A pílula do câncer existe?

Uma abordagem jurídica acerca do tratamento que vem trazendo esperança à milhares de brasileiros e sobre as possibilidades de se ter acesso ao medicamento

26/02/2016 às 17:55
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O presente artigo pretende trazer uma abordagem jurídica acerca do medicamento fosfoetanolamina sintética, considerado por muitos especialistas como o tratamento definitivo para a cura do câncer.

Nos últimos meses um dos assuntos mais comentados no universo jurídico é a existência da chamada “pílula do câncer” e a possibilidade de se obter esse tratamento judicialmente. A mídia especializada tem veiculado inúmeras notícias de pessoas que ingressaram com ações judiciais pleiteando o fornecimento do medicamento e, em caráter liminar, obtiveram a tutela para que sejam fornecidas tantas cápsulas do fármaco quantas forem necessárias para um tratamento contínuo.

Antes de iniciar a discussão jurídica sobre a matéria é necessário discorrermos um pouco sobre os aspectos principais desse medicamento, a fim de instruir as pessoas interessadas sobre o que é, como funciona no organismo e, principalmente, como ter acesso ao tratamento.

A fosfoetanolamina “é uma substância produzida pelo corpo humano e pode ter como função ser antitumoral, possuindo ação antiproliferativa e estimula a apoptose, que seria uma “morte celular programada”, ou seja, impede que o câncer se espalhe e produz a morte de suas células.”[1]

O medicamento experimental que temos escutado muito a respeito, cientificamente denominado de “fosfoetanolamina sintética”, vem sendo considerado por muitos médicos e cientistas como a promissora substância capaz de curar diversos tipos de cânceres, além de ser o tratamento definitivo para as pessoas que sofrem dessa malfadada doença.

No Brasil, uma versão artificial da fosfoetanolamina começou a ser sintetizada pelo químico Gilberto Orivaldo Chierice[2], professor aposentado do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP) no final da década de 1980. O professor descreve a ação da substância como “uma espécie de marcador, sinalizando para o corpo sobre as células cancerosas, deixando as mesmas mais visíveis para que o sistema imunológico do paciente possa combatê-la.”[3] Complementa o perito que “as células cancerosas são mortas e o tumor desaparece entre seis e oito meses de tratamento. [...] Mas é evidente que um caso é diferente do outro[4]. É interessante evidenciar que, nesta última frase, o Professor Gilberto afirma que cada corpo reage de forma diferente ao medicamento. Algumas pessoas apresentaram resultados mais rápidos e outras resultados mais lentos.

As pesquisas sobre a efetividade desse medicamento vêm sendo realizadas há mais de vinte anos no Brasil e conta com algumas dissertações de mestrado apontando resultados positivos na contenção e redução de tumores. Atualmente, sabe-se que mais de oitocentas pessoas realizam tratamento contínuo com o remédio, tendo todas elas resultados positivos em seu tratamento. Além disso, até o momento, não se sabe de nenhum caso em que a substância tenha, de fato, causado, por si só, algum prejuízo à saúde do paciente.

Sendo assim, questiona-se: por que o medicamento não é distribuído livremente pelo Estado? A resposta é simples. Acontece que a fosfoetanolamina sintética é uma substância experimental, e apesar de inúmeros usuários descreverem melhora significativa no combate à doença utilizando esse medicamento, o mesmo não possui registro na ANVISA, e assim, consequentemente, não pode ser distribuído livremente para a população.[5]

A despeito da existência de empecilhos de cunho legal e administrativo no que toca à testagem, regularização e produção da fosfoetanolamina, cuja motivação sempre deixa dúvidas, haja vista a influência do interesse econômico provável da poderosa indústria farmacêutica, a única forma de se obter o tratamento com a fosfoetanolamina é por intermédio de ações judiciais específicas, tendo em vista que o Poder Público tem se pronunciado de modo favorável aos pacientes que demonstrarem a ineficácia dos tratamentos convencionais e assumirem os riscos de utilizar uma substância experimental sem controle e registro pela ANVISA.

É imperioso destacar que até o momento foram noticiados mais de trinta casos em que houve deferimento judicial de medida liminar para o fornecimento do medicamento à pacientes com os mais variados tipos e estágios de cânceres.

