Visão geral das propostas de lei sobre união homoafetiva

16/02/2016 às 21:09
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O mundo está sempre evoluindo, crescendo, portanto, cabe ao direito evoluir e crescer com essas mudanças que são vivenciadas diariamente pelo ser humano.

  1. VISÃO GERAL DAS PROPOSTAS DE LEI SOBRE UNIÃO HOMOAFETIVA

O plano doutrinário de Dias expõe que:

O repúdio social a segmentos marginalizados e excluídos acaba intimidando o legislador, que tem enorme resistência em chancelar leis que visem a proteger quem a sociedade rejeita.[1]

Para se ter ideia da abrangência do preconceito que leva o Legislativo a desprezar propostas referentes ao tema, temos como exemplo o Projeto de Lei nº 1.151/95, que tem como objetivo legalizar a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, não visando dar status de casamento às uniões homossexuais. 

O projeto foi criado pela então deputada Marta Suplicy e apresentado a Câmara Federal há mais ou menos 15 anos e ainda encontra-se sem continuidade no Congresso Nacional, tendo em vista que os parlamentares evitam discutir sobre assunto tão polêmico, que pode vir a prejudicar suas pretensões político-pessoais.

Em 1996, o projeto sofreu uma modificação e esta foi apresentada pelo então deputado e relator do projeto Roberto Jefferson.

O mencionado projeto de lei discorre em seu artigo segundo sobre o registro da união civil que deverá ser realizado nos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais mediante a apresentação da documentação requerida, vejamos:

Art. 2º. A parceria civil registrada constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais na forma que segue.

§ 1º. Os interessados comparecerão perante os Oficiais de Registro Civil, apresentando os seguintes documentos:

I.- Declaração de serem solteiros, viúvos ou divorciados;

II. - prova de capacidade civil absoluta, mediante apresentação de certidão de idade ou prova equivalente;

III. - instrumento público do contrato de parceria civil.

§ 2º. Após a lavratura do contrato a parceria civil deve ser registrada em livro próprio no Registro Civil de Pessoas Naturais.

§ 3º. O estado civil dos contratantes não pode ser alterado na vigência do contrato de parceria civil registrada.

À medida que o Poder Legislativo somente adia a solução para a questão, o Poder Judiciário tenta dar o apoio jurídico que os casais homoafetivos têm direito. Consequentemente, no dia 7 de dezembro de 2010, o Tribunal de Justiça de Alagoas publicou a Resolução nº 22 que garante às pessoas do mesmo sexo que mantém sociedade de fato ou que convivem afetivamente, o direito de registrar contratos e documentos referentes à constituição da relação jurídica nos cartórios notariais ou de registro. Destacando que devem ser observados os requisitos da publicidade e notoriedade da relação afetiva, bem como a durabilidade e a continuidade.

Vale salientar que outros estados brasileiros, como Pernambuco, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão, também já criaram resoluções semelhantes à de Alagoas. Em Pernambuco, o seu Tribunal de Justiça, por exemplo, redigiu provimento dizendo que os cartórios do estado devem fornecer qualquer escritura pública que diga respeito à união estável entre pessoas do mesmo sexo.[2]

Dentro do mesmo contexto, a corregedoria-geral do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul baixou um provimento ditando regras para o reconhecimento das uniões homoafetivas nos cartórios. Os cartórios de notas e de registros devem lavrar escritura pública de declaração de convivência de união homoafetiva.[3]

Retomando ao Projeto de Lei nº 1.151/95, os artigos 10 a 12 discorrem sobre os benefícios previdenciários. Após o registro do contrato o companheiro passará a ser considerado dependente no Regime Geral da Previdência Social, vejamos:

Art. 10. Registrado o contrato de parceria civil de que trata esta Lei, o parceiro será considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado. Parágrafo único. A extinção do contrato de parceria implica o cancelamento da inscrição a que se refere o caput deste artigo.

