Responsabilidade civil por erro médico

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Como se pode responsabilizar civilmente um erro médico nas cirurgias plásticas.

 Introdução

A cirurgia plástica de caráter meramente estético já foi muito combatida no passado recente. Provavelmente, pelo seu caráter de cirurgia posta a serviço das vaidades fúteis ou do processo de rejuvenescimento muitas vezes inatingível e desnecessário. Contudo, isto faz parte de um passado.

Atualmente não há como negar a importância desse tipo de intervenção médica que, em muitas circunstâncias, colabora para que o paciente recomponha a sua autoestima, a confiança e o amor próprio.

Não se pode descurar do fato de que após se submeterem a uma cirurgia plástica, indivíduos que antes se escondiam por vergonha ou por complexo de inferioridade, reconquistaram a confiança e tornaram-se felizes e saudáveis.

Esse tipo de cirurgia pode recompor o corpo, e como consequência proporcionar satisfações de espírito, afastando conturbações e complexos derivados de alguma anomalia. Como assevera Aguiar dias, não é só o ator que se vê na contingência de bater à porta do cirurgião esteta, pois um defeito físico que importe fealdade pode ocasionar serias neuroses, determinando grande sofrimento podendo levar seu portador até as raias do suicídio.

No entanto, como delimitar o que seja uma intervenção motivada pela necessidade, ainda que psicológica, daquela que é escudada única e exclusivamente numa vaidade fútil? Sabemos que muitas pessoas procuram o cirurgião plástico visando a uma intervenção que os torne parecidos com determinado ídolo do cinema, da arte, da música, ou, pior ainda, quando desejam aquela operação tão somente porque está na moda. 

Outros se servem da cirurgia plástica para correções que lhes devolvam a autoestima, melhorando-lhes a aparência e facilitando a aceitação em sociedade. Há ainda aqueles que dela se servem até como uma necessidade profissional, tal qual o modelo que necessita manter suas formas e beleza, como verdadeiro instrumento de trabalho.

Como esse tipo de intervenção se popularizou, consequentemente ampliou-se a sua utilização e fez crescer o número de casos envolvendo erro médico. De outro lado,sua popularização fez surgir diversos oportunistas que, sem nenhuma especialidade, se aventuraram neste campo da medicina com resultados funestos, conforme tem sido constantemente divulgado pela mídia. 

Mais grave ainda é ver profissionais dessa especialidade indo a programas de TV e oferecerem seus milagrosos serviços publicamente, garantindo transformar simples senhoras em exemplos de beleza. 

Atualmente existem consórcios e até planos mediantes carnês, além de bônus e prêmios, para viabilizar o custeamento das despesas com a realização desse tipo de cirurgia.

Em face desses desvios é que nossos Tribunais têm sido mais severos ao analisar questões envolvendo erro médico do cirurgião plástico. E com razão, tendo em vista que “a promessa de beleza fácil é rapidamente esquecida pelo mau profissional que muitas vezes consegue esconder-se atrás da heterogenia ou, ainda, caráter que o fez iludir o leigo, que o impeliu a vender aquilo que ele antecipadamente, sabia ser impossível de realizar”.

Deste modo, será demonstrando adiante a diferença e os pontos que são discutidos em nossos Tribunais à respeito da cirurgia plástica corretiva e de embelezamento. Trataremos esses dois pontos analisando também a responsabilidade médica em torno de ambos os casos.

Da cirurgia corretiva e de embelezamento

No tocante as cirurgias plásticas há que se fazer uma diferença entre a intervenção cirúrgica com caráter corretivo e aquelas que se destinam exclusivamente a melhorar a aparência, também chamada de cirurgia de embelezamento. Na de embelezamento, o paciente é saudável e pretende com a cirurgia melhorar a sua aparência; já na cirurgia reparadora, o que se busca é a correção de lesões congênitas ou mesmo adquiridas.

Nos casos de cirurgias corretivas, seja em razão de problemas congênitos, seja em razão de deformidade decorrente de acidente, o cirurgião plástico atuará com a obrigação de aplicar toda a sua diligência e técnica disponível para eliminar ou corrigir o defeito, não podendo se comprometer com os resultados da empreitada, de tal sorte que sua obrigação será de meio.

No que diz respeito à cirurgia embelezadora, também chamada de cosmetológica, não se pode dizer o mesmo. A toda evidência que, quando alguém busca os serviços de um cirurgião plástico com a finalidade de melhorar sua aparência, não irá se submeter aos riscos de uma cirurgia e ao pagamento de vultosa quantia, se não obtiver do profissional as garantias de sucesso quando ao fim colimado. Dessa forma, o médico assume obrigação de resultado e responderá pelo eventual insucesso da empreitada.

