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Trabalho escravo no Brasil

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3. AÇÕES PARA A ERRADICAÇÃO DE TODOS OS MEIOS DE TRABALHO ESCRAVO

A necessidade de facilitar o seu trabalho sempre esteve presente no universo do homem, incentivando-o a criar instrumentos e aperfeiçoar seu modo de trabalhar, porém, ao mudar o sistema rudimentar de trabalho, sem pensar nas consequências que isso traria deu lugar à propriedade privada, tanto no meio de produzir quando nos meios de trabalho: os escravos.

N as palavras de Michel (2000, p. 236), a palavra trabalho derivou do termo latino tripalium, “que designava um instrumento de tortura (na sociedade greco-romana, de cunho escravagista, a minoria rica e intelectualizada não trabalhava e vivia apenas para o desenvolvimento pessoal, então trabalhar era uma “tortura”). A ociosidade daquela civilização era associada a concepção de cidadão livre, de homem completo, como aquele que ocupava o tempo consigo mesmo e com suas atividades físicas, artísticas a intelectuais. Somente o escravo que não era considerado como ser humano (era apenas uma coisa) trabalhava.

R essalta Susseking et. al (1984, p.193) que o homem sempre trabalhou; primeiro para a obtenção de seus alimentos, já que não tinha outras necessidades, em face do primitivismo de sua vida. Depois, quando começou a sentir o imperativo de se defender dos animais ferozes e de outros homens, iniciou-se então na fabricação de armas e instrumentos de defesa. Nos combates que travava contra seus semelhantes, pertencente a outras tribos e grupos, terminada a disputa, acabava de matar os adversários que tinham ficado feridos, ou para devorá-los ou para se libertar dos incômodos que ainda podiam provocar. Assim, compenetrou-se de que em vez de liquidar os prisioneiros, era mais útil escravizá-los para gozar de seu trabalho.

N as palavras de Figueira (2004, p.237) percebe-se que quando se fala em trabalho escravo é comum muitos pensarem em um trabalho especificamente de negros, muito utilizado em nossa colonização, mas esse tipo de relação deve ser afastada porque na atualidade há exploração de várias etnias, raças, sexos.

O autor (op. cit) afirma “ainda que esse tipo de exploração seja antiga e vem sendo camuflada de acordo com o tipo de elementos que compõe a relação de trabalho efetuado. Um bom exemplo disso foi constatado em muitos países do mundo, logo após a Segunda Guerra Mundial, principalmente na aferição das transformações sócia econômicas ocorrida na época, caracterizada pela mudança no mercado de trabalho e nas relações comerciais”.

G ilissen (2001, p.132) registra “que a apropriação do solo leva a desigualdades sociais e econômicas e estas desigualdades econômicas levam a diferenças mais ou menos consideráveis de produção de um clã para outro, duma família para outra”. Segue-se o aparecimento de ricos e pobres e, por consequências, de classes sociais. E, estas classes vão diferenciar fortemente à medida que os ricos se tornam mais ricos e os pobres mais pobres; porque muito frequentemente o pobre, obrigado a procurar meios de sobrevivência, deverá pedir emprestado ao rico e por os seus bens e a sua pessoa em penhor, o que terá consequências graves no caso de não execução do contrato. Assim, aparecem classes sociais cada vez mais distintas e uma hierarquização da sociedade, hierarquização que vai se complicando à medida que aparecem novas classes entre a dos livres e a dos não livres. Chegam-se assim a uma sociedade fortemente estruturada, geralmente do tipo feudal, piramidal, tendo à sua cabeça um chefe, abaixo do chefe os vassalos, depois os vassalos dos vassalos e assim seguidamente, finalmente os servos e os escravos.