Art. 11. O parceiro que comprove a parceria civil registrada será considerado beneficiário da pensão prevista no art. 217, I, da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

Em função da iniciativa de criação do Projeto de Lei nº 1.151/95 ocorreram evoluções acerca dos benefícios previdenciários. Podemos salientar que em junho de 2000 foi criada a instrução normativa INSS/DC nº 25 que estabeleceu procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao(à) companheiro(a) homossexual. Subsequentemente, em dezembro de 2010, foi publicada uma portaria determinando que o Ministério da Fazenda torne definitiva a regra que reconhece que os benefícios previdenciários a dependentes não pode excluir companheiros que vivam em união homoafetiva.

Tratando-se da aprovação da Lei da Parceria Civil Registrada, atualmente, não significaria um progresso, mas de certa forma um recuo, tendo em vista que com o passar dos anos, apesar da inoperância do legislativo no tocante ao tema, alguns avanços foram conquistados pela sociedade.

Assim, representantes do movimento LGBT, formularam o Projeto de Lei 4.914/2009, apresentado à Câmara Federal, em março de 2009. A proposta vislumbra incluir um artigo ao Código Civil, que permitirá aplicar às uniões de pessoas do mesmo sexo os dispositivos referentes à união estável, com exceção da regra que admite sua conversão em casamento.

Importante registrar que proposta tem a finalidade de consagrar em lei o que vem sendo assegurado pelo Poder Judiciário há alguns anos. Indiscutivelmente, esta não é a solução que melhor acolhe os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, mas, de certa forma, acabará com a histórica omissão que gera insegurança e impõe o árduo caminho da via judicial para o reconhecimento de direitos aos homossexuais.

Utilizando-se de fito semelhante, em setembro de 2003, o então Senador Sérgio Cabral apresentou proposta de Emenda Constitucional nº 70, cuja intenção era alterar o §3º, do artigo 226, da Constituição Federal de 1988. O dispositivo passaria a ter a seguinte redação: "§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, a lei facilitará a sua conversão em casamento quando existente entre o homem e a mulher."

A referida emenda esclarece de que não se pode negar a proteção jurídica do Estado às pessoas que vivem união homoafetiva. Lamentavelmente, tal proposta foi retirada pelo autor no ano de 2006.

Retomando este segmento mais uma vez, agora no status de governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, propôs a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF nº 132, cujo objetivo é a equiparação da união homoafetiva à prevista no artigo 1.723 do Código Civil de 2002.

Em momento posterior, a Advocacia Geral da União deu parecer concordando parcialmente com o pedido, discordando somente que a decisão não poderia atingir todo território nacional.

Em julho de 2009 a ADPF nº 132 foi convertida em Ação Direta de Inconstitucionalidade-ADI nº 4277. Ato seguinte, em maio de 2011 a ação foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal-STF, em decisão unânime, por 10 votos (só não votou o Ministro Toffoli que estava impedido de votar), que reconheceu a união homoafetiva, equiparando-a a união estável heterossexual.

Vale mencionar que no ano de 2007, o deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) apresentou o Projeto de Lei nº 674/2007 - Estatuto das famílias (no momento aguardando deliberação do recurso na mesa diretora da Câmara dos Deputados (MESA), que define em seu artigo 68 que:

Art. 68. É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável.

Frisando que, depois de causar polêmica na Câmara, os deputados resolveram tirar todas as referências às uniões homoafetivas do projeto de lei referente ao Estatuto das famílias.

Também pode ser mencionada a PEC apresentada pelo deputado Jean Wyllys, que em seu debate de estreia na Câmara dos Deputados, disse que lutará pelos direitos LGBT. O deputado pretende aprovar a PEC que trata do casamento civil entre homossexuais. Vale frisar que para apresentar a PEC é preciso certo número de assinaturas (equivalente a 0,5% dos votos válidos na última eleição para deputado federal), restando saber se encontrará apoio em um ambiente tão conservador e auto protetor.

Outro fato que não pode deixar de ser aludido é com relação ao casamento homoafetivo e a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça.

Ainda que não se entenda obrigatória à decisão proferida pelo STJ aos delegados do serviço público de registro civil das pessoas naturais, a inserção do conteúdo dessa decisão em ato normativo emanado do Conselho Nacional de Justiça faz superar essa questão.

A Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 14/5/2013, dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo.

O texto da resolução é bastante curto, mas representa grande avanço na normativa civilista e de registros públicos brasileira.

