INTRODUÇÃO
Com o objetivo de sair da lista de países em desenvolvimento e ocupar o mesmo patamar das nações desenvolvidas, a economia brasileira justifica que suas atividades buscam promover o crescimento nacional, assumindo juntamente aos Estados desenvolvidos as questões socioambientais proporcionais aos atos de cada um. Sem sombra de dúvidas a produção, distribuição e consumo de mercadorias são necessárias à soberania nacional, todavia, a natureza capitalista desse sistema econômico, voltado ao acúmulo de capital, provoca o aumento das desigualdades sociais, além da crescente degradação ambiental.
A questão levantada é a seguinte: o que deve ser feito para conciliar o crescimento econômico e ao mesmo tempo reduzir os problemas socioambientais no Brasil?
A resposta está na implementação do desenvolvimento sustentável. A Constituição Federal de 1988 inovou ao igualar esses três objetivos em um mesmo dispositivo, qual seja o artigo 170, e reiterar a relevância desse tema no caput do artigo 225, Capítulo VI. Por se tratar de um texto constitucional detentor de normas programáticas, torna-se necessário que o legislador esmiúce a legislação infraconstitucional, focando no desenvolvimento sustentável. Logo, para que este objetivo seja alcançado, Estado e coletividade precisam trabalhar juntos.
Acredita-se que os incentivos sustentáveis do Poder Público, somado às políticas públicas destinadas a equidade social podem remodelar o caminho traçado pela economia tradicional. Não significa que o sistema econômico existente será abolido, mas que deve passar por algumas modificações no seu procedimento, tendo em vista que a situação atual do meio ambiente é de interesse de todos.
O objetivo principal desta pesquisa é relatar o posicionamento adotado pelos três Poderes em determinados casos, de modo a demonstrar que é possível implantar o desenvolvimento sustentável. Especificamente, foi analisada a educação ambiental como instrumento constitucional destinado a materialização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever do Poder Público em fomentar essa ferramenta tanto nas escolas como ao público.
Devidamente aplicadas as diretrizes para estabelecer o desenvolvimento sustentável, espera-se garantir melhor qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.
Por essas razões, o primeiro capítulo desta pesquisa é destinado à análise da harmonia entre crescimento econômico, equidade social e meio ambiente na ótica da Constituição Federal de 1988; como essas normas constitucionais são aplicadas; e as desigualdades regionais, fruto da injustiça social. O segundo descreve situações que representam avanços do Poder Público, da sociedade e legislação pertinente rumo à cultura sustentável. O terceiro finaliza com a educação ambiental, forma genuína de aproximar as extremidades que são o homem e o meio ambiente.
1. CONSTITUIÇÃO, ORDEM ECONÔMICA E MEIO AMBIENTE.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, contempla normas com direitos e deveres destinados a sociedade bem como fins e objetivos ao Estado para que atue em prol do interesse público, tendo em vista que o poder emana do povo, nos termos do artigo 1°, parágrafo único (BRASIL, 1988).
Trata-se de um documento “solene estabelecido pelo poder constituinte originário” (MORAES, 2013, p. 8), que codifica e sistematiza as regras primordiais à organização político-social do Estado. Promulgado por uma Assembleia Nacional Constituinte, e só podendo ser desfeito por processo legislativo, o texto constitucional de 1988, de acordo com Moraes (2013, p. 10), possui normas dirigentes que “examinam e regulamentam todos os assuntos que entendam relevantes à formação, destinação e funcionamento do Estado”.
Esse controle exercido em face do Estado tem por finalidade atender aos anseios do povo, sendo um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana. Sobre o assunto, posiciona-se Canotilho:
Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República (CANOTILHO, 2003, p. 225).
Ora, dentre os fundamentos da República Brasileira, está, no artigo 1°, a dignidade da pessoa humana. Significa que não basta a vida por si só, deve haver qualidade e, com fulcro no artigo 225 da CF/88, o meio ambiente equilibrado é elemento para uma vivência adequada. Mesmo não estando disposto no rol de direitos fundamentais, o parágrafo 2º do artigo 5º, CF/88, assegura ao meio ambiente equilibrado essa mesma natureza (BRASIL, 1988), devendo, por conseguinte, ser igualmente garantido.
