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A proteção dos direitos humanos e sua interação diante do princípio da dignidade da pessoa humana

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10/12/2003 às 00:00
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A proteção dos direitos humanos relaciona-se com a dignidade da pessoa humana, núcleo básico do ordenamento jurídico brasileiro, onde direitos internacionalmente reconhecidos e assegurados convergem para a concretização da justiça social e da cidadania universal.

RESUMO

Esta pesquisa objetiva apresentar o processo de internacionalização dos direitos humanos, tendo como referência a pessoa humana e a evolução histórica dos direitos humanos, abordando-se, inclusive, a diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais. Busca-se analisar a interação entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, e a respectiva sistemática internacional da proteção dos direitos humanos, e a Constituição Brasileira de 1988. O presente estudo tem, sobretudo, a finalidade de revelar como a proteção dos direitos humanos relaciona-se com o valor da dignidade da pessoa humana, núcleo básico e princípio fundante do ordenamento jurídico brasileiro, onde direitos e garantias internacionalmente reconhecidos e assegurados convergem para a concretização da justiça social e da cidadania universal, inspiradas nos ideais democráticos.

Palavras-chave: Direitos humanos, Direito Internacional dos Direitos Humanos, Constituição Brasileira de 1988, Dignidade da pessoa humana, cidadania.


ABSTRACT

This research intends to present the process of internationalization of human rights in reference to its historical evolution and the human being itself, including the differences between these and the fundamental rights. It has the objective of analysing the interaction of International Law of Human Rights with its own international arrangement of protection to the human rights and the Brazilian Constitution of 1988. Moreover, the present study aims revealing in which ways the protection of human rights relates to the value of human dignity, as basic core and fundamental principle of brazilian legal system, where world-wide acknowledged and assured rights and privileges lead to the achievement of social justice and universal citizenship, both inspired in democratic ideals.

Key-words: Human rights, International Law of Human Rights, Brazilian Constitution of 1988, human dignity, citizenship.


INTRODUÇÃO

O Direito, enquanto ciência social, sofre os reflexos decorrentes das diversas transformações da sociedade ocorridas ao longo do tempo. No mesmo sentido, os direitos humanos evoluem e conquistam um lugar cada vez mais considerável na consciência política e jurídica contemporânea, apresentando notável progresso em relação ao respeito às liberdades fundamentais e à concretização da verdadeira democracia.

O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre a proteção dos direitos humanos e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, tido como valor-guia [1] de toda a ordem jurídica, constitucional e infraconstitucional, bem como a influência e a interação existentes, tendo como cenário a ordem constitucional brasileira.

A partir do estudo da pessoa humana, tomada em sua igualdade e em sua liberdade, e de sua essência histórica, pretende-se desenvolver uma análise sobre os direitos humanos e sua evolução histórica, frente aos acontecimentos marcantes ao longo dos séculos e às significativas descobertas empreendidas pela Humanidade. Torna-se relevante apontar, neste mesmo capítulo, a diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais, e a questão referente às dimensões ou gerações dos direitos fundamentais.

Num segundo momento, busca-se demonstrar o processo de internacionalização e de globalização da matéria atinente aos direitos humanos e como o Direito Constitucional Internacional trata, de modo específico, as normas constitucionais referentes às relações internacionais e, por conseqüência, ao próprio Direito Internacional. Nesse contexto, despontam o surgimento e a consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos que, de modo autônomo e dotado de especificidades próprias, volta-se à construção de uma cultura universal de observância dos direitos humanos, tendo como desafio a aplicação efetiva destes, por meio de um sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

O presente estudo monográfico apresenta-se, assim, com características interdisciplinares, pois situa-se na interação entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Daí resulta o que se convencionou chamar Direito Constitucional Internacional, subentendido como um ramo do direito que busca igualmente resguardar o valor da primazia da pessoa humana.

Ao se abordar a dinâmica da relação entre a Constituição Brasileira e o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, no terceiro capítulo, busca-se evidenciar os dispositivos constitucionais que disciplinam o Direito Internacional dos Direitos Humanos e a forma pela qual este reforça os direitos constitucionalmente assegurados. É nesse ínterim que se enfatiza a inclusão dos direitos enunciados nos tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil seja signatário, no catálogo de direitos constitucionalmente consagrados.

Importante destacar-se o aprimoramento e o fortalecimento desencadeados pelos direitos oriundos dos tratados internacionais de direitos humanos na esfera da proteção dos direitos consagrados pelo ordenamento brasileiro. Ainda que se visualize uma situação de conflito entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno, há de prevalecer a norma mais favorável ao indivíduo, uma vez que se propugna pela primazia da pessoa humana.

