A posição original de John Rawls

07/01/2016 às 21:19

Resumo:


  • A Posição Original é um artifício criado por John Rawls para permitir que pessoas decidam sobre princípios de justiça sem conhecimento de sua posição original.

  • O Véu da Ignorância é essencial para garantir que as escolhas sejam justas, pois as partes desconhecem suas características individuais.

  • Os Bens Primários são condições necessárias para que as pessoas possam realizar suas capacidades morais e são fundamentais na escolha dos princípios de justiça na Posição Original.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este artigo trata dos fundamentos e objetivos da Posição Original de John Rawls.



Resumo
A Posição Original é um artifício criado por John Rawls que possui como finalidade permitir que pessoas possam decidir sobre os princípios de justiça que possam ser aplicados a uma determinada situação ou sociedade sem que possam utilizar-se de meios protetivos para que tenham privilégios em detrimento dos outros contratantes. Mas para que haja justiça nessas escolhas é necessário que as partes desconheçam sua posição original, por aquilo que Rawls chama de “Véu da Ignorância”. Essas escolhas possuem a finalidade de eliminar ou reduzir diferenças políticas que não possam ser facilmente conciliáveis e escolher aqueles bens que Rawls chama de bens primários decorrentes de conflitos de interesses sociais, econômicos e políticos.
Véu da Ignorância
Para que as escolhas dos membros da sociedade sejam as mais eficazes possíveis para todos, é necessário que eles desconheçam sua situação, em relação a todos atributos e necessidades que possam ter. Não é permitido que tenha-se informações sobre sexo, nacionalidade, classe social, projetos de vida e aspirações; dessa forma os princípios serão escolhidos de maneira a favorecer a todos de indistintamente. No entanto, apesar desse desconhecimento sobre a situação de cada um, tem-se que saber princípios que favoreçam alguns. No entanto, apesar desse desconhecimento sobre a situação atual, é necessário que todos saibam o que é bom para todos e que todos são iguais, pois “partimos da ideia organizadora de sociedade como um sistema equitativo de cooperação entre pessoas livres e iguais” (Rawls, 2003, p. 20). Essa cooperação provêm, conforme Rawls, de um acordo celebrado por aqueles comprometidos com ela (Rawls, 2003, p. 20).
No entanto, esse acordo não pode ser realizado de qualquer maneira, eis que as partes poderiam submeter aqueles que não tenham poder de barganha a impor suas vontades. O que não seria um acordo, pois acordo pressupõe consentimento recíproco, e se há imposição não terá havido contrato.
Dessa forma, é importante que as partes não saibam, de antemão, o que é bom para ela em particular; o que os contratantes têm que saber é o que é bom para todos, não para si mesmo. Ou seja, nesse acordo inicial desconhece-se todas as características individuais concretizando aquilo que Rawls chama de “véu da ignorância”.
Mas esse acordo, como qualquer outro, tem de ser celebrado sob certas condições para que seja um acordo válido do ponto de vista da justiça política. Em particular, essas condições devem situar de modo equitativo as pessoas livres e iguais e não devem permitir que alguns tenham posições de negociação mais vantajosas do que as de outros. Além disso, devem estar excluídas as ameaças da força e da coação, o logro e a fraude, e assim por diante. (Rawls, 2003, p. 21).
Rawls que o véu da ignorância estabelece um ponto de vista a partir do qual se possa concertar um acordo equitativo entre pessoas livres e iguais, mas que esse ponto de vista tem de ser distanciado das características e circunstâncias particulares da estrutura básica existente. (Rawls, 2003, p. 21). Assim, as pessoas têm de adotar um ponto de vista isento de qualquer informação que possa direcionar seus acordos; além do mais, ele afirma que
A partir dos conhecimentos e crenças dessas pessoas, de seus desejos e interesses, e das opções que que lhes são oferecidas, bem como das prováveis consequências que elas esperam de cada opção, podemos imaginar o que elas decidirão, ou com que concordarão, a não ser que cometam um erro de raciocínio ou, por algum motivo não ajam de modo sensato. (Rawls, 2003, p. 114)
