Artigo Destaque dos editores

Dos embargos de divergência no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça

Exibindo página 2 de 2
06/01/2004 às 00:00
Leia nesta página:

5. Dos embargos de divergência no âmbito do Superior Tribunal de Justiça

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a regulamentação em sede regimental dos embargos de divergência faz-se nos artigos 266 e 267. Veja-se, de plano, o teor do artigo 266 do RISTJ:

Art. 266 - Das decisões da Turma, em recurso especial, poderão, em quinze dias, ser interpostos embargos de divergência, que serão julgados pela Seção competente, quando as Turmas divergirem entre si ou de decisão da mesma Seção. Se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, ou entre Turma e outra Seção ou com a Corte Especial, competirá a esta o julgamento dos embargos.

§ 1º A divergência indicada deverá ser comprovada na forma do disposto no art. 255, §§ 1º e 2º, deste Regimento.

§ 2º Os embargos serão juntados aos autos independentemente de despacho e não terão efeito suspensivo.

§ 3º Sorteado o relator, este poderá indeferi-los, liminarmente, quando intempestivos, ou quando contrariarem Súmula do Tribunal, ou não se comprovar ou não se configurar a divergência jurisprudencial.

§ 4º Se for caso de ouvir o Ministério Público, este terá vista dos autos por vinte dias.

Retomando-se a sistemática apresentada no que tange ao cabimento do recurso no Supremo Tribunal Federal, tem-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça as seguintes hipóteses, resultantes da combinação entre as disposições do CPC e do regimento interno do Tribunal:

a) Quanto à decisão recorrida

:

- que tenha sido proferida por Turma do Superior Tribunal de Justiça;

- que a decisão do Tribunal tenha sido prolatada em sede de recurso especial.

b) Quanto à decisão paradigma:

- que haja sido proferida por outra Turma ou por Seção ou, ainda, pela Corte Especial do Tribunal.

Porém, como restará demonstrado, há uma crucial diferença entre STF e STJ no que refere à admissibilidade dos embargos de divergência, qual seja, a interpretação mais flexível (e, máxima vênia, mais afinada com a realidade) que este último Pretório realiza.

Constata-se, de plano, que o dispositivo regimental em questão fixa como decisões passíveis de embargos de divergência as exaradas em sede de recurso especial. Neste ponto, o STJ, em posição merecedora de encômios tem, ao contrário do STF, flexibilizado gradualmente sua jurisprudência, para admitir a interposição dos embargos de divergência também em outras situações, v. g., em decisões exaradas em sede de agravo interno.

Veja-se o teor da ementa de uma destas decisões:

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ACÓRDÃO EM AGRAVO INTERNO. ORIENTAÇÃO DA CORTE ESPECIAL. CABIMENTO, COM RESSALVAS. LEI N. 9.756/98. ENUNCIADO N. 599/STF. EXEGESE. AGRAVO DESPROVIDO.

I - Na linha da orientação desta Corte Especial, após a edição da Lei 9.756, de 17.12.98, deve ser interpretado modus in rebus o enunciado n. 599 da súmula/STF, uma vez autorizado o relator a decidir monocraticamente o próprio recurso especial, não sendo razoável, em conseqüência, inadmitir tout court os embargos de divergência somente por tratar-se de decisão proferida em agravo interno ("regimental").

II - No caso dos autos, no entanto, não se trata das hipóteses contempladas nos arts. 544-§ 3º, 557, caput e 557, § 1-A, com a redação da referida Lei nº 9.756/98, relativas a reforma ou desprovimento de decisões monocráticas por aqueles dispositivos legais autorizados, mas sim de desprovimento do agravo do art. 544, CPC.

III - Assim sendo, é de aplicar-se o referido verbete do Supremo Tribunal Federal. (17) (grifou-se)

A linha interpretativa adotada pelo Tribunal parece absolutamente correta, na medida em que, pela sistemática recursal vigente, cabe ao relator negar seguimento a recursos improcedentes, prejudicados, ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante de Tribunal Superior, exarando portanto, por vezes, decisão de mérito. Desta decisão com caráter meritório, o recurso oponível será sempre o de agravo, como forma de "forçar" a manifestação da Turma a respeito do acerto ou desacerto da decisão monocrática exarada pelo relator.

