Homicídios dos agentes da segurança pública no Brasil.

O doloroso hábito do morreu mais um policial

Leia nesta página:

A polícia é a espada que defende a sociedade civilizada. É a instituição garantidora mais essencial da República, pois a experiência mostra que, sem ela nas ruas, a Constituição Federal é imediatamente revogada pela Lei da Selva.

Resumo

A polícia é a espada que defende a sociedade civilizada. É a instituição garantidora mais essencial da República, pois a experiência mostra que, sem ela nas ruas, a Constituição Federal é imediatamente revogada pela Lei da Selva. Não há educação sem segurança pública, não há saúde sem segurança pública e não há cidadania sem segurança pública. Sem a força coercitiva da polícia, o Estado deixa de ser Estado, e mesmo as mais altas autoridades passam a ser presas fáceis dos lobos sociais. (BEZERRA)

Palavras-chave

Polícia. Espada. República. Constituição Federal. Estado.

1. Introdução

O hábito de algo nos faz crer que esse algo é normal. Ao completar no último dia 30 de janeiro 30 anos dedicados à Polícia Militar do Estado de São Paulo, lembro-me do juramento que fiz e que todo policial militar faz em suas formaturas, e em todos os dias de sua vida profissional e pessoal, já que com o tempo, percebemos que somos um só.

Acreditem não há diferença na morte de um policial de serviço ou de folga. Policial morre porque é policial, a forja com que um policial é feito induz a ser agente de segurança 24 horas do dia, é o anônimo das ruas. Não é super-herói, é um ser humano que entre muitos outros resolveu ser diferente.

2. A morte de mais um policial militar.

“Incorporando-me à Polícia Militar do Estado de São Paulo, prometo cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinado, respeitar os superiores hierárquicos, e tratar com atenção os irmãos de armas, e com bondade os subordinados; dedicar-me integralmente ao serviço da pátria, cuja honra, integridade, e instituições, defenderei, com o sacrifício da própria vida.” (PMESP)

Não saberemos se o Soldado PM Dalci Cipriano de Oliveira Junior vítima na data de ontem, 24/01, de latrocínio tenha pensado no juramento. Não saberemos, mas o que importa? A notícia na página oficial da PMESP já demonstra que o Cipriano morreu por ser policial e repudia o hábito: Mais um Policial Militar é assassinado! (PMESP, 2016)

O periódico Diário de São Paulo (Diário de São Paulo, 2016), trouxe entre a notícia, os dados estatísticos dos primeiros 24 (vinte e quatro) dias de 2016: “Três policiais militares foram assassinados em quatro dias”. Estima-se que só em 2016, nesses incompletos 25 dias, já beiram os 30 agentes de segurança, a maioria policiais militares seguidos pelos policiais civis.

Como morte de policial é hábito, com raras exceções (Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP), os institutos oficiais não se importam muito em contabilizar esses números, por isso é difícil se saber ao certo quantos agentes de segurança são literalmente assassinados, em 2012 foi estimado que a cada 32 (trinta e duas) horas morria um policial (FOLHA POLÍTICA INDEPENDENTE. ORG, 2014).

Na literalidade da matemática perversa tem-se quase 1 policial morto por dia no Brasil. Vale frisar que os dados, como todos da área de Segurança Pública no Brasil, podem estar subnotificados o que sugere que a tragédia pode ser ainda maior. (SILVEIRA, 2015 p. 24)

O FBSP, em seu anuário 2015, contabilizou em 2014, 398 Policiais Militares mortos em confronto ou por lesão não natural fora de serviço, dez a menos que em 2013 que foram 408. Em escala menor, simplesmente por ter um efetivo menor, seguem 65 policiais civis mortos em 2013 (de serviço e de folga) contra 46 em 2014. (FBSP, 2015). Temos, portanto, entre os maiores contingentes policiais existentes no Brasil (Polícia Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militares – artigo 144 da CF/88), 463 policiais militares e civis mortos em 2013 contra 454 mortos em 2014, em comentário sobre a tragédia que é ser policial no Brasil a pesquisadora Samira do FBSP discorre:

Segundo Samira Bueno, há uma cultura no Brasil de investigar as mortes provocadas pela polícia, mas são poucos conhecidos os casos de “vitimização sofrida pelo policial”. E acrescentou: “Eles estão aí para nos proteger, mas também precisam de segurança”. (BUENO, 2015)

