A comunidade internacional vivencia hoje um período de transformações nos mais diversos setores, especialmente na área econômico-jurídica. Nesse campo, uma nova ordem mundial, já sem o ônus da chamada Guerra Fria, experimenta um crescimento sem precedentes do comércio internacional e do fluxo dos investimentos, devido à globalização da economia, impondo às nações um intenso relacionamento, seja em âmbito mundial, por meio do processo na Organização Mundial do Comércio, seja em âmbito regional, por intermédio dos processos de integração econômica.
O Estado moderno e seu conceito de soberania têm sofrido grandes mudanças diante das novas experiências de associação. O exemplo da União Européia, hoje caminhando para uma verdadeira união política, haja vista o êxito da união monetária, serve para auxiliar o estudo do modelo institucional adotado pelo Mercosul, levando-nos a constatações, inspirando-nos críticas, fazendo-nos colher os frutos de sua experiência precursora para moldar os instrumentos e normas do futuro do Mercosul. A regulamentação desses processos de cooperação e integração dos Estados exige do Direito a criação de sistemas normativos em novas bases, de cunho eqüitativo e funcional. Começa, assim, a tomar corpo o Direito da Integração – ramo que estuda e regulamenta os processos de integração econômica. Enfoca-se a questão da soberania, na edificação dessa integração.
Ressalte-se que é de grande importância a definição de Celso Lafer no que tange ao bloco regional chamado Mercosul: "é um marco de referência democrática dos países que o integram, inseridos no mundo das polaridades indefinidas do Pós-Guerra Fria, especialmente agora que o Tratado de Assunção, através do Protocolo de Ouro Preto, constitui-se no tratado definitivo que regula a integração" [1].
Embora muito se tenha falado sobre a necessidade da adoção de um modelo como o europeu para os planos institucional e jurisdicional do Mercosul, essa questão não está em discussão, na medida em que o Protocolo de Ouro Preto já demonstrou a opção dos países-membros pelo modelo de organização intergovernamental.
Restringe-se por ora a abordar o recente Protocolo de Olivos, que pode permitir certo avanço no progresso de integração regional, mesmo que distante da elaboração de um Direito Comunitário no Mercosul.
Com o estudo, pretende-se demonstrar que já existem mecanismos para atender às controvérsias surgidas no Mercosul, não somente entre Estados, mas também litígios entre particulares, estes figurando em qualquer dos lados da lide e opondo-se a um Estado, ou até mesmo a um particular oriundo de outro país-membro, podendo, ainda, as partes optar pelo sistema de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio ou de outros organismos preferenciais de comércio de que os Estados-partes sejam integrantes, de acordo com o estatuído no Protocolo de Olivos.
Outrossim, o recente Protocolo de Olivos traz em seu corpo algumas modificações do sistema original estabelecido pelo Protocolo de Brasília, dentre elas a criação de Tribunal Permanente de Revisão, isto é, uma nova figura que aparece como instância de revisão perante os laudos arbitrais emanados pelos Tribunais ad hoc criados pelo Protocolo de Brasília. Então, esse novo Tribunal é dotado de competência para revisar aquilo que se decide "em primeira instância", com poderes para, eventualmente, efetuar uma diferente ponderação do Direito aplicado.
Não obstante as inovações trazidas pelo novo documento, sabe-se que o Mercosul atravessa na atualidade sérios problemas de credibilidade, seriedade e conveniência, como conseqüência dos conflitos institucionais, econômicos, sociais etc. em que estão submersos os países que o integram; ressalte-se a situação da Argentina, com sua democracia debilitada, suas instituições indefinidas e seu futuro incerto em razão da crise macroeconômica sem precedentes que atualmente enfrenta.
A criação de um Tribunal Permanente de Solução de Controvérsias tende a fortalecer a estrutura institucional do Mercado Comum do Sul, supondo uma determinação convincente e reiteradamente esperançosa para continuar com o compromisso assumido, notadamente contribuindo para a aplicação uniforme das normas do Mercosul.
Para tanto, na sua elaboração, considerou-se a necessidade de garantir a correta interpretação, aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do processo de integração e do conjunto normativo.
Sem dúvida, o sistema de controvérsias estabelecido pelo Protocolo de Brasília pecava em alguns aspectos, dentre os quais consideramos mais relevante a falta de segurança jurídica gerada pelo sistema. Esta era ocasionada pelo fato de os tribunais arbitrais serem efêmeros, julgando cada caso separadamente e fazendo coisa julgada. Assim, não formavam uma jurisprudência uniforme, conseqüentemente proferindo sentenças (laudos) díspares sobre a mesma matéria. Dessa forma, não propiciavam a segurança jurídica necessária. Para sanar tal debilidade, o Protocolo de Olivos instituiu uma "nova instância", permanente e com poderes para eventualmente efetuar uma diferente ponderação do Direito aplicado. De tal modo, os indivíduos ou Estados podem ter conhecimento do que é possível ou não fazer diante das normas jurídicas e o que é ou não permitido à livre iniciativa das pessoas.
Essa inovação é uma nova figura que aparece como instância de revisão perante os laudos arbitrais emanados pelos Tribunais ad hoc criados pelo Protocolo de Brasília. Tal novidade, que consta como cerne do novo sistema, foi notadamente inspirada no sistema de solução de controvérsias adotado pela Organização Mundial do Comércio – (OMC), cujo órgão de apelação funciona como uma instância uniformizadora das regras multilaterais.
Outra importante inovação é a permissão para o Estado demandante, caso seja de seu interesse, escolher o foro internacional para decidir a lide. Desse modo, evitará decisões duplas na mesma controvérsia, como já ocorrido entre o Brasil e a Argentina, especificamente nas questões têxteis e avícolas.
De igual importância foi a regulamentação da etapa post-laudo, é dizer o cumprimento do laudo pelo Estado perdedor do litígio e os efeitos de seu eventual descumprimento, vindo a sofrer as medidas compensatórias.
Por fim, espera-se que os Estados-partes realizem todos os esforços necessários a fim de lograr celeridade no que concerne às leis probatórias do novo Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul. Espera-se, também, que o Mercosul siga sendo um objetivo prioritário dentro das respectivas políticas exteriores dos países sócios, avançando no seu real funcionamento, em que mais do que nunca precisamos da estabilidade do bloco para elaboração de uma estratégia de negociação com a ALCA.
Notas
01. Sentido estratégico do Mercosul. In: VÁRIOS AUTORES. Mercosul: desafios a vencer. São Paulo: Conselho Brasileiro de Relações Internacionais, 1994. p. 9.