Atualmente muito se tem debatido a respeito da Mediação Familiar Judicial e seus resultados na esfera Judicial. O aprimoramento contínuo, as seleções mais criteriosas e supervisões para aperfeiçoamento são alguns dos diversos projetos do Poder Judiciário para manter e aprimorar sua qualidade.
Mas afinal, qual é o procedimento que deve ser adotado em uma Mediação Familiar?
Primeiramente é relevante conhecer as diferentes acepções de Família. Maria Helena Diniz esclarece que a Família pode ter acepção nos seguintes sentidos:
No sentido amplíssimo o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos, como no caso do artigo 1.412 § 2º, do Código Civil, em que as necessidades da família do usuário compreendem também as das pessoas de seu serviço doméstico. A Lei nº 8.112/90, Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, no artigo 241, considera como família do funcionário, além do cônjuge e prole, quaisquer pessoas que vivam a suas expensas e constem de seu assentamento individual.
Na acepção “lata”, além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro), como a concebem os artigos 1.591 e s. do Código Civil, o Decreto–Lei nº 3.200/41 e a Lei nº 8.069/90, artigo 25, parágrafo único, acrescentado pela Lei nº 12.010/2009.
Na significação restrita é a família (CF, artigo 226,§§ 1º e 2º) o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole CC, artigos 1.567 e 1.716), e entidade familiar a comunidade formada pelos pais, que vivem em união estável, ou por qualquer dos pais e descendentes, como prescreve o artigo 226, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal, independentemente de existir o vinculo conjugal, que a originou.[1]
Em relação à Família, Milton Paulo de Carvalho Filho descreve que
Em um sentido mais amplo, a família pode ser definida como a comunidade dos parentes consanguíneos, civis ou por afinidade. Em sentido estrito, como a comunidade formada pelos pais ou um deles e os filhos (LOTUFO, Maria Alice Zaratin. Curso avançado de direito civil-direito de família. São Paulo, RT, v.V). Segundo a doutrina mais avançada em direito de família, a ideia de família é imortal, como a do núcleo básico ao qual nos integramos ao nascer, um ponto de referência central do indivíduo na sociedade, de solidariedade, que lhe dá segurança, transmite-lhe valores e o torna apto a perseguir um projeto para sua realização pessoal e para alcançar a felicidade (OLIVEIRA, Euclides de & HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. “Do direito de família”. In: Direito de família e o novo Código Civil. Belo Horizonte, Del Rey – IBDfam, 2001).[2]
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a Família pode ser definida como um sistema formado por um grupo de pessoas ligadas por afinidade, corresidência ou consanguinidade que integram uma estrutura de afetividade, realização e crescimento.[3] E expõe também que:
I- Um sistema precisa ser estável e, ao mesmo tempo, capaz de absorver mudanças ou se flexibilizar diante das naturais mudanças que a família será exposta;
II- Famílias como indivíduos passam por estágios de desenvolvimento;
III- A família precisa ser um sistema aberto para influências positivas e ao mesmo tempo fechado para aquelas negativas;
IV- Membros da família precisam ter sua individualidade, mas ao mesmo tempo sentir que pertencem ao sistema;
V- A comunicação mantém o sistema por consistir na retroalimentação (feedback) que fornece a troca de informações necessária para a estabilidade deste sistema;
VI- Um sistema familiar é composto por subsistemas com papéis que logicamente se complementam.[4]
Evidencia-se que nem todas as famílias são iguais. Existem diversos tipos de entidades familiares, ou seja, as configurações familiares são múltiplas, bem como seus papeis na sociedade.
No tocante aos Princípios aplicáveis ao Direito de Família, pode-se dizer que os principais são: Princípio de Proteção da Dignidade da Pessoa Humana, Princípio da Solidariedade Familiar, Princípio da Igualdade entre filhos, Princípio da Igualdade entre cônjuges e companheiros, Princípio da Consagração do Poder Familiar, Princípio da Não Intervenção ou da Liberdade, Princípio do Melhor Interesse da Criança, Princípio da Afetividade, Princípio da Função Social da Família, Princípio da “Ratio” do Matrimônio e da União Estável e o Princípio do Pluralismo Familiar.
