Economia de mercado e importância do consumidor — relatos de um neófito

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O sistema político-econômico vigente cria empecilhos ao exercício da atividade empresarial, o que prejudica a massa consumidora, expondo-a a empresas mais preocupadas em atender exigências burocráticas que exercer seu papel no bom atendimento ao público.

O ensaio foi escrito junto com outro que tratou da enxurrada de ações consumeristas que tramitam no Judiciário no Rio de Janeiro. Lá não declarei que (penso eu) boa parte disso é culpa do sistema político-econômico ora vigente, que cria empecilhos para o exercício da atividade empresarial e acaba prejudicando a massa consumidora, expondo-a a empresas mais preocupadas em atender exigências burocráticas que exercer seu papel no bom atendimento ao público.

Com efeito, vou começar pela importância do consumidor.

Em “As seis lições”, Ludwig von Mises defendeu a economia de mercado e apontou as inconsistências das ideias de Karl Marx, esclarecendo que é o consumidor – e não o Estado, como na economia planificada – quem cria a demanda e regula o mercado, ditando preços e estabelecendo quais serviços e produtos serão oferecidos e consumidos. Nas próprias palavras do autor [1]: “Quem manda no sistema econômico são os consumidores. Se estes deixam de prestigiar um ramo de atividades, os empresários deste ramo são compelidos ou a abandonar sua eminente posição no sistema econômico, ou a ajustar suas ações aos desejos e às ordens dos consumidores”. (Grifei)

Na economia de mercado, se o produto, serviço ou preço não agradam, o consumidor migra com seu dinheiro para a concorrência, a fim de satisfazer seus anseios e, quando possível, equalizar a relação custo vs. benefício. Com isso, dá uma boa lição no fornecedor desatento, que deve optar entre se adaptar ou morrer para o mercado.

Então, surgem questionamentos: por que no Brasil certos fornecedores são objeto de várias reclamações e continuam lá, negociando seus produtos e serviços? Por que o consumidor volta quando seria mais aconselhável buscar outro fornecedor?

Infelizmente, a economia de mercado nunca foi plenamente adotada por aqui. Como resultado de políticas deficitárias, certos seguimentos não se desenvolvem a contento, seja em número de empreendimentos, para criar uma concorrência forte, que pratique preços competitivos, seja na qualidade de produtos e serviços. Então, a opção é limitada, o que, de quebra, fragiliza o poder de influência do consumidor.

É verdade que houve sensível melhora nas últimas décadas – e (pasme!) a partir de Fernando Collor de Mello, que experimentou lampejos de liberalismo em seu curto mandato presidencial, inclusive abrindo o mercado para dar acesso a uma tecnologia mais avançada, pois o setor ficou sucateado no período da “ditadura de direita” que adotou políticas intervencionistas para proteger o mercado interno.

Mas, continuamos sendo punidos pela intromissão do Estado no mercado. Com isso, não há concorrência efetiva, e em alguns setores estamos submetidos a oligopólios e monopólios. Como exemplo, há apenas cinco grandes instituições bancárias num país de dimensões continentais: três privadas e duas estatais [2]. Concordando ou não com as taxas [3] de serviços ou de rendimentos praticadas, não há para onde correr. Da mesma forma, há um número limitado de empresas de telefonia, como também de transportes, de planos de saúde e de grandes redes varejistas. Para piorar, não é possível optar pelo fornecedor dos serviços de postagem, água e luz.

A intervenção estatal é tradicional, vem desde o tempo de colônia e piorou com a proclamação da República. Muitos foram perseguidos por uma revolta contra a cobrança do quinto (20%) [4], mas hoje a carga tributária é superior a 40% [5].

De certa forma, enquanto pequena parte da população entra em espiral do silêncio, esse intervencionismo é aceito por muitos, facilmente enganados – com auxílio de massiva propaganda e da militância ostensiva – pelas falácias da elite governante, ou elite dirigente [6], que afirma que cabe ao Estado prover todas as necessidades dos indivíduos. Mas, a conta deve ser paga por alguém. Então, de tempos em tempos, aumentam-se alíquotas ou criam-se novos tributos, por vezes com promessas de que pobres e minorias serão privilegiados com a melhoria na qualidade do serviço público e a ampliação de projetos sociais, ao passo que, na realidade, tudo piora. Exemplo recente é o das “bandeiras” tarifárias de pagamento pela geração de energia elétrica, que deveriam variar mensalmente, mas se eternizaram na sugestiva cor vermelha, ao mesmo tempo em que foram autorizados aumentos sucessivos do valor do serviço da distribuição de energia. Já o reavivamento da CPMF estaria ligado à melhoria da saúde, em especial no combate ao vírus da zika.

