4-IMPRATICABILIDADE DE DISTINÇÃO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS
É um argumento que vem perdendo força entre os defensores da não- -rotulagem em decorrência da evolução dos equipamentos e técnicas laboratoriais no campo da biologia molecular. À primeira vista, no seu estado natural no campo ou no comércio, é impossível a detecção de qualquer diferença entre as plantas, já que a cultivar modificada possui as mesmas características agronômicas da cultivar original. A diferença, invisível, encontra-se no germoplasma com o fator de resistência ao herbicida no caso da soja RR. No visual, esse atributo pode ser checado com a pulverização do herbicida, como fez a Polícia Federal no Rio Grande do Sul no episódio de contrabando de soja transgênica. No entanto, testes mais eficazes e expeditos podem ser realizados com o auxílio de sondas moleculares em laboratórios especializados. O desenvolvimento de kits de análise de DNA, munidos de computadores portáteis e ligados a rede de laboratórios virtuais via internet ou outro sistema de teleprocessamento de informação, segundo especialistas, pode viabilizar uma nova rotina de fiscalização, monitoramento e avaliação de moléstias, pragas ou ocorrência de plantas transgênicas em qualquer lugar do país. Ainda, como as variedades da planta transgênica são protegidas por leis de propriedade intelectual, esses kits e essa sistemática de ações vão ser operacionalizadas pelas próprias empresas envolvidas nos negócios dos transgênicos- tanto sementes como defensivos - que não vão admitir o uso de suas tecnologias sem o devido pagamento a cada safra agrícola. A fiscalização de uso indevido ou irregular será processado por firmas especializadas dos detentores das patentes e registros de proteção de cultivares. Ressalte-se que o agricultor não poderá usar a semente transgênica sem pagá-la, mesmo como semente própria, facultado pela lei de cultivares. Nesse caso, prevalecerá a lei de patentes, salvo modificações legais pertinentes já em tramitação no Congresso Nacional. As transgênicas gozam, portanto, de dupla proteção além dos segredos estritamente comerciais e elas vão fazer valer os seus direitos.
5 - ELEVAÇÃO DE CUSTOS COM A IDENTIFICAÇÃO
A identificação de plantas transgênicas implica em separar comercialmente os produtos, de tal sorte que a qualquer momento e em qualquer fase da cadeia do agronegócio seja possível saber onde e como ele se encontra. Isto significa operações, separadas de colheita, armazenamento, transporte, processamento, embarque e outras operações que vão requerer meios e instalações apropriadas para o fiel cumprimento dessa distinção. No final, haveria um fatal encarecimento do produto, o que afetaria a sua competitividade vis-à-vis de outras commodities convencionais. Em princípio, tais explicações revelam-se razoáveis e convincentes. Mas uma análise ponderada, equilibrada, objetiva e, sobretudo, comercial em um contexto sistêmico da realidade do concorrido mercado de grãos indica possibilidades de estratégias alternativas. Em primeiro lugar, nenhum produtor competente cultiva um único produto, isto é, só soja, só milho ou só arroz. Ele pratica a rotação de culturas, faz plantio direto, planeja as diferentes culturas anuais, distribui riscos entre culturas ou mesmo entre cultivares de um mesmo produto. A cooperativa ou empresa agroindustrial, ciente dessa realidade, estrutura-se para uma ação multiprodutos e multifinalidades, em razão de preços diferenciados, períodos distintos de comercialização, programação do cash-flow, programação de atividades etc. Opera-se, assim, com vários tipos de arroz (que não podem ser misturados), vários tipos de feijão (preto, de cores) e tipos diferentes de grãos (soja, milho, sorgo, trigo). Em termos de região produtora, um armazém graneleiro convencional era dimensionado para cerca de 36 mil a 50 mil toneladas de capacidade estática, com septos diversos, sistemas complexos de termometria e controle de umidade, transportadores subterrâneos e aéreos, equipamentos complementares e demais instalações, que resultavam em investimentos da ordem de US$ 50/tonelada. Atualmente, a armazenagem se processa em baterias de células metálicas com capacidade individual de 2.500 a 10.000 toneladas, estrategicamente dimensionadas e construídas para máxima funcionalidade, com custos em torno de US$ 15/tonelada.; e são programadas para atender a vários produtos dentro da dinâmica do mercado de diferentes grãos, que é naturalmente instável, sazonal e pouco previsível, principalmente no médio e longo prazos. Então, para muitos operadores do agronegócio, providências adicionais para mais uma separação de produto não envolvem alterações substantivas de ajustamentos a uma nova realidade comercial. A competitividade de um determinado grão/cultura não depende apenas de custos no setor primário ou industrial, mas da maximização de ações em toda a cadeia do agronegócio - isto é, à juzante e à montante da agricultura - em um ambiente macroeconômico favorável ao florescimento da criatividade e sagacidade empresarial em bases altamente dinâmicas:infra- estrutura eficaz, carga tributária racional, clima jurídico-institucional promissor, educação e qualificação de mão-de-obra ágil e competente, regras econômico-financeiras claras e estáveis, etc.
