A quarta guerra mundial já começou, mas não sabemos como será a quinta

10/01/2016 às 07:21
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O texto faz uma breve análise da situação política internacional, passeando pelos conflitos mundiais já superados e pontuando as novas alianças que se formaram na ordem atual.

O erro da maioria das pessoas é acreditar que a guerra começa com o primeiro tiro. De fato, todas as disputas e ações que antecederam este evento singular foram fundamentais para condicionar e possibilitar o início das hostilidades. Se a guerra é a continuação da política por outros meios (como disse Carl von Clausewitz), somos obrigados a admitir que a política é apenas guerra com outro formato.

A primeira guerra mundial começou como uma competição por colônias e mercados. E evoluiu para um rígido sistema de alianças militares que rachou a Europa e limitou as possibilidades de soluções negociadas dos conflitos. Quando foram acionadas, as engrenagens das máquinas de guerra assumiram o controle e destruíram o continente antes de serem desligadas.

A segunda guerra mundial começou por causa do acordo de paz extremamente punitivo imposto à Alemanha. E foi marcada pelo racismo e pelo ódio ao comunismo partilhado por nazistas, europeus e norte-americanos. A derrota do III Reich pelos aliados improváveis (EUA, Inglaterra e URSS) não foi capaz de desligar as máquinas de guerra. A crescente tensão entre os vitoriosos lançou as bases para a próxima guerra.

A terceira guerra mundial, que nós chamamos de Guerra Fria, dividiu e tencionou o planeta. Mas somente queimou as beiradas das áreas de influência dos EUA e URSS enquanto o terror da mutua destruição garantida provocava a estabilização da paz crescentemente armada e da guerra não declarada entre as superpotências nucleares. A recuperação econômica da Europa e o distanciamento entre Moscou e Pequim foram reorganizando o tabuleiro mundial até o momento em que a URSS entrou em declínio e implodiu.

Um curto período de paz povoado por guerras civis de baixa intensidade foi emoldurado pela narrativa do fim da história. A ideologia de Francis Fukuyama ganhou muitos adeptos e alavancou a crença norte-americana de que os EUA haviam vencido a Guerra Fria. Contudo, é cediço que a URSS entrou em colapso por causa de suas contradições internas. A decadência dos regimes comunistas foi acelerada por movimentos populacionais estimulados pela Alemanha Ocidental, facilitados pela Hungria e não reprimidos por Mikhail Gorbachev.

Europa e América Latina seguiram apresentando resultados medíocres e pífios no período em que a Rússia amargava um declínio econômico acentuado. A China foi o único país que cresceu aceleradamente durante o Fim da História, mas Pequim tomou o cuidado de não desafiar abertamente a narrativa predominante nos EUA. Uma nova ordem mundial estava surgindo, mas havia um evidente divórcio entre os fatos e as narrativas que justificavam e estimulavam o unilateralismo irritante e irresponsável de Washington. Foi então que Bush Jr. chegou ao poder e rapidamente destruiu o prestígio, a economia e o unilateralismo norte-americano ao conquistar o Iraque usando como pretexto os atentados ao WTC.

A crise financeira de 2008, que segue produzindo novas crises porque o neoliberalismo financeiro não foi seriamente desafiado nos EUA, Europa e Japão, acelerou a construção de uma nova ordem mundial. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul não foram significativamente afetados pela crise de 2008 e formalizaram um novo bloco econômico. O BRICS foi sendo fortalecido e já criou um Banco. A Rússia aboliu os vistos para os cidadãos dos países membros e a medida certamente irá acelerar o turismo e as ligações econômicas privadas dentro da nova área econômica.

A preservação do neoliberalismo tem alimentado conflitos crescentes dentro dos países europeus e entre os membros da União Europeia. A obsolescência do Euro é evidente e a fragmentação da Europa uma possibilidade. A França começou a reforçar suas ligações com a Rússia, mas recuou um pouco ao deixar de entregar o navio de guerra encomendado por Moscou que foi construído num estaleiro francês. A Alemanha oscila entre aderir ao BRICS e preservar sua parceria hegemônica com os EUA que remonta ao fim da II Guerra Mundial.

É neste contexto que está começando a quarta guerra mundial. O novo conflito é marcado por uma reorganização global não controlada por Washington que vai acelerando o fim do triunfalismo unilateral norte-americano. As primeiras fraturas da ordem preexistente podem ser vistas na Ucrânia e na Síria. Rússia, China e a maior parte da Europa estão criando um continente massivo que vai expandir e consolidar seus interesses na África e na América Latina. A construção do Canal da Nicarágua, a expansão da marinha chinesa e o eficaz combate ao terrorismo no Oriente Médio pela Rússia (com ajuda da França, da Alemanha e da China) estão isolando os EUA, tencionando suas parcerias e expondo as contradições da OTAN.

Atordoado pelos desafios externos crescentes e paralisado em virtude da destrutiva oposição interna, Barack Obama é incapaz de recuperar através da diplomacia a hegemonia perdida pelos EUA. E, para piorar as coisas, não são poucos ou impotentes os norte-americanos que ainda acreditam no Fim da História e na inevitabilidade da predominância total e global de Washington. O terror do isolamento progressivo aliado à impossibilidade de vingança posterior contra um mundo que, do seu ponto de vista, desorganiza-se de maneira ilegítima, obrigará a elite dos EUA a enfrentar um dilema fatal: morte lenta garantida do “American way of empire” pelo fortalecimento crescente dos adversários ou aborto violento de uma nova ordem mundial que não lhe interessa.

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Albert Einsten disse que não sabia como seria a terceira guerra mundial. Nós não sabemos como será a quinta. Uma coisa, porém, pode ser dita: o novo mundo não será admirável. Será uma cópia piorada do que o precedeu. O mundo em que crescemos e vivemos, contudo, nunca foi um paraíso. E, de fato, ele tem se tornado um inferno para a maioria dos seres humanos em razão do neoliberalismo que concentrou todo o poder político e econômico nas mãos das elites financeiras dos EUA e da Europa.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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