Finalmente, o norte do presente trabalho aponta para o incessante processo de reconstrução dos direitos humanos, acenando ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, como princípio fundante de uma ordem renovada, que é resultado da crescente internacionalização dos direitos humanos, em que emanam direitos e garantias internacionalmente reconhecidos e assegurados, delineando-se, por conseguinte, uma cidadania universal inspirada no valor da absoluta prevalência da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, o estudo da proteção dos direitos humanos e sua relação com a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana, à luz da Constituição Federal Brasileira, revela-se imperioso, à medida que contribui decisivamente para a concretização da justiça social e dos ideais democráticos.


1 A evolução histórica dos direitos humanos

1.1 A pessoa humana

Desde os tempos mais remotos busca-se compreender a pessoa humana e a complexidade de suas relações, especialmente os direitos universais a ela inerentes. A partir do período axial da História, o ser humano, tomado em sua igualdade essencial, é visto como um ser dotado de liberdade e razão, sem desconsiderar as significativas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais.

Não obstante, somente no século XX proclamou-se no preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Importante ressaltar que essas premissas nasceram vinculadas ao advento da lei escrita, de abrangência geral e uniforme, igualmente aplicável a todos os indivíduos que convivem numa sociedade organizada.

Originalmente, foi em Atenas que a lei escrita manifestou sua preeminência a ponto de se constituir no fundamento da sociedade política. Tanto que, na democracia ateniense, aautoridade das leis escritas, de imediato, desbancou a soberania do indivíduo ou da classe social, constituindo-se numa ferramenta imprescindível contra o arbítrio governamental.

Entretanto, ao lado da lei escrita, os gregos consideravam a relevância da lei não-escrita, que designava, por vezes, o costume juridicamente aceito, noutras, as leis universais, de âmbito religioso e absoluto. Com o tempo, dissipou-se essa essência eminentemente religiosa das leis não-escritas que, para Aristóteles, constituíam-se em "leis comuns", permeadas pelo consenso universal em oposição às "leis particulares", próprias de cada povo.

Foi nesse contexto que surgiu, por iniciativa dos romanos, a expressão ius gentium, ou seja, o direito comum a todos os povos. Guido Fernando Silva Soares (p.24) adverte:

Na verdade, o jus gentium não era o que hoje denominamos Direito Internacional, nem o que, em séculos anteriores, se denominará de Direito das Gentes. Tratava-se de um corpo de normas que regulava, no interior do Império Romano, os direitos dos indivíduos (como a personalidade, as capacidades), seus relacionamentos interpessoais (como a família e as sucessões, os contratos e os efeitos dos atos lícitos e ilícitos), alguns aspectos do direitos criminal e, sobretudo, as normas sobre a atividade de produzir a norma jurídica (...) [2].

De outro lado, ao ser excluído o fundamento religioso impresso nas normas, necessitou-se buscar outra justificativa para a vigência dessas leis universais, aplicáveis a todos os homens, de forma igualitária, em todos os lugares do mundo. A filosofia estóica, que se desenvolveu entre 321 a.C. até meados do século III, abrangendo, praticamente, toda a Idade Média, pressupunha a unidade moral e a dignidade do homem como fatores indissociáveis. Logo, o homem é considerado filho de Zeus e portador de direitos inatos e iguais em todos os lugares do mundo, ainda que ocorressem diferenças individuais e grupais.

Para a tradição bíblica, Deus é visto como o modelo ideal a ser seguido por todos os seres. O cristianismo, por sua vez, trouxe consigo um modelo ético e concreto de pessoa: Jesus de Nazaré. Entretanto, a igualdade universal dos filhos de Deus realizou-se única e exclusivamente no plano sobrenatural, uma vez que o cristianismo compactuava com a escravidão e com a inferioridade da mulher e de determinados povos.

No período medieval, elaborou-se um conceito de pessoa partindo-se da "substância individual da natureza racional" [3], desenvolvida por Boécio, com enfoque nas características de permanência e invariabilidade. Nesse sentido, São Tomás de Aquino definiu o homem como "um composto de substância espiritual e corporal" [4].

Partindo-se da concepção de pessoa, no medievo, foi elaborado o princípio da igualdade essencial de todo ser humano, levando-se em conta as discrepâncias individuais e grupais, de natureza biológica ou cultural. Dessa forma, a essência do conceito universal de direitos humanos surgiu da igualdade essencial da pessoa, eis se tratarem de direitos comuns a toda a espécie humana, do homem enquanto homem, ou sejam, direitos resultantes da sua própria natureza.