A Carta de 1988 inovou no constitucionalismo brasileiro ao adotar uma posição antropocêntrica protecionista (THOMÉ, 2014, p. 60). Sendo o homem organismo central, e o seu bem-estar objetivo constitucional a ser alcançado, o meio ambiente passou a ser visto como mais um meio que atribuiria existência saudável às pessoas, cabendo ao Estado e à coletividade protegê-lo. Nesse sentido, ensina Milaré:
O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta existência – a qualidade de vida –, que faz com que valha a pena viver (MILARÉ, 2006, p. 158/159 apud THOMÉ, 2014, p. 65).
Da mesma forma, a iniciativa privada também está inserida no artigo 1° como fundamento constitucional, inciso IV, cabendo ao Poder Público intervir somente para atender aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, de acordo com artigo 173, CF/88 (BRASIL, 1988).
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, visa, através da justiça social (artigo 170, CF/88), contribuir para que a dignidade da pessoa humana seja alcançada; por este motivo, o dispositivo que trata dos direitos econômicos incluiu no rol de princípios a defesa do meio ambiente.
1.1. Base Constitucional
O crescimento demográfico ganhou poder quando foi acompanhado de uma evolução política e jurídica das sociedades, e assim desenhou gradativamente o Estado, organização ligada ao povo. A institucionalização do poder político, então, precisou ser solidificada por uma constituição, de modo a fundamentar a soberania estatal.
Assim sendo, o texto constitucional tornou-se instrumento do Estado, cuja finalidade na ótica do jurista lusitano Canotilho seria:
A constituição, informada pelos princípios materiais do constitucionalismo – vinculação do Estado ao direito, reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais, não confusão de poderes e democracia – é uma estrutura política conformadora do Estado. [...] A constituição pretende ‘dar forma’, ‘constituir’, ‘conformar’ um dado esquema de organização política (CANOTILHO, 2003, p. 87).
Baseando-se na realidade histórica da comunidade política, a carta constitucional brasileira é voltada à proteção dos mais vulneráveis para que seja construída uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3°, I). Assegura-se, por exemplo, a liberdade (artigo 5°, caput), o direito de propriedade e a sua função social (artigo 5°, XXII e XXIII), os direitos sociais (artigo 6°, caput), a soberania popular (artigo 14°, caput), dentre outros, sendo a atuação do Poder Público destinada e limitada a promover o bem comum (MARINELA, 2012, p. 15). O Texto de 1988, portanto, é composto de normas que traçam meios e metas que devem ser rigorosamente seguidos pelo Estado.
José Gomes Canotilho, cuja obra é referência para a Teoria da Constituição Dirigente, assim conceitua norma programática:
A Constituição da República de 1976 é uma constituição programática porque contem numerosas normas-tarefa e normas-fim (cfr., por exemplo, artigos 9° e 80°) definidoras de programas de acção [sic] e de linhas de orientação dirigidas ao Estado. Trata-se, pois, de uma lei fundamental não reduzida a um simples instrumento de governo, ou seja, um texto constitucional limitado à individualização dos órgãos e à definição de competências e procedimentos da acção [sic] dos poderes públicos. A ideia de “programa” associava-se ao caráter dirigente da Constituição. A Constituição comandaria a acção [sic] do Estado e imporia aos órgãos competentes a realização das metas programáticas nela estabelecida.” (CANOTILHO, 2003, p. 217, grifo do autor).
Do mesmo modo, a Constituição Brasileira de 1988 é vista como uma constituição dirigente, pois, de acordo com Bercovici (1999, p. 35), ela “define, por meio das chamadas normas constitucionais programáticas, fins e programas de ação futura no sentido de melhoria das condições sociais e econômicas da população”.
Importante frisar que o Estado Democrático de Direito é baseado em princípios materiais de onde emergem os demais princípios, direitos fundamentais e regras destinadas à atividade pública. O primeiro princípio é o Estado de Direito, este possui pressupostos voltados à realização da justiça social, quais sejam: 1) a juridicidade, que transforma o direito em ordenação racional e visa atender à “necessidade de garantias jurídico-formais de modo a evitar acções [sic] e comportamentos arbitrários e irregulares de poderes públicos” (CANOTILHO, 2003, p. 244); 2) a constitucionalidade, a qual une o Poder Legislativo, Executivo e Judiciário em um único texto constitucional, preestabelecendo as medidas e formas dos seus atos; 3) e os direitos fundamentais, com uma “raiz antropológica que se reconduz ao homem como pessoa, como cidadão, como trabalhador e como administrado” (CANOTILHO, 2003, p. 248, grifo do autor). O segundo princípio, o Democrático, fixa os direitos políticos do povo, detentor de soberania popular para eleger seus representantes mediante voto direto e secreto, podendo inclusive participar da política através de plebiscito, referendo ou iniciativa popular, nos termos do artigo 14, CF/88 (BRASIL, 1988). Os direitos e garantias dispostos na constituição seguem o modelo desses princípios basilares, caracterizadores da natureza estatal.