Na realidade, aumentam apenas o poder e os benefícios conferidos à classe de seres iluminados que fingem atuar na construção de um mundo melhor para todos – o que, sabemos, não é verdade. Esqueça o sonho da sociedade justa. O papo é grana mesmo.

Segundo Bruno Garschagen, a atitude bovina do brasileiro de acatar, não questionar ou mesmo defender medidas intervencionistas, é fruto de um planejamento bem arquitetado, edulcorado por um discurso de certa forma sedutor [7]:

Quando um processo intervencionista se desenvolve num ambiente de ideologia estatista, “cada fracasso de uma intervenção gera demandas por novas intervenções: a culpa dos problemas nunca é a intervenção em si, mas a falha em aplicar a lei e o egoísmo dos agentes econômicos”. O resultado é a exigência de leis novas e mais rigorosas.

(...)

Ao se posicionar contra a política do Estado-babá nos termos estabelecidos pelos seus patrocinadores corre-se sempre o risco de ser visto como uma pessoa maléfica, que não pensa nos outros e trabalha contra os mais pobres, contra uma sociedade melhor, mais justa, mais saudável, mais igualitária.

As consequências negativas do Estado-babá são desconhecidas ou estrategicamente omitidas pelos seus defensores, políticos e militantes, e muita gente sequer tem informações suficientes para avaliar criticamente se vale a pena aceitá-las. Em muitos casos os benefícios advindos das políticas de governo que tentam nos proteger de nós mesmos são inferiores aos seus eventuais malefícios ou simplesmente não existem.

 (...)

O estatismo no Brasil não é um improviso; é obra de séculos. É o resultado de um longo exercício de um tipo de política e de difusão e ocupação ideológica dos intervencionistas do passado e do presente na literatura, na dramaturgia, nas artes plásticas, na música, no cinema, no mercado editorial, no jornalismo, no ensino, na política, na universidade. (destaques no original)

Acontece que essa intervenção crescente vem trazendo prejuízos ao país, que entrou numa grave crise econômica, política e moral que nos apresenta o fechamento de várias empresas e, consequentemente, de postos de trabalho; o aumento de tributos; e a inflação que vem para castigar ainda mais a população.

Governos populistas, como os da era lulopetista, dificilmente assumem em público que o fracasso da política econômica resulta de suas escolhas. Sempre o atribuem a causas alheias à sua vontade, como mercado externo ou sabotagem “das elites”, mas nunca à adoção de um modelo fracassado de administração. Todavia, é fácil perceber que a crise foi deliberadamente criada para que a população dependa cada vez mais de um Estado que, promovendo o assistencialismo e reprimindo os insurgentes, trabalha para ficar mais forte, totalitário.

É nesse sentido que Fredrich August von HAYEK, ao discorrer sobre o socialismo, recorrendo a Adam Smith, afirmou que o “rígido controle da vida econômica (...) faz com que os governos, ‘para se manterem, sejam obrigados a tornar-se opressores e tirânicos[8].

Quem acompanha o noticiário pode verificar que a cada período de resultados adversos a elite política propõe a grande solução de “mais intervenção”, geralmente acompanhada de aumento de crédito (para facilitar o endividamento) e da criação e/ou majoração de tributos. Ou seja, publicam-se mais leis num país extremamente legiferante e que, não bastasse isso, vem sistematicamente tendo seu ordenamento jurídico desfigurado por decretos presidenciais.

Ocorre que o brasileiro mediano não procura se informar, seja pela falta de interesse, seja por inépcia crítica. Em regra, ele não se preocupa com os eventos ao seu redor, ressalvadas algumas exceções como carnaval e feriados prolongados. E é por isso que poucos percebem o avanço camuflado desse projeto de poder.

Além do aparelhamento das instituições públicas, há companheiros incrustados na imprensa que dão espaço a pessoas identificadas com a “luta”, enquanto outros criam blogs para, juntos e coordenadamente, exaltarem a elite governante fazendo proselitismo. Também é possível contar com o endosso da academia na produção científica e na transmissão do conhecimento aos futuros agentes de transformação. E como o homem é sempre capaz de se superar, atores, comediantes, apresentadores de TV e músicos são elevados à categoria de intelectuais e cientistas políticos. Com isso, agentes de transformação, estrategicamente inseridos nos meios de comunicação e demais canais de acesso ao público, manipulam a massa para aderir à histeria coletiva e ainda promovem a superexposição de políticos estatistas de baixo quilate.