O Conselho Nacional de Justiça[5] instrui que a Mediação de Família pode ser definida como um processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por um terceiro neutro ao conflito, ou um painel de pessoas, sem interesse na causa, para auxiliá-las a chegar a uma composição dentro de conflitos característicos de dinâmicas familiares e, assim estabilizarem, de forma mais eficiente, um sistema familiar.
Na sua essência a mediação de família consiste em uma negociação assistida ou facilitada por um ou mais colaboradores em que se desenvolve um processo composto por vários atos procedimentais, pelos quais o(s) terceiro(s) imparcial(ais) facilita(am) a negociação entre membros de uma família em conflito, habilitando-as a melhor entenderem suas posições e encontrar soluções que se compatibilizem com seus interesses e necessidades.[6]
Ressalta-se que a Mediação deve ser orientada pelos princípios elencados no artigo 2º da Lei 13.140 de 2015 – Lei da Mediação, bem como pelo artigo 166 do Novo Código de Processo Civil – NCPC e pela Resolução 125/10 do Conselho Nacional de Justiça.
A Mediação Familiar pode ser aplicada em diversas circunstancias, tendo como exemplo, Ações de Divórcio, Separação, Guarda, Regulamentação de Convivência, Alienação Parental, Alimentos, Partilha de Bens, entre outros.
Os agentes da Mediação são as partes, representantes legais, mediador, comediador e o juiz, e pode ser buscada por livre iniciativa dos interessados ou ser estabelecida pelo juiz, bem como ser prévia (pré-processual), ou incidental.
A mediação judicial é aquela realizada por mediadores pertencentes aos quadros dos respectivos Tribunais de Justiça, conforme determinação da Resolução nº 125/2010. Os mediadores judiciais exercem funções de auxiliares da justiça, e, como tais, estão sujeito aos impedimentos previstos pelo Código de Processo Civil, nos art.134 e 135. A mediação extrajudicial, independente e autônoma, é fruto de iniciativa privada, e foi a primeira das modalidades a se colocar em auxilio daqueles que, tendo divergência, gostariam de solucioná-las. Ela é realizada em ambientes profissionais privados, com autonomia, dentro de normas em constante construção, da moral e da ética, e tem sido importante parceira do Poder Judiciário realizando mediações que, quando bem-sucedidas, chegam a acordos consistentes, e são encaminhadas ao Judiciário apenas para homologação dos mesmos. Tanto a mediação judicial quando a extrajudicial pode desdobrar-se em mediação prévia e mediação incidental. Ambas caracterizam-se pela temporalidade em relação ao processo judicial. A mediação prévia é a que se instala antes da propositura da ação, enquanto que a incidental se refere à que se instala em qualquer momento do curso processual, cada qual no respectivo setor do Centro a que pertence.[7]
Referente a este tema, Maria Helena Diniz leciona que
A mediação, com a intervenção de terceiro neutro (mediador), procura a conciliação das partes com interesses opostos, promovendo um acordo. Daí o papel do mediador, profissional qualificado que busca o diálogo entre os envolvidos, para que eles, após uma reflexão, venham a firmar acordos que atendam às necessidades de todos e conduzam à corresponsabilidade parental, levando o filho menor a ter um igual relacionamento com ambos os pais, que deverão exercer igualmente o poder parental; com isso consagrado estará o direito da criança e do adolescente conservar o convívio com seus dois genitores, que assegurarão em conjunto a sua educação, apesar de não mais serem um casal conjugal, pois passarão a ser um casal parental, com responsabilidade por seus papéis de pai e mãe. A mediação favorece o diálogo, por clarificar o que pertence a cada um dos envolvidos na situação conflituosa, levando-os a falar e a ouvir para que haja responsabilização da decisão tomada e da opção da alternativa solucionadora do impasse, possibilitando uma convivência paterno-materno filial, numa nova relação interpessoal de respeito e amizade, baseada na compreensão cooperação e tolerância. Cezar Peluso a esse respeito escreveu: “A mediação é uma técnica, cuja substância está na capacidade de ouvir, entender e libertar as pessoas, cativas por uma racionalidade cega, no seu encontro com o ‘outro. [8]
O artigo 24 da Lei da Mediação menciona que os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, pré-processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. Tal assunto é ratificado pelo artigo 165 do NCPC.
