Um olhar diferente (e polêmico) sobre a igualdade entre homens e mulheres II

13/01/2016 às 00:22
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Este artigo busca verificar se há justificativa plausível para o estabelecimento de critérios diferentes para homens e mulheres no que diz respeito ao teste físico para investidura em cargos públicos.

O primeiro artigo da série “Um olhar diferente (e polêmico) sobre a igualdade entre homens e mulheres” busca verificar se a distinção na aposentadoria de homens e mulheres, operada pelo art. 40 da Constituição Federal, faz sentido nos dias de hoje.

Outra reflexão diz respeito ao teste físico para investidura em cargos públicos.

Tome-se a Carreira Policial Federal. Nos termos do inciso IV do art. 8º do Decreto-Lei nº 2.320/87, é requisito para a matrícula em curso de formação profissional, promovido pela Academia Nacional de Polícia, “possuir aptidão física, verificada mediante prova de capacidade física”.

Genericamente falando, o teste físico como etapa de concurso público se destina a verificar a aptidão física para o exercício das atribuições do cargo. Ora, as atribuições de todo e qualquer cargo público são fixadas por lei e independem do sexo de quem o ocupa.

Por exemplo, as atribuições cometidas ao policial, homem ou mulher, são rigorosamente iguais. O mesmo se diga dos riscos a que se sujeita o policial, homem ou mulher. Note-se que a aposentadoria da mulher policial se dá após 25 anos de contribuição (Lei Complementar nº 51/85, art. 1º, inciso II, alínea b). Ou seja, com dez anos de contribuição a menos que a do homem não policial, cinco pela “dupla jornada”[1] e cinco pelos riscos.

Assim, o desempenho exigido no teste físico deve estar atrelado ao mínimo necessário para o exercício das atribuições do cargo, que, como visto, não variam de acordo com o sexo de seu titular. Não se justifica, portanto, a pretexto de homenagear o princípio da igualdade, estabelecer critérios diferentes para homens e mulheres.

Um dos últimos editais do Departamento de Polícia Federal exigia do homem 3 flexões na barra, 2,14 m de impulsão horizontal, 2.350 m na corrida de 12 min e 41 s na natação de 50 m; e da mulher 1 flexão na barra, 1,66 m de impulsão horizontal, 2.020 m na corrida de 12 min e 51 s na natação de 50 m. Ora, se o mínimo necessário está retratado no segundo conjunto de exigências, então existe uma grande chance de ter ocorrido a eliminação de homens com aptidão física para o exercício das atribuições do cargo, com grave ofensa ao princípio da impessoalidade. Caso, por outro lado, o mínimo necessário esteja retratado no primeiro conjunto, então provavelmente houve a aprovação de mulheres sem aptidão física para o exercício das atribuições do cargo, o que se traduz em risco à sociedade, aos colegas de trabalho e a elas mesmas.

Não obstante, é farta a jurisprudência em sentido contrário:

3. A questão relativa à submissão de candidatas às carreiras da Polícia Federal ao teste de barra fixa, na modalidade estática, já foi pacificada no âmbito deste Tribunal, prevalecendo o entendimento de que é descabido se aferir a capacidade física de concorrentes do sexo feminino mediante o emprego do teste de barra fixa, na modalidade dinâmica, considerando a sensível diferença entre homem e mulher em suas "constituições físicas e nos aspectos biopsicológicos", mormente quando não há demonstração de que este teste seja indispensável para o bom desempenho dos cargos da carreira policial, no caso, escrivão de polícia. (TRF-1 - AMS: 348421120094013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, Data de Julgamento: 24/09/2014,  QUINTA TURMA, Data de Publicação: 31/10/2014)

4. A previsão de aplicação do teste físico de barra fixa, na modalidade dinâmica, para as candidatas do sexo feminino, em única repetição, e a imposição aos candidatos do sexo masculino do correspondente a três flexões, revela a observância às peculiaridades da constituição física feminina, de forma a conferir efetividade ao preceito constitucional da isonomia, uma vez que aquinhoa desigualmente os sexos, na medida de suas desigualdades. (Acórdão n. 814731-TJDFT, 20120110505589APC, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Revisor: FLAVIO ROSTIROLA, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 20/08/2014, Publicado no DJE: 28/08/2014. Pág.: 60)

Ousa-se discordar dos respeitáveis julgados.

Trata-se, data maxima venia, de erro de perspectiva. Não é o teste físico que tem de se amoldar à aptidão física do candidato, é a aptidão física do candidato que tem de se mostrar compatível com as atribuições do cargo (iguais para todos). E essa compatibilidade se revela por um bom desempenho no teste físico.

A prevalecer o entendimento trazido à colação, é preciso dispensar tratamento especial também aos idosos, para respeitar suas condições físicas e psíquicas, aquinhoando desigualmente as idades. Afinal, constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Constituição Federal, art. 3º, inciso I).

Se as mulheres devem receber tratamento especial em atenção ao princípio da igualdade, a fortiori os maiores de sessenta anos, que contam com a proteção dada pelo Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), deverão fazê-lo. A propósito, o art. 26 desse diploma reza:

Art. 26O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.

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Não se justifica, repise-se, a pretexto de homenagear o princípio da igualdade, estabelecer critérios diferentes para homens e mulheres. A aceitação da tese oposta, no entanto, abre caminho para os idosos pleitearem, na via administrativa ou judicial, tratamento especial quando da realização de teste físico para admissão no serviço público.

 


[1] O que se admite apenas a título de ficção legal, porque é difícil imaginar uma mulher policial que esteja disposta a assumir sozinha as tarefas do lar.

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Sobre o autor
Michel Martins de Morais

Consultor Jurídico Substituto do TCDF, órgão em que é titular do cargo efetivo de Auditor de Controle Externo. Advogado. Instrutor. Doutorando em Direito pela Universidad de Buenos Aires (UBA). Mestre em Finanças pela London Business School (LBS). Especialista em Direito Administrativo Aplicado pela Fortium. Bacharel em Direito pela UnB. Engenheiro Eletricista pela UFPE. Autor de "Reforma da previdência: o RPPS da União à luz da EC nº 103/19" e "The effects of investment regulations on pension fund performance in Brazil", ambos publicados pela Editora Dialética.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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