Em segundo lugar, tem-se o desenvolvimento e aprimoramento da logística, isto é, planejamento e implantação de ações de modo a fazer a produção ou produto desejado chegar ao consumidor final no tempo certo, na qualidade requerida e a custos competitivos. A logística pode, por exemplo, envolver sistema de transporte intermodal, passando por toda a cadeia de valores, como porto, retroporto, ferrovia, locomotiva e vagão, armazenagem, navio, porto de destino, carga de retorno e outros elementos passíveis de otimização desde, por exemplo, a produção do minério de ferro na jazida até o destino final na siderúrgica no exterior. No caso de um produto perecível, como suco cítrico a granel, a logística envolve a unidade processadora, a estocagem em ambiente controlado, caminhão-tanque refrigerado, armazém portuário, sistema de embarque no cais, navio graneleiro apropriado para a carga e igual aparato no porto de recepção no exterior. O produto (suco de laranja, suco de limão ou tangerina) precisa ser transportado no tempo certo, nas condições adequadas para não comprometer a qualidade, com segurança e com custos mínimos para que se alcance uma elevada performance operacional no suprimento do suco cítrico nos principais mercados consumidores mundiais. Outro exemplo de logística é o que está ocorrendo com a rota alternativa da hidrovia do Amazonas (Porto Velho/Santarém) ao viabilizar competitivamente a produção de grãos da região Centro-Oeste e da própria Amazônia que dispunha, até então, de rotas convencionais de alto custo. Combinando estradas alimentadoras regionais, armazéns coletores, terminais de carga em Porto Velho e Santarém, embarcações apropriadas para a região, instalações funcionais devidamente equipadas e sistemas de gerenciamento de cargas, entre outras iniciativas, torna-se plenamente otimizável todo o processo de produção e exportação de grãos da imensa região do Centro-Oeste e Norte, redinamizando oportunidades econômicas e criando um novo ambiente de investimentos. Assim, para um dado produto claramente distinto dos outros e perfeitamente discriminado, como por exemplo, soja orgânica, algodão fibra extra-longa ou soja transgênica, a viabilidade de uma logística operacional estará, certamente, relacionada com a escala, existência de economias externas compatíveis, programação de ações previsíveis, confiabilidade comercial da cadeia e comportamento da dinâmica de produtos concorrentes alternativos.
Uma outra vertente de logística, o gerenciamento da cadeia de suprimentos - supply chain management, constitui uma técnica de alta utilidade na otimização de operações de compras e vendas de produtos. Dispondo, racionalmente e pragmaticamente, de uma visão abrangente e integrada de todas as atividades associadas ao fluxo de materiais ou mercadorias e informações da cadeia de suprimentos, é possível determinar níveis de custos, ganhos de tempo e eficiência que resultam em apreciáveis vantagens competitivas. É de utilização corrente na reposição de estoques (que envolve uma unidade industrial ou comercial e um ponto de venda) e na renovação freqüente de produtos nas prateleiras de supermercados, farmácias e grandes lojas de varejo. Com o conhecimento sobre mercadorias (tipo, natureza, quantidade, qualidade, peso, tamanho, preço etc) e informações sobre quem compra, quando, como, o que e com que freqüência, identificam-se as principais variáveis objetivas e subjetivas dos consumidores. Uma técnica de análise dessa gama de informações existentes em um processo de logística no sistema agroindustrial consiste no chamado ECR - efficient consumer response (respostas eficientes ao consumidor). Contando com os novos e modernos recursos empresariais, que aliam automação digitalizada e teleprocessamento, é possível avaliar e tratar um volume considerável de informações sobre o varejo em termos de produtos, hábitos de compras, condições sócio-econômicas, relacionamento com a empresa, tipos de consumo e montantes de despesas, entre outros, em uma verdadeira tarefa de garimpagem de dados relevantes para o negócio. Chamado de "Data Mining" ou mineração de dados, essa sistemática de prospecção de informações procura identificar, catalogar e conhecer estrategicamente as principais variáveis envolvidas em um dado comércio. Junto com o EDI - Exchange Data Information - ou troca eletrônica de dados e informações entre distribuidores (varejo) e indústria é possível refinar, calibrar, dimensionar e programar cientificamente a atividade comercial em termos de promoção, estoques, produto-alvo, público-alvo preferencial, propaganda etc de forma a reduzir custos, ganhar tempo, minimizar perdas e otimizar padrões relacionais indústria-distribuidor- consumidor. A atuação de um Pão de Açúcar ou Carrefour situa-se na vanguarda da modernidade de um setor que opera com base em custos expostos à sensibilidade de orçamentos domésticos e com margens operacionais ditadas pela concorrência entre gigantes. E para alcançar performances significativas no mundo empresarial em um setor complexo, constituído de milhares de produtos atomizados em ítens e subitens, devidamente discriminados e guarnecidos por centenas de fornecedores habilmente cadastrados, contam com técnicas e recursos de alta eficiência, como automação de suprimentos (cadeia de suprimentos, ECR, EDI, Data Mining), caixas registradoras óticas automatizadas, pagamentos on line, vendas eletrônicas via internet e delivery, lay out funcional com marketing sensorial, funcionamento 24 horas e outras estratégias comerciais.