Em seu parágrafo § 1º é informado que a composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.
Enquanto o parágrafo 3º do referido artigo, pontifica que o Mediador, atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprio, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. E será designado pelo tribunal ou escolhido pelas partes conforme o artigo 4º da referida Lei da Mediação.
No que diz respeito à audiência de Conciliação ou de Mediação é importante destacar alguns pontos, quais sejam:
Artigo 334 do NCPC Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
Acerca da quantidade de sessões destinadas à mediação, o §2º do artigo 334 do NCPC informa que poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 02 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes.
Abordando o mesmo tema, o artigo 28 da Lei da Mediação corrobora que o procedimento de mediação judicial deverá ser concluído em até sessenta dias, contados da primeira sessão, salvo quando as partes, de comum acordo, requererem sua prorrogação.
Enquanto o §4º do artigo 334 do NCPC esclarece que a audiência não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual ou quando não se admitir a autocomposição.
É importante mencionar que iniciada a mediação, as reuniões posteriores com a presença das partes somente poderão ser marcadas com a sua anuência, tendo como fundamento o artigo 18 da Lei da Mediação.
As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos com fundamento do artigo 26 da Lei da Mediação e o § 9º do artigo 334 do NCPC. E enquanto transcorrer o procedimento de mediação, ficará suspenso o prazo prescricional.
No que concerne ao Procedimento de uma Mediação Familiar Judicial existem diversos pontos a serem abordados.
Primeiramente o mediador deverá organizar e preparar o ambiente para a sessão, posto que o local da sessão é essencial para criar confiança e harmonia.
A organização do espaço é essencial para possibilitar um lócus de confiança e tranquilidade. Em relação à disposição da sala, é importante: a) se possível, acomoda as pessoas para que não estejam em lados opostos da mesa; b) certificar-se de que as cadeiras sejam de igual tamanho e altura; c) sentar-se (e favorecer que as partes também o façam) de maneira informal; d) um aparador pode ser útil para acomodar material; e) montar uma "cozinha", deixando à disposição água, café ou chá. Em mediação em que os procuradores das partes estejam presentes, é interessante posicioná-los nas costas de seus clientes para evitar a comunicação não verbal e qualquer entrave na comunicação. Tal conduta evita que, ao mediando trazer algum sentimento e visualizar em seu advogado uma expressão facial negativa, não se sinta melindrado de continuar a fala. Por óbvio que os mediadores, havendo interesse, devem assegurar que o advogado converse em particular com o mediando, do lado de fora da sala, mas o representante legal jamais poder interferir na comunicação.[9]
Após as partes estarem confortáveis e acomodadas o Mediador se apresentará às partes, realizará a Declaração de abertura ou a também chamada Pré-Mediação, na qual explicará todo o Procedimento e Regras que serão seguidas na Sessão.
O Mediador deve descrever a Mediação Judicial, seu papel como mediador, de forma a ressaltar que o poder de decisão pertence às partes (empoderamento). Explica também que se trata de um processo voluntário e informal, e narra os Princípios e condutas que devem ser seguidos, tais como imparcialidade, neutralidade, confidencialidade e suas exceções, bem como expõe as diretrizes comportamentais (respeito recíproco, linguagem não agressiva, empatia, não interrupções e a oportunidade de trabalharem conjuntamente para tentar alcançar uma solução). Informa sobre a logística, a duração da sessão, e sobre a possibilidade de serem realizadas as Reuniões individuais (privadas), também chamadas de Caucus, da mesma maneira que explana sobre a possibilidade de futuras sessões.