As críticas levantadas contra a constituição dirigente, no entanto, estão ligadas à transformação da realidade. Comparando à constituição garantia, “é óbvio que uma constituição apenas definidora de competências e garantidora de liberdades formais atinge mais facilmente o ideal de efetividade imediata” (BERCOVICI, 1999, p. 38). Ao contrário, a norma programática transfere à Administração Pública o dever de concretizar de forma transparente os fins e tarefas previstos em seu dispositivo. O princípio da legalidade, contudo, veda a atuação dos órgãos públicos sem legislação anterior que a especifique e autorize (MARINELA, 2013, p. 31). Isso faz com que a execução da norma programática constitucional dependa primeiramente do legislador para detalhar suas diretrizes e depois da Administração Pública para por as mesmas em prática.
Exemplos de programas mediatos do Estado são as políticas públicas. Enquanto que os direitos de primeira geração são individuais e estão naturalmente inerentes aos particulares, os direitos sociais para serem materializados carecem de uma prestação positiva do Poder Público (BUCCI, 1997, p. 90). Isso faz com que, mesmo a constituição estabelecendo normas que indiquem a atuação estatal, limitando a sua arbitrariedade, as metas constitucionais dependerão das políticas públicas para serem aplicadas ao caso concreto, o que Grau defende da seguinte forma:
Constituição dirigente que é, a de 1988 reclama – e não apenas autoriza – interpretação dinâmica. Volta-se à transformação da sociedade, transformação que será promovida na medida em que se reconheça, no art. 3° – e isso se impõe –, fundamento à reivindicação, pela sociedade, de direito à realização de políticas públicas. Políticas públicas que, objeto de reivindicação constitucionalmente legitimada, hão de importar o fornecimento de prestações positivas à sociedade. (GRAU, 2007, p. 215, grifo do autor).
Quanto à aplicabilidade da norma, salienta Miranda:
São de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regra, explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; tem como destinatário primacial – embora não único – o legislador, a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vêm a ser revestidas de plena eficácia (e nisso consiste a discricionariedade); não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos a invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjetivos; aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados (MIRANDA, 1990, p. 218. t. 1, apud MORAES, 2013, p. 13, grifo do autor).
Noutras palavras, as normas programáticas, a priori, não dispõem aos indivíduos um direito subjetivo, prestação positiva, porque “fazem nascer um direito subjetivo negativo de exigir do Poder Público que se abstenha de praticar atos que contravenham os seus ditames” (BARROSO, 2003, p. 121, apud, SOUZA, 2005, p. 27).
O entendimento doutrinário quanto à eficácia das normas programáticas, segundo Diniz (1998, p. 116, apud SOUZA, 2005, p. 18), assevera que elas não permitem que o legislador edite leis contrárias ao que foi anteriormente firmado pelo constituinte; impõem um dever político ao órgão com competência normativa; demonstram a natureza do Estado Democrático de Direito ao indicar suas finalidades sociais e os valores objetivados pela sociedade; regulam os atos discricionários da Administração Pública e do Judiciário; servem de “diretrizes teleológicas para interpretação e aplicação jurídica (subsunção, integração e correção)”; e estabelecem direitos subjetivos por impedirem comportamentos antagônicos a elas.
Os efeitos imediatos das normas programáticas, conforme Barroso são:
[...] a) revogam os atos normativos anteriores que disponham em sentido colidente com o principio que substanciam; b) carreiam um juízo de inconstitucionalidade para os atos normativos editados posteriormente, se com elas incompatíveis." Quanto ao ângulo subjetivo, as normas programáticas conferem aos jurisdicionado direito a: "a) opor-se judicialmente ao cumprimento de regras ou à sujeição a atos que o atinjam, se forem contrários ao sentido do preceptivo constitucional; b) obter, nas prestações jurisdicionais, interpretação e decisão orientadas no mesmo sentido e direção apontados por estas normas, sempre que estejam em pauta os interesses constitucionais por ela protegidos (BARROSO, 1993, p. 113, apud SANTOS, 2004, p. 8).
Em razão da polêmica acerca da aplicabilidade normativa, aduz Silva:
Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta, mas são tão jurídicas como as outras e exercem relevante função, porque, quanto mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias da democracia e do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais (SILVA, 2005, p. 180).