Outra importante fase da elaboração teórica do conceito de pessoa, como sujeito de direitos universais, anteriores e superiores, a toda ordenação estatal, surgiu com o pensamento de Kant que, partindo da noção de "razão prática", inerente a todos os seres racionais, dotados de vontade própria, formulou o princípio de que todo ser humano existe como um fim em si mesmo, e não simplesmente como um meio através do qual a vontade age.

Chegou-se, assim, à constatação de que a dignidade da pessoa resulta, além da questão de ser esta, ao contrário das coisas, um ser considerado como um fim em si mesmo, também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, ou seja, com capacidade de se nortear por suas próprias leis.

A concepção kantiana da dignidade da pessoa valoriza o ser humano e a busca de sua felicidade tanto em nível individual quanto coletivo, favorecendo a concretização da felicidade alheia. Tais premissas se constituem numa importante justificativa de reconhecimento, a par dos direitos e liberdades individuais e dos direitos humanos, na busca da realização de políticas públicas de conteúdo econômico e social, conforme preconizou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Kant defendia o valor relativo das coisas em contraposição ao valor absoluto da dignidade humana, fato que desencadeou, relativamente ao conceito de pessoa, a descoberta do mundo dos valores. Assim é que sobre o fundamento da liberdade que se assentam as referências axiológicas ("preferências valorativas") e a ética de modo geral, isto é, o mundo das leis, sempre passíveis de violação [5].

Na segunda metade do século XIX, graças às contribuições inovadoras de pensadores como Nietzsche, se passou a compreender que o bem e o mal são resultados de uma avaliação consciente de cada indivíduo, na qual desponta a preferência por determinado valor. Logo, a compreensão da pessoa passa pelo reconhecimento de que o homem é o único ser que pauta sua vida em função de preferências valorativas, legislando conforme seus valores éticos e, voluntariamente, submetendo-se às normas valorativas.

Evidentemente que, nesta conformidade, a teoria jurídica tenha sofrido influência significativa da realidade axiológica, especialmente quando se passou a identificar os direitos humanos como os valores mais importantes da convivência humana e também como fatores de agregação social. Por sua vez, o conjunto dos direitos humanos passou a formar um sistema, condizente com a hierarquia de valores prevalentes no meio social; embora essa hierarquia axiológica nem sempre coincida com o sistema normativo positivo. Daí, a tensão dialética entre a consciência coletiva e as leis estatais.

As correntes existencialistas do século XX também influíram na elaboração do conceito de pessoa, acentuando o caráter único, inigualável e irreprodutível da personalidade individual, que não se confunde com a função ou o papel que cada ser exerce.

A reflexão filosófica contemporânea revelou que o ser do homem não diz com questões permanentes e imutáveis, e sim com transformações e mudanças, uma vez que está em constante evolução e aperfeiçoamento. Ademais, a essência do ser humano é evolutiva; sua personalidade é sempre algo de incompleto e inacabado, revelando essa característica singular de um permanente inacabamento.

Relevante considerarem-se as contribuições das reflexões filosóficas contemporâneas sobre a essência histórica da pessoa humana, aliadas à comprovação do fundamento científico da evolução biológica, dando profunda elucidação à tese do caráter histórico, não tomado aqui de modo convencional, dos direitos humanos, revelando, assim, a inocuidade das discussões entre a prevalência de um direito natural estático ou do positivismo jurídico.

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, aprovada de forma unânime pela Assembléia Geral das Nações Unidas, consolidou toda complexidade dessa elaboração teórica, proclamando que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei, conforme disposto no art. VI daquele texto convencional.

É claro que inúmeros problemas ético-jurídicos, advindos do avanço tecnológico e da evolução social, despontaram no seio da sociedade moderna. Preocupações como a proteção da pessoa humana diante da engenharia genética e o momento em que se deve considerar a existência da vida humana são exemplos desses problemas. No mesmo sentido, dispõe o Código Civil Brasileiro, em seu art. 2º, que "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro" [6].

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Partindo desse contexto, faz-se necessária uma análise sobre a afirmação da dignidade humana frente aos significativos períodos da história em que esta se manifesta.

1.2 A afirmação progressiva dos direitos humanos

Ao longo da história, tem-se constatado que a compreensão da dignidade da pessoa humana e de seus direitos estão associados à dor física e ao sofrimento moral. Em cada ciclo histórico em que se constatam atos de violência, massacres e explorações desmedidas, renova-se a consciência acerca da necessidade de novas determinações normativas que vinculem a existência de uma vida mais digna para todos.