O Mediador deve apresentar os observadores da sessão (que possuem permissão para assistir em decorrência de suas funções e da prevalência do interesse público), do mesmo modo que deve explicar o papel dos peritos e a importância da presença dos advogados, que possuem a função de esclarecer dúvidas, dar segurança jurídica às partes, assim como vislumbrar, desenvolver e propiciar as propostas de acordo.
Após esclarecer todas as dúvidas e confirmar o interesse e disposição das partes em participar da Sessão seguindo estes procedimentos e elucidar que o desatendimento destes poderá acarretar no encerramento da Mediação, é dada a palavra às partes, de forma que seja possível o trabalho em conjunto em busca de uma solução mutuamente aceitável.
O próximo passo é a reunião de informações e nesta é possível ouvir o relato dos fatos das partes que possuem a oportunidade de apresentarem seus sentimentos e interesses.
Em seguida, é feita a identificação de questões, interesses e sentimentos, e após esta fase o mediador deve registrar quais são as questões controvertidas, os interesses reais das partes e quais sentimentos eventualmente devem ser debatidos para que a Mediação chegue a um bom termo, mesmo que não haja acordo,[10] lembrando que pode ser feita em sessões individuais.
Ulteriormente, as questões, reais interesses e sentimentos são enquadradas e organizadas, bem como há a estabilização emocional das partes de forma a alcançar os resultados almejados.
É relevante destacar que para que haja a identificação de questões, interesses, sentimentos e questões controvertidas de forma mais eficiente e positiva, são aplicadas diversas técnicas e ferramentas em uma Mediação Familiar. As principais delas são rapport, escuta empática, audição de propostas implícitas, resumo, parafraseamento, reformulação, recontextualização, inversão ou troca de papéis, reconhecimento de esforços positivos (enfoque prospectivo), gerações de opções, brainstorming, afago, silêncio, normalização, encorajamento, validações de sentimentos, perguntas, caucus (sessões individuais), teste de realidade, comediação e a utilização dos sistemas representacionais.
Posteriormente haverá o registro das soluções encontradas, ou seja, a construção e a escrita do acordo. Conforme o artigo 20 da Lei da Mediação o procedimento de mediação será encerrado com a lavratura do seu termo final, quando for celebrado acordo ou quando não se justificarem novos esforços para a obtenção de consenso, seja por declaração do mediador nesse sentido ou por manifestação de qualquer das partes. É importante mencionar também que em seu parágrafo único é dito que o termo final de mediação, na hipótese de celebração de acordo, constitui título executivo extrajudicial e, quando homologado judicialmente, título executivo judicial.
Portanto, seguindo o entendimento do Conselho Nacional de Justiça[11] é importante distinguir a Lide Processual da Lide Sociológica. A primeira refere-se à descrição do conflito conforme a Petição Inicial e a Contestação apresentadas em juízo, e em muitas situações, nesta não há a satisfação dos verdadeiros interesses do jurisdicionado se forem apenas analisados seus limites. A segunda conduz a pacificação social, ou seja, resolver a Lide Processual não é suficiente, caso os verdadeiros interesses dos jurisdicionados que os motivaram a litigar não forem identificados e resolvidos.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL, CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 5ª Edição (Brasília/DF: CNJ), 2015.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, São Paulo: Saraiva, v.5. 28° ed. 2013.
FILHO, Milton Paulo de Carvalho. et al., Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência,. São Paulo, Manole, 8ª ed. rev. 2014.
ROSA, Conrado Paulino da, Desatando nós e criando laços: os novos desafios da mediação familiar, Belo Horizonte: Del Rey, 2012.
TOLEDO, Armando Sérgio Prado de, TOSTA, Jorge, ALVES, José Carlos Ferreira, (Org.) Estudos Avançados de Mediação e Arbitragem, Rio de Janeiro, Elsevier, 1ª ed. 2014.