A política não é um “domínio juridicamente livre e constitucionalmente desvinculado” (MIRANDA, 2003, p. 198). Não cabe à Constituição simplesmente estabelecer fronteiras aos atos políticos e administrativos, o texto constitucional deve prever normas-tarefa que fixem o que deve ser feito pelo Estado, tendo em vista a matriz constitucional por onde surgiu esse conjunto político.
No que diz respeito à previsão constitucional do meio ambiente, este deixou de ser visto simplesmente como matéria-prima – noutras palavras, essa era a ótica das Constituições anteriores à de 1988 – e passou a ser posto no mesmo patamar de relevância que a ordem econômica. No tocante ao assunto, explica Antunes:
[...] houve um aprofundamento das relações entre o Meio Ambiente e a infraestrutura econômica, pois, nos termos da Constituição de 1988, é reconhecido pelo constituinte originário que se faz necessária a proteção ambiental de forma que se possa assegurar uma adequada fruição dos recursos ambientais e um nível elevado de qualidade de vida às populações (ANTUNES, 2010, p. 63).
O direito ao meio ambiente é classificado por Silva (2005, p. 196) como direito solidário, cabendo a cada titular de direitos individuais reconhecer e respeitar igualmente o direito do próximo. Por isso, esse direito fundamental possui peculiaridades que o distinguem do rol de direitos do artigo 5°. Ele é assegurado, por exemplo, a todos, e não somente aos brasileiros, cidadãos, ou estrangeiros residentes no país (ANTUNES, 2010, p. 65); ainda mais, por ser um direito difuso, a norma constitucional que prevê a aplicabilidade de meios de proteção ao meio ambiente é de eficácia plena.
Da seguinte forma prevê o artigo 225, parágrafo 1°, da Constituição Federal de 1988 in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (BRASIL, 1988).
A distinção existente entre a eficácia das normas programáticas e as previsões do parágrafo 1° do artigo 225 pode ser assim explicada, baseando-se em Diniz:
Há um escalonamento na intangibilidade e nos efeitos dos preceitos constitucionais, pois a Constituição contém normas com eficácia absoluta, plena e relativa. Todas têm juridicidade, mas seria uma utopia considerar que têm a mesma eficácia, pois o seu grau eficácia é variável. Logo, não há norma constitucional destituída de eficácia. Todas as disposições constitucionais têm a possibilidade de produzir, a sua maneira, concretamente, os efeitos jurídicos por elas visados (DINIZ, 1998, p. 117, apud SOUZA, 2005, p. 18).
Dessa forma, a norma referente à proteção ambiental é classificada como programática e de efeito imediato, estando plenamente apta a gerar resultados jurídicos, visto que sua extensão vai além de conjuntos sociais determinados, envolvendo toda a humanidade.
1.2. Da Ordem Econômica na Constituição de 1988
Com o fim do Estado Liberal e a ascensão do Estado Moderno a separação que existia entre a sociedade e o órgão estatal foi substituída pela interferência do ente público para com o povo, através da efetivação de prestações positivas. Não significa que o capitalismo decaiu, e sim que o mesmo foi renovado, competindo ao Poder Público “atuar como agente de implementação de políticas públicas”, o que enriqueceu suas “funções de integração, de modernização e de legitimação capitalista” (GRAU, 2007, p. 45).
Apesar de o Estado ser capitalista, a Carta de 1988 buscou atribuir um caráter humanista ao poder econômico, em conformidade com Silva:
Assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, não será tarefa fácil num sistema capitalista e, pois, essencialmente individualista. É que a justiça social só se realiza mediante equitativa distribuição da riqueza. Um regime de acumulação ou de concentração do capital e da renda nacional, que resulta da apropriação privada dos meios de produção, não propicia efetiva justiça social, porque nele sempre se manifesta grande diversidade de classe social, com amplas camadas de população carente ao lado de minoria afortunada. A história mostra que a injustiça é inerente ao modo de produção capitalista, mormente do capitalismo periférico. Algumas providências constitucionais formam agora um conjunto de direitos sociais com mecanismos de concreção que devidamente utilizados podem tornar menos abstrata a promessa de justiça social. Esta é realmente uma determinante essencial que impõe e obriga que todas as demais regras da constituição econômica sejam entendidas e operadas em função delas (SILVA, 2005, p. 789).