A lves (2004, p.232) também destaca que “na idade antiga, com o advento da escravidão, passou a ser corriqueiro e ate mesmo normal o homem, desprovido de riqueza, ser considerado ou ser colocado em condições de escravidão, consequentemente retirada a sua cidadania”. Afirma ainda, que as guerras, expansão de povos dominadores e a necessidade de conquistas faziam com que o trabalho fosse identificado como algo penoso, árduo. A mão de obra, se não escrava, pessimamente remunerada, mesmo porque se a própria definição de trabalho advém da concepção de tortura e equipamento de tortura, o que representava bem essa ideia de castigo ou pena. Os homens que detinham o poder e dominavam outros homens tinham como pensamento que o trabalho era coisa a ser realizada pelos escravos.

R elata Sussekind et. al (1984, p.223) que àquele tempo, “a escravidão era considerada coisa justa e necessária, tendo Aristóteles, complementando a informação anterior, afirmado que, para conseguir cultura, era necessário ser rico e ocioso e que isso não seria possível sem a escravidão. A existência da escravidão nos tempos medievais era marcada pelo grande número de prisioneiros, especialmente entre os bárbaros e infiéis, efetuada pelos senhores feudais, que mandava vendê-los como escravos nos mercados de onde seguiriam para o Oriente Próximo. Sob vários pretextos e títulos, a escravidão dos povos mais fracos prosseguiu por vários séculos; em 1452 o Papa Nicolau autorizava o rei de Portugal a combater e reduzir à escravidão todos os muçulmanos, e em 1488 o rei Fernando, o Católico, oferecia dez escravos ao Papa Inocêncio VIII, que os distribuía entre cardeais. Mesmo com a queda da Constantinopla em 1453, a escravidão continuou e tomou incremento com o descobrimento da América. Os espanhóis escravizavam os indígenas das terras descobertas e os portugueses não só aqueles, como também faziam incursões na costa africana, conquistando escravos para trazer para as terras do Novo Continente.

N o Brasil os portugueses, desde o descobrimento, introduziram o regime da escravidão: primeiro dos indígenas. Mota (1997, p.342) afirma que “nas colônias instaurou-se um modelo de produção diferente”. Os primeiros colonos já dependiam dos índios para sobreviver. Eram eles que conheciam as plantas comestíveis, que sabiam pescar e preparar alimentos e todo colono que aqui chegava tratava de obter nativos que o servissem. A Coroa portuguesa oficializou a situação autorizando a escravidão indígena em 1534. Em 1549, chegou ao Brasil o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, cuja missão era tornar rentável a Colônia, deslocando o foco das atividades econômicas para a extração da madeira (pau-brasil) e o cultivo da cana para a produção de açúcar. No entanto, no momento do cultivo, era difícil contar com a mão de obra indígena. De acordo com a cultura deles, plantar e colher eram atividades femininas. Além disso, a agricultura não era atividade desenvolvida entre os indígenas, que não se adaptavam a ela com facilidade.

B osi (1992, p.194) ressalta que:

D urante o regime ditatorial no Brasil, houve grandes indícios de trabalho escravo, denunciados pela Comissão Pastoral da Terra, entretanto, isso se perdeu no vazio porque o governo instituído na época não aceitava críticas, baseava-se, apenas, no seu intuito que era o crescimento da nação de qualquer jeito e de qualquer forma sem respeitar limites e muito menos os seres humanos envolvidos em tal situação degradante. A ocupação do norte e do centro-oeste, incentivado por recursos federais, agravou ainda mais tal situação porque não havia fiscalização e a intenção primordial dos militares era o desenvolvimento econômico sem planejamento, sem respeito aos princípios básicos da dignidade da pessoa humana, ocasionando o latifúndio, as grilagens das terras, enfim, as desigualdades sociais.

A pós muita pressão interna e externa, o nosso país reconheceu em 1995 que havia e ainda há trabalho escravo em nosso imenso território, a partir desse momento, começou a ser tratado esse fato como um mal não erradicado pela famosa Lei Áurea (apud. FURTADO, 1977, p. 134), então, iniciou-se um trabalho de aperfeiçoamento das nossas instituições em prol dos trabalhadores encontrados sobre essa forma de exploração, buscando, desde já, uma melhor visualização desse problema através de uma conceituação que procurasse melhor se adequar ao fato social em análise.

