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Novo CPC e a fundamentação Glória Pires

01/03/2016 às 02:16
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Novo CPC. Fundamentação das decisões.

O presente texto pretende de forma despretensiosa e sucinta correlacionar o modo lacônico e vago como a atriz Glória Pires comentou a cerimônia do Oscar com a prática comum dos magistrados de proferir decisões sem a devida fundamentação, conduta que é assaz combatida pelo Novo Código de Processo Civil, especialmente, com o texto do art. 489 do NCPC[1].

Assim, se um comentário genérico (“bacana”, “interessante”, “legal”, “impressionante”) causa estranheza e críticas de um público que espera argumentos coerentes, fundamentados que justifiquem a escolha de um determinado filme ou ator para ganhar a estatueta, o que dizer de decisões judiciais que limitam-se a explicar a situação concreta indicando qual norma legal incidiu no caso em espeque, sem fundamentar de forma adequada o processo de subsunção (ex.: “(in)defiro a pretensão com base no texto normativo Z ou Y ou no precedente K ou X, (in)defiro a tutela provisória pois (não)preenchidos os requisitos do perigo da demora e da fumaça do bom direito”)?

Nessa esteira, cumpre destacar que a visão clássica de que a fundamentação das decisões possui natureza facultativa, já que a sua instrumentalização acarreta perdas de praticidade e celeridade, já não possui espaço desde a Carta Magna de 1988 que passou a destacar a obrigatoriedade da fundamentação como um dos elementos essenciais do modelo constitucional de processo.

A fundamentação é, então, um requisito, cuja exigência tem origem constitucional. O juiz, de forma suficiente, deve analisar e decidir os pontos de fato e de direito apresentados ao longo do processo (ainda que não sejam questões, ante a eventual falta de controvérsia), confrontando todos os argumentos relacionados, a evidenciar os motivos de sua convicção em face do material probatório que lhe foi apresentado e do respectivo plano jurídico.

Na fundamentação, o magistrado delineia o “porquê” de estar a decidir de determinado modo, a possibilitar, em consequência, a compreensão do julgado (ante a irradiação dos motivos determinantes) e, ao mesmo passo, o controle do ato jurisdicional, a fim a evitar o cometimento de abusos por parte do juiz.

Como bem pontua Humberto Theodoro Jr[2]:

“Não podemos mais tolerar as simulações de fundamentação nas quais o juiz repete o texto normativo ou a ementa de julgado que lhe pareceu adequado ou preferível, sem justificar a escolha. Devemos patrocinar uma aplicação dinâmica e panorâmica dessa fundamentação que gere inúmeros benefícios, desde a diminuição das taxas de reformas recursais, passando pela maior amplitude e profundidade dos fundamentos determinantes produzidos nos acórdãos e chegando até mesmo a uma nova prática decisória na qual os tribunais julguem menos vezes casos idênticos em face da consistência dos julgamentos anteriores”.

Em qualquer situação, seja direta ou indireta a fundamentação, o juiz deve evidenciar as razões de fato e de direito que justificaram sua decisão. Por isso que, na esteira da disposição do § 1º do art. 489 do CPC, não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que apenas: i) se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; ii) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; iii) invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; iv) não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; v) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; vi) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Tais hipóteses, descritas nos incisos do § 1º do art. 489, como orienta o anunciado 303 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, são exemplificativas. Por isso que o enunciado 516 do Fórum Permanente de Processualistas orienta que, “para que se considere fundamentada a decisão sobre os fatos, o juiz deverá analisar todas as provas capazes, em tese, de infirmar a conclusão adotada”. Da mesma forma, o enunciado 517: “a decisão judicial que empregar regras de experiência comum, sem indicar os motivos pelos quais a conclusão adotada decorre daquilo que ordinariamente acontece, considera-se não fundamentada”.

A partir dessa percepção e ao considerar o grande número de decisões judiciais sem a devida fundamentação, torna-se imperiosa a defesa dessa nova perspectiva dinâmica e substancial da fundamentação com a chegada do Novo Código de Processo Civil, sendo cediço que o palco do processo não admite decisões desprovidas de fundamentação.


Notas

[1] Não se pretende aqui comparar o ato de um comentário com o ato decisório. O ponto de intersecção a ser destacado é a o modo lacônico e genérico como Glória Pires fez comentários ao Oscar, com a prática de alguns magistrados de não fundamentarem de forma devida suas decisões.

[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

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Sobre o autor
Eduardo Madruga

Advogado e Consultor Jurídico. Especialista em direito processual civil pela Unipê. Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de Coimbra. Professor do IESP Faculdades. Sócio do SMF Advocacia e Consultoria Jurídica.

Informações sobre o texto

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