Tudo funciona conforme os Ministérios da Propaganda nazista, de Goebbels, e das ditaduras comunistas assassinas de Stalin, na ex-URSS, e de Mao Zedong, na China.

E é importante perceber que todos são recompensados com verba estatal através de propagandas, patrocínios, incentivos etc.

A seu turno, os políticos da base aliada, sempre lembrados e convidados para expor suas ideias, e de suma importância nesse processo, recebem polpudas quantias para campanhas e liberação de emendas que lhes renderão capital político, com verbas destinadas a obras, ONGs e coletivos ligados a eles ou a seus partidos. E isso enquanto não ocuparem os cargos mais elevados, o que, ao que parece, permite que o enriquecimento pessoal seja mais substancial.

Logicamente, o dinheiro é essencial para manter a máquina funcionando, e é aí que entra o contribuinte (aqui compreendidos consumidores e empresas), que financiará o projeto enquanto não for alijado de seus bens pela tributação, de acordo com o que reza a cartilha marxista, que determina a aniquilação da burguesia.

Por fim, no tocante aos resultados dessa política castradora denunciada no curso desse ensaio, Hayek, no prefácio à edição norte-americana de 1975 de “O caminho da servidão”, destacou um trecho do relatório de avaliação econômica de 1947, que o Primeiro-Ministro britânico apresentou a seu Parlamento, referindo-se às diferenças do planejamento econômico de um governo totalitarista comparado ao de uma democracia [9]:

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Há uma diferença essencial entre o planejamento totalitário e o democrático. O primeiro subordina todos os desejos e todas as preferências individuais às exigências do estado. Com esse objetivo, emprega vários métodos de coerção sobre o indivíduo, privando-o da liberdade de escolha. Tais métodos podem ser necessários mesmo numa democracia, na situação extremamente crítica de uma grande guerra. Por isso, o povo britânico conferiu ao governo, durante a guerra, poderes especiais para intervir no setor trabalhista. Mas em tempos normais o povo de um país democrático não transferirá para o governo sua liberdade de escolha. Um governo democrático deve portanto conduzir o planejamento econômico de modo a preservar ao máximo a liberdade de escolha de cada cidadão.

O Estado intervencionista, com sua economia planificada, retira liberdades, cria empecilhos e desenvolve um ordenamento jurídico paquidérmico, o que garante que as pessoas a todo o momento estejam infringindo alguma norma. Dignas de nota são as normas que regulamentam situações ligadas à esfera íntima dos indivíduos, como a proibição de saleiro em mesa de restaurante, o que beira o ridículo.

Voltando à questão da tributação, pesquisa do Banco Mundial apontou que no Brasil são necessárias 2.600 horas por ano para que uma empresa de médio porte cumpra as exigências tributárias [10].

Porém, a burocracia e a alta carga tributária também são cruéis com o micro e o pequeno empreendedor, e isso reflete no mercado de consumo. Como exemplo, os obstáculos criados para o setor e-commerce pelo Convênio nº 93/2015 do CONFAZ, quanto à tributação de ICMS das empresas nas transações interestaduais, em especial para aquelas que aderiram ao Simples Nacional. Foram estabelecidas exigências incompatíveis com a natureza do negócio, e mais ainda com o porte dessas empresas.

Pelo que se viu até aqui, não é por acaso que o Brasil sempre frequenta baixíssimas posições nas pesquisas da Fundação Heritage sobre o índice de liberdade econômica – em 2016 estamos em 122º lugar [11].

Essas ações aparvalhadas (e maldosas) do Estado servem apenas para: (i) promover a baixa competitividade; (ii) formar uma elite empresarial parceira e dependente de subsídios e isenções tributárias; (iii) suscitar a desonestidade no empresário; e (iv) fomentar ainda mais o afã de enriquecer rapidamente, “antes que mude a maré”, como que se preparando para épocas de vacas magras. Todas essas circunstâncias acarretam prejuízos ao consumidor.

Quanto à baixa competitividade, duas questões a considerar: burocracia e alto custo.