O autor (op. cit) ressalta ainda que desde então surgiram várias expressões para descrever tal exploração: escravidão nova, atual, contemporânea, moderna, branca, escravidão amazônica, boliviana, trabalho forçado, trabalho análogo ao de escravo, servidão.

É necessário informar que o desrespeito às leis trabalhistas não é suficiente para a caracterização da utilização de mão de obra escrava, pode ser apontada apenas como uma irregular relação de trabalho que deve ser fiscalizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Cabe ressaltar os conceitos das expressões usadas para as várias explorações, segundo Beninca (2006, p.340):

a) Escravidão amazônica é um termo utilizado para caracterizar a exploração de trabalhadores na região da floresta e de fronteira, homens são contratados para a derrubada e desmatamento da mata, preparo do pasto e contrabando de madeiras protegidas;

b) Escravidão boliviana é um termo usado para a exploração de trabalhadores de origem boliviana que vêm ao Brasil para trabalharem em grandes centros, áreas metropolitanas em tecelagens, submetendo-se a jornadas exaustivas de cerca de 16 horas diárias de trabalho, recebendo cinquenta centavos por peças produzidas, é também chamada de senzala boliviana.

Sabe-se ainda hoje da permanência de trabalho escravo, ou análogo ao da escravidão, principalmente, mas não somente, em regiões afastadas dos grandes centros urbanos. A convenção 105 da OIT e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tratam do assunto, estabelecendo medidas de combate ao trabalho forçado e em condições subumanas, evidenciando a dolorosa realidade da manutenção da exploração do homem pelo homem.

O Brasil, como é sabido, foi um dos últimos países a abolir dogmaticamente a escravidão. A nenhum ser humano deveria ser dado desconhecer que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em seu art. 4º, proclama solenemente: “Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos”.

No mesmo sentido vai a Declaração Americana dos Direitos Humanos, cujo art. 6º prescreve: “Ninguém pode ser submetido à escravidão ou à servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as formas. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório”.

D essa maneira, o combate a todas as formas de trabalho em condições de escravidão constitui dever do Estado e de toda a sociedade. Principalmente do Ministério Público e da Magistratura, como instituições estatais, esperam-se providências enérgicas que possibilitem o amplo acesso à Justiça dos trabalhadores em condições de escravidão, uma vez que a situação de indigência social desses trabalhadores, ocasionada pelo analfabetismo, fadiga física e psíquica, o fundado temor em virtude da tríplice coação que recebem acima referidas, dentre outros, revelam que eles não têm condições materiais ou morais de demandarem individualmente em face do tomador de seus serviços.

Segundo Hildebrando Accioly (1980 apud MARTINS, 2002, p. 37), “o direito internacional público ou direito dos agentes é o conjunto de princípios ou regras destinados a reger os direitos e deveres internacionais, tanto dos Estados ou outros organismos análogos, quanto dos indivíduos”.

Ainda segundo Martins (2002, p. 38), “o direito público internacional, objetiva a organização jurídica de solidariedade entre as nações, com vistas ao interesse público e à conservação da ordem social que deve existir na comunidade internacional”.

Arnaldo Süssekind (1991, p. 1235. apud MARTINS, 2002, p. 38) “ensina que três são os objetivos do direito internacional do trabalho:”

a) universalizar os princípios da Justiça Social e, na medida do possível, uniformizar as correspondentes normas jurídicas;

b) estudar as questões conexas das quais depende a consecução dos referidos ideais;

c) incrementar a cooperação internacional para a melhoria das condições de vida do trabalhador.