Importante referir que a compreensão histórica dos direitos humanos e das diferentes etapas de sua afirmação está associada, sincronicamente, às grandes declarações de direitos decorrentes dos avanços técnico-científicos conquistados pela humanidade, que sempre e constantemente impulsionaram o movimento unificador da humanidade. Esses são os dois importantes fatores de solidariedade humana, um de ordem técnica, transformador dos meios de convivência; o outro, de natureza ética, visando harmonizar a vida social com o valor maior da justiça.

É mister explicitar que a solidariedade técnica diz respeito com a padronização de costumes e modos de vida, incluindo-se aqui a homogeneização de questões como o trabalho, a economia, o transporte, a comunicação, o lazer, a cultura, a política, dentre outras; enquanto que a solidariedade ética, alicerçada no respeito aos direitos humanos, objetiva a construção de uma cidadania mundial, independente das relações de dominação. Tais formas de solidariedade são indispensáveis para que não se interrompa ou se desagregue o referido movimento de unificação do gênero humano. A solidariedade humana, por seu turno, atua em três esferas fundamentais: no grupo social, nas relações intergrupais, bem como entre as sucessivas gerações ao longo dos tempos.

O estudo do processo de unificação da humanidade, outrossim, tem por base a afirmação histórica dos direitos humanos, partindo da análise de questões atinentes à democracia ateniense e à república romana, onde surge a consciência histórica acerca dos direitos humanos, que só foi possível graças à limitação do poder político. É, pois, nesse espaço que as instituições de governo devem existir sempre em função dos governados, jamais para benefício pessoal dos governantes. Daí que, a admissão da existência de direitos, sendo inerentes à condição humana, devem ser reconhecidos a todos, não figurando como mera concessão dos poderosos.

Já no século VI a.C., inicia-se a proto-história dos direitos humanos, quando da criação das primeiras instituições democráticas em Atenas e com a fundação da República Romana no século seguinte. A democracia ateniense baseou-se nos princípios da preeminência da lei e da participação ativa dos cidadãos na vida política, onde existia um respeito quase religioso que os gregos em geral devotavam às suas leis.

Por mais de dois séculos, o poder dos governantes atenienses foi bastante limitado, não somente pela soberania explícita das leis, como pelo aparato de instituições de cidadania ativa, pelas quais o povo pode governar-se a si próprio, pela primeira vez na história. A democracia ateniense concedeu a seu povo a escolha dos governantes e possibilidade de tomar as grandes decisões políticas em assembléia, havendo um sistema de responsabilidades condizentes com a soberania popular.

Na República Romana, para se limitar o poder político, recorreu-se à instituição de um complexo sistema de controles recíprocos entre os órgãos políticos, exemplo disso era a limitação do poder dos cônsules pelo Senado, cujas decisões eram submetidas à votação do povo.

Com a queda do Império Romano do Ocidente, no ano de 453 d.C., surgiu uma nova civilização impregnada de instituições clássicas, valores cristãos e costumes germânicos. Era o início da Idade Média, que teve dois períodos: a Alta Idade Média e a Baixa Idade Média. Nesse período retoma-se a idéia de limitação do poder dos governantes, pressuposto do reconhecimento, que se daria séculos depois, da existência de direitos comuns aos indivíduos, quer fossem do clero, da nobreza ou do próprio povo.

O feudalismo, durante toda a Alta Idade Média, instaurou o esfacelamento do poder político e econômico; contudo, a partir do século XI, ocorreu um movimento de reconstrução da unidade política, norteado por disputas entre o imperador e o Papa no território europeu. Assim que, contra os abusos da reconcentração de poder, surgiram manifestações de rebeldia: inicialmente com a Declaração das Cortes de Leão de 1188, na Península Ibérica, e, posteriormente, com a Magna Charta Libertatum, de 1215, na Inglaterra.

A Magna Charta Libertatum constituiu-se num pacto firmado pelo Rei João Sem-Terra e pelos bispos e barões ingleses. Este documento serviu como referência para alguns direitos e liberdades civis clássicos, tais como o habeas corpus, o devido processo legal e a garantia da propriedade, não obstante assegurando aos nobres ingleses, privilégios feudais, e alijando a população do acesso aos direitos consagrados no pacto.

No embrião dos direitos humanos despontou o valor da liberdade. Todavia, não se tratava de uma liberdade geral em benefício de todos – o que só ocorreria no final do século XVIII -; na verdade, constituía-se numa liberdade específica que atingia especificamente o clero e a nobreza.