A burocracia engessa a atividade empresarial ao exigir o cumprimento de inúmeros regulamentos e uma romaria por diversos órgãos públicos. As obrigações e o tempo gasto levam o empreendedor a dispensar menos atenção ao consumidor e mais ao Estado. Tanto que, ao ser interpelado por alguma irregularidade, seu primeiro argumento é alegar que agiu segundo as exigências normativas do Estado. Foi nesse sentido a defesa da Samarco no caso do rompimento da barragem de resíduos oriundos da atividade de mineração em Mariana-MG.

 Em consequência, essas dificuldades limitam a concorrência e facilitam certos setores ou empreendedores com maior trânsito perante órgãos governamentais.

Outro fator é o alto custo do empreendimento, que envolve a contratação de profissionais para atender à burocracia (advogados, contadores e despachantes, p.ex.), a carga tributária incidente em todo o processo de produção, o alto preço dos serviços públicos e o paternalismo nas relações trabalhistas. Sem contar o investimento em espaço físico, equipamentos e produtos. Por isso, muitos preferem não se arriscar e partem para o mercado informal ou, se tiverem recursos, para o mercado financeiro/ especulativo ou o estrangeiro, onde seja mais fácil empreender, como tem ocorrido no Paraguai – 83º no ranking da Fundação Heritage.

Há ainda a questão típica de países intervencionistas: financiamentos e facilitação a empresários “amigos do rei”, formando uma elite empresarial. A elite dirigente confere benesses aos parceiros através de empréstimos com juros subsidiados e de isenções tributárias para seus produtos. Em contrapartida, devem devolver por meio de doações os favores obtidos com as canetadas oficiais. É o que se lê por aí em relação a Lula, seus filhos e aos tesoureiros de campanhas de candidatos lulopetistas. Porém, essa burguesia “suportada” no Estado totalitário pode ser alijada dos negócios quando não houver mais interesse na parceria ou se alguma negociata vier a conhecimento público.

Além do Eike Batista, um fenômeno na “Era PT” e espécie de “rei do camarote” do BNDES, há notícias de favorecimentos com subsídios para a cervejaria Itaipava, o frigorífico Friboi e todas as construtoras envolvidas na “Operação Lava Jato”. Outros exemplos são as medidas provisórias que estabeleceram a isenção de IPI ao setor automotivo, e cuja ilicitude vem sendo investigada pela Polícia Federal na “Operação Zelotes” [12]. Os fatos se deram nos governos Lula e Dilma e, mais uma vez, são notórios, divulgados amplamente na imprensa.

O resultado disso é (novamente) a degradação da competitividade e a consequente falta de compromisso com a oferta de produtos e serviços de qualidade por quem goza das benesses estatais. Como exemplo, as estradas públicas.

Por outro lado, algo lamentável merece destaque. Embora necessários investimentos pesados na infraestrutura e nos sistemas de saúde, educação, segurança e moradia, o dinheiro do contribuinte brasileiro foi usado sem permissão para empresas “amigas do rei” realizarem obras em países governados com mãos de ferro por “ditadores amigos do rei”. Isso só é possível em regimes totalitários. Voltando.

Um agente complicador é o monopólio estatal. O Estado é péssimo administrador. Suas empresas prestam serviços caros, de baixa qualidade e conseguem ser deficitárias, mas sobrevivem porque geram um excelente capital político para a elite dirigente, que goza do apoio da imensa legião de servidores públicos com salários polpudos. A conta da festa, como sempre, é jogada no colo do contribuinte, e os maus administradores nunca são punidos, com a honrosa exceção da “Operação Lava Jato”.

Além dos ineficientes serviços dos Correios, há o petróleo, cuja autossuficiência não nos serve, porque a gasolina é vendida mais cara aqui do que nos países vizinhos. O petróleo é nosso mesmo? Por que a Petrobras vende gasolina mais barata no Paraguai que no Brasil? [13]. Siga os tributos e suas alíquotas...

Há o mesmo problema nos serviços públicos prestados por permissionárias e concessionárias que, em regra, mantêm seus contratos por décadas, sem renovação. E quando é aberta licitação, na maioria esmagadora das vezes vence um consórcio formado pelas empresas que já atuavam antes. É assim com os serviços de transporte público, de fornecimento de água, energia elétrica, telefonia, TV por assinatura e internet. A população segue prejudicada por falta de abertura à concorrência, embora seja importante dizer que o atual cenário não encoraja o investidor externo nesses setores.