A lógica de tal concepção se assenta no fato de que o paciente é pessoa sadia que almeja remediar uma situação desagradável, busca um fim em si mesmo, tal qual a nova conformação do nariz, a remoção de gorduras incômodas, a supressão de rugas, a remodelação das pernas, seios queixos etc. Sendo assim, o que o paciente espera do cirurgião plástico não é que ele se empenhe em conseguir um resultado qualquer, mas que obtenha o resultado preconizado.

Nessas circunstâncias, se a cirurgia não atende às expectativas do paciente, poderá ensejar a responsabilização do profissional médico que, embora continue sendo subjetiva, responderá com culpa presumida, cabendo-lhe o ônus de demonstrar a ocorrência de fatos ou atos que possam ilidir o dever de indenizar. Nesse sentido já se decidiu que a relação jurídica travada entre o cirurgião plástico e a paciente que visa preponderantemente ao embelezamento envolve obrigação de resultado, porquanto atividade médica que extrai da vaidade humana substancial fonte de renda e que, portanto, se submete, com mais rigor, por imperativo lógico- jurídico às normas protetivas do consumidor.

Por isso mesmo o mestre Caio Mário já de longa data afirmava que a cirurgia estética gerava obrigação de resultado e não de meio considerando que o cliente quando procura o cirurgião plástico o faz tendo em mente corrigir uma imperfeição ou melhorar a sua aparência. “Ele não é um doente, que procura tratamento, e o médico não se engaja na sua cura. O profissional está empenhado em proporcionar-lhe o resultado pretendido, e se não tem condições de consegui-lo, não deve efetuar a intervenção”.

O que impende considerar é que o profissional na área de cirurgia plástica, nos dias atuais, promete e se compromete com um determinado resultado (aliás, essa é sua atividade-fim), prevendo, inclusive com detalhes, esse novo resultado estético procurado pelo cliente.

Alguns se utilizam até mesmo de programas de computador para projetarem a nova imagem desejada (nariz, boca, olhos, seios, nádegas etc.), através de montagem, escolhida na tela do computador ou na impressora, para que o cliente decida. Estabelece-se, sem nenhuma dúvida, entre médico e paciente uma relação contratual de resultado que deve ser honrada. Portanto, pacta sunt servanda.

Cumpre registrar por fim que existem algumas divergências tanto na doutrina quanto na jurisprudência, porém há uma tendência amplamente majoritária (quase unânime) que considera a cirurgia estética de embelezamento como uma obrigação de resultado. 

Contudo, existem aqueles que consideram que os riscos presentes uma cirurgia plástica são os mesmos de qualquer outra atividade médica, sendo assim, obrigação de meio. Dentre estes, cabe destacar o sempre Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior que afirma: “ Na cirurgia estética, o dano pode consistir em não alcançar o resultado embelezador pretendido, com frustração da expectativa, ou agravar os defeitos, piorando as condições do paciente.

As duas situações devem ser resolvidas à luz dos princípios que regem a obrigação de meios, mas no segundo fica mais visível a imprudência ou a imperícia do médico que provoca a deformidade. O insucesso da operação, nesse último caso, caracteriza indicio sério da culpa do profissional, a quem incumbe a contraprova de atuação correta.

Nos dois casos, seja cirurgia corretiva ou de embelezamento, a apuração da responsabilidade do médico continua sendo subjetiva, isto é, aferida mediante a comprovação da culpa, conforme estabelecido no Código de Defesa do Consumidor (art. 14, Parágrafo 4°). Ocorre, porém que na corretiva a responsabilidade é subjetiva com culpa provada (ônus do lesado), e na de embelezamento a responsabilidade continua sendo subjetiva, porém com culpa presumida (ônus do médico).

Do dever de Informar

Dentre os deveres do médico há um que é inarredável qual seja, o de obter o consentimento informado do seu paciente antes de promover qualquer tratamento de risco ou intervenção cirúrgica, por expressa determinação do Código de Ética Médica. Mas não é só uma obrigação do médico, constituindo-se também em um direito do cliente/consumidor (CDC, art. 6°,III)

Na cirurgia embelezadora, o dever de informação desempenha papel relevante, seja no que diz respeito ao médico, seja no que diz respeito ao paciente. Por isso mesmo, Miguel Kfouri Neto assevera que o médico deve, “ em primeiro lugar, apreciar a veracidade das informações prestadas pelo paciente; depois verificar a oportunidade da cirurgia.

Convencido da necessidade da intervenção incumbe-lhe expor ao paciente as vantagens e desvantagens, a fim de obter seu consentimento. Na cirurgia plástica estética a obrigação de informar é extremamente rigorosa. Mesmo os acidentes mais raros, as sequelas mais infrequentes, devem ser relatados, pois não há urgência, nem necessidade de se intervir naquele organismo sadio.