Com o surgimento dos burgos, à margem dos castelos medievais, a liberdade pessoal expande-se da classe dos mercadores aos servos da gleba que, no caso de residirem por mais de ano e dia num burgo novo, desvinculavam-se do poderio do senhor feudal. Configurava uma espécie da usucapião da liberdade.

Nesse período, a Europa medieval assistiu ao desenvolvimento de novas técnicas e invenções nas áreas: econômica, agrícola, marítima, comercial, jurídica, etc. Tudo isso levou a crer que era necessário um mínimo de segurança e certeza na vida dos negócios, o que implicava a limitação do tradicional arbítrio do poder político.

No século XVIII, passou-se a viver o que se costuma chamar a "crise da consciência européia" [7], permeada por profundos questionamentos acerca das certezas tradicionais. Durante os dois séculos que sucederam a Idade Média, a Europa conheceu um extraordinário recrudescimento da concentração de poderes. Nesse período elaborou-se a teoria da monarquia absoluta, com Jean Bodin e Thomas Hobbes.

Dita crise fez com que ressurgisse em vários locais do mundo, imersos em guerras e em insatisfações em relação ao poder absoluto dos governantes, um sentimento de liberdade em contraposição à tirania. No entanto, as liberdades pessoais, que se objetivavam garantir pelo Habeas Corpus e pela Bill of Rights, não beneficiavam a todos os cidadãos; apenas os privilegiados do reino: o clero e a nobreza. A novidade é que a garantia dessas liberdades individuais acabou estendendo-se à burguesia rica, tendo reflexos no desenvolvimento do capitalismo industrial.

O Parlamento foi a principal instituição para a limitação do poder monárquico e garantia das liberdades na sociedade civil. A partir da Bill of Rights britânica, a idéia de um governo representativo, ainda que não de todo o povo, mas de suas camadas superiores, começa a se firmar como uma garantia indispensável das liberdades civis.

Com a Declaração de Direitos do Estado de Virgínia, de 12 de junho de 1776, é que se tem o registro de nascimento dos direitos humanos na história, quando em seu artigo I, dispôs:

Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, provar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a felicidade e a segurança [8].

Tal fato constitui-se no reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos. A "busca da felicidade" [9], que igualmente consta na Declaração de Independência do Estados Unidos, é a razão de ser desses direitos inerentes à própria condição humana; razão essa aceitável por todos os homens, em todas as épocas. Ou seja, uma razão universal como a própria pessoa humana.

Da mesma forma, com o advento da Revolução Francesa, a idéia de liberdade dos seres humanos é reafirmada e reforçada: "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos" [10]. A única omissão referiu-se então ao reconhecimento da fraternidade, isto é, a exigência de uma organização solidária da vida em grupo, o que ocorreu quando da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948.

Como visto, a democracia moderna, reinventada praticamente ao mesmo tempo na América do Norte e na França, foi a ferramenta política utilizada pela burguesia para acabar com os privilégios do clero e da nobreza. Portanto, a idéia original da democracia moderna não foi a defesa da maioria pobre contra a minoria rica, mas sim a defesa da classe burguesa e rica contra o regime de privilégios mantidos por um governo irresponsável, em detrimento dos direitos sociais.

A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão trouxe uma distinção entre os direitos do homem e os direitos do cidadão. No que tange ao homem, este é colocado como alguém que existe fora da sociedade, eis que preexiste a ela. Em relação ao cidadão, ele se encontra exatamente no centro da sociedade e sob a autoridade do Estado. Na esteira desses argumentos, Rogério Gesta Leal colaciona: "Dessa forma e novamente, como é próprio de concepções com forte veio jusnaturalista, os direitos do homem são naturais e inalienáveis, enquanto os direitos do cidadão são positivos e garantidos pelo direito positivo" [11].

Daí deriva o advento da geração ou dimensão dos primeiros direitos humanos e da reinstitucionalização da legitimidade democrática como obras decorrentes das grandes revoluções: a chamada Revolução Americana e a Revolução Francesa. A primeira que consolidou a restauração das antigas franquias e dos tradicionais direitos de cidadania, frente aos abusos e usurpações do poder monárquico. A segunda, ao contrário, objetivando a tentativa de transformação radical das condições de vida em sociedade e à missão libertária dos povos oprimidos.

Com a reinvenção das técnicas de produção econômica, decorrentes da introdução da máquina a vapor, emergiu, na Inglaterra, a Revolução Industrial. Fato que, aliado às demais etapas históricas e marcantes dos direitos humanos, coincide com as mudanças nos princípios básicos da ciência e da técnica.