Nada a comemorar por certo, já que em 2015, só na Polícia Militar do Estado de São Paulo, esse número chegou a 64 policiais militares mortos. O número de vítimas é ainda maior quando analisados apenas os policiais militares: 77,5%. O percentual de todos os profissionais de segurança ouvidos que perderam um colega durante o expediente de trabalho é 61,9%. (BUENO, 2015)

Embora não estejam de fato no art. 144 da CF/88, os guardas municipais e agentes penitenciários também já fazem parte da triste rotina e do perverso hábito, cita-se como triste exemplo: a morte do agente penitenciário Ferreira, assassinado com 4 tiros, em Santa Isabel - PA, 16/01/2016 (Amazônia, 2016) e o guarda civil metropolitano de São Bernardo do Campo – SP, Amadeu, baleado na favela do Heliópolis na mesma data. (Diário do Grande ABC, 18)

Essa dolorosa comprovação estatística foi ressaltada pelo professor Rafael Alcadipani (FBSP, 2015 pp. 24-25):

Se você perguntar a qualquer policial quantos policiais próximos ou relativamente próximos a ele foram executados, você ficará surpreso com a resposta. De acordo com uma pesquisa recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Núcleo de Estudos sobre Organizações e Pessoas, da FGV – EAESP, 61,9% dos policiais que responderam à esta questão disseram que tiveram algum colega próximo vítima de homicídio em serviço. Já fora de serviço, 70% dos policiais disseram que já haviam tido algum colega próximo vítima de homicídio.

2.1. A evolução legislativa.

Sobre críticas, como é comum no Brasil, em julho de 2015 foi sancionada a LEI Nº 13.142, DE 6 DE JULHO DE 2015. Legislação que alterou o Código Penal e a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), aumentando em resumo a pena para aqueles que praticarem crimes de homicídio e lesão corporal contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal.

As críticas a novel legislação são várias, todas no sentido de que ninguém no Brasil deve ter um tratamento diferenciado em relação ao outro. Isonomia em seu puro cerne. A crítica que nós faríamos e fazemos, não está na diferença entre as pessoas, mas sim pelo fato do voraz legislador encontrar na criação de uma lei, sobretudo uma lei penal, remédio e solução para todas as mazelas sociais, esquecendo-se de políticas públicas adequadas, sobre o tema:

Política pública no campo da segurança sempre surge na emergência, mas há necessidade de se desenvolver políticas públicas concretas, contemplando, prevenção e enfrentamento do crime, não se pode manter o atual sistema de Segurança Pública existente no Brasil, sob o ponto de vista apenas de lei e ordem, com o discurso de endurecimento da lei de um lado ou da prestação de suporte social e educacional ao criminoso do outro. (ARAÚJO, 2015)

Nessa esteira valemo-nos novamente do professor Rafael Alcadipani (FBSP, 2015 p. 25):

O ponto central, porém, é o desenvolvimento de políticas que combatam os fatores que causam o morticínio dos policiais. Isso passa por uma readequação de remuneração para se evitar o “bico”. Passa ainda pela aquisição de equipamentos que sejam condizentes com as necessidades dos policiais - abundam histórias de armas compradas pelo Estado que falham com insistente frequência. As horas de treinamento efetivo também precisavam ser revistas. E, sem dúvida, passa pela discussão que tem sido defendida pelo FBSP de se discutir os padrões de atuação e controle da atividade policial, de modo a garantir condições de trabalho e evitar injustiças.

O que precisamos são políticas públicas de segurança pública perenes, em que a impunidade não caminhe junto com a impunidade. Sobre a questão já tivemos a oportunidade de escrever com o tema Política de segurança pública na sociedade brasileira sob a ótica das Políticas Públicas.

3. O que fazer?

O cenário atual sem dúvidas não nos parece consolador, restando-nos a esperança de melhoras, como que um milagre, já que as mazelas políticas estampam as notícias todos os dias, por dependermos numa democracia da política, parece que “dias piores ainda virão!”.

A sociedade é descrente com o Estado e de tudo que o ente possa oferecer, Educação, Saúde e Segurança. Policial é tido como inimigo da sociedade, essa só clama pelo mesmo quando precisa. Mas se não for atendida de pronto e bem, logo a classe é toda desacreditada.