Antes de se tratar de seu conteúdo, parece importante apontar os seus “considerandos”. Assim, fundamenta-se a Resolução nº 175/2013 “nos acórdãos prolatados em julgamento da ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF”, pelos quais o Supremo Tribunal Federal “reconheceu a inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo”, e no “julgamento do RESP 1.183.378/RS”, pelo qual o Superior Tribunal de Justiça “decidiu inexistir óbices legais à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo”.

Em relação a seu conteúdo, nos termos desse ato normativo, “é vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo”, sendo que a recusa à efetivação dos referidos procedimentos “implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis”.

RESOLUÇÃO Nº 175, DE 14 DE MAIO DE 2013

Dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais,CONSIDERANDO a decisão do plenário do Conselho Nacional de Justiça, tomada no julgamento do Ato Normativo no 0002626-65.2013.2.00.0000, na 169ª Sessão Ordinária, realizada em 14 de maio de 2013; CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal, nos acórdãos prolatados em julgamento da ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF, reconheceu a inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo; CONSIDERANDO que as referidas decisões foram proferidas com eficácia vinculante à administração pública e aos demais órgãos do Poder Judiciário; CONSIDERANDO que o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do RESP 1.183.378/RS, decidiu inexistir óbices legais à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo; CONSIDERANDO a competência do Conselho Nacional de Justiça, prevista no art. 103-B, da Constituição Federal de 1988; RESOLVE: Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. Ministro Joaquim Barbosa- Presidente.

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Esse é o seu conteúdo normativo, desenvolvido em apenas dois artigos da resolução. O terceiro e último artigo trata da vigência de seus dispositivos.

Conforme acima apresentado, a Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça aponta, em seus “considerandos”, como fundamentos das decisões contidas em seu texto, decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Em relação às decisões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal, devem ser feitas duas análises concomitantes: o conteúdo dessas decisões e os efeitos dessas decisões.

Sobre o seu conteúdo, tratam da inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo. É verdade que as decisões não dispuseram, assim, sobre o casamento civil. Mas os fundamentos dessas decisões, em razão dos quais se proferiu decisão aplicável diretamente às uniões homoafetivas, podem ser aplicadas, igualmente, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Não há motivos para se concluir o contrário.

A Constituição de 1988, inserida em um contexto internacional de proteção dos direitos humanos, determina a efetivação de todos os direitos da pessoa humana (independente de sua orientação sexual). Inexiste na ordem constitucional brasileira vigente ou mesmo na doutrina nacional qualquer determinação ou autorização de aplicação desigual de direitos em razão de orientação sexual. E mais: qualquer previsão infraconstitucional nesse sentido seria, certamente, tida com inconstitucional.

Assim, superada está qualquer possibilidade de argumentação de não aplicação do conteúdo dessas decisões ao casamento civil.

Sobre a sua forma, deve-se observar as decisões foram tomadas em sede de ADPF e ADI. Nos termos do artigo 102, § 2º, da Constituição, as decisões proferidas em sede de ADI “produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. Nesse mesmo sentido, os efeitos das decisões em sede de ADPF.

É verdade que os denominados Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais não integram a Administração Direta ou Indireta. Nos termos do artigo 236 da Constituição, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. São, dessa forma, particulares em colaboração com o Poder Público, por delegação (descentralização administrativa por delegação). Essa constatação não exclui, contudo, a submissão desses profissionais do Direito à decisões proferidas pelo Judiciário, em especial às dos Tribunais Superiores, às quais a Constituição atribui os efeitos acima mencionados.

Não há dúvidas, dessa forma, à aptidão das referidas decisões do Supremo Tribunal Federal a fundamentar a Resolução nº 175/2013 do CNJ.

Em relação à decisão do Superior Tribunal de Justiça, não há dúvidas sobre a pertinência de seu conteúdo ao casamento homoafetivo. O problema parece estar nos efeitos das decisões em sede de recurso especial, as quais, em princípio, assim como as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em de sede de recurso extraordinário, não teriam os mesmos efeitos das ações diretas.

