Lei 13.146/2015:institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência

Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência, aspectos criminais e práticos aliados à Lei 7.853/1989

15/02/2016 às 14:49

Resumo:


  • A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ou Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), trouxe avanços significativos para a proteção e inclusão das pessoas com deficiência, promovendo a igualdade de direitos e a dignidade humana.

  • Esta lei alterou dispositivos da Lei 7.853/1989, que já dispunha sobre o apoio às pessoas com deficiência e a integração social, incluindo modificações no âmbito criminal para aumentar a proteção legal.

  • O Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece diversos princípios e garantias, como a capacidade civil plena da pessoa com deficiência e a necessidade de medidas de apoio para a tomada de decisões, além de trazer novos tipos penais para punir a discriminação e o abuso contra pessoas com deficiência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Aspectos criminais e práticos do Estatuto da Pessoa com Deficiência lei 13.146/2015, concatenação com outras leis.

Sumário: 1. Introdução 2. Contexto de criação da lei  3. Faceta criminal da lei 7853/1999, alteração dada pela lei 13.146/2015  4. Análise do Estatuto da Pessoa com Deficiência – lei 13.146/2015, 4.1 Aspectos gerais  4.2 Aspectos Civis  4.3 Aspectos criminais  5. Conclusão  6. Referências bibliográficas

1. INTRODUÇÃO

     Após a entrada em vigor da lei que introduz o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a bancada civilista ficou aterrorizada, não se sabe ainda o que acontecerá daqui em diante com relação à incapacidade do deficiente face ao Código Civil, basta uma breve pesquisa e diversos artigos, principalmente neste sítio de estudos disponíveis, surgirão.

     Até aí tudo esta fluindo, mas e com relação aos aspectos criminais da nova Lei 13.146/2015, bem como, já havia em nosso ordenamento outro diploma jurídico que tratava de assuntos das pessoas deficientes, ou seja, a lei 7.853/1989 foi revogada ou alterada estando em pleno vigor?

    O que ocorre quando o Estatuto da Pessoa Deficiente entra em conflito com o Estatuto do Idoso, de outra forma, caso o deficiente seja também idoso, maior de sessenta anos, qual lei prevalecerá no caso em concreto, ou as duas prevalecerão em conjunto?

    Tentando responder de modo claro e objetivo a estas perguntas, e ao mesmo tempo dissecando outros assuntos pertinentes, o presente estudo científico que segue, certamente esclarecerá diversos pontos ainda não aventados pelos colegas doutrinadores, mas também de suma importância para os estudos.

    Porém, o que perceberemos foi que de forma elogiosa por meio de vontade legislativa, tentou-se com esse novo Estatuto de Proteção ao Deficiente, extirpar punindo certas condutas, aqueles carrascos que querem tirar vantagem a todo o momento, causando prejuízos matérias, morais, das pessoas que pelo seu estado físico precisam de maior proteção da sociedade e do Estado.

2. CONTEXTO DE CRIAÇÃO DA LEI     

      Por mais que possa parecer estranho, já existe, e em pleno vigor outro diploma legislativo que se assemelha aos assuntos tratados no estatuto em comento, trata-se da lei 7.853/1989, esta que não foi revogada pela atual lei, sendo assim, a própria lei 13.146/2015 em seu artigo 98, alterou os artigos 3º e 8º da lei 7.853/1989, atente-se a este último, isto porque, trata-se de uma figura criminal, onde precipuamente o preceito secundário foi alterado, conforme veremos adiante.

         Desta forma, faremos uma breve análise da lei 7.853/1989, no seu aspecto criminal, já que, esta dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.

       Antes de entrarmos no aspecto criminal, cabe lembrar que, ambas as leis coexistem sem nenhuma interferência interpretativa a desfavor, se a intenção do legislador é atuar como guardião do seu povo, trazendo à tona o aspecto protetivo, face aos diversos Tratados Internacionais de Direitos Humanos que o Brasil ratificou, no plano interno também há obrigação de se adequar aos princípios constitucionais, destacando-se a dignidade da pessoa humana deficiente, e principalmente o princípio da igualdade no enfoque do plano material, ou seja, igualdade na prática.

       Atendendo-se ao movimento neoconstitucionalista que vivenciamos,  deixando de lado o abstrativismo das leis, buscando a concretização e força normativa constitucional [1], vide excelente artigo do Ministro do S.T.F. Luís Roberto Barroso, não se pode chegar a outra conclusão senão de que as duas leis devem ser interpretadas em conjunto, e caso haja um conflito aparente entre elas, deve-se atender aquela que melhor proteja o deficiente.