A desonestidade do empreendedor em relação ao Estado pode ser vista em situações que envolvam o não pagamento de tributos, p.ex. Já em relação ao consumidor, há uma série de circunstâncias, que vão desde a venda de produtos vencidos até a cobrança por peças e/ou serviços não realizados, passando pela burla na apresentação do orçamento (p.ex., apresentar um problema pequeno e no decurso do conserto do bem, “descobrir” problemas maiores), não voltar para fazer alguns ajustes nos serviços já realizados, induzir o cliente a erro e não honrar serviços previstos em contrato.

Como profissionais e empresas são achacados pelo Estado, refazer ou reparar o serviço pode causar prejuízos, e então preferem ficar mal vistos e torcer para não serem demandados em juízo. Mas, é uma atitude desonesta. O fato de prejudicar os outros para obter proveito próprio é inaceitável.

Finalmente, há empresários que esperam fazer fortuna rapidamente porque não estão certos sobre o tempo em que conseguirão manter suas empresas funcionando, muito em razão dos problemas já expostos aqui e também de vários bugs havidos na nossa economia, de períodos de inflação altíssima. É que, repentinamente, sua atividade pode ser inviabilizada de vez, pois, no Brasil, o empresário praticamente não se pode dar ao luxo de fazer investimentos em longo prazo.

“Pari passu”, há empresários que se unem para formar cartéis, prática criminosa que nunca foi efetivamente combatida, especialmente em razão da tradição antiliberal que inibe a concorrência. Na realidade, acaba-se incentivando sua formação. Fosse uma economia de mercado, empresários disputariam a tapas os consumidores. Vejamos a solução segundo MISES [14]:

É absurdo ver o governo – que gera, por meio do próprio intervencionismo, as condições que possibilitam a emergência de cartéis nacionais – voltar-se contra o meio empresarial, dizendo “Há cartéis, portanto é necessária a interferência do governo nos negócios”. Seria muito mais simples evitar a formação de cartéis sustando a interferência governamental no mercado – interferência esta que vem a gerar as possibilidades de formação desses cartéis. A ideia da interferência governamental como “solução” para problemas econômicos dá margem, em todos os países, a circunstâncias no mínimo extremamente insatisfatórias e, com frequência, caóticas. Se não for detida a tempo, o governo acabará por implantar o socialismo. (Grifei)

A busca da implantação de um sistema de economia planificada no Brasil não é mais um segredo. E são aqueles que se autodenominam piedosos, humanistas, altruístas e ungidos que chegaram ao poder para corrigir as distorções sociais e econômicas do país que, na realidade, trabalham para nos guiar rumo ao caminho da servidão.

Não é difícil perceber que, quando Estado quer, ele cria inúmeras barreiras que freiam o desenvolvimento do país. Em alguns casos, inclusive, chega ao absurdo de se imiscuir no dever de ditar o que deve ser oferecido (estabelecendo quantidades, material a ser utilizado etc.), quem deve oferecer e qual o valor praticado.

Por um período vivenciamos uma pequena melhora. Foi no governo intervencionista de Fernando Henrique Cardoso, um social-democrata que, ao lado de algumas medidas liberais, criou agências reguladoras, aumentou a carga tributária e avançou na agenda globalista, editando leis que investiram pesado na ofensiva contra os valores morais ocidentais. A desestatização de certas empresas atribuiu ao neoliberal a pecha de “direita”, mas seu governo em nada se aproximou do liberalismo clássico dos séculos XVIII e XIX, defendido por liberais e conservadores de boa cepa [15].

Apesar disso, fomos bem. Com uma moeda forte o Brasil entrou nos eixos e voltou a crescer após mais de uma década perdida. Porém, quando parecia que o empresariado se acostumaria à estabilidade, veio um longo período de lulopetismo – esquerda mais radical que a ala fabiana de FHC. Nenhum país sobreviveria incólume a esses tempos de mais aumento da carga tributária somado a irresponsabilidades e gastanças imoderadas e sem lastro. Na mesma ocasião surgiu o maior esquema de corrupção jamais visto no país, quiçá do mundo. Last, but not least, esses mesmos governos conduziram o país deliberadamente em direção à recessão.

Uma nova retomada do crescimento exigiria a mudança da atual matriz econômica e a volta do tripé econômico (responsabilidade fiscal, sistema de metas de inflação e taxa de câmbio flutuante), além da concessão de mais liberdade ao empresário com a diminuição da carga tributária e a desburocratização. O consumidor seria o maior beneficiário num ambiente de livre concorrência, já que é ele quem movimenta a mão invisível reguladora do mercado, ditando regras sobre o que contratar e quanto gastar.