Os fundamentos humanitários da ordem econômica constitucional, mesmo que na prática não sejam espontaneamente respeitados, estão dispostos na constituição para comandar a atuação do poder público quando forem violados. Dessa forma, leciona Peluso:
Não nos parece de menor importância analisar o modo pelo qual os elementos nomeados por “princípios” figuram como norteadores da “Ordem Econômica”. Se não se incluem decisivamente na configuração desta “ordem”, registram as marcas ideológicas que aí devam predominar como instrumentos a serem acionados para a sua correta efetivação (PELUSO, 1989, p. 31).
Logo, o dispositivo que inicia os princípios gerais da ordem econômica é o artigo 170 da CRFB/88, prevendo in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (BRASIL, 1988).
Enquadram-se como fundamentos constitucionais os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1°, IV, CF/88), e estes princípios são reiterados no caput do artigo 170 da CF/88, quando prevê a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Não se trata de um Estado Social, haja vista que a livre iniciativa é componente do sistema capitalista (SILVA, 2005, p. 788), porém, é dado um tratamento especial ao princípio da valorização do trabalho, qual seja uma proteção politicamente racional, e não mera caridade ao trabalhador (GRAU, 2007, p. 198). Ou seja, nivelada ao respeito pelo trabalho, se a iniciativa privada desacatar tal preceito deverá o Poder Público intervir. Importante deixar claro que não é o caso de dirigismo econômico – arbitrariedade do poder público na economia –, e sim dever do Estado reprimir violações aos direitos dos empregados.
Percebe-se, então, que a livre iniciativa não é um princípio absoluto. No tocante a esse assunto, ADI n° 1.950 (STF, 2006) prevê em sua ementa:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.7.844/92, DO ESTADO DE SÃO PAULO. MEIA ENTRADA ASSEGURADA AOS ESTUDANTES REGULARMENTE MATRICULADOS EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO. INGRESSO EM CASAS DE DIVERSÃO, ESPORTE, CULTURA E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO. CONSTITUCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA. MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. ARTIGOS 1º, 3º, 170, 205,208, 215 e 217, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais.
2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170.
3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa.
4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário.
5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes.
6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
(STF, ADI n° 1.950, relator: Min. Eros Roberto Grau, DJ: 05/06/2006).
A liberdade de iniciativa, todavia, foi citado no inciso IV do artigo 1°, no caput do artigo 170, e novamente mencionado no parágrafo único deste dispositivo, para esclarecer que mesmo que a Constituição procure atender o bem comum, deve ser respeitado o livre exercício da atividade econômica, o direito de propriedade, a livre concorrência, dentre outros direitos provenientes do sistema capitalista. Para Bagnoli (2008, p. 68), “o constituinte buscou afastar empecilhos burocráticos que retardassem, dificultassem ou impedissem o exercício de qualquer atividade econômica”, salvo os casos previstos em lei.
A respeito do livre exercício da atividade econômica, o Ministro Carlos Velloso assim relatou o julgamento do RE 422941/DF:
CONSTITUCIONAL. ECONÔMICO. INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA: REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO DE SETORES ECONÔMICOS: NORMAS DE INTERVENÇÃO. LIBERDADE DE INICIATIVA. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º. I. - A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. - Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica,com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. - Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. - Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V. - RE conhecido e provido.
(STF, RE 422941/DF, relator: Carlos Velloso, DJ: 24/03/2006).
A justiça social está diretamente ligada ao objetivo da República Federativa do Brasil em construir uma sociedade livre, justa e solidária e, para ser materializada, dependerá da implementação de políticas públicas (GRAU, 2007, p. 215). A título de exemplo, o julgamento da ADI n° 2.649-6/DF foi assim proferido pela relatora ministra Cármen Lúcia:
A busca da igualdade de oportunidades e possibilidade de humanização das relações sociais, uma das inegáveis tendências da sociedade contemporânea, acolhida pelo sistema constitucional vigente, determina a adoção de políticas públicas que propiciem condições para que se amenizem os efeitos das carências especiais de seus portadores e toda a sociedade atue para os incluir no que seja compatível com as suas condições. [...] O desempenho das atividades relativas a transportes coletivos obedece, portanto, rigorosamente às regras específicas que o bem estar da sociedade haverá de determinar. [...] Não se há negar que as empresas associadas da Autora dispõem de liberdade constitucionalmente garantida para se constituírem e desempenharem as atividades para as quais foram criadas, nos termos da legislação vigente. Todavia, a titularidade de serviços públicos, como são os transportes coletivos, mantém-se com o concedente – ente público – e o seu exercício afeiçoa-se à demanda social e, ainda, ao cumprimento das exigências constitucionais e legais.
