Destoando do deficitário cenário econômico brasileiro de 2015, o comércio eletrônico navegou em direção oposta à crise. Segundo o E-bit, as vendas on-line tiveram um cresceram nominal de 15%, sendo que as lojas virtuais faturaram um total de R$ 41,3 bilhões de reais no ano de 2015.
Alavancado não só pelos grandes magazines, o comércio eletrônico é composto por muitas micros e pequenas empresas, as quais necessitam, por evidente, de apoio institucional do governo brasileiro para fazer frente às vicissitudes da sua atividade.
A atuação diária no comércio mostra que a conduta governamental não é tão benevolente assim, em especial num ano em que os cofres públicos estão com saldo negativo.
Já não fosse o suficiente a letargia do comércio no ano de 2015, acompanhada sempre de perto pela vergonhosa e insustentável carga tributária infligida à iniciativa privada, as micros e pequenas empresas que atuam no comércio eletrônico sofreram um “golpe fatal” do congresso nacional e do CONFAZ.
Isso porque sobreveio ao mundo jurídico o malfadado Convênio ICMS n.º 93/2015, de 21/09/2015, alterado pelo Convênio ICMS n.º 152, de 11/12/2015, que pretendeu “regulamentar” as inovações sobrevindas com a Emenda Constitucional (EC) n.º 87/2015, com vigência a partir do dia 01 de janeiro de 2016.
A Emenda Constitucional n.º 87/2015 alterou a redação do artigo 155, II, § 2.º, VII e VIII, da Constituição Federal, e, com isso, modificou a sistemática de apuração e de recolhimento de ICMS incidente nas vendas de produtos ou serviços destinados a consumidores finais localizados em outros estados da federação.
Tal modificação implica afirmar que, nas operações interestaduais, a venda de produto ao consumidor não contribuinte de ICMS localizado em outro estado passou a ser tributado com o diferencial de alíquota, tendo o estado do destinatário direito a parte da receita de ICMS.
Para as micro e pequenas empresas esta modificação mostrou-se extremamente onerosa. Antes da alteração constitucional, uma ME ou EPP recolhia a título de ICMS um percentual previsto em algum dos anexos da Lei Complementar n.º 123/2006 incidente sobre o seu faturamento nas operações interestaduais para consumidor final não contribuinte do imposto.
Após a emenda constitucional, as ME e EPPs passaram a recolher o percentual previsto no regime do Simples Nacional e mais o diferencial de alíquota, que, somados, podem representar um aumento de carga tributária acima 100% de ICMS.
Tome-se o seguinte exemplo:
- Contribuinte: empresa optante pelo Simples Nacional, em Santa Catarina, inclusa na 3ª faixa da tabela I da Lei Complementar n.º 123/2006
- Operação: venda de mercadoria para um consumidor não contribuinte localizado em São Paulo.
- Valor da operação: R$ 1.000,00
Antes do Convênio 93/2015:
- alíquota: 2,33% (tabela I do SIMPLES NACIONAL para operação interna ao Estado de Origem)
- Base de cálculo: R$ 1.000,00
- ICMS: R$ 23,30
Após o Convênio ICMS n.º 93/2015:
1ª. relação: o contribuinte catarinense x Estado de Santa Catarina
- alíquota: 2,33% (tabela I do SIMPLES NACIONAL para operação interna ao Estado de Origem)
- Base de cálculo: R$ 1.000,00
- ICMS: R$ 23,30
2ª. relação: contribuinte catarinense x Estado de São Paulo
- alíquota: 6% (Diferencial das alíquotas interestadual em SC (12%) e alíquota interna de SP (18%);
- Base de cálculo: R$ 1.000,00
- ICMS: R$ 60,00
- Percentual de ICMS para estado de destino (40%): 24,00
Total de ICMS: R$ 47,30
AUMENTO REAL ICMS EM 103%
Ocorre que tais dispositivos legais citados, a começar pelo Convênio ICMS 93/2015, padecem de flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade. Pois pela via oblíqua, os estados da federação pretendem introduzir no mundo jurídico (i) uma nova base de cálculo em determinado fato gerador de ICMS, (ii) uma nova relação jurídica entre a empresa remetente e estado do destinatário e ainda (iii) modificar parte do Simples Nacional (Lei complementar 123/2006), sem que o Congresso Nacional edite a respectiva Lei Complementar a que se refere o artigo 146, III, ‘a’, 150, I, 155, § 2.º, XII, ‘a’, ‘d’, todos da Constituição Federal.
Há nitidamente uma modificação no tratamento diferenciado conferido às ME e EPPs sem a correspondente alteração da Lei Complementar 123/2006, ou edição de nova lei complementar.
Por fim, não se pode perder de vista que, segundo o artigo 100, IV, do Código Tributário Nacional, os convênios celebrados no âmbito do CONFAZ são normas complementares, e em hipótese alguma poderão fazer às vezes de uma lei em sentido formal sob pena de desvirtuar o sistema tributário nacional.
Em linhas rasas, não é admissível que este setor da economia seja submetido a tamanha arbitrariedade.
Quero crer que, cedo ou tarde, a correção dessa distorção virá pelas mãos do judiciário, em ações coletivas e individuais, já que, no atual contexto dos caixas deficitários dos Estados, é pouco crível que estes abrirão mão desta nova receita, ainda que paradoxalmente seja em franco prejuízo das empresas que, por sua parcela, contribuem para encher os cofres públicos.