Nesse caso, percebe-se uma tendência moderna de reconhecimento da autoridade dessas decisões, independente de previsão legal expressa, decorrente, unicamente, do prestígio dos órgãos emanadores dessas decisões.

De qualquer forma, ainda que não se entenda obrigatória a decisão proferida pelo STJ aos delegados do serviço público de registro civil das pessoas naturais, a inserção do conteúdo dessa decisão em ato normativo emanado do Conselho Nacional de Justiça faz superar essa questão.

O Conselho Nacional de Justiça deve tratar, nos termos do disposto no artigo 103-B da Constituição, de questões eminentemente administrativas. Está entre suas atribuições, assim, a padronização dos procedimentos adotados pelos profissionais do Direito delegados dos serviços de registro civil das pessoas naturais, com a finalidade de assegurar às pessoas, independentemente de sua orientação sexual, seus direitos fundamentais, entre eles, o de constituir família, da maneira que melhor lhe aprouver (por casamento ou por união estável).

Como decorrência de suas atribuições voltadas aos delegados de serviço notarial e de registro, aponta a Resolução nº 175/2013 que o descumprimento ao seu conteúdo “implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis”, as quais, nos termos do artigo 32 da lei federal nº 8.935/94, poderão ser a aplicação da pena de repreensão, de multa, de suspensão (por noventa dias, prorrogável por mais trinta) ou de perda da delegação.

O conteúdo da Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça representa, indubitavelmente, importante ato normativo, que tem como finalidade a efetivação dos direitos dessas pessoas humanas que, até então, sem qualquer justificativa, não tinham acesso ao casamento civil.

Percebe-se que existem repetitivos projetos de lei com vistas a regulamentar a questão das uniões homoafetivas, os quais foram elevados ao patamar de entidade familiar pelo Poder Judiciário, mas que continuam órfãs de atitudes do Poder Legislativo, permanecendo a invisibilidade jurídica, em uma postura que revela mais do que uma mera omissão parlamentar.

O Poder Legislativo e a sociedade preferem ignorar ou julgar como imoral os direitos de milhões de brasileiros, que tem de recorrer ao Poder Judiciário para ter assegurados direitos que deveriam estar legalizados, pois de acordo com a Constituição Federal de 1988 “todos são iguais perante a lei”.

Conquistas jurídicas

Algumas consequências jurídicas surgirão notadamente no direito de família a partir do momento que a união homoafetiva for legalizada. O que se busca é a equiparação da união homoafetiva à união estável. Assim, todos os efeitos gerados pertinentes a segunda, também serão aplicados, a primeira.

Alimentos

É realizada uma aplicação analógica do artigo nº 1.724 do Código Civil, para a concessão de alimentos nas uniões homoafetivas. Dessa forma, após o término da união, um dos companheiros, se for o caso, deverá pagar pensão alimentícia ao outro, não deixando de sempre ser observado o binômio necessidade versus possibilidade.

Partilha de bens

A partilha de bens também seguirá o disposto no ordenamento jurídico para os casais que vivem em união estável. Logo, o art. nº 1.725 do Código Civil dispõe que “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”

Direitos sucessórios

Aos direitos sucessórios, aplicar-se- a o disposto no art. nº 1.790 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

No entanto, este artigo que não trata igualitariamente os companheiros, tendo em vista que somente são protegidos os bens adquiridos onerosamente na constância da união. Mas, de qualquer forma, é uma proteção.

Ademais, doutrinadores e juristas proferem críticas ao legislador por não igualar totalmente os companheiros aos cônjuges e com isso diminuiu a proteção alcançada pelo instituto da união estável. Outro molde dessa desigualdade é o fato de que o cônjuge supérstite, na falta de ascendentes e descendentes, tem direito a totalidade da herança, já o companheiro concorrerá, ainda, com os parentes até o 4° grau.

Na verdade, o ideal seria a criação de dispositivos que, de forma concreta, igualem os direitos dos companheiros, sejam eles homossexuais ou não, aos daqueles protegidos pelo casamento.

Direitos previdenciários

O Instituto Nacional do Seguro Social-INSS publicou portaria garantindo direitos previdenciários aos casais homoafetivos, entendimento este já pacificado.

