Há controvérsias, nas quais não mergulharemos, acerca da natureza jurídica da ação como um poder ou um direito da pessoa. Não nos furtaremos, contudo, a assumir posicionamento, e parece-nos ser a ação um direito – subjetivo (e não potestativo, eis que envolve contraprestação estatal) e incondicionado – à prestação jurisdicional adequada. Defende-se uma posição que segue, em grande parte, aquela defendida por Moacyr Amaral dos Santos1:
"A ação, em suma, é um direito subjetivo público, distinto do direito subjetivo privado invocado, ao qual não pressupõe necessariamente, e, pois, neste sentido, abstrato; genérico, porque não varia, é sempre o mesmo; tem por sujeito passivo o Estado, do qual visa a prestação jurisdicional num caso concreto. É o direito de pedir ao Estado a prestação de sua atividade jurisdicional num caso concreto. Ou, simplesmente, o direito de invocar o exercício da função jurisdicional."
Acerca da qualidade do direito de ação como incondicionado, o vemos dessa forma sem pretender lançar crítica direta ou traço de desrespeito à genial Teoria Eclética de Enrico Tulio Liebman. Não se sugere, tampouco, a mera adoção da Teoria Abstrata da Ação.
Apenas se enxergaria a tese de Liebman sob prisma diverso. Isso porque, coerente com o que estamos a dissertar, o direito de acesso ao Judiciário não se pode condicionar jamais.
O que se exporá a seguir nada mais é que uma tentativa de releitura da ideia de Liebman após filtragem Constitucional.
Não haveria, em nosso ver, exatas condições para o exercício do direito de ação ou mesmo “condições para seu legítimo exercício”, como citam alguns autores de indubitável qualidade. Em nossa ótica, o próprio vocábulo “condição” não é o mais adequado à hipótese, na esteira do que escreve o notável processualista Alexandre Freitas Câmara2, que adota a Teoria Abstrata:
"Não se mostra adequada a utilização da designação ‘condições’, uma vez que não se está aqui diante de evento futuro e incerto a que se subordina a eficácia de um ato jurídico, sendo por esta razão preferível falar em requisitos."
Feito o ajuste vocabular, a ideia central não varia: o que se submete a requisitos não é o direito da pessoa a buscar Jurisdição, mas a atividade exercida pelo Judiciário.
Nesse sentido, pois, não haveria de se falar condições para o exercício do direito de ação. Haveria, deveras, requisitos (genéricos e específicos), que devem estar presentes a fim de que o Judiciário possa emitir um provimento definitivo (na acepção contrária a “terminativo” – quando se verifica extinção do feito sem análise ou prática de mérito).
Propõe-se, a partir dessa explanação, uma Teoria da Ação segundo a qual o que se submete a requisitos não é o exercício do direito pelo jurisdicionado, mas o exercício da função jurisdicional pelo Estado-Juiz.
Isso porque, em linha muito simplificada, o jurisdicionado é titular de Poder, enquanto o Estado e seus servidores, nessa qualidade, são titulares apenas de funções, essas sim a dever obediência a requisitos.
Adotada essa teoria, o direito de ação é completamente autônomo, não se condicionando a qualquer fator. Vinculada, no que diz com a emissão de provimento de mérito ou não, passa a ser a atividade exercida pelo Estado-Juiz, quando da análise da lide.
1 SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 1º volume, 21ª edição. Editora Saraiva, São Paulo, 1999, p. 159.
2 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, volume I, 16ª edição. Editora Lumen Iuris, Rio de Janeiro, 2007, p. 128.