Focus X: propaganda e ética na internet

08/01/2016 às 09:07
Leia nesta página:

Meditações sobre a propaganda virtual e suas possíveis consequencias jurídicas.

Hoje, pela manhã, como de costume abri meu e-mail do IG e deparei-me com a propaganda sobre a “pílula da inteligência”. O link sugerido pela propaganda leva a um texto que é extraordinariamente positivo. Os autores do mesmo garantem que o produto é eficaz e não tem efeitos colaterais:

“O suplemento tem seu efeito mais pronunciado em homens de 18 a 40 anos, devido à reação dos ingredientes do suplemento a um gene chamado NRXN3, presente apenas no DNA masculino. A maioria diz ficar com capacidades de memória elevados, super-focados e com altos níveis de energia. Alguns usuários também relatam diminuição dos níveis de stress associados ao alto volume de trabalho.”

“Felizmente, este não é o caso com Focus X. As substâncias contidas no suplemento são de origem 100% natural, e já vêm sido usadas isoladamente há séculos, sem nenhum prejuízo. Além disso, após diversos testes clínicos, nenhum paciente apresentou sinais de efeitos colaterais.”

https://healthnewsonline.co/brain/3/?campid=282549&creaid=917267&sitenm=ig.com.br&catego=&netwrk=4&device=&apptyp=&usrisp=&applid=&demogr=&sxid=t18h213f66um

Ao ler a matéria lembrei-me de que na página de abertura do IG havia algo sobre a mesma questão:

“No dia seguinte, tentei tomar outro comprimido para adiantar alguns trabalhos durante uma viagem de trem. Mas fiquei mais distraído do que o normal. A pílula fez com que eu me concentrasse nas coisas erradas, como joguinhos no smartphone.

Com o passar do tempo, comecei a sentir uma dor de cabeça muito forte, perdi o apetite e sentia vontade constante de ir ao banheiro. Meu cérebro não estava trabalhando mais rápido, mas minha bexiga estava.

Naquela noite, quando tentava dormir, não conseguia me desligar e foi assim até as primeiras horas da manhã. Também encontrei um caroço na parte de trás da minha perna e outro apareceu no meu braço no dia seguinte; os dois coçavam.”

https://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/2016-01-06/britanico-relata-pesadelo-em-experiencia-com-uso-de-pilula-da-inteligencia.html

Em que informação o internauta deve acreditar? O portal não diz. Compete ao leitor escolher. O problema é que o leitor não escolhe ser alvo da propaganda. Mas é exatamente isto que ocorre quando ele abre o e-mail do IG ou acessa várias outras páginas do portal onde há o banner do Focus X. Caso não leia a outra matéria (ou a mesma seja substituída na página de abertura do portal) o internauta consumirá apenas a propaganda do medicamento.

É claro que qualquer pessoa pode procurar informações sobre o produto utilizando um buscador como o Google. Na data de hoje é possível encontrar 1.230.000.000 referências ao Focus X. O Google, contudo hierarquiza as informações levando em contra seus próprios interesses comerciais. Em razão disto, os dois primeiros links sugeridos são: o do fabricante; e o de um lojista que vende Focus X.

O Google também sugere links que desacreditam a pílula da inteligência, mas a ordem estabelecida pela página estimula o consumo. Impossível deixar de lembrar que a maioria dos internautas não sabe como é que o Google ganha dinheiro1.

Não me compete proibir qualquer empresa de produzir e comercializar qualquer produto. Também não me agrada o papel de censor. Os portais de internet tem direito de fazer propaganda. É assim que eles mantém suas equipes de jornalistas. Que papel estes jornalistas devem desempenhar numa situação como a que tratamos aqui? Esta é minha pergunta.

O que deve prevalecer num portal de internet: o interesse do cidadão (que tem direito à informação jornalística) ou o lucro da empresa de comunicação e do industrial/varejista que insere anúncios no portal de internet?

A liberdade de imprensa é uma garantia constitucional. O direito à informação também é assegurada pela constituição. Ambos, contudo, devem ser interpretados levando em conta as necessidades impostas pelo respeito à cidadania e a dignidade humana, que foram elevados à condição de princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 1º, II e III, da CF/88).

As bases da conduta ética dos portais de internet foram, portanto, definidos pela nossa CF/88. Eles não são apenas “lojas virtuais” e devem hierarquizar as informações disponibilizadas ao público de maneira a priorizar a cidadania e a dignidade humana. Os interesses dos anunciantes não devem prevalecer quando há um nítido conflito entre as informações divulgadas

Ao priorizar a venda de um produto potencialmente nocivo um portal de internet (como o IG, por exemplo) pode ser condenado por dano moral ao lado do comerciante e do fabricante do mesmo? Esta meus caros é uma pergunta que o Judiciário será obrigado a responder em breve.


Nota

1 Sobre o funcionamento do buscador vide https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/a-googlelizacao-de-tudo-resenha-do-livro-de-siva-vaidhyanathan

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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