         Portanto, de acordo com o princípio da proteção integral, trata-se de uma interpretação teleológica, de finalidades das leis, aliadas a todo um sistema sob normas vigentes, ou seja, também trazendo a baila a interpretação sistemática.

3. FACETA CRIMINAL DA LEI 7.853/1989, ALTERAÇÃO DADA PELA LEI 13.146/2015

       Esta lei possui apenas um artigo com condutas penais, todas as figuras punem aqueles que segregam a liberdade e os direitos dos portadores de deficiência, diante de sua importância, foram incluídas novas condutas criminais, houve aumento das penas no preceito secundário, elevando a pena mínima de 1 para 2 anos, e a pena máxima de 4 para 5 anos, além de, serem implantadas causas de aumento de pena e uma figura equiparada, proclamando o legislador o seguinte texto:

“Art. 8º - Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa:

I - recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência;

II - obstar inscrição em concurso público ou acesso de alguém a qualquer cargo ou emprego público, em razão de sua deficiência;

III - negar ou obstar emprego, trabalho ou promoção à pessoa em razão de sua deficiência;

IV - recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial à pessoa com deficiência;

V - deixar de cumprir, retardar ou frustrar execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta Lei;

VI - recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil pública objeto desta Lei, quando requisitados.

§ 1o  Se o crime for praticado contra pessoa com deficiência menor de 18 (dezoito) anos, a pena é agravada em 1/3 (um terço).

§ 2o  A pena pela adoção deliberada de critérios subjetivos para indeferimento de inscrição, de aprovação e de cumprimento de estágio probatório em concursos públicos não exclui a responsabilidade patrimonial pessoal do administrador público pelos danos causados.

§ 3o  Incorre nas mesmas penas quem impede ou dificulta o ingresso de pessoa com deficiência em planos privados de assistência à saúde, inclusive com cobrança de valores diferenciados.

§ 4o  Se o crime for praticado em atendimento de urgência e emergência, a pena é agravada em 1/3 (um terço)”

         Estudando as alterações, percebe-se que o legislador ao alterar a pena mínima de 1 para 2 anos, consequentemente, quis afastar o previsto na Lei 9.099/1995 - Lei do Juizados Especiais Criminais -  no seu artigo 89 [1], ou seja, com esta pena mínima, não é mais possível a suspensão condicional do processo, também conhecido como sursis processual.

         Já com relação a pena máxima de 4 para 5 anos, caso se vislumbre hipótese de prisão em flagrante delito, o Delegado de Polícia não poderá arbitrar fiança criminal em solo policial, conforme o prescrito no artigo 322, do Código de Processo Penal, além de outras benesses penais.[2]

        Na teoria do crime estas alterações de penas são tratadas com novatio legis in pejus, já que, não retroagem por piorarem as situações criminais antes previstas.

        Em continuação, os parágrafos 3º e 4º, são figuras novas que incriminam condutas específicas no delito criminal, de pleno acordo com o princípio da taxatividade e legalidade estrita.

        Na ciência penal, essas novas figuras são tratadas como princípio da novatio legis incriminadora, ou seja, nova lei incriminadora, que por piorar a situação das pessoas punindo um fato antes não incriminado, não podem retroagir, o que vem abarcar nosso comando constitucional em seu artigo 5º, inciso XL.[3]

BEM JURÍDICO PENALMENTE PROTEGIDO

          É o respeito devido à personalidade e à dignidade da pessoa deficiente. Assim, como na lei 7.716/1989 que pune o preconceito de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional, este componente axiológico – dignidade, valor – é entendido como parte que se integra à personalidade da pessoa, logicamente nos moldes do ser humano deficiente, independentemente de sua nacionalidade, basta estar sob a proteção das leis brasileiras.

          A pretensão a tal hipótese de incidência, tem por matriz o princípio da igualdade, proclamado no artigo 5º da nossa Constituição Federal. Assim, dignidade é a livre autodeterminação, é ter um fim em si, e ter autonomia estritamente exigida e concedida.