A emancipação histórica do indivíduo frente aos grupos sociais a quem sempre se submetera, como família, clã, clero e estamento, derivou das declarações de direitos norte-americana e francesa. É assim que o indivíduo se torna mais vulnerável às vicissitudes da vida, uma vez que perdeu muito da proteção familiar, estamental e religiosa. Em contrapartida, a sociedade liberal ofereceu-lhe a segurança da legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei.

Nesse sentido, constitui-se numa verdadeira falácia a pretendida isonomia oferecida, uma vez que a massa crescente de trabalhadores tinha que se submeter às pressões capitalistas para sobreviver. O resultado dessa atomização social foi uma forte pauperização das classes proletárias na primeira metade do século XIX, que desencadeou, por sua vez, uma profunda indignação dos trabalhadores e o sentimento de organização da classe.

A Constituição francesa de 1848 incorporou algumas das reivindicações econômicas e sociais; entretanto, o pleno reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social somente se deu no século XX, com a Constituição do México de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919.

A contribuição do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX, implicou o reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social dos grupos sociais marginalizados e esmagados pela miséria. Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais eram dejetos do sistema capitalista de produção, que atribuía um valor maior aos bens de capital em oposição aos seres humanos.

Contrapondo-se aos fundamentos do capitalismo, emergiram os direitos humanos de proteção do trabalhador, que só puderam prosperar quando os detentores do capital foram obrigados a se compor com os trabalhadores. Daí se conclui o absurdo enfraquecimento do respeito a esses direitos no mundo inteiro, em favor do lucro especulativo.

As normas constitucionais dos séculos XIX e XX da maioria dos países ocidentais vão introduzir os princípios políticos e filosóficos protetivos dos Direitos Humanos em regras jurídicas expressas e tidas, geralmente, como principiológicas. Tal processo de positivação foi fundamental para estruturar, em corpos normativos,

os dispositivos jurídicos atinentes a tais direitos que, ora positivados, transformam-se em Direitos Fundamentais.

Registra-se a afirmação de Rogério Gesta Leal (2000, p.38), que corrobora os argumentos expendidos:

É assim que esta conjuntura dá ensejo para o recrudescimento dos Direitos Humanos como, por exemplo, fomento à autodeterminação dos povos e pela crescente exigência do término de práticas ilícitas dos Estados, bem como o respeito às garantias constitucionais, principalmente individuais [12].

1.3 Direitos humanos e direitos fundamentais

Para uma melhor compreensão do presente estudo, faz-se necessária a distinção entre as expressões "direitos humanos" e "direitos fundamentais", que comumente são utilizadas como sinônimos. Não resta dúvida de que os direitos fundamentais, de certa forma, são também direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser humano, mesmo que esteja representado por uma determinada coletividade, como povo, nação, Estado.

Tem-se que os direitos fundamentais são o conjunto de direitos e liberdades do ser humano institucionalmente reconhecidos e positivados no âmbito do direito constitucional positivo de determinado Estado, enquanto que os direitos humanos estão abarcados pelo direito internacional, porquanto extensivos a todos os seres humanos, independentemente de sua vinculação a determinada ordem constitucional, apresentando validade universal e caráter supranacional.

Assim, os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem com a Constituição na qual foram reconhecidos e assegurados. Não resta dúvida de que o reconhecimento oficial dos direitos humanos, pela autoridade política competente, gera muito mais segurança às relações sociais, exercendo, também, uma função pedagógica junto à comunidade, no sentido de fazer prevalecer os grande valores éticos, os quais, sem esse reconhecimento oficial, tardariam a se impor na vida coletiva.

Interessante referir a contribuição de Celso Lafer ao afirmar que "o valor da pessoa humana enquanto conquista histórico-axiológica encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem" [13].

Há que se considerar, de toda a sorte, que existe uma íntima relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, pois muitas das Constituições que surgiram após a Segunda Guerra Mundial se inspiraram tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, quanto nos documentos internacionais e regionais que lhe sucederam. Nos últimos anos, tem-se observado um processo de aproximação e de harmonização entre o conteúdo das declarações internacionais e os textos constitucionais, o que se vem denominando de Direito Constitucional Internacional.

Entre as diversas terminologias adotadas, destaca-se o uso recente da expressão "direitos humanos fundamentais" por determinados autores.