Aliás, em relação ao quanto gastar, segundo HAYEK, é o preço que “permite aos empresários ajustar sua atividade à de seus concidadãos pela observação das oscilações” do mercado para direcionar seu negócio. E ele complementa: “É importante assinalar que o sistema de preços só cumprirá sua função se a concorrência predominar[16].

Com regras mais frouxas, há o incremento dos negócios, novos postos de emprego são abertos, a geração de riquezas insere mais pessoas no mercado e o capital gira, formando um ciclo de crescimento. Isso torna quase que totalmente despicienda a interferência do Estado na economia, e dispensa a criação e a manutenção de projetos sociais eleitoreiros, pagos com o sacrifício da parte da população que é refém do Fisco. Para sustentar uma boa administração, basta cuidar de segurança, saúde e educação – as duas últimas através da terceirização e do sistema de vouchers; e sem compadrio –, mas sem esquecer o respeito à propriedade privada e aos demais direitos individuais.

A mudança requer muito trabalho, mas situação poderia ser pior se a sociedade não estivesse se movimentando e continuasse com a visão obnubilada pelas falácias dos avanços sociais. Mesmo assim, percebemos que as instituições estão aparelhadas e alguns simpatizantes atuam sem temor nem freios morais.

É importante ter em mente que não é possível retroceder, uma vez que esses tempos difíceis são o resultado de uma ação orquestrada pela elite dirigente, que aplicou um golpe ao desviar bilhões da Petrobras para patrocinar campanhas e se investir de um poder ilimitado e por tempo indeterminado, como o claudicante Maduro e o finado Chavez conseguiram fazer na pobre Venezuela e o Evo Morales procura fazer na Bolívia. E eles não irão parar de “sponte sua”.

Para nossa sorte, algo fora dos planos aconteceu e o espantoso esquema de corrupção entranhado em toda a máquina pública foi descoberto. A popularidade de Dilma despencou a 7% e depois a 5%. Caíram as máscaras de bom mocismo de muitos políticos e empresários até então intocáveis, e a população parece estar dando conta de que se aproxima do abismo mais profundo para o qual o país já foi levado. É de vital importância livrar o país das crias do Foro de São Paulo, como fez a Argentina ao enxotar os populistas do poder.

Aproveitando essa repentina conscientização de muitos, é possível derrubar as estruturas já corroídas do poder e trazer frescor e novas lideranças ao país, que trabalhem para implantar um projeto que impulsione a economia e nos traga um real e definitivo desenvolvimento.

Pois bem. O objetivo do ensaio não era santificar nem demonizar o empresário, mas discutir que a liberdade no exercício de sua atividade beneficia a todos, em especial a população – mais especificamente o consumidor, a quem cabe assumir o protagonismo para decidir os rumos do mercado e da saúde financeira do país.

De outro lado, é também o desejo do fornecedor em lucrar que movimenta a economia. Mas, para que possa lucrar, ele é obrigado a investir em tecnologia de ponta e a desenvolver novos produtos, novas técnicas e novos designs para despertar no consumidor o desejo de obter seus produtos ou utilizar seus serviços. Com disso, a concorrência se vê obrigada a fazer o mesmo, o que dá um “up grade” no mercado.

É urgente a diminuição da interferência do Estado na economia, a fim de evitarmos um processo de venezuelização no Brasil. Nas sociedades que experimentam maior interferência do Estado através da burocracia e da tributação pesada, a tendência é que o mais prejudicado seja exatamente quem possui menos recursos, pois irá arcar indiretamente com toda a tributação cobrada aos fornecedores, já que inserida nos cálculos para precificação de produtos e serviços. Salta aos olhos que quem possui mais recursos sentirá um baque menor sobre suas contas porque lhe sobra mais na relação ganhos vs. despesas. Ou seja, quem gasta tudo não tem como arcar com o aumento dos tributos, enquanto quem não gasta pode abrir mão de suas reservas.

Esse modelo ortodoxo de gerir a economia já foi testado muitas vezes, e em vários países, e o resultado sempre foi o fracasso total. Passou (e muito) da hora de arrancar do poder essas pessoas que conduzem o Estado segundo uma ideologia assassina que prega a inveja na condição do outro e comprovadamente não deu certo em nenhum país do planeta. É a liberdade dos brasileiros que está em jogo.