Aos quatros cantos se discutem a violência policial, todos tem uma solução para tal, como se policial fosse fabricado com o que há de melhor. Ao contrário, policial é forjado com o que há na sociedade.

Por isso que policial procura andar acuado, com medo de sofrer violências e retaliações. Pois não é fácil ser policial no Brasil, seja por que para o bandido matar policial lhe é sinônimo de status, seja porque a sociedade entende que somos herança do período de exceção.

Em esteira dessa assertiva valemo-nos ainda do anuário do FBSP:

A pesquisa revela também que o receio de sofrer violência e retaliações tem influência na rotina e nos hábitos dos agentes. Quase metade (44,3%) esconde a farda ou o distintivo no trajeto entre a casa e trabalho e 35,2% escondem de conhecidos o fato de que são profissionais de segurança pública. Além disso, 61,8% evitam usar transporte público. “Eles precisam esconder sua profissão por causa dos riscos que correm, quando na verdade deveriam mostrá-la com orgulho", disse Samira (BUENO, 2015)

Por certo é difícil a carreira, ninguém um dia disse que seria fácil. Mas precisamos resgatar o sentimento de pertencimento da sociedade, para que a sociedade se importe com o seu Estado, e que lembre, que em lugar nenhum do mundo se há sociedade organizada sem polícia, é importante lembrar Thomas Hobbes: “Os pactos sem a espada são apenas palavras e não têm força para defender ninguém.”

Como destacado no introito desse ensaio, A polícia é a espada que defende a sociedade civilizada. É a instituição garantidora mais essencial da República, pois a experiência mostra que, sem ela nas ruas, a Constituição Federal é imediatamente revogada pela Lei da Selva. [...]”

É preciso que os que pensam a organização da sociedade moderna não tenham a morte do policial como um hábito ou como mais um. É preciso que compreendam que a morte de um policial (agentes da segurança), representa a morte do Estado, a falência da Democracia.

Que infrator da lei, não pode ser alcunhado de cidadão infrator. Cidadão somos todos nós que pregamos e fazemos o bem. Aquele que optou pelo caminho do crime, é marginal, está à margem da sociedade.

Não se pode aceitar a cultura do “bandido bom é bandido morto”, longe disso, mas é importante não se odiar a polícia, polícia tem por lei o dever e o direito de usar a força, fato enfatizado pelas pesquisadoras Luciana Guimarães e Carolina Ricardo, ambas do Instituto “Sou da Paz”: “Polícia só é polícia porque é autorizada legitimamente a usar a força. Gostemos ou não, é preciso reconhecer essa autorização e discutir se e como nossa polícia está preparada para usar a força corretamente”.(GUIMARÃES, et al., 2013).

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3. Conclusão

Com os números apresentados e que ousamos afirmar que superam os países civilizados, por certo a morte ronda a vida cotidiana dos policiais no Brasil. Melhores salários, melhores condições de trabalho, melhores equipamentos, entre outras soluções, não devem ser descartadas.

Mas por certo é importante que o assunto seja discutido sem paixões, sem ódio, e que nossa sociedade faça a pergunta e cobre respostas: Qual o motivo de tantos policiais serem mortos no Brasil?

Resumen:

La policía es la espada que defiende la sociedad civilizada. Es el garante más esencial de la institución de la República, porque la experiencia demuestra que, sin ella en las calles, la Constitución Federal se revoca inmediatamente por la ley de la selva. Hay no hay educación de seguridad pública, no hay salud sin seguridad pública y no hay ciudadanía sin seguridad pública. Sin la fuerza coactiva de la policía, el estado deja de ser un estado, y las más altas autoridades se convierten en presa fácil de lobos. (BEZERRA)

Palabras clave: policía. Espada. República. La Constitución Federal. Estado.

Referências

Amazônia. 2016. [Online] 18 de janeiro de 2016. [Citado em: 25 de janeiro de 2016.] http://www.ormnews.com.br/noticia/agente-assassinado-a-tiros.

ARAÚJO, TEMISTOCLES TELMO FERREIRA. 2015. Jus Brasil. Política de segurança pública na sociedade brasileira sob a ótica das Políticas Públicas. [Online] Jus BRasil, setembro de 2015. [Citado em: 25 de janeiro de 2016.] http://temistoclestelmo.jusbrasil.com.br/artigos/189550129/politica-de-seguranca-publica-na-sociedade-brasileira-sob-a-otica-das-politicas-publicas.