(STF, ADI 2.649 , Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ: 08/05/2008).
A seguir, no inciso I do artigo 170 há o princípio da soberania nacional, que serve como diretriz ou norma-objetivo, munida de caráter constitucional conformador (Grau, 2007, p. 225). Trata-se de independência econômica internacional, um sinal de que a República Federativa do Brasil não possui sujeições para com outros países.
Os incisos II e III do mesmo artigo dispõem os princípios da propriedade privada e a função social da propriedade. Aquele é direito exclusivo do proprietário, mas não é absoluto, pois ligada à propriedade está o dever de ser respeitada a sua função social, podendo ocorrer intervenção estatal para que esta seja garantida. “A competência para legislar sobre propriedade é privativa da União” (MARINELA, 2013, p. 864), com fulcro no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal/88. A jurisprudência do Supremo, no julgamento dos recursos extraordinários RE 140.436 e RE 387.047 , proferiu, respectivamente, que:
Se a restrição ao direito de construir advinda da limitação administrativa causa aniquilamento da propriedade privada, resulta, em favor do proprietário, o direito à indenização. Todavia, o direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade. Se as restrições decorrentes da limitação administrativa preexistiam à aquisição do terreno, assim já do conhecimento dos adquirentes, não podem estes, com base em tais restrições, pedir indenização ao Poder Público.
(STF, RE 140.436, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 25-5-1999, Segunda Turma, DJ de 6-8-1999.)
Solo criado é o solo artificialmente criado pelo homem (sobre ou sob o solo natural), resultado da construção praticada em volume superior ao permitido nos limites de um coeficiente único de aproveitamento. (...) Não há, na hipótese, obrigação. Não se trata de tributo. Não se trata de imposto. Faculdade atribuível ao proprietário de imóvel, mercê da qual se lhe permite o exercício do direito de construir acima do coeficiente único de aproveitamento adotado em determinada área, desde que satisfeita prestação de dar que consubstancia ônus. Onde não há obrigação não pode haver tributo. Distinção entre ônus, dever e obrigação e entre ato devido e ato necessário. (...) Instrumento próprio à política de desenvolvimento urbano, cuja execução incumbe ao Poder Público municipal, nos termos do disposto no art. 182. da CF. Instrumento voltado à correção de distorções que o crescimento urbano desordenado acarreta, à promoção do pleno desenvolvimento das funções da cidade e a dar concreção ao princípio da função social da propriedade (...).
(STF, RE 387.047 , Rel. Min. Eros Grau, DJ: 06/03/2008).
Em virtude da adoção da economia de mercado, o constituinte tornou viável a competição entre empresas ao dispor no texto constitucional econômico o princípio da livre concorrência (BAGNOLI, 2008, p. 66), competindo à lei reprimir o abuso do poder econômico que não respeite a justa competitividade, com fulcro no parágrafo 4° do artigo 173, CF/88. Acerca da livre concorrência, alega a Súmula 646 do STF que “ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”.
Previsto no artigo 5°, CF/88, e reafirmado no inciso V do artigo 170, a defesa do consumidor constitui princípio da ordem econômica por ser um direito público e que envolve interesse social. Em decorrência da reconhecida vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo a ação do poder público deve ser no sentido de protegê-lo efetivamente por iniciativa direta; incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; presença do Estado no mercado de consumo; ou pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. Da mesma forma, buscar-se-á o equilíbrio da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se fundamenta a ordem econômica, respeitando a boa-fé. Necessário, portanto, o conhecimento de fornecedores e consumidores dos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo, como forma até de repreender abusos como a concorrência desleal e utilização indevida de inventos (artigo 4°, incisos I, II, III, IV e VI da Lei n° 8.078/90).
Conforme já mencionado, o direcionamento adotado pela Constituição Federal de 1988 tornou a mesma um texto cidadão no qual prevalece o interesse coletivo sobre o interesse individual. Da mesma forma deve ser a constituição econômica, de acordo com Bagnoli:
A defesa do meio ambiente como princípio constitucional da ordem econômica implica na limitação da propriedade privada, destacadamente industrial e agrícola, para que assim se proteja um interesse maior, da coletividade. O todo deve prevalecer sobre o único (BAGNOLI, 2008, p. 67).
Tendo em vista que o cuidado com o meio ambiente é essencial à sadia qualidade de vida (artigo 225, CF/88), não pode a sua segurança ser comprometida pelas atividades empresariais, pois a extensão que o meio ambiente alcança, em se tratando de interesse social, é maior que o poder econômico. Em breve parágrafo destacado da MS 22.164 , o ministro do STF, relator Celso Antônio de Mello, manifestou-se da seguinte forma:
O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.