TIPOS PENAIS

       Todos os tipos penais previstos na lei possuem, como objeto jurídico, tutelar o tratamento igualitário. São crimes comuns, podendo ter como sujeito ativo ou passivo qualquer pessoa. Todos exigem o dolo como elemento subjetivo do tipo. Atentando-se para os preceitos normativos incriminadores, observa-se que o legislador se utilizou dos vocábulos como recusar, obstar, negar. Todas as condutas traduzem o sentido de impossibilitar, criar obstáculos à pretensão de alguém, neste caso tendo como motivo o fato da pessoa ser portadora de deficiência.

4. ANÁLISE DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA – LEI 13.146/2015

      4.1)   ASPECTOS GERAIS

         Referido Estatuto Protetivo Legal à Pessoa Deficiente, se propõe a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à inclusão social e a garantir o pleno exercício da cidadania.

         Atendeu-se principalmente à Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, até hoje, o único Tratado Internacional de Direitos Humanos incorporado no nosso plano jurídico com status de emenda constitucional, tendo em vista ter sido submetida à regra estabelecida no artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal [5].

        Outrossim, como já dito, vislumbra-se o princípio da proteção integral, em que pese, essa doutrina consiste em considerar os deficientes titulares de direitos, em relação à sociedade, à família e ao Estado, também submetidos a sanções caso descumpram alguma regra.

       O próprio Estatuto traz de forma expressa esse princípio, conforme se depreende da leitura do artigo 31, § 2º, no capítulo referente à moradia:

“§ 2o  A proteção integral na modalidade de residência inclusiva será prestada no âmbito do Suas à pessoa com deficiência em situação de dependência que não disponha de condições de autossustentabilidade, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos.” grifo nosso.

          De outra forma, fez-se valer também, o princípio da prioridade absoluta, conforme se afere de diversos artigos esparsos no Estatuto, como por exemplo, o artigo 9º:

“Art. 9o  A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a finalidade de:” Grifo nosso.

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          Deixando de lado os aspectos principiológicos da lei, a pergunta que se faz é a seguinte, quem é o deficiente nos termos deste Estatuto?

          Encontramos a resposta no seu artigo 2º, com os seguintes dizeres:

“Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

         Dentro deste critério legal definindo pessoa com deficiência, a lei especificou certos indivíduos, que de algum modo merecem maior proteção devido ao seu estado deficiente grave ou de gênero, são os deficientes vulneráveis, figura prevista no artigo 5º, parágrafo único:

“Art. 5o  A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante.

Parágrafo único.  Para os fins da proteção mencionada no caput deste artigo, são considerados especialmente vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com deficiência.” Grifo nosso.

      4.2)   ASPECTOS CIVIS

        Não se pode olvidar que o novo Estatuto da Pessoa com Deficiência causou grandes torpor na comunidade jurídica da bancada civilista com relação às alterações de âmbito civil, porém, para que este assunto não fique lacunoso, primordial são os ensinamentos do prof. Pablo Stolze, que com a simplicidade e maestria de sempre esclarece como será daqui em diante [6]:

“A nossa tarefa, neste breve editorial, é fazer um recorte em um específico campo de impacto deste novo diploma: o sistema jurídico brasileiro de incapacidade civil.

E trata-se de um efeito devastador. 

Ao utilizar o qualificativo “devastador”, não o fazemos em sentido depreciativo, mas sim, para que o nosso querido leitor possa perceber o imenso alcance da mudança normativa que se descortina: o Estatuto retira a pessoa com deficiência da categoria de incapaz. 

Em outras palavras, a partir de sua entrada em vigor), a pessoa com deficiência - aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, nos termos do art. 2º - não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, na medida em que os arts. 6º e 84, do mesmo diploma, deixam claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa:

Art. 6º. A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

Esse último dispositivo é de clareza meridiana: a pessoa com deficiência é legalmente capaz.

Considerando-se o sistema jurídico tradicional, vigente por décadas, no Brasil, que sempre tratou a incapacidade como um consectário quase inafastável da deficiência, pode parecer complicado, em uma leitura superficial, a compreensão da recente alteração legislativa. 

Mas uma reflexão mais detida é esclarecedora.

Em verdade, o que o Estatuto pretendeu foi, homenageando o princípio da dignidade da pessoa humana, fazer com que a pessoa com deficiência deixasse de ser “rotulada" como incapaz, para ser considerada - em uma perspectiva constitucional isonômica - dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de decisão apoiada e, extraordinariamente, a curatela, para a prática de atos na vida civil.

De acordo com este novo diploma, a curatela, restrita a atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85, caput), passa a ser uma medida extraordinária:

Art. 85, § 2º. A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.