Esta terminologia, ao menos em nosso entender, embora não tenha o condão de afastar a pertinência da distinção traçada entre direitos humanos e direitos fundamentais, revela, contudo, a nítida vantagem de ressaltar, relativamente aos direitos humanos de matriz internacional, que também estes dizem com o reconhecimento e proteção de certos valores e reivindicações essenciais de todos os seres humanos, destacando, neste sentido, a fundamentalidade em sentido material, que – diversamente da fundamentalidade formal – é comum aos direitos humanos e aos direitos fundamentais constitucionais (...) [14].

Importante atentar-se para o fato de não existir uma identidade necessária entre o elenco dos direitos humanos e direitos fundamentais reconhecidos, nem entre o direito constitucional dos Estados e o direito internacional, tampouco entre as Constituições, pelo simples fato de que, muitas vezes, o rol dos direitos fundamentais constitucionais está aquém do catálogo dos direitos humanos constantes dos documentos internacionais; ao passo que, outras vezes, está bem além, tal qual ocorre com a nossa atual Constituição Federal.

É fundamental levar-se em conta a distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, sendo que em relação aos primeiros, há, geralmente, melhores condições para se concretizarem efetivamente em face da existência de instâncias dotadas de poder para fazerem cumprir e respeitar esses direitos.

Ressalta-se o fato de que a eficácia (jurídica e social) dos direitos humanos que não fazem parte do rol dos direitos fundamentais de determinado ordenamento depende da sua recepção na ordem jurídica interna e, ainda, do status jurídico que esta lhe atribui, vez que lhe falta cogência. Logo, a efetivação dos direitos humanos depende da boa vontade e da cooperação dos Estados individualmente considerados, e da ação eficaz dos mecanismos jurídicos internacionais de controle.

Daí que o processo de positivação dos direitos humanos, transformando-os em direitos fundamentais, gera polêmica e debate envolvendo sua natureza, significados, implicações políticas e jurídicas relevantes, principalmente quando se ressalta o fato de que estes direitos não se apresentam tão apenas diante do Estado, mas, fundamentalmente, como oponíveis em relação aos demais cidadãos e nas suas inter-relações cotidianas, designando a expressão "direitos públicos subjetivos" [15].

1.3.1 Dimensões dos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais sofreram várias mutações históricas desde seu reconhecimento nas primeiras Constituições, no tocante a conteúdo, titularidade, eficácia e efetivação. Nesse contexto histórico, costuma-se referir a existência de três gerações de direitos e até mesmo de uma de quarta geração. Há muitas críticas em relação ao termo "geração de direitos", por conduzir ao entendimento equivocado de que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo; daí a preferência da maioria dos autores pela expressão "dimensão de direitos".

Ressalta o Professor Ingo Sarlet (2001, p. 47-48) que:

Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente convergência de opiniões no que concerne à idéia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal-burguesa, se encontram em constante processo de transformação, culminando com a recepção, nos catálogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de múltiplas e diferentes posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos’ [16].

A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, conduzem sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana.

1.3.2 A primeira dimensão de direitos

Os direitos fundamentais da primeira dimensão têm suas raízes especialmente na doutrina iluminista e jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, que defende como finalidade precípua do Estado a realização da liberdade do indivíduo, bem como nas revoluções políticas do final do século XVIII, que marcaram o início da positivação das reivindicações da classe burguesa nas primeiras Constituições escritas do ocidente.

Constituem-se em direitos de defesa ou oposição diante do Estado, delimitando uma zona de não-intervenção do Estado diante da autonomia individual. Destacam-se os direitos de inspiração jusnaturalista, tais como os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, que delimitam a chamada igualdade formal. Mais tarde, se complementam pela liberdade de expressão coletiva, tais como as liberdades de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, etc.; e pelo direitos de participação política, como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva. Algumas garantias processuais: devido processo legal, direito de petição e habeas corpus, também se incluem nesta classificação.

Os direitos da primeira dimensão ou direitos da liberdade apresentam como titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e detêm uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, constituem-se em direitos de resistência ou de oposição ao Estado [17].

1.3.3 A segunda dimensão de direitos

No século XIX surgem os movimentos reivindicatórios que exigiam do Estado uma atuação efetiva na realização da justiça social. Ressalte-se a dimensão positiva destes direitos, uma vez que não se pretende mais evitar a intervenção estatal no plano da liberdade individual, mas, sim, de propiciar o direito de participação no chamado bem-estar social, realizando-se, por conseguinte, a liberdade e a igualdade, ambas em sentido material.

Nesta categoria estão os direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, dentre outros que se reportam à pessoa tomada individualmente. Estes direitos fundamentais consagraram-se, sobretudo, nas Constituições do segundo pós-guerra, porquanto constituíam-se em objeto de diversos pactos internacionais.