(STF, MS 22.164 , Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.11.1995).
As ações constitucionais e garantias disposta na Carta de 1988, desse modo, viabilizam a proteção desse direito, conforme proferido na ADI 3.540/DF:
Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural.
(STF, ADI 3.540/DF, relator Celso Antônio de Mello, DJ 03.02.2006).
O princípio da redução das desigualdades regionais e sociais é uma norma-objetivo, e assim expressamente previsto no artigo 3°, como meta a ser alcançada pela República. Essa diretriz será posteriormente estudada. Ademais, o princípio do pleno emprego está inerente ao “desenvolvimento e aproveitamento das potencialidades do Estado” (BAGNOLI, 2008, p. 67).
Por fim, foi estabelecido o princípio do tratamento favorável às empresas de pequeno porte, constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (inciso IX, artigo 170, CF/88). O mesmo foi base para a criação, por exemplo, do Simples Nacional, “regime que foi criado para diferenciar, em iguais condições, os empreendedores com menor capacidade contributiva e menor poder econômico” (RE 627.543, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 30-10-2013, Plenário, DJE de 29-10-2014, com repercussão geral).
Esses princípios que compõem a ordem econômica foram implantados na constituição formal com o intuito de acatar as necessidades sociais, conforme ensina Peluso:
A configuração da temática incluída na Constituição Econômica constitui outro ponto fundamental do seu estudo e exalta a importância do sentido experimental de sua escolha. Os temas não são ali incluídos por mero capricho do legislador constituinte, mas devem ser tomados como a expressão dos anseios do País, pelo menos enquanto presentes ao texto. Quanto à orientação e ao comando a respeito assumem decisiva importância as forças políticas predominantes que podem, até mesmo, excluí-los ou ignorá-los, muitas vezes frustrando pretensões da opinião pública (PELUSO, 1989, p. 47).
Neste caso, atuará o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, de acordo com as diretrizes previstas na lei, devendo fiscalizar, incentivar e planejar as atividades, sendo o planejamento determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (artigo 174, CF/88). Quanto a essa atuação estatal ante a economia, posiciona-se Comparato:
Na execução de sua política econômica, o Estado pode agir unilateralmente, exercendo as prerrogativas do imperium ou entrar em colaboração com os agentes privados da economia numa posição de relativa igualdade.
Atuando de forma imperativa sobre as estruturas econômicas, o Estado poderá agir diretamente, ou por intermédio de entidades públicas descentralizadas (COMPARATO, 1978, p. 467).
Resta claro que a nova ordem econômica firmada na Constituição de 1988 é um texto que não garante total liberdade ao poder econômico e fixa normas programáticas que devem ser efetivamente executadas pelo Estado, respeitando a supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
1.3. Combate à pobreza e redução das desigualdades socioeconômicas como meio de amenizar os problemas ambientais.
O equilíbrio entre crescimento econômico, preservação ambiental e equidade social, todos previsto no dispositivo constitucional da Ordem Econômica (artigo 170, CF/88), é a chave para se alcançar o desenvolvimento sustentável (THOMÉ, 2014, p. 58).
José Afonso da Silva adota uma terminologia peculiar, um princípio gênero que engloba os princípios previstos no artigo 170, na intenção de que sejam compreendidos como parte da ordem econômica constitucional.
Juntemos aqui considerações sobre a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego. Chamamo-los de princípios da integração, porque todos estão dirigidos a resolver os problemas da marginalização regional ou social. [...] é importante destaca aqui que, tendo-a elevado ao nível de princípio da ordem econômica (a defesa do meio ambiente), isso tem o efeito de condicionar a atividade produtiva ao respeito do meio ambiente e possibilita ao Poder Público interferir drasticamente, se necessário, para que a exploração econômica preserve a ecologia (SILVA, 2005, p. 796).
No entanto, a informatização do processo produtivo, a dinamização do tempo, a crescente necessidade de mão de obra especializada, e a terceirização (CHAGAS, 2007, p. 45) foram fatores prejudiciais ao pleno emprego, princípio constitucional que garante o aumento das oportunidades em firmar vínculos empregatícios, invés de diminuir. Trata-se do conteúdo ativo do princípio da função social da propriedade, cabendo ao proprietário ou detentor do bem exercer o seu direito-função (GRAU, 2007, p. 253), sujeitando-se a intervenção estatal.