Temos, portanto, um novo sistema que, vale salientar, fará com que se configure como “imprecisão técnica” considerar-se a pessoa com deficiência incapaz. 

Ela é dotada de capacidade legal, ainda que se valha de institutos assistenciais para a condução da sua própria vida. 

Em outros pontos, percebemos que esta mudança legislativa operou-se em diversos níveis, inclusive no âmbito do Direito Matrimonial, porque o mesmo diploma estabelece, revogando o art. 1.548, inciso I, do Código Civil, e acrescentando o §2º ao art. 1.550, que a pessoa com deficiência mental ou intelectual, em idade núbil, poderá contrair núpcias, expressando sua vontade diretamente ou por meio do seu responsável ou curador.

Isso só comprova a premissa apresentada no início do texto.

A pessoa com deficiência passa a ser considerada legalmente capaz.

Por consequência, dois artigos matriciais do Código Civil foram reconstruídos.

O art. 3º do Código Civil, que dispõe sobre os absolutamente incapazes, teve todos os seus incisos revogados, mantendo-se, como única hipótese de incapacidade absoluta, a do menor impúbere (menor de 16 anos).

O art. 4º, por sua vez, que cuida da incapacidade relativa, também sofreu modificação. No inciso I, permaneceu a previsão dos menores púberes (entre 16 anos completos e 18 anos incompletos); o inciso II, por sua vez, suprimiu a menção à deficiência mental, referindo, apenas, “os ébrios habituais e os viciados em tóxico”; o inciso III, que albergava “o excepcional sem desenvolvimento mental completo”, passou a tratar, apenas, das pessoas que, “por causa transitória ou permanente, não possam exprimir a sua vontade”); por fim, permaneceu a previsão da incapacidade do pródigo.

Certamente, o impacto do novo diploma se fará sentir em outros ramos do Direito brasileiro, inclusive no âmbito processual. Destacamos, a título ilustrativo, o art. 8º da Lei 9.099 de 1995, que impede o incapaz de postular em Juizado Especial. A partir da entrada em vigor do Estatuto, certamente perderá fundamento a vedação, quando se tratar de demanda proposta por pessoa com deficiência.”

4.3)   ASPECTOS CRIMINAIS

          

           Analisaremos daqui em diante os novos tipos penais trazidos pelo Estatuto em comento, veremos que foram inseridos em nosso ordenamento jurídico quatro novas figuras penais incriminadoras, em virtude do previsto no Capítulo II no seu Título II do novel diploma jurídico.

Começaremos analisando o seguinte crime:

Art. 88.  Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

§ 1o  Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente.

§ 2o  Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 3o  Na hipótese do § 2o deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:

I - recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório;

II - interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet.

§ 4o  Na hipótese do § 2o deste artigo, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

       Após a leitura do caput do artigo em tela, percebe-se os elementos objetivos do tipo penal, ou seja, as condutas praticadas em virtude de ação pelo sujeito ativo, resumidas nos verbos “praticar, induzir ou incitar”.

       Praticar é agir, defende-se aqui a ideia de que se trata do crime de mão própria, ou seja, é aquele que só pode ser praticado pelo autor direto da infração. Em princípio, não admite coautoria ou mesmo a coparticipação através da instigação ou orientação.

       Já as condutas induzir ou incitar previstas em outros tipos penais, vide artigos 122 do Código Penal [7], já são bem mais conhecidas, dessa formar induzir significa persuadir, aconselhar, argumentar, pressupõe a iniciativa à prática e pode fazer-se por qualquer meio.

       Incitar é instigar, provocar, excitar a pratica do crime, por qualquer meio ou de qualquer forma, sem necessidade de sê-lo pelos meios de comunicação social ou de publicação.

       Podemos, portanto, perceber que as ações descritas: praticar, induzir e incitar, estarem na categoria de crime formal, ou seja, a consumação independe do resultado ou da consequência da incitação ou induzimento, além de, todo delito do caput ser crime comum, dessa forma, podem ser cometidos por qualquer pessoa.

       Em referência ao parágrafo 1º, percebe-se uma causa de aumento de pena, porém, a vítima tem que encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente, atente-se que aqui só incidirá o aumento caso o sujeito ativo detenha uma qualidade ou condição especial, estamos falando da figura do crime próprio. O legislador preferiu dar maior reprimenda, tendo em vista que aquele que se compromete a cuidar ou se responsabilizar pelo deficiente, não pode ao mesmo tempo discriminá-lo em razão de sua condição.