É a partir dessas observações que Rawls admite que os indivíduos devem agir conforme suas faculdades de racionalidade e razoabilidade, para que possam fazer suas escolhas na posição original. Rawls não define os termos razoável e racional, apenas explicita que apreendemos seu sentido pela maneira como são empregados e prestando atenção ao contraste entre eles, apenas explica que “razoável é tido como uma ideia moral básica e intuitiva. (Rawls, 2003, p. 115).
Ou seja, a importância da ideia do véu da ignorância reside no fato de que “não se permite às partes que conheçam a posição social daqueles a quem representam. (Rawls, 2011, p. 28)
Dessa forma, indivíduos razoáveis e racionais farão escolhas sob o manto do “véu de ignorância” a significar que as partes não conhecem a posição social, ou a concepção de bem que desejam, nem as características das pessoas que representam. O problema é que, dado as restrições do véu da ignorância, pode ser impossível para as partes discernir o que seria bom para essas pessoas e, deste modo, não fariam um acordo racional em benefício delas. Ou seja, o que deve-se escolher, se não se conhece as características daqueles que são os representantes políticos da sociedade como um todo? A escolha deverá recair sobre aqueles bens que se tenha a certeza que trarão benefícios, independentemente da posição social de cada pessoa. Inicialmente, bens econômicos ou sociais, ou ainda aqueles bens que tragam vantagens individuais não seriam boas escolhas eis que os membros da sociedade poderiam não necessitar de tais bens, por já possuírem em excesso ou em demasia, ou mesmo não terem interesse. Então, quais seriam esses bens que poderiam trazer benefícios para toda a sociedade? Sem distinção de raça, sexo, credo, ideologias, ou qualquer outra característica. Para Rawls, esses bens que teriam o condão de ser útil e necessário a todas as pessoas seriam os bens primários.
Bens Primários:
A ideia central é que os bens primários são selecionados perguntando-se pelas coisas que são geralmente necessárias como condições sociais que seja possível às pessoas realizarem suas ideias de bem para desenvolver e exercer suas capacidades morais. Os bens primários são condições necessárias para realizar as capacidades morais. Esses bens primários são equitativos em relação a cidadãos livres e iguais (Rawls, 2011, p. 47).
A conceituação dos bens primários parte da ideia de que as partes contratantes não sabem o que é melhor para os indivíduos, assim escolherão aquilo que será bom para todos, independentemente de qualquer características das pessoas pois, como será visto, os bens primários dizem respeito, principalmente, a princípios de justiça que interessam a todos.
Rawls explica que a ideia de bens primários é que há um entendimento público não somente sobre os tipos de exigências que os cidadãos podem apropriadamente fazer, quando questões de justiça política se apresentam, como também sobre a forma pela qual tais exigências devem ser defendidas. (Rawls, 2011, p. 210). Mais adiante, ele afirma que os cidadãos exijam os mesmos bens primários que se traduzem nos mesmos direitos, liberdades e oportunidades básicos. Consequência disso, é que Rawls estabelece cinco categorias de bens primários: (Rawls, 2011, p. 213)
a) os direitos e liberdades fundamentais, que também constituem uma lista;
b) liberdade de movimento e livre escolha de ocupação num contexto de oportunidades diversificadas;
c) poderes e prerrogativas de cargos e posições de responsabilidade nas instituições políticas e econômicas da estrutura básica;
d) renda e riqueza;
e) as bases sociais do auto respeito.
As partes deveriam estar aptas a escolherem os bens primários como forma de concretização do princípio da liberdade de maneira a propiciar os maiores benefícios a seus representados. São as coisas que os cidadãos necessitam como pessoas livres e iguais.
A fim de que as escolhas sejam as mais justas possíveis é necessário a observância dos chamados princípios de justiça:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para as outras pessoas.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefício de todos como (b) estejam vinculadas a cargo e posições acessíveis a todos. (Rawls, 2008, p. 73)
O primeiro princípio é chamado de princípio da igualdade e o segundo princípio das diferenças. De acordo com o primeiro princípio seria assegurado a todos uma situação justa de equidade das oportunidades, ou seja, um sistema igualitário de liberdades; o segundo princípio se aplica à distribuição de renda e riqueza e à estruturação de organizações que fazem uso de diferenças de autoridade e responsabilidade (Rawls, 2008, p. 74). O primeiro princípio diz respeito à exigência da aplicação das liberdades fundamentais a todos os indivíduos, imparcialmente.