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Consequentemente, três são os objetos do direito internacional do trabalho, segundo os autores supracitados:

  • a) as relações, não só dos Estados entre si, mas, igualmente, entre eles e os organismos internacionais competentes na matéria;

  • b) a atividade normativa tendente a incorporar direitos e obrigações aos sistemas jurídicos nacionais;

  • c) programas de assistência técnica destinados a harmonizar o desenvolvimento econômico com o progresso social.

Portanto, para Süssekind (2000, p. 1460. apud NASCIMENTO, 2003, p. 35), os fundamentos do direito internacional do trabalho estão diretamente relacionados com o estabelecimento de normas criadas por um Organismo Internacional, visando à harmonização do regramento jurídico dos Estados soberanos na promoção da paz e da justiça social no mundo do trabalho.

Segundo Antônio Ferreira Cesarino Júnior (1970, p. 72. et. al apud MARTINS 2002, p. 39), “os progressos da legislação social de alguns Estados, pela repercussão de aumento sobre o custo dos produtos, punha os mais adiantados em condições de difícil concorrência com os menos adiantados, de modo que, nas competições econômicas internacionais, tais progressos poderiam redundar em prejuízo econômico dos que os tinham realizado.”

Conforme cita Amauri Mascaro Nascimento (2010, p. 31), “um dos pioneiros da proteção dos trabalhadores como uma questão internacional foi o industrial socialista Robert Owen, que, no início do século XIX, reduziu a jornada de trabalho, melhorou as condições de vida de seus trabalhadores e lhes propiciou condições de lazer e educação para seus filhos. ’’

Nas palavras de Nascimento (2000, p. 81), Robert Owen foi o primeiro a defender amplas reformas sociais e a aplicar essas ideias inovadoras na sua fábrica de tecidos. No ano 19 de 1818 administrou um manifesto em prol da classe trabalhadora aos soberanos das potências aliadas, sugerindo uma reconstrução completa da sociedade por meio da cooperação mundial.

A ideia de uma legislação internacional do trabalho também era defendida por Daniel Le Grand, segundo ressalta Nascimento (2001, p. 92) que foi precursor da missão da Organização Internacional do Trabalho. Le Grand foi um industrial francês que, entre 1840 e 1853, se dirigiu várias vezes a estadistas e funcionários públicos alemães, britânicos, franceses e suíços, com vista a um acordo internacional sobre legislação internacional do trabalho.


CONCLUSÃO

Os dados e as histórias destacados dos processos dão relevo ao cotidiano do trabalho e às representações sobre o labor de indivíduos em situação degradante. Aos estudos sobre o mundo dos trabalhadores jovens e adultos, homens ou mulheres, sindicalizados ou não, da cidade ou do campo deve-se adentrar um capítulo especial sobre a presença dos trabalhadores em situação de trabalho escravo.

Após a conclusão do presente trabalho, pode-se concluir que o mundo avançou bastante no que diz respeito a criação de leis de proteção ao trabalhador e ações para a erradicação de todos os meios de trabalho escravo. São incontáveis os jovens e adultos que trabalham em condições sub-humanas, tendo sua infância roubada, pois, trabalhar é o seu meio de sobreviver no mundo capitalista.

É óbvio que o trabalho escravo não será erradicado em um futuro próximo. Apesar dos longos anos em que vem sendo combatido, esse é um problema que está na estrutura da sociedade brasileira, portanto, deverá ser trabalhado lentamente com a união da sociedade, do Governo e pais, para que seja erradicado.

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Sobre os autores
Santana Silva

Bacharel em Direito.

Jorge Márcio de Souza Júnior

Professor na Faculdade Anhanguera de Belo Horizonte.Advogado especialista em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de conclusão de curso apresentado á disciplina de Direito do trabalho, como requisito para obtenção de título de Bacharel em Direito pela Faculdade Anhanguera de Belo Horizonte. Orientador: Prof. Jorge Márcio de Sousa Júnior

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