       De outra forma, no parágrafo 2º o legislador prescreveu que se as figuras criminais previstas no caput deste artigo são cometidas por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza, tornar-se-á uma qualificadora.

Perceba que a pena mínima será de dois anos, o que impede a suspensão condicional do processo, de acordo com o artigo 89 da Lei 9099/95 [8], já com relação à pena máxima de cinco anos, deixa claro não ser afiançável em solo policial civil pelo Delegado de Polícia em caso de flagrante delito na forma consumada [9].

       Em sequência nos parágrafos 3º e 4º, estão previstas as medidas com fito de imediatamente recolher os materiais discriminatórios, interditando inclusive páginas de redes sociais, sendo necessário apenas o conhecimento por autoridade pública responsável, e quando da condenação a destruição total do material apreendido.

       Passando a análise doutrinária para o artigo 89 do Estatuto, o legislador trouxe uma figura criminal semelhante ao previsto no Estatuto do Idoso – Lei 10.741/03, vejamos:

Artigo 89 do Estatuto da Pessoa com Deficiência: “ Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido:

I - por tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; ou

II - por aquele que se apropriou em razão de ofício ou de profissão.”

          Agora leia o artigo 102 do Estatuto do Idoso: “ Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade:

        Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.”

     Perceba que as penas coincidem, porém, o Estatuto do Idoso não prevê causas de aumento de pena.

       Estampando os crimes formais que admitem a tentativa, a pergunta que se faz é a seguinte:

       Caso a vítima que teve apropriado ou desviado seus bens for deficiente e ao mesmo tempo idosa, maior de sessenta anos vide Estatuto do Idoso [10], qual será a tipificação imputada ao sujeito ativo criminoso, o artigo 89 do Estatuto da Pessoa Deficiente ou o artigo 102 do Estatuto do Idoso?

         De antemão, respeitando posições contrárias que surgirão, defendemos a ideia de que deverá ser aplicado o artigo 89 da Lei que protege o deficiente, ou seja, poderá incidir as causas de aumento de pena.

        Estamos diante de um conflito de leis penais no tempo, que se vale de alguns princípios, dentre eles o princípio da especialidade, desta feita, o princípio da especialidade, na verdade, evita o bis in idem, pois determina que haverá a prevalência da norma especial sobre a geral, sendo certo que a comparação entre as normas será estabelecida in abstracto.[11]

        No campo da interpretação, não há como trazer à tona a de índole finalística ou teleológica, ou seja, o intérprete busca realizar a finalidade das normas, muitas vezes superando a realidade descrita no texto normativo, para chegar ao real alcance pretendido pelo legislador.

        A interpretação teleológica se desenvolve, sobretudo, em virtude dos princípios constitucionais e principalmente, no caso em testilha, sobre a lei que melhor protege o cidadão face à dignidade da pessoa humana deficiente.

      Portanto, caso a vítima deficiente tenha maior de sessenta anos, ainda sim, será aplicado o Estatuto da Pessoa com Deficiência com relação às causas de aumento de pena, estas que também demandam uma qualidade especial do sujeito ativo, por ser modalidade de crimes próprios.

      Como se verá adiante, outras figuras se assemelham com o Estatuto do Idoso, mas como já dito acima, no conflito das Leis deve ser aplicado aquela que melhor protege o deficiente.

       Não por coincidência, o artigo 90 do Estatuto do Deficiente, possui também um correspondente no Estatuto do idoso em seu artigo 98, mais uma vez façamos a comparação:

      Art. 90.  Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres: (grifo nosso)

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado.

      Art. 98. Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado: (grifo nosso)

        Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa.

      Nem é preciso dizer que estes dois artigos quase se assemelham ao crime de abandono material previsto no artigo 244 do C.P. [12], chegamos à conclusão que doutrinariamente podem ser considerados crimes de abandono material de deficiente físico e abandono material de idoso.

     Estes dois crimes de abandono do deficiente físico e do idoso, guardam extremas semelhanças, inclusive nas penas abstratamente previstas, porém na classificação dos crimes podem ser considerados comuns (praticado por qualquer pessoa), formais (não necessita do resultado naturalístico para que se consume, pode até ocorrer o resultado, mas não é necessário), de perigo concreto (é preciso provar o efetivo abandono e prejuízo).

    Outrossim, quando estiverem obrigados por lei ou mandato serão tratados como crimes próprios.