A jurisprudência do STF no julgamento da ADI 319-QO , relator Ministro Moreira Alves, se posiciona da seguinte forma:
Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros.
(STF, ADI 319-QO ,Rel. Min. Moreira Alves, DJ: 03/03/1993).
Em diversos pontos do Brasil a precarização do trabalho e a ausência de políticas públicas voltadas à melhoria do déficit habitacional propiciou a instalação da população marginalizada em locais impróprios, provocando desmatamento, e a formação de periferias sem saneamento básico e infraestrutura (CHAGAS, 2007, p. 46). Ora, os menos favorecidos economicamente compõem a classe social mais atingida pelas consequências do uso irresponsável dos recursos naturais.
Acerca da ligação entre as desigualdades sociais e o impacto ambiental assim ensina Thomé:
A pobreza, principalmente nos países do sul, também pode ser considerada tanto causa como efeito dos problemas ambientais atuais. Necessitados de empregos que lhes deem sustento, os pobres buscam terra em todos os lugares onde possam encontrá-la para implantar uma produção de alimentos de subsistência e obter combustível. Praticam, não raras vezes, uma destrutiva agricultura de subsistência que, em pouco tempo, esgota a fertilidade do solo, obrigando-os a migrar. Se o impacto ambiental é evidente nos locais em que as pessoas se aglomeram em grandes números, as classes menos favorecidas economicamente, por outro lado, são exatamente as mais vulneráveis aos problemas ambientais (THOMÉ, 2014, p. 34).
Francisco Morato, por exemplo, constitui modelo de agrupamento social periférico, formado em decorrência do crescimento econômico desenfreado e suas consequentes desigualdades. A emigração para a metrópole paulista em busca de trabalho, a desvalorização dessa mão de obra pelos empreendimentos, e a necessidade de estabelecer sua residência, fez com que grupos se dirigissem às regiões periféricas da Grande São Paulo, fugindo do aluguel, das favelas, em busca da casa própria (CHAGAS, 2007, p. 57). De acordo com este autor (2007, p. 59), “a cidade está inserida em um ciclo de pobreza que barra o desenvolvimento da mesma, uma vez que a prefeitura não possui estrutura administrativa e financeira para lidar com o constante aumento dessa pobreza”, assim como para atender as novas demandas das comunidades. A falta de condição monetária e departamentos competentes nas instituições públicas locais dificultam a implantação de diretrizes estatais voltadas à educação e desenvolvimento da população.
O município não recebe investimentos da economia por não possuir uma infraestrutura atrativa às empresas, e com a escassez de recursos próprios não adota políticas públicas. Conclui-se que não é uma mudança em curto prazo e que o “tratamento de questões locais deve se dar de forma multidisciplinar e intersecretarial como forma de se conseguir trabalhar a complexidade das questões sociais e econômicas” (CHAGAS, 2007, p. 134).
Ainda mencionando a dissertação de mestrado de Chagas (2007, p. 134), o mesmo findou sua pesquisa informando que o investimento para que a cidade se desenvolva, deve partir da estruturação do indivíduo, isto é, o crescimento econômico deve ser conciliado com os valores sociais e a proteção ambiental para que seja alcançado o desenvolvimento sustentável.
A solução aos olhos dos estudiosos e da comunidade internacional, segundo Thomé seria:
Um dos maiores estudiosos sobre o desenvolvimento sustentável, Ignacy Sachs, afirma que a saída do “duplo nó” (pobreza e destruição do meio ambiente) exige um período relativamente longo de crescimento econômico nos países do hemisfério sul e no leste europeu. Os mais importantes documentos produzidos sobre meio ambiente tem enfatizado a necessidade de mais crescimento econômico, mas com formas, conteúdos e usos sociais completamente modificados, com uma orientação no sentido das necessidades das pessoas, da distribuição equitativa de renda e de técnicas de produção adequadas à preservação dos recursos (THOMÉ, 2014, p. 58).
Sobre o dever atribuído a todos os Estados em erradicar a pobreza, o princípio Cinco da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92) prevê:
Para todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim de reduzir as disparidades de padrões de vida e melhor atender às necessidades da maioria da população do mundo (ONU, 1992).
A proteção do meio ambiente é, portanto, um elemento de interseção entre a ordem econômica e os direitos individuais (ANTUNES, 2010, p. 64), cabendo ao Poder Público ponderar esses direitos, implementando-os juntamente a sociedade para que os objetivos da República Federativa do Brasil sejam alcançados.