Direito real de habitação

O direito real de habitação pode ser concedido aos unidos homoafetivamente, como ocorre nos casos de união estável.

Percebe-se que havendo interesse patrimonial em conflito, decorrente de relação homossexual, poderá haver intervenção judicial, desde que a parte que se sente prejudicada, a solicite, mediante comprovação que o patrimônio fora adquirido na vigência da união, com esforço mútuo, bem como, do fato de que, se o bem não for usufruído pelo parceiro sobrevivente, não teremos a aplicação do justo.

Como comenta Rodrigo da Cunha Pereira:

A sexualidade, que é da ordem do desejo, sempre escapará ao normatizável. O Estado não pode mais controlar as formas de constituição das famílias.[4] 

Entende-se que o afeto não tem como pressuposto ou requisito a diversidade de sexo. Não se pode inibir o afeto entre sujeitos do mesmo sexo, assim como não se proíbe o afeto entre homem e mulher. Também não se nega os direitos e garantias que destas relações provenham, pois não admitir a existência é o mesmo que não resguardar as garantias frente aos conflitos que emergem quando do rompimento da relação homoafetiva.

Observa-se que conviventes da relação homoafetiva são desprezados por suas famílias, principalmente nos momentos de enfermidade e aflição, quando não há demonstração de solidariedade por parte destes familiares. Quem suportará a responsabilidade de cuidar, apoiar e não abandonar será o companheiro. Se porventura o convivente doente vem a óbito, salvo raras exceções, a família não se compadece daquele que cuidou e prestou assistência intensamente até o último momento e a questão passa a ser meramente de interesse patrimonial.

Enquanto não houver legislação específica protegendo as relações homoafetivas, todo cuidado visando o amparo dos conviventes será pouco, pois o companheiro sobrevivente, atordoado ainda pela perda, encontra-se de frente com litígios patrimoniais, e é nesta hora que deverá valer-se da garantia do direito real de habitação, para dar seguimento à vida sob o teto que por esforço próprio e do companheiro foi constituído para resguardo e proteção da relação.

Direito do companheiro estrangeiro

Em relação à concessão de visto de permanência ao parceiro estrangeiro que vive em união homoafetiva com brasileiro, o Conselho Nacional de Imigração publicou em fevereiro de 2008 a Resolução Normativa nº 77, que assegura tal concessão sem a distinção quanto à orientação sexual dos parceiros.

Resolução Normativa nº 77 de 29\01\2008

Conselho nacional de Imigração – CNIG

Publicado no DOU (Diário Oficial da União) na pág. 00081 em 11\02\2008.

 Dispõe sobre critérios para a concessão de visto temporário ou permanente, ou de autorização de permanência, ao companheiro ou companheira, em união estável, sem distinção de sexo.

O CONSELHO NACIONAL DE IMIGRAÇÃO, instituído pela Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 e organizado pela Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, no uso das atribuições que lhe confere o Decreto nº 840, de 22 de junho de 1993, resolve:

Art. 1º As solicitações de visto temporário ou permanente, ou de autorização de permanência para companheiro ou companheira, em união estável, sem distinção de sexo, deverão ser examinadas ao amparo da Resolução Normativa nº 27, de 25 de novembro de 1998, relativa às situações especiais ou casos omissos, e da Resolução Normativa nº 36, de 28 de setembro de 1999, sobre reunião familiar.

Observa-se que na atualidade os estrangeiros encontram menos empecilhos para conseguir o visto de permanência quando num relacionamento afetivo com parceiro brasileiro do mesmo sexo. A concessão do visto de permanência para companheiro ou companheira deve seguir a Resolução Normativa supra citada, a qual prevê a não distinção de sexo para conceder o direito do estrangeiro de permanecer no país. Na ausência de documento comprovando a união estável, são requeridos outros papéis de comprovação, o que complica ainda mais a obtenção da desejada autorização oficial no passaporte.

Quando a união homoafetiva não era reconhecida, o casal interessado em morar no país estrangeiro precisava mostrar às autoridades, como um dos requisitos para conseguir o visto, certidão ou documento similar emitido por autoridade de registro civil nacional, ou equivalente estrangeiro, comprovando o status do relacionamento. 