6 - CONCLUSÃO
As plantas transgênicas devem ser vistas em um contexto de grandes mudanças que estão em marcha na humanidade neste limiar de um novo século. O sistema agroindustrial brasileiro, campo de ação das plantas transgênicas, acha-se por sua vez subordinado aos grandes movimentos de metamorfoses evolutivas como a globalização econômica com a universalização de mercados, leis, regulamentos e procedimentos sócio-culturais; a liberalização geral da sociedade com a redefinição do papel do Estado em domínios passíveis de ação pela iniciativa privada, limitando-se às funções reconhecidamente típicas do Poder Público; a realidade virtual do mundo da teleinformática e da automação digital onde tudo passa a ser instantâneo, prático, funcional, cômodo e eficaz em qualquer lugar do mundo e em qualquer ação humana imaginável; o novo mundo das ciências da vida com a biotecnologia ditando, notadamente através da engenharia genética, novos valores e padrões de conduta na economia, política, justiça, ética, relações internacionais e na própria vida do planeta. Nesse contexto de instabilidades, com tendências inéditas em amplas áreas do conhecimento humano, e de conformidade com as razões expostas nas linhas anteriores, nota-se que os argumentos de não-rotulagem ou não- identificação de plantas transgênicas não se coadunam com os fenômenos contingentes do agronegócio moderno (segmentação, diferenciação, customização, segurança alimentar, vigilância sanitária, logística, código do consumidor).
Ao examinar a lei agrícola (Lei n° 8.171, de 17.01.91) - nos seus pressupostos quanto a normas e princípios de interesse público, de forma que seja cumprida a função social e econômica da propriedade (art. 2º), nos objetivos constantes no art. 3º (promover, regular, fiscalizar, controlar, avaliar atividade e suprir necessidade - item I; eliminar as distorções que afetam o desempenho das funções econômica e social da agricultura - item II; proteger o meio ambiente, garantir o seu uso social e estimular a recuperação dos recursos naturais - item IV) e nos objetivos da defesa agropecuária com vistas a assegurar a identidade e a segurança higiênico-sanitária e tecnológica dos produtos agropecuários finais destinados aos consumidores (art. 1º da Lei 9.712, de 20.11.98, alterando a Lei nº 8.171) - constata-se que não se pode exercer essas atribuições, com um mínimo de seriedade e eficácia institucional, à margem de uma clara rotulagem das plantas transgênicas. Misturada, embaralhada, confundida com as convencionais não se teria condições operacionais de exercer uma efetiva ação de fiscalização, monitoramento, controle e avaliação das plantas transgênicas, principalmente daquelas de caráter poligênico, tornando letras mortas dispositivos da lei agrícola. Igualmente, seria totalmente inócua a vigilância sanitária do Ministério da Agricultura, regida doravante, pela sistemática HCCP - avaliação de risco e controle de pontos críticos, acertado com a OMC e FAO. A identificação das plantas transgênicas é necessária não somente por uma postura técnica ou legal, mas, principalmente, por uma questão de precaução (princípio de ouro da regra ambiental) em relação ao desconhecido, que só será aprimorada com o avanço da ciência e tecnologia em seus imprevisíveis desdobramentos, além da própria evolução do sistema agroindustrial brasileiro, às voltas com agricultura de precisão, agricultura funcional, segmentação e diferenciação de mercados, zoneamento de produção, certificado de controle de origem, customização, logística, mudança na composição etária da população, restrições ambientais, direitos dos consumidores, biossegurança, bioética, lei de propriedade intelectual, lei de acesso a recursos biotecnológicos e crescente ação nas salvaguardas de preservação do planeta.
Toda e qualquer aplicação tecnológica comporta desvios entre a realidade dos fatos e a mais perfeita das invenções humanas. E para a administração desse risco, notadamente quando as implicações podem envolver o destino da própria humanidade, toda medida de precaução merece ser encarada com seriedade e equilíbrio.