BEZERRA, FILIPE. Ordem das Polícias do Brasil. OPB. [Online] OPB. [Citado em: 25 de janeiro de 2016.] http://www.opbrasil.org.br/index.php/10-noticias/40-carta-aberta-ao-ministerio-publico.

BUENO, SAMIRA. 2015. Sete entre dez profissionais de segurança têm colegas mortos. Portal Terra. [Online] Portal Terra, 30 de julho de 2015. [Citado em: 25 de janeiro de 2016.] http://noticias.terra.com.br/brasil/sete-entre-dez-profissionais-de-seguranca-tem-colegas-assassinados,193a2c96981e315c64d4b883f93798c5dcb9RCRD.html.

Diário de São Paulo. 2016. Diário SP. Diário SP. [Online] 25 de janeiro de 2016. [Citado em: 25 de janeiro de 2016.] http://diariosp.com.br/noticia/detalhe/89644/pm-e-morto-por-dupla-de-ladroes-em-santo-andre.

Diário do Grande ABC. 18. DGABC. DGABC. [Online] 2016 de janeiro de 18. [Citado em: 25 de janeiro de 2016.] http://www.dgabc.com.br/Noticia/1711606/gcm-de-sao-bernardo-e-morto-a-tiros-no-sacoma-na-capital.

FBSP. 2015. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. FBSP. [Online] FBSP, 2015. [Citado em: 25 de janeiro de 2016.] http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2015.retificado_.pdf. 1983-7364 ano 9 2015.

FOLHA POLÍTICA INDEPENDENTE. ORG. 2014. FOLHA POLÍTICA INDEPENDENTE. ORG. FOLHA POLÍTICA INDEPENDENTE. ORG. [Online] FOLHA POLÍTICA INDEPENDENTE. ORG, 24 de junho de 2014. [Citado em: 25 de janeiro de 2016.] http://www.folhapolitica.org/2014/06/brasil-tem-um-policial-morto-cada-32.html.

GUIMARÃES, LUCIANA e RICARDO, CAROLINA. 2013. Instituto Sou da Paz. A morte de Douglas Martins e a questão de uso da força. [Online] 05 de novembro de 2013. [Citado em: 06 de abril de 2014.] http://app.soudapaz.org/c/?13284.103.323578.0.1.20474.9.1209203.0. 10.2136.0.138131.0.1.8b0cf.

ONU-UNODC. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. UNODOC. [Online] ONU. [Citado em: 10 de agosto de 2014.] http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/unodc/.

PMESP. 2016. PMESP. PMESP. [Online] PMESP, 24 de janeiro de 2016. [Citado em: 25 de janeiro de 2016.] http://www.policiamilitar.sp.gov.br/inicial.asp?OPCAO_MENU=LINK&txtHidden=13360&flagHidden=D.

SILVEIRA, RAFAEL ALCADIPANI DA. 2015. A Morte do Policial. FBSP. [Online] FBSP, 2015. [Citado em: 25 de janeiro de 2016.] file:///D:/Documents/FBSP/anuario_2015.retificado_.pdf. ISSN 1983-7364 ano 9 2015.

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Sobre o autor
Temístocles Telmo Ferreira Araújo

Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Comandante do Policiamento de Área Metropolitana U - Área Central de São Paulo. Doutor, Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública junto ao Centro de Altos Estudos de Segurança na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Pós graduado lato senso em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público, São Paulo. Professor de Direito Processual Penal, Direito Penal e Prática Jurídica do Centro Universitário Assunção. Professor Conteudista do Portal Atualidades do Direito. Foi Professor de Procedimentos Operacionais e Legislação Especial da Academia de Polícia Militar do Barro Branco nos de 2008, 2009 e 2013. Professor de Direito Penal e Processo penal - no Curso Êxito Proordem Cursos Jurídicos (de 2004 a 2009). Professor Tutor da Pós-graduação de Direito Militar e Ciências Penais na rede de ensino Luiz Flávio Gomes - LFG (De 2007 a 2010). Professor Tutor de Prática Penal na Universidade Cruzeiro do Sul em 2009. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processo Penal, Direito Penal Militar e Processo Penal Militar, Direito Administrativo Militar e Legislação Penal Especial. Foi membro nato do Conselho Comunitário de Segurança Santo André Centro de 2007 a 2012.

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