Ainda sobre esses dois princípios, Rawls estabelece que o primeiro prevalece sobre o segundo, significando que as violações das liberdades fundamentais não podem ser justificadas nem compensadas por maiores vantagens sociais e econômicas (Rawls, ib idem).
A razão da existência do princípio da diferença é a aceitação de que os talentos e esforços das pessoas não são iguais, sendo justo, portanto, recompensas diferenciadas para os mais talentosos e mais esforçados. Apenas as desigualdades sociais e econômicas que contribuam para o benefício dos menos favorecidos devem ser permitidas.
Assim, estabelecidas as regras do véu da ignorância, tendo conhecimento de quais são os bens primários e com a verificação dos dois princípios da justiça, as partes estarão aptas a situarem-se na posição original para realizarem as escolhas racionais e razoáveis para seus representados.
Posição Original:
A posição original é uma situação hipotética na qual as partes contratantes, dotadas de racionalidade e razoabilidade escolhem, sob um “véu de ignorância”, os princípios de justiça que devem governar a estrutura básica da sociedade que é formada por um sistema equitativo de cooperação entre cidadãos livres e iguais.
A ideia da posição original é introduzida a fim de se descobrir os princípios mais adequados para realizar a liberdade e a igualdade. Esse acordo, como qualquer acordo válido, que alguns dizem assemelhar-se ao Contrato Social de Hobbes, deve ser estabelecido em condições apropriadas, por cidadãos livres e iguais, decorrentes dos princípios da liberdade e da igualdade já expostos. Esse acordo não deve permitir que algumas das partes tenham poder superior de barganha, pois não se teria posições igualitárias entre as partes nem haveria a liberdade de escolha, ou seja, deve ser excluída qualquer ameaça de uso da força e da coerção, tanto quanto aos engodos e às fraudes.
A partir da ideia de posição original é possível descobrir-se a concepção mais adequada de justiça de forma a realizar a liberdade e a igualdade, uma vez que se considere a sociedade como um sistema equitativo de cooperação entre cidadãos livres e iguais (Rawls, 2011, p. 26). Ou seja, é a partir desses princípios de justiça que indivíduos racionais e razoáveis poderão reconhecer e seguir os bens primários na posição original sob o manto do véu da ignorância.
Assim, as partes, na posição original, são racionalmente autônoma em dois sentidos: primeiro, por não se exigir, em suas deliberações, que apliquem quaisquer princípios anteriores ou prévios de direito e justiça; e segundo, tem-se que ao se chegar a um acordo sobre quais princípios de justiça escolher, as partes devem se guiar unicamente pelo que julgam ser o bem determinado paras as pessoas que representam isentos de quaisquer tendências que tenha como objetivo privilegiar uma classe em detrimento de outra.
A posição original também atua no sentido de causar uma distribuição de renda mais justa de maneira equânime e eficiente. Nesse sentido, John Rawls salienta que:
Embora a distribuição de riqueza e renda não precise ser igual, deve ser vantajosa para todos e, ao mesmo tempo, os cargos de autoridade e responsabilidade devem ser acessíveis a todos. Aplica-se esse princípio mantendo-se abertos os cargos e, depois, dentro desse limite, dispondo as desigualdades sociais e econômicas de modo que todos se beneficiem deles (Rawls, 2008, p. 74).
Rawls defende a que a estrutura de produção deva fundamentar-se no “Princípio da Eficiência”, como forma de estabelecimento de oportunidades democráticas embasadas no Princípio da Igualdade tendente a diminuir as diferenças sociais. “A injustiça, portanto, se constitui simplesmente de desigualdades que não beneficiam a todos” Rawls, 2008, p. 73). Desigualdades essas que podem ser mitigadas a partir do conceito da “eficiência de Pareto”, que defende a ideia de que se a situação de um
determinado grupo na sociedade pode melhorar sem que isto cause prejuízo a alguém ou a outro grupo, então esta sociedade não alcançou o “ótimo de Pareto”.
Essa liberdade natural afirma que a estrutura básica que satisfaça ao princípio da eficiência e na qual os cargos estejam abertos aos que estão capacitados e dispostos a lutar por eles levará à distribuição justa (Rawls, 2008, p. 80), Rawls também esclarece que a atribuição de direitos e deveres dessa maneira resulta num sistema que distribui riqueza e renda, autoridade e responsabilidade de maneira equitativa (ib idem).