Verifica-se então que a decisão prolatada em sede de agravo interno pode vir a ter nítido conteúdo de mérito, de modo que negar a insurgência das partes na via dos embargos de divergência em tais situações seria também uma maneira de fraudar o sistema recursal, eis que de decisões respeitantes ao mérito exaradas pelas Turmas, apenas originadas de espécies recursais diversas (recurso especial e agravo interno) derivariam diversas alternativas no que tange ao cabimento dos embargos de divergência.

Também por tais razões, com a devida vênia, parece defasada a Súmula 599 do Supremo Tribunal Federal e a jurisprudência do Pretório Excelso nela embasada.

Ressalte-se ainda que, no âmbito do STJ há uma restrição à viabilidade dos embargos de divergência, erigida pela súmula n. 168 da Corte, in verbis:

S. 168/STJ: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado".

Não há reparos a fazer-se ao teor da Súmula, exceto de que a mesma deve ser aplicada com temperamento, sob pena de inviabilizar-se a utilização do recurso e dificultar-se a efetiva uniformização da jurisprudência no Tribunal.

No que refere à decisão paradigma, também aqui a interpretação da questão no Superior Tribunal de Justiça é mais liberal que a do STF. Enquanto este Tribunal delimita como padrão de confronto para a demonstração da divergência decisão prolatada em sede de Recurso Extraordinário, a posição do STJ não realiza tal delimitação.O leading case no que refere a este ponto é o julgamento, pela Corte Especial do STJ, dos embargos de divergência no Recurso Especial n. 51.920-3, em que ficou assentado na ementa do julgado:

"1 – Embargos de divergência – Lei 8.038/90, art. 29. Para que sejam admissíveis os embargos, a decisão embargada haverá de ter sido tomada no julgamento de recurso especial. O dissídio, entretanto, será com o ‘julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial’, não importando em que recurso ou processo haja sido proferido.

2 – Correção monetária – Meses de março, abril e maio de 1990.

Inexistência de lei que imponha, par a liquidação de sentenças judiciais, determinado indexador. Possibilidade de adotar-se aquele que reflita a melhor indexação de preços." [18] (grifou-se)

A decisão parece evidentemente acertada, até porque não há, na lei, qualquer ressalva neste ponto.

Também no que refere ao padrão de confronto, há duas Súmulas freqüentemente adotadas pelo STJ e que devem ser aqui referidas. Veja-se o teor das mesmas:

S. 158/STJ: "Não se presta a justificar embargos de divergência o dissídio com acórdão de Turma ou Seção que não mais tenha competência para a matéria neles versada".

Ainda:

S. 598/STF: "Nos embargos de divergência não servem como padrão de discordância os mesmos paradigmas invocados para demonstrá-la mas repelidos como não dissidentes no julgamento do Recurso Extraordinário". [19]

Extrai-se ademais, da norma regimental, a competência para o julgamento dos embargos. Tem-se, assim:

a) Divergência entre Turma X Turma da mesma Seção e Turma X Seção integrada pela Turma: julgamento da seção competente.

b) Divergência entre Turma X Turma de Seção diversa; Turma X Seção diversa da composta pela Turma e Turma X Corte Especial: julgamento da Corte Especial.

Passando então à análise do parágrafo §1 do artigo 266 do RISTJ, observa-se que, para comprovação da divergência, este remete ao teor dos artigos 255, §§ 1º e 2º do mesmo regimento. Veja-se o seu exato teor:

Art. 255 - O recurso especial será interposto na forma e no prazo estabelecido na legislação processual vigente, e recebido no efeito devolutivo.

§ 1º A comprovação de divergência, nos casos de recursos fundados na alínea "c" do inciso III do