Dito isso e descendo ao caso prático, contata-se que é viável o ingresso de ações judiciais para obtenção do medicamento, pois é dever do Estado garantir a saúde e a vida ao cidadão brasileiro. A própria Constituição Federal, em seu art. 5º, caput, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais da pessoa, garantiu o direito à vida e em seu art. 6º, que cuida dos direitos sociais, assegurou o direito à saúde, dentre outros. Não bastasse isso, o art. 196, que trata da ordem social, prescreveu o direito à saúde e o dever do Estado, sem qualquer limitação ou restrição.

A Corte Suprema brasileira, o egrégio Supremo Tribunal Federal – STF, sustenta o entendimento de que “O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional[6].

Em vista de todo o exposto e frente à indiscutível ineficácia de alguns tratamentos tradicionais disponíveis aos brasileiros acometidos de cânceres avançados, temos que todo cidadão têm direito a escolher qual tratamento pretende realizar, principalmente nos casos onde já foram tentados diversos outros tratamentos convencionais (radioterapia, quimioterapia, etc.), sem efetividade.

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As pessoas acometidas por cânceres graves merecem uma nova esperança de tratamento, seja ela com a fosfoetanolamina sintética concedida judicialmente, seja ela com outro tratamento inovador indicado pelo médico oncologista. Esses empecilhos de cunho legal e administrativo existentes para a obtenção de medicamentos (e tratamentos) perante o Estado não devem ser consentidos pela população.

Portanto, orienta-se a todos os leitores interessados que estudem sobre o assunto e, se acometidos pela doença, que conversem com seu médico sobre essa nova opção de tratamento. O diálogo entre médico e paciente é a chave para o sucesso da ação judicial para obtenção do tratamento, tendo em vista que é imprescindível apresentar perante o Juiz a prescrição médica para realização do tratamento.


[1] Texto extraído do seguinte endereço eletrônico: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fosfoetanolamina. Consultado em 23/02/2016.

[2] Possui graduação em Bacharelado e Licenciatura em Química pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara (1969), mestrado em Química (Físico-Química) pela Universidade de São Paulo (1973) e doutorado em Química (Química Analítica) [Sp-Capital] pela Universidade de São Paulo (1979). Tem experiência na área de Química, com ênfase em Equilíbrio Químico, atuando principalmente nos seguintes temas: resina de mamona, óleo essencial, óleo essencial, thermal decomposition e resinas poliuretanas.

[https://uspdigital.usp.br/tycho/CurriculoLattesMostrar?codpub=E7A0B2BCE4AE]. Consultado em 23/02/2016.

[3] Mello, Felipe R C. "Fosfoetanolamina, um composto polêmico". CartaCapital (em português). Consultado em 23/02/2016.

[4] Texto extraído do seguinte endereço eletrônico: [http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/08/pesquisador-acredita-que-substancia-desenvolvida-na-usp-cura-o-cancer.html?noAudience=tru ]. Consultado em 23/02/2016.

[5] "Justiça amplia prazo da USP para a entrega da fosfoetanolamina sintética". São Carlos e Região (em português). Consultado em 23/02/2016.

[6] RE 271286 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/09/2000, DJ 24-11-2000 PP-00101 EMENT VOL-02013-07 PP-01409.

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Sobre o autor
Eduardo Machado Mildner

Advogado, com registro na OAB/RS sob o nº. 81.302. Graduado no Curso de Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS - 2006/2011) Pós-graduado no Curso de Especialização em Direito Previdenciário pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural (Faculdade IDC - 2011/2012). Tem experiência em diversas áreas do Direito, mantendo sua ênfase no Direito Previdenciário, Direito de Família e Sucessões e Direito Bancário. Ministra regularmente palestras e cursos informativos na área Previdenciária para Dentistas, Médicos, Enfermeiros, Médicos Veterinários e Farmacêuticos. Presta consultoria jurídica, de caráter voluntário, nas ações em comunidades carentes vinculadas ao Lions Clube e à Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Participa de grupos de estudo em Direito Previdenciário vinculados à Faculdade IDC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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