Aquisição da propriedade imóvel pela abertura da sucessão

16/01/2016 às 21:58
Leia nesta página:

1 - Ensina CUNHA GONÇALVES que a morte do autor da herança é fato jurídico essencial da sucessão. A abertura da sucessão é efeito instantâneo da morte de alguém (GONÇALVES, Cunha, apud VIANA, Marco Aurelio S. Curso de Direito Civil – Direito das Sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, pág. 30, 1994).

Aberta a sucessão, a herança é transmitida aos herdeiros, desde logo, como reza o art. 1.784 do Código Civil. O direito pátrio acolheu a doutrina da saisine, que vem do direito costumeiro francês.

No direito romano não se concebia a ideia de um patrimônio sem o respectivo titular. Com a morte, abria-se a sucessão, havendo um lapso entre a abertura (delata) e a aceitação (acquisitio) pelo herdeiro, quando se integrava a sua titularidade. Entre esses dois momentos a herança era considerada jacente, tida como pessoa jurídica, representando a pessoa do defunto, como está em Ulpiano, ou a pessoa do herdeiro, no entendimento de Pompônio. Esse modo de tratar a espécie teve assento no direito brasileiro antigo. Só com o Alvará de 9 de novembro de 1754, segundo o assento de 16 de fevereiro de 1786, que é introduzida no direito luso-brasileiro a transmissão automática dos direitos que compõem o patrimônio do falecido aos herdeiros.

Por força da saisine, como está no dispositivo do art. 1.784 do diploma civil, a herança é transmitida desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. E a herança é deferida como um todo unitário, ainda que sejam vários os herdeiros (art. 1.791 do CC). Por essa razão, o direito dos herdeiros, até que se ultime a partilha, é indivisível, determinando o parágrafo único do art. 1.791 da Lei civil que, até a partilha, sejam os direitos regulados pelas normas relativas ao condomínio.

Observa EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE que “na realidade, o legislador, sabiamente, impôs um regime condominial obrigando, via indivisão, a união de todos os herdeiros até solução de todas as pendências que, naturalmente, acompanham o longo e complexo processo sucessório". A situação condominial (do lat. com. = reunião + dominium = propriedade) ou, da propriedade comum, na qual cada co-proprietário pode usar a coisa conforme seu destino e exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão (reivindicá-la de terceiro, protege-la, etc.) gera extraordinária comunhão entre todos os herdeiros, já que a ação de um ou de todos repercute sempre sobre a totalidade do monte mor”. (LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil. Rio, Forense, 1ª. ed., v. XXI, pág. 15, 2003, coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira)

Para que seja determinada a cota de cada herdeiro na herança, procede-se ao inventário do patrimônio hereditário, que, se judicial, tramita perante o juiz competente do lugar da sucessão, para partilha, ou liquidação da heranç. (art. 1.796). Somente com a partilha opera-se a divisão do espólio entre os sucessores do falecido, e cada um deles passa a ter domínio e posse sobre bens determinados, cessando a indivisão.

2 - Com pertinência à transmissão da propriedade e da posse aos herdeiros legítimos e testamentários, entre estes os legatários, se, em relação à propriedade, o tratamento legal é o mesmo, o mesmo não se diz em relação à posse.

O legatário não entra na posse por autoridade própria. O art. 1.923, caput, do Código Civil edita, efetivamente, que “desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva”. Mas o § 1º diz textualmente que a posse não se defere de imediato, nem pode ele nela entrar por autoridade própria. Somente ao fim do inventário, com expedição do formal de partilha, é que nasce para o legatário o direito de pedir a posse, manejando os instrumentos processuais adequados à situação de fato que possa enfrentar.

Na fase do inventário, portanto, a situação jurídica dos herdeiros legítimos distingue-se daquela dos legatários. Em que pese operar-se a transmissão da propriedade e posse aos herdeiros, os legatários não adquirem de imediato a posse, o que inibe que possam lançar mão dos interditos possessórios no interesse pessoal ou da comunhão. Os herdeiros legítimos não precisam pedir a posse da herança, que lhe é deferida por força de lei, em decorrência da saisine, o que os qualifica para as medidas legais que se fizerem necessária na proteção da posse dos bens deixados pelo falecido. Também, a posse é recebida pelos herdeiros necessários, com a abertura da sucessão, com os caracteres, vícios e qualidades que apresentava quando em vida o de cujus.

De qualquer forma, opera-se, pelo fato da morte, a transmissão da propriedade dos bens imóveis ainda que os herdeiros e legatário desconheçam o óbito.

3 - Com o encerramento do inventário, promovida a partilha, é expedido o formal, que é o título a ser levado ao registro imobiliário, o que se faz não para transmitir a propriedade, que operou com a abertura da sucessão, mas para dar publicidade e obedecer ao princípio da continuidade. Registra-se, ainda, a sobrepartilha e a escritura pública de partilha, esta firmada por herdeiros maiores e capazes, na forma da Lei n. 11.441/2007. O registro está previsto art. 167, n. 25 da Lei dos Registros Públicos.

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A partilha põe fim ao condomínio instalado com a morte do autor da herança e determina a parte concreta da herança que cabe aos herdeiros, fazendo com que se individualize a propriedade de cada um dos contemplados. O estado transitório da comunhão determinada por lei permanece apenas enquanto o inventário é processado e o acervo partilhado. A partilha é o ato extintivo da indivisão.

Importante notar que, como se operou com a abertura da sucessão a transmissão da propriedade, e sendo certo que o registro visa apenas dar publicidade e atender ao princípio da continuidade, aos herdeiros é dado mover ações que legitimem o proprietário independentemente do registro do formal de partilha. Basta exibir esse título para estar provada a propriedade. Se ajuizada ação reivindicatória ou negatória, provar-se-á a propriedade com o formal de partilha, ou de sobrepartilha, não podendo ser exigido o registro.


Referência bibliográfica:

GONÇALVES, Cunha, apud VIANA, Marco Aurelio S. Curso de Direito Civil – Direito das Sucessões. Belo Horizonte, Del Rey,1ª. ed., pág. 30, 1994)

LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil. Rio, Forense, 1ª. ed., v. XXI, pág. 15, 2003, coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira)

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Sobre o autor
Marco Aurelio S. Viana

Doutor em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Jurista com mais de 40 livros publicados sobre todos os temas do Direito Civil. Realiza palestras e conferências em todo o Brasil. Como advogado, atua no contencioso, bem como elaborando pareceres, consultas presenciais e virtuais, prestando assessoria e consultoria em todas as áreas do Direito Civil, com mais de quatro décadas de experiência.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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