Com a decisão do Supremo essa etapa foi eliminada e o casal pode selar a união em nossos cartórios, isto é, o parceiro entra no país com visto de turista, reconhece a união estável em cartório e solicita na Polícia Federal a mudança de visto de turista para permanente. 

A concessão do visto sempre foi possível, mas com o reconhecimento da união homoafetiva os parceiros se livraram de alguns dos trâmites burocráticos, agilizando o processo.

Mas nem tudo é tão descomplicado, pois consta na resolução que o parceiro residente precisa provar ter condições para manutenção, subsistência e, no caso da decisão ser desfavorável, custeio da viagem de retorno do estrangeiro.

A documentação requerendo o visto deverá ser encaminhada ao Ministério do Trabalho e a Polícia Federal, em Brasília, onde o caso será analisado. O visto definitivo leva em torno de dois anos até ser concedido, se comprovado que o casal continua junto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALAGOAS. Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Resolução nº 22, de 07 de dezembro de 2010. Dispõe sobre o registro de contratos e documentos que digam respeito a relações jurídicas de convivência ou sociedade de fato entre as pessoas civilmente capazes. Disponível em: <http://www.tjal.jus.br/resolucoes/22-%202010.pdf>. Acesso em: 16 jan.2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF; Senado, 1988.

BRASIL. Código Civil. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windit e Lívia Céspedes. 5. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

BRASIL. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica da mulher casada. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4121.htm>. Acesso em: 05 ago. 2014.

BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 05 ago. 2014.

BRASIL. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências. Disponível em: <http://ww.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6515.htm>.  Acesso em: 05 ago. 2014.

BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos cartórios). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L8935.htm>. Acesso em: 25 mai. 2015.

BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. Disponível em: <http://ww.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9278.htm>. Acesso em: 11 set. 2014.

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o novo código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm >. Acesso em: 12 jul. 2014.

BRASIL. Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942. Institui a lei de introdução ao código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm> Acesso em: 15 ago. 2014.

BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151, de 26 de outubro de 1995. Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências.  Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao>. Acesso em: 12 out. 2014.

BRASIL. Projeto de Lei nº 4.914, de 25 de março de 2009. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. Disponível em: <http://camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao>. Acesso em: 12 out. 2014.

BRASIL. Resolução Normativa nº 77, de 29 de janeiro de 2008. Conselho Nacional de Imigração – CNIG. Publicado no DOU (Diário Oficial da União) na pág. 00081 em 11 de fevereiro de 2008.  Dispõe sobre critérios para a concessão de visto temporário ou permanente, ou de autorização de permanência, ao companheiro ou companheira, em união estável, sem distinção de sexo.

BRASIL. Resolução Normativa nº 175, de 14 de maio de 2013. Conselho Nacional de Justiça - CNJ.  Dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo.

Central de Notícias Gays. Disponível em: <http://centraldenoticiasgays.blogspot.com/2010/05/justica-de-pernambuco-reconhece-uniao.html>. Acesso em: 16 jan. 2015.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14. ed. Saraiva, 2010.

MATO GROSSO DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Disponível em: <http://www.tjms.jus.br/legislacao/atos/corregedoria,php>. Acesso em: 16 jan. 2015.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.


[1]    DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010, p. 195.

[2] Central de Notícias Gays. Disponível em: <http://centraldenoticiasgays.blogspot.com/2010/05/justica-de-pernambuco-reconhece-uniao.html>. Acesso em: 16 jan. 2015.

[3] MATO GROSSO DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Disponível em: <http://www.tjms.jus.br/legislacao/atos/corregedoria,php>. Acesso em: 16 jan. 2015.

[4] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 53.

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Sobre a autora
Luciana Moura

Advogada inscrita na OAB/CE 33.245. Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Previdenciário pela Faculdade Ateneu de Fortaleza (CE). Mestranda em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará - UFC. Pesquisadora do Laboratório de Estudos de Políticas Públicas (LEPP) da Universidade Federal do Ceará, onde coordena a pesquisa Observatório de Conflitos Urbanos da Cidade de Fortaleza. Possui Experiência na Área de Direito, com foco em Direito Público.

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