Além dos direitos sociais, econômicos e culturais de cunho positivo, abarcam-se também as denominadas liberdades sociais, como a liberdade de sindicalização, o direito à greve, os direitos fundamentais dos trabalhadores (férias, repouso semanal remunerado, salário mínimo, jornada de trabalho limitada, etc.).

Com o advento dos direitos fundamentais da segunda geração, descobriu-se o aspecto objetivo, a garantia de valores e princípios com que escudar e proteger as instituições. Os direitos sociais originaram o despertar de uma consciência acerca da importância de salvaguardar o indivíduo e de proteger a instituição. Descobria-se, então, um novo conceito dos direitos fundamentais: as garantias institucionais [18].

Na fase da primeira geração, os direitos fundamentais consistiam basicamente no estabelecimento das garantias fundamentais da liberdade; a partir da segunda geração, tais direitos passaram a compreender, além das garantias, também os critérios objetivos de valores, bem como os princípios básicos que animam a lei maior, projetando-lhe a unidade e fazendo a congruência fundamental de suas regras.

A concepção de objetividade e de valores relativamente aos direitos fundamentais fez que o princípio da igualdade tanto quanto o da liberdade, tomasse também um novo sentido, deixando de ser mero direito individual que demanda tratamento igual e uniforme para assumir uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado [19].

1.3.4 A terceira dimensão de direitos

Dotados de alto teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira dimensão tendem a se consolidar enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

Também chamados de direitos de fraternidade ou de solidariedade concernentes aos grupos humanos; são direitos de titularidade coletiva ou difusa, por vezes esta titularidade revela-se indefinida e indeterminável. Dentre os mais citados, encontram-se os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação.

Tratam-se de reivindicações fundamentais do ser humano decorrentes do impacto das novas tecnologias, do trauma ocasionado pelas guerras e pelos conflitos, do processo de descolonização pós-guerra, bem como de outros fatores. O direito ao desenvolvimento diz respeito tanto a Estados como a indivíduos, todavia em relação a estes traduz-se numa pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação adequada [20].

Os direitos de terceira dimensão são considerados como direitos de solidariedade ou fraternidade em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e porque exigem esforços e responsabilidades em escala até mesmo global para sua efetivação. Grande parte desses direitos ainda não se encontram reconhecidos pelo direito constitucional; por outro lado, pertencem à seara do direito internacional, do que dá conta uma variedade de tratados e outros documentos transnacionais nesse sentido.

Muito especial e oportuna a contribuição do Professor Ingo Sarlet (2001, p. 52):

Ainda, neste contexto, costumam ser feitas referências às garantias contra manipulações genéticas, ao direito de morrer com dignidade, ao direito à mudança de sexo, igualmente considerados, por parte da doutrina, de direitos da terceira dimensão, ressaltando-se que, para alguns, já se cuida de direitos de uma quarta dimensão. Verifica-se, contudo, que boa parte destes direitos em franco processo de reivindicação e desenvolvimento corresponde, na verdade a facetas novas deduzidas do princípio da dignidade da pessoa humana, encontrando-se intimamente vinculados (à exceção dos direitos de titularidade notadamente coletiva e difusa) à idéia da liberdade-autonomia e da proteção da vida e outros bens fundamentais contra ingerências por parte do Estado e dos particulares [21].

1.3.5 A quarta dimensão de direitos

Há uma tendência de se reconhecer a existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, ainda que se aguarde pela sua consagração no plano do direito internacional e das ordens constitucionais internas. Destaca-se o posicionamento do Professor Paulo Bonavides que sustenta ser a quarta dimensão "o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional, que corresponde, na sua opinião, à derradeira fase de institucionalização do Estado Social" [22].

Arrolam-se aqui os direitos à democracia (direta) e à informação, bem como o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta ao futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. Tratam-se de direitos em processo de formação.

Relevantes os ensinamentos do Professor Paulo Bonavides ao afirmar:

Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a Humanidade parece caminhar a todo o vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo [23].

Enfatiza-se, por derradeiro, que os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos, eis que somente com eles será legítima e possível a globalização política.

A fim de se complementar o estudo desta questão, é importante a formalização de uma análise objetiva do contexto dos direitos humanos, como fonte dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos.

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Sobre a autora
Mabel Cristiane Moraes

Servidora Pública do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Mabel Cristiane. A proteção dos direitos humanos e sua interação diante do princípio da dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4607. Acesso em: 19 abr. 2024.

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