Para se garantir a imparcialidade e a neutralidade de propósitos, não se pode prever quais serão os resultados particulares obtidos; daí o recurso proposto por Rawls à chamada regra de maxmin, aplicada ao segundo princípio para se maximizar o mínimo, isto é, optar pelo “menor dos resultados piores possíveis” ou o melhor resultado dentre os menos favorecidos. Tal regra se aplica ao princípio da diferença.
Assim, percebe-se que a posição original de Rawls é um contrato hipotético que tem como pressupostos o véu da ignorância e a aceitação de que as pessoas serão racionais e razoáveis, e que faz surgir dois princípios básicos de justiça: princípio da liberdade e princípio da desigualdade já esclarecido. Ou seja, a escolha dos bens primários como meta do acordo na posição original somente será alcançado se as partes forem livres e iguais para decidirem, sem que haja qualquer imposição por parte dos outros contratantes.
Uma outra pressuposição para o sucesso dos contratantes na posição original é que eles façam parte de uma sociedade, eis que nesse tipo de sociedade “todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e as instituições sociais básicas atendem e se sabe que atendem a esses princípios” (Rawls, 2008, p. 560), pois essas sociedades possuem o mesmo senso de justiça.
Cabe, ainda, destacar a importância do equilíbrio reflexivo que “são aqueles realizados sob condições em que nossa capacidade de julgamento pôde ser plenamente exercida e não foi afetada por influências distorcivas (Rawls, 2003, p. 41). Assim, por não ser influenciado por nenhum outro tipo de julgamento é que o equilíbrio reflexivo possui importância fundamental nas escolhas dos princípios de justiça que serão aplicados na posição original. Funciona como uma espécie de raciocínios contínuos para se fazer as escolhas corretas. Ou seja, estabelece uma forma coerente entre os juízos morais dos contratantes e os princípios morais.
O professor Denis Coitinho Silveira entende que:
O equilíbrio reflexivo significa um estado de coisas em que é possível perceber avanços e recuos, pois em alguns casos é necessário alterar as condições iniciais do contrato, outras vezes é imperativa a modificação dos juízos morais para acordarem com os princípios. Este equilíbrio possibilita a melhor configuração da situação inicial equitativa, pois (a) expressa pressuposições razoáveis e (b) produz princípios que combinam com os juízos morais comuns. Note-se que é um procedimento coerentista que visa a justificação com base nessa correspondência entre os juízos e os princípios morais no interior da posição original.
Já a posição original (original position) funciona como um procedimento deontológico que estabelece os pressupostos filosóficos para a escolha de princípios, sendo estes pressupostos considerados como uma situação inicial de igualdade entre as partes que escolhem os princípios sem poderem recorrer ao conhecimento das situações contingentes, isto é, estando sob o véu da ignorância (TJ, III, § 20-30). (Silveira, p. 2).
Dessa forma, podemos concluir pela importância que tem a posição original de Rawls estabelecida como uma forma de fazer com que haja uma distribuição justa de bens primários fundamentados nos princípios de justiça vistos.
Ressaltando, apenas as características das partes na posição original que são: Capacidade de ser razoável e de ser racional; São representantes dos cidadãos na sociedade; Estão sujeitas às restrições da posição original; São iguais e encontram-se simetricamente situadas umas em relação às outras; Não conhecem a posição social ou a concepção de bem; Não conhecem as capacidades realizadas e intensões psicológicas das pessoas que representam.
Referências Bibliográficas
Rawls, John. Justiça como Equidade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Rawls, John. Uma Teoria da Justiça. Ed. 3ª. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Rawls, John. O Liberalismo Político. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
Silveira, Denis Coitinho. Posição Original e Equilíbrio Reflexivo em John Rawls: O Problema da Justificação. Disponível em: www.scielo.br/. Acesso em 21de set. de 2015.

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Sobre o autor
Edezio Muniz de Oliveira

Advogado atuante em Brasília, Ceilândia, Taguatinga, Samambaia, Cruzeiro, Núcleo Bandeirante, Águas Claras.

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