 

NOTAS

 [1] MISES, Ludwig von. As seis lições. 7. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009, pág. 29;

[2] Stephen Kanitz, em 06/02/2016, postou em sua conta no facebook o seguinte comentário: “... O problema do Brasil é outro. Os Governos FHC e PT destruíram todos nossos bancos pequenos, os Bancos Comunitários. Áustria tem 600 bancos Comunitários, pequenos, que atendem você e não um número de conta. Graças ao PSDB e o PT temos um oligopólio de somente cinco grandes bancos. Isto somente nós administradores percebemos”;

[3] Taxa é, na realidade, uma modalidade de tributo vinculada a uma atividade estatal;

[4] Ver sobre a Inconfidência (ou Conjuração) Mineira;

[5] Brasileiro trabalha 151 dias para pagar imposto, que come 41,4% do salário. UOL, 21/05/2014. Disponível em <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/21/brasileiro-trabalha-151-dias-para-pagar-imposto-que-come-414-do-salario.htm>. Acesso em 12/12/2015;

[6] O ex-presidente Lula, em discurso vitimista respondendo a um questionamento do candidato Enéas Carneiro no pleito presidencial de 1994, denominou “elite dirigente”. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=lx0qDkODcMY>. Acesso em 07/02/2015;

[7] GASCHAGEN, Bruno. Pare de acreditar no governo... Rio de Janeiro: Record, 2015, págs. 40, 253 e 263/264;

[8] HAYEK, Fredrich August von. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto von Mises Brasil, 2010, pág. 56;

[9] HAYEK, Fredrich August von. Ob. cit., págs. 18/19;

[10] Estudo apresentado em junho de 2015 pelo Banco Mundial através do projeto Doing Business. Disponível em <http://portugues.doingbusiness.org/data/exploretopics/paying-taxes >. Acesso em 16/02/2016;

 [11] Fundação Heritage. Índice de liberdade econômica 2016. Disponível em <http://www.heritage.org/index/ranking>. Acesso em 16/02/2016;

[12] Bomfim, Camila. Zelotes apura pagamento de propina para edição de 3 medidas provisórias. TV Globo, 26/10/2015. Disponível em <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/10/zelotes-apura-pagamento-de-propina-para-edicao-de-3-medidas-provisorias.html>. Acesso em 12/12/2015;

[13] Andrada, Martim. Petrobras anuncia redução no preço do combustível para o Paraguai. Globo, 12/02/2015. Disponível em <http://g1.globo.com/hora1/noticia/2015/02/petrobras-anuncia-reducao-no-preco-do-combustivel-para-o-paraguai.html>. Acesso em 12/12/2015;

[14] MISES, Ludwig von. Ob. cit., pág. 57;

[15] Segundo José Monir Nasser, o que se chama neoliberalismo, não só se opõe ao liberalismo como é, de fato, o seu inverso. O neoliberalismo não é um movimento pró-capitalista. Em termos bem práticos, para o liberalismo não cabe ao governo resolver problemas que competem apenas aos indivíduos. Ou seja, os liberais dizem que se o Estado deixar o homem atuar com liberdade, o resultado concreto será economicamente muito maior que se forem estabelecidas restrições e limitações. O neoliberalismo é o modo pelo qual os governos socialistas modernos descobriram que poderiam parecer menos socialistas, é uma personagem traiçoeira que nos faz achar que não existe mais socialismo no mundo, quando exatamente é o contrário, pois o que se conseguiu com o neoliberalismo foi aprofundar o socialismo e não diminuí-lo. Hoje o corpo de empresários nada mais é do que agentes captadores do Estado. Eles só servem para financiar o Estado, e isso significa que a taxa de tributos que incide sobre o PIB, ou seja, que incide sobre o esforço pessoas que trabalham de fato só irá aumentar. (Diferenças entre liberalismo e neoliberalismo. Programa Mídia sem Máscara na TV. Canal 21, Curitiba. A partir de 28’02’’. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Q_0xCc2EUrk&list=PLbq4Ha-7vsP2akUnxholHk1380WIDlZ7v&index=7>. Acesso em 12/01/2016);

[16] HAYEK, Fredrich August von. Ob. cit., pág. 70.

 

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Sobre o autor
Fernando César Borges Peixoto

Advogado, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória-ES; e em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha-ES.

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