    Para fechar nosso estudo, analisemos o último crime previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência - artigo 91 - e novamente assemelhado ao crime previsto no Estatuto do Idoso no seu artigo 104.

    Artigo 91 “Reter ou utilizar cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa com deficiência destinados ao recebimento de benefícios, proventos, pensões ou remuneração ou à realização de operações financeiras, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem: (grifo nosso)

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido por tutor ou curador.

         Art. 104. Reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento com objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida: (grifo nosso)

        Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.

        De plano, novamente as penas imputadas são idênticas, de acordo com a Lei 9.099/1995 admitem suspensão condicional do processo[2], além de ser o único crime previsto no Estatuto da Pessoa Deficiente considerado de menor potencial ofensivo [13], o que em tese, no caso da conduta ser imputada ao agente em estado de flagrante delito, deverá ser lavrado um termo circunstanciado de ocorrência [14] em substituição ao auto de prisão em flagrante delito.

       Analisando ao artigo 91 do Diploma Jurídico que protege o deficiente, novamente surge a figura do crime formal, basta reter ou utilizar cartão magnético, ainda, documento de pessoa com deficiência, com fito de obter vantagem indevida e o crime já estará consumado, o prejuízo material da vítima será considerado mero exaurimento do crime, que deverá ser levado em consideração na dosimetria da pena pela Autoridade Judiciária.

       Como já aventado, existe uma causa de aumento de pena exposta no Estatuto do Deficiente a qual o Estatuto do Idoso não previu: “Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido por tutor ou curador.”, como esta causa de aumento só será imputada caso o sujeito ativo seja tutor ou curador do deficiente, nesta hipótese estaremos diante do crime próprio.

5. CONCLUSÃO

A par deste breve estudo, percebemos a preocupação do legislador em proteger aquelas pessoas discriminadas violentamente ou de forma velada no âmbito social, como consequência diversos diplomas legais vêm surgindo.

Com a entrada em vigor da Lei 13.146/2015, após alguns meses de vacatio legis, certamente evoluiu-se o aspecto criminal com a intenção de maior fazer valer o princípio mestre da dignidade da pessoa humana, porém, não se pode esquecer do transtorno de âmbito civil  que o Estatuto da Pessoa Portadora de Deficiente trouxe.

Para chegarmos a uma boa conclusão analisando os aspectos criminais, basta perceber em comparação com o Estatuto do Idoso, que além de prever figuras criminais assemelhadas, ainda, a Lei 13.146/2015 agravou algumas situações antes não previstas.

E fica a pergunta ao amigo leitor:

Quando será a modificação do Estatuto do Idoso, para aí sim, haver uma proteção integral e efetiva à estas pessoas desprotegidas de leis mais rígidas, adequando-o à nova lei que protege o deficiente?

         

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] - http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito - Luís Roberto Barroso

[2] - Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

[3] - Art. 322.  A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). Parágrafo único.  Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas

[4] - A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XL, dispõe que “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Sendo, portanto, bastante claro que em qualquer hipótese, a novatio legis incriminadora (lei nova que define como crime ação praticada pelo agente quando tal ainda não existia) não retroagirá e não incriminará o agente; da mesma forma, novatio legis in pejus, ou seja, nova lei que piora a situação do réu, não retroagirá para prejudicá-lo.
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/39049/o-direito-penal-no-estado-democratico-de-direito#ixzz3ijME5JB3

[5] – artigo 5º, § 3º, C.F.: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

[6] Artigo na íntegra verificar em: https://jus.com.br/artigos/41381/o-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia-e-o-sistema-juridico-brasileiro-de-incapacidade-civil.

[7] “Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:”.

[8] - Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.

[9] - Art. 322.  A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único.  Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

[10] - Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

[11] - De acordo com o brocardo jurídico lex specialis derrogat generali [1], a lei de natureza geral, por abranger ou compreender um todo, é aplicada tão-somente quando uma norma de caráter mais específico sobre determinada matéria não se verificar no ordenamento jurídico. Em outras palavras, a lei de índole específica sempre será aplicada em prejuízo daquela que foi editada para reger condutas de ordem geral. Vide: https://jus.com.br/artigos/4482/principios-do-conflito-aparente-de-normas-penais.

[12] - Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. 

[13] - Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

[14] - Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. 

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Sobre o autor
Ricardo Grativol

Delegado de Polícia, Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos, lecionando Direito Processual Penal, Legislação Penal Especial e Prática de Polícia Judiciária, Palestrante, Escritor de temas jurídicos

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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