O sempre atual Aguiar Dias, referindo-se à cirurgia estética, advertia: “embora reconhecida a necessidade da operação, deve o médico recusar-se a ela, se o perigo da intervenção é maior que a vantagem que poderia trazer ao paciente”. Alertava ainda, de que nada valia o consentimento do cliente se o médico não provasse que a operação não oferecia riscos desproporcionais em relação aos objetivos a serem buscados. Na matéria em que predomina o princípio da integridade do corpo humano, norma de ordem pública, não vale a máxima volenti non fit injuria.

O dano indenizável

Embora o dano deva ser sempre provado, essa regra tem sofrido abrandamento com base na jurisprudência, que em face das chamadas “ máximas de experiências”, passou a considerar presumido o dano em certas circunstâncias. Assim, quando se tratar de família pobre, a morte de um de seus membros pressupõe, além do dano moral, um prejuízo efetivo porque o falecido viria a contribuir para economia do lar, assim que atingisse a idade de trabalho, como bem deixou assentando o ilustre Ministro Cesar Asfor Rocha: “ Em família de poucos recursos, o dano patrimonial resultante da morte de um de seus membros é de ser presumido”.

E assim decidiu com base nos ensinamentos de Cunha Gonçalves de que a “maior, mais clamorosa injustiça é negar aos lesados, com tão fútil pretexto, toda e qualquer reparação, estimulando com a impunidade novos prejuízos, novos acidentes, novas mortes”, concluindo: “é mil vezes preferível uma solução imperfeita à permanência da injustiça não reparada”.

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Contudo, não se pode confundir o dano presumido com o dano imaginário porquanto “o pressuposto da reparação civil está, não só na configuração da conduta „contra jus‟, mas, também na prova efetiva dos ônus, já que se não repõe dano hipotético”. Assim, somos levados a concluir que o dano precisa ser real e efetivo, ainda que se possa falar em dano futuro em dadas situações, sendo necessária a sua prova, bem como a repercussão no patrimônio do lesado.

Do dano Material e patrimonial

O dano Material corresponde àquele comumente chamado de dano patrimonial, onde se encontram as perdas e danos, que engloba o dano emergente (prejuízo efetivo) e os lucros cessantes (o que a vítima razoavelmente deixou de ganhar). Evidentemente que o dano material é aquele que atinge o patrimônio da vitima, possível de ser quantificado e reparável por meio de uma indenização pecuniária, quando não se possa restituir o bem lesado à situação anterior.

Segundo o escólio de Sergio Cavalieri Filho, “ o dano material pode atingir não somente o patrimônio presente da vítima, como ,também, o futuro; pode não somente provocar a sua diminuição, a sua redução, mas também impedir o seu crescimento”, razão por que se justiça a subdivisão em dano emergente e lucro cessante.

Do dano moral ou extrapatrimonial

No conceito de dano moral, encontramos definições para todos os gostos. Neste particular, a doutrina é pródiga, porém, em que pesem pequenas nuances, há uma concordância quanto a classificar a lesão que possa autorizar a indenização por danos morais, como aquela que atinge o âmago do individuo, causando-lhe dor (incluindo-se aí a incolumidade física), sofrimento, angústia, vexame ou humilhação e, por se passar no íntimo das pessoas, torna-se insusceptível de valoração pecuniária adequada, razão por que o caráter da indenização é o de compensar a vítima pelas aflições sofridas e de lhe subtrair o desejo de vingança pessoal.

Nos ensinamentos do laureado mestre Wilson Melo da Silva, os danos morais são definidos como sendo as “ lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico”. Para melhor explicitar o seu pensar o insigne mestre complementa: “Danos morais, pois, seriam exemplificadamente, os decorrentes de ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada qual, às crenças intimas, à liberdade, à vida, à integridade corporal.”

Seguindo o mesmo raciocínio a renomada professora Maria Helena Diniz, preleciona que o dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoas física (ou jurídica), provocada pelo fato lesivo. Para ao depois arrematar que o dano moral pode consistir na lesão a um interesse jurídico extrapatrimonial relacionado aos “direitos da personalidade” (como a vida, a integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou aos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família), além daqueles que decorrem do valor afetivo atribuído a qualquer bem material, caso em que a sua perda pode vir a representar um menoscabo.

“Dano moral, à luz da Constituição Federal vigente, nada mais é do que a violação do direito à dignidade”, afirma de forma peremptória o magistrado e professor Sergio Cavalieri Filho. Ao depois, definido melhor o alcance do preceituado esclarece que “hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo sua tutela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética – razão pela qual se revela mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no direito português”. Para ao depois concluir que “em razão dessa natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização”.

Com advento do novo Código Civil e, cotejando os avanços doutrinários e jurisprudenciais, ousamos afirmar que o dano moral é toda agressão injusta àqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica, insusceptível de quantificação pecuniária, porém indenizável com tríplice finalidade: satisfativo para vítima, dissuasório para o ofensor e de exemplaridade para a sociedade.

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