento majoritário, caso o profissional de saúde assuma uma obrigação de resultado, como no caso do médico cirurgião plástico estético, a sua responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa. No caso do médico cirurgião plástico reparador, bem como nos demais médicos e profissionais em geral, a obrigação é de meio ou de diligência e a premissa da sua responsabilização é a prova da culpa (responsabilidade subjetiva).

Como já referido, a responsabilidade civil dos profissionais liberais é contratual, por isto amparadas pelo Código de Defesa do Consumidor. Podem ser classificadas como obrigações de meio ou de resultado, dependendo da forma que as partes estipularam o contrato.

Neste sentido é o entendimento de Lisiane Lazzari Pietroski (2013, p. 390):

A obrigação é de meio quando o contratado e compromete a prestar os serviços da melhor maneira possível, com a diligência necessária, utilizando-se de todos os meios e conhecimentos postos a sua disposição. É o caso dos médicos, advogados, publicitários, dentre outros. Por sua vez, a obrigação de resultado é aquela na qual o prestador de serviços assume alcançar um determinado resultado. Ocorre, por exemplo, com os engenheiros e arquitetos, que se comprometem a entregar um projeto ou uma obra com características específicas anteriormente contratadas.

Pode-se definir que nas obrigações de meio, o profissional tem o dever de agir de forma diligente, sem comprometer-se ao resultado da atividade. Já nas obrigações de resultado, a atividade busca um resultado certo e determinado, sendo esse objetivo, a própria obrigação.

Desta forma podemos classificar a obrigação do médico como sendo, via de regra, de meio, obrigação esta contratual, pelo fato do seu atuar estar diretamente relacionado ao seu empenho no tratamento do paciente. O profissional deve disponibilizar todos os meios científicos e seus próprios conhecimentos no tratamento proposto, com a função principal de reestabelecer a saúde do enfermo.

Assim funciona, pois, quando há a contratação do médico, este não se obriga a curar ou salvar o paciente, porque isto não depende dele, são muitos os fatores que influenciam esta cura, fatores relacionados com genética, imunológicos, os cuidados que o próprio paciente tem após o tratamento proposto, o cuidado do médico antes, durante e após o tratamento, entre tantos outros que serão abordados neste trabalho. Nesse sentido Vera Maria Jacob de Fradera (1992, p.120) esclarece que:

Ao assistir ao doente, assume o médico a obrigação de dar-lhe um tratamento adequado, isto é, conforme os dados atuais da ciência, segundo os recursos postos a sua disposição no local da atuação e ainda segundo as condições específicas e pessoais do doente. O médico não se obriga, portanto, a curar o doente, ele assume, isto sim, a obrigação de prestar meios adequados, de agir de maneira diligente e aplicando todos os seus conhecimentos e recursos disponíveis, a fim de obter êxito, o qual é estranho ao objeto mesmo da obrigação assumida, e, em muitos casos, v.g., em se tratando de doenças incuráveis, de antemão inatingíveis.

Podemos diferenciar se uma obrigação é de meio ou de resultado pela definição do ônus da prova. Nesse sentido, Antônio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza (2005, p. 15) definem:

Na obrigação de meio deverá o suposto lesado provar que o médico agiu culposamente, mediante ato negligente, imprudente ou imperito, enquanto que na obrigação de resultado a culpa é presumida, importando na inversão do ônus da prova, ou seja, cabe ao médico provar que não errou. Alguns autores citam-na como responsabilidade objetiva imprópria ou impura.

Fica claro que o enquadramento da obrigação médico-paciente como de meio é mais favorável aos médicos, uma vez que ameniza sua responsabilidade na medida em que cabe ao paciente comprovar a imprudência, imperícia ou negligência do profissional contratado. Caso esta culpa não for provada não há o que se falar de responsabilidade, ficando assim, o médico desobrigado de prestar qualquer indenização ou justificativa de tal procedimento mal aplicado.

Esta prova de imprudência, imperícia ou negligência do profissional acaba sendo um obstáculo para a vítima, que esta se vê impossibilitada de provar tais fatos, pois o médico é o possuidor de todas as provas necessárias para provar o erro, esta, por sua vez, caracterizada pelo procedimento mal aplicado ao seu paciente. O médico atua como prestador de serviços, embora que sua responsabilidade seja subjetiva está sujeita as sanções do Código de Defesa do Consumidor (art. 6°, VII), permitindo que o juiz possa inverter o ônus da prova em favor do consumidor, este classificado como o paciente, senão vejamos.

Art. 6º.São direito básicos do consumidor:

[...]

VII-o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; (BRASIL, 2015)

Deve ser lembrado que a hipossuficiência do consumidor não se trata apenas de hipossuficiência financeira, mas essencialmente técnica, pois o médico, sem dúvidas, é que se encontra nas melhores condições de trazer aos autos do processo os elementos probatórios necessários para a análise da sua responsabilidade e não o paciente que não tem acesso algum, a nenhum dado que comprove a culpa do médico. Desta forma, é entendimento do tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE, NO CASO. 1. Quando se analisa a questão da prova da culpa dos médicos, a doutrina, nacional e alienígena, costuma apontar para a enorme dificuldade de se demonstrar tal culpa. Isto vale tanto para os casos de danos ocorridos durante complexos atos cirúrgicos, como também para os casos de simples necessidade de demonstração da correção de diagnóstico e das técnicas cirúrgicas adotadas. Tal decorre da simples razão de, na primeira hipótese, o paciente comumente estar desacordado (induzido em coma anestésico) e, assim, não ter a mínima idéia do que lá ocorreu, e, na segunda hipótese, não deter conhecimento da ciência médica, sendo sabedor apenas do resultado danoso que o atingiu. 2. Por tais razões, o legislador, a doutrina e a jurisprudência procuram facilitar a atividade probatória das possíveis vítimas de um erro médico. 3. Caso concreto em que andou bem o Juízo a quo ao ordenar a inversão do ônus da prova, impondo aos réus, assim, a obrigação de demonstrar que não houve erro na realização da cirurgia quando a autora tinha 18 anos, que o procedimento alcançou o resultado possível e prometido e que o grau das lentes prescritas após a cirurgia foi o correto. Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70063449201, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 29/04/2015)

O médico também, não só responde pelo fato próprio, como pelos atos danosos praticados por terceiros que estejam diretamente sobre as suas ordens. Assim, por exemplo, se presume a culpa do médico que determina a enfermeira ou técnica de enfermagem a aplicar determinado medicamento ao paciente, que porventura venha causar alguma lesão ao paciente, uma parada cardiorrespiratória, por exemplo. Essa culpa não precisa ser grave para que ela seja responsabilizada, mas sim que tenha ocorrido por imprudência, imperícia ou negligência. Para Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 241), entende da seguinte forma:

Embora o contrato médico integre o gênero “contrato de prestação de serviços”, o seu conteúdo atende à especialidade própria a esse campo da atividade humana, não se confundindo com qualquer outro ajuste de prestação de serviços, até porque não há o dever de curar o paciente. Por isso, concorrem elementos e fatores que distinguem a culpa dos médicos da exigida para responsabilizar integrantes de outras profissões. A obrigação principal consiste no atendimento adequado do paciente e na observação de inúmeros deveres específicos. O dever geral de cautela e o saber profissional próprios do médico caracterizam o dever geral do bom atendimento. Dele se exige, principalmente um empenho superior ao de outros profissionais.

Complementa o autor referindo que:

O dever de informar, previsto no art. 6°, III, do Código de Defesa do Consumidor, está ligado ao princípio da transparência e obriga o fornecedor a prestar todas as informações acerca do produto e do serviço. Esse princípio é detalhado no art. 31, que enfatiza a necessidade de serem fornecidas informações corretas, claras, precisas e ostensivas sobre os serviços, “bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”. O aludido dever abrange o de se informar o médico acerca do progresso da ciência e sobre a composição e as propriedades das drogas que administra, bem como sobre as condições particulares do paciente, realizando, o mais perfeitamente possível, a completa anamnese. (GONÇALVES, 2007, p. 241)

            A falta de cuidados necessários para uma boa recuperação ou até mesmo a cura do paciente, pode possibilitar ao médico em responsabilidade pela perda de uma chance. Essa responsabilidade é classificada quando o profissional deixa de prestar um atendimento eficaz na cura do paciente, ou até mesmo quando este realiza tratamentos incompatíveis com o problema apresentado, causando dano, seja pela falta objetiva do dever de cuidado, ou até mesmo por uma violação de um dever com o paciente. Desta forma, Cavalieri Filho (2014, p. 431), entende que:

Divergem, ainda, os doutrinadores sobre a natureza da avença celebrada entre o médico e o paciente, sendo para alguns um contrato de prestação de serviços, e para outros um contrato sui generis. Tendo em vista que o médico não se limita a prestar serviços estritamente técnicos, acabando por se colocar numa posição de conselheiro, de guarda e protetor do enfermo e de seus familiares, parece-nos mais correto o entendimento daqueles que sustentam ter a assistência médica a natureza de contrato sui generis, e não de mera locação de serviços, consoante orientação adotada pelos Códigos da Suíça e da Alemanha.

Mesmo que haja esta divergência entre a natureza jurídica do contrato, em nada se altera a responsabilidade do médico, pois, se este causou algum dano a alguém, seja este dano no exercício de sua profissão prestando um serviço ou deixando de prestar um atendimento eficaz, este sim, tem o dever de indenizar.

Cabe ressaltar que não precisa ter um documento escrito e assinado para constituir um contrato, mas deve haver o consentimento de ambas as partes, de um lado o médico que propõe um tratamento ao enfermo e do outro, aquele que aceita este tratamento para uma maior qualidade de vida. Desta forma destaca Maria helena Diniz (2003, p. 43):

[...] Todo contrato requer o acordo de vontades das partes contratantes ou o consentimento, que não constitui somente um requisito de validade, mas também um pressuposto de sua existência, de tal sorte que sem o mútuo consenso, expresso ou tácito, não haverá qualquer vínculo contratual. Se houver manifestação volitiva de apenas um dos contraentes, ter-se-á mera emissão, sem força vinculante, visto que o acordo de vontades, emitidas por duas ou mais partes, é requisito básico ou essencial à formação do contrato; só ele tem a virtude de produzir os correspectivos direitos e deveres. Logo, não é com o mero consentimento unilateral de uma das partes que surge o contrato perfeito e acabado. É necessário que as vontades de duas ou mais pessoas, isoladas, sejam convergentes e se encontrem para, com uma conciliação de interesses, poder atingir o objetivo a que se propõem. É preciso ressaltar que não é a vontade como expressão do querer interno, porém a já manifestada que interessa á ordem jurídica, como elemento essencial à constituição do contrato válido, idôneo a produzir efeitos jurídicos. Enquanto não se exteriorizar a vontade, não terá relevância no mundo do direito.

A responsabilidade civil traz em sua estrutura a ideia de compensação ou indenização do dano causado. Recentemente fala-se sobre a função punitiva da responsabilidade civil, dentro da teoria dos danos punitivos. Contudo, devemos estabelecer o tipo de responsabilidade que deve ser enquadrada ao médico quando este acarreta danos ao paciente.

Importante salientar que independentemente da obrigação, o atuar médico deve ser exercido com a devida diligência, observando o seu conhecimento para aplicação no caso concreto.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vivemos em um tempo em que há um grande avanço tecnológico e que, devido a este avanço, deixa-se para trás aquelas concepções de humanização, quais sejam: preocupação, cuidados, dedicação, entre outros.

Como na vida particular, este distanciamento ocorre também na esfera profissional e também em consultórios, clínicas e hospitais. Com mais frequência, médicos e pacientes passam a dar lugar a números, diagnósticos e exames se tornarem códigos, e a comunicação perde a sua essência fundamental.

Cabe ao profissional resgatar o respeito e a admiração do paciente, exercendo sua profissão com zelo e profissionalismo, respeitando a dignidade do paciente em razão da sua fragilidade, prestando todas as informações necessárias para que o paciente tenha a total compreensão do seu quadro clínico e do tratamento proposto.

A obrigação do médico via de regra é de meio, obrigação esta contratual, pelo fato do seu atuar estar diretamente relacionado ao seu empenho no tratamento do paciente. O profissional deve disponibilizar todos os meios científicos e seus próprios conhecimentos no tratamento proposto, com a função principal de reestabelecer a saúde do enfermo.

Assim funciona pois quando há a contratação do médico, este não se obriga a curar ou salvar o paciente, porque isto não depende dele, são muitos os fatores que influenciam nesta cura, fatores relacionados com genética, imunológicos, os cuidados que o próprio paciente tem após o tratamento proposto, o cuidado do médico antes, durante e após o tratamento.

Desta forma, o profissional somente será responsabilizado quando, culposamente, não age de forma diligente, o qual deveria ser prestado. Desta forma, deve indenizar aquele que, submetido a tratamento médico, venha, por causa deste e por culpa do médico, sofrer um prejuízo, seja este de ordem econômica ou não.

Assim, em face de toda argumentação, se destaca a necessidade de se falar de humanização no atendimento médico, pois no atual cenário se vê que houve a evolução científica e tecnológica dos serviços de saúde, mas não houve este avanço no atendimento prestado. Percebe-se que, em muitos hospitais, o diagnóstico e os procedimentos de tratamento se dá de forma muito rápida, sucinta, que se quer foi investigado, e sim dado um tratamento ao qual se ajustasse mais próximo ao problema apresentado.

Percebe-se a falta de médicos com a devida formação humanística, ocorrendo uma série de danos aos pacientes, sendo que em muitos casos, essas lesões se dão através de uma perda de uma chance. A falta de cuidados necessários para uma boa recuperação ou até mesmo a cura do paciente, pode possibilitar ao paciente a sua chance de cura.

Portanto, o dano não pode ficar sem a reparação, a vítima ou a sua família não podem arcar com as consequências da conduta alheia, o que seria um afrontamento com o espírito da responsabilidade civil.

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Sobre os autores
Luiz Gustavo Steinbrenner

Professor na UNIJUI e UNICRUZ (ha) no curso de Direito. É professor convidado na IMED e no IESA como professor de Pós Graduação "Lato Sensu". É Procurador Jurídico concursado do Município de Augusto Pestana-RS. Possui Mestrado em Desenvolvimento pela UNIJUÍ; Pós Graduação em Processo Civil "Lato Sensu" pelo IESA e Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela mesma Instituição.

Kleberson Kaefer KUHN

Procurador da República.

Monica Jappe Goller Kuhn

Bel em Ciências Jurídicas e Sociais

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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