O primeiro artigo da série “Um olhar diferente (e polêmico) sobre a igualdade entre homens e mulheres” busca verificar se a distinção na aposentadoria de homens e mulheres, operada pelo art. 40 da Constituição Federal, faz sentido nos dias de hoje.
Outra reflexão diz respeito ao teste físico para investidura em cargos públicos.
Tome-se a Carreira Policial Federal. Nos termos do inciso IV do art. 8º do Decreto-Lei nº 2.320/87, é requisito para a matrícula em curso de formação profissional, promovido pela Academia Nacional de Polícia, “possuir aptidão física, verificada mediante prova de capacidade física”.
Genericamente falando, o teste físico como etapa de concurso público se destina a verificar a aptidão física para o exercício das atribuições do cargo. Ora, as atribuições de todo e qualquer cargo público são fixadas por lei e independem do sexo de quem o ocupa.
Por exemplo, as atribuições cometidas ao policial, homem ou mulher, são rigorosamente iguais. O mesmo se diga dos riscos a que se sujeita o policial, homem ou mulher. Note-se que a aposentadoria da mulher policial se dá após 25 anos de contribuição (Lei Complementar nº 51/85, art. 1º, inciso II, alínea b). Ou seja, com dez anos de contribuição a menos que a do homem não policial, cinco pela “dupla jornada”[1] e cinco pelos riscos.
Assim, o desempenho exigido no teste físico deve estar atrelado ao mínimo necessário para o exercício das atribuições do cargo, que, como visto, não variam de acordo com o sexo de seu titular. Não se justifica, portanto, a pretexto de homenagear o princípio da igualdade, estabelecer critérios diferentes para homens e mulheres.
Um dos últimos editais do Departamento de Polícia Federal exigia do homem 3 flexões na barra, 2,14 m de impulsão horizontal, 2.350 m na corrida de 12 min e 41 s na natação de 50 m; e da mulher 1 flexão na barra, 1,66 m de impulsão horizontal, 2.020 m na corrida de 12 min e 51 s na natação de 50 m. Ora, se o mínimo necessário está retratado no segundo conjunto de exigências, então existe uma grande chance de ter ocorrido a eliminação de homens com aptidão física para o exercício das atribuições do cargo, com grave ofensa ao princípio da impessoalidade. Caso, por outro lado, o mínimo necessário esteja retratado no primeiro conjunto, então provavelmente houve a aprovação de mulheres sem aptidão física para o exercício das atribuições do cargo, o que se traduz em risco à sociedade, aos colegas de trabalho e a elas mesmas.
Não obstante, é farta a jurisprudência em sentido contrário:
3. A questão relativa à submissão de candidatas às carreiras da Polícia Federal ao teste de barra fixa, na modalidade estática, já foi pacificada no âmbito deste Tribunal, prevalecendo o entendimento de que é descabido se aferir a capacidade física de concorrentes do sexo feminino mediante o emprego do teste de barra fixa, na modalidade dinâmica, considerando a sensível diferença entre homem e mulher em suas "constituições físicas e nos aspectos biopsicológicos", mormente quando não há demonstração de que este teste seja indispensável para o bom desempenho dos cargos da carreira policial, no caso, escrivão de polícia. (TRF-1 - AMS: 348421120094013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, Data de Julgamento: 24/09/2014, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 31/10/2014)
4. A previsão de aplicação do teste físico de barra fixa, na modalidade dinâmica, para as candidatas do sexo feminino, em única repetição, e a imposição aos candidatos do sexo masculino do correspondente a três flexões, revela a observância às peculiaridades da constituição física feminina, de forma a conferir efetividade ao preceito constitucional da isonomia, uma vez que aquinhoa desigualmente os sexos, na medida de suas desigualdades. (Acórdão n. 814731-TJDFT, 20120110505589APC, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Revisor: FLAVIO ROSTIROLA, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 20/08/2014, Publicado no DJE: 28/08/2014. Pág.: 60)
Ousa-se discordar dos respeitáveis julgados.
Trata-se, data maxima venia, de erro de perspectiva. Não é o teste físico que tem de se amoldar à aptidão física do candidato, é a aptidão física do candidato que tem de se mostrar compatível com as atribuições do cargo (iguais para todos). E essa compatibilidade se revela por um bom desempenho no teste físico.
A prevalecer o entendimento trazido à colação, é preciso dispensar tratamento especial também aos idosos, para respeitar suas condições físicas e psíquicas, aquinhoando desigualmente as idades. Afinal, constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Constituição Federal, art. 3º, inciso I).
Se as mulheres devem receber tratamento especial em atenção ao princípio da igualdade, a fortiori os maiores de sessenta anos, que contam com a proteção dada pelo Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), deverão fazê-lo. A propósito, o art. 26 desse diploma reza:
Art. 26. O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.
Não se justifica, repise-se, a pretexto de homenagear o princípio da igualdade, estabelecer critérios diferentes para homens e mulheres. A aceitação da tese oposta, no entanto, abre caminho para os idosos pleitearem, na via administrativa ou judicial, tratamento especial quando da realização de teste físico para admissão no serviço público.
[1] O que se admite apenas a título de ficção legal, porque é difícil imaginar uma mulher policial que esteja disposta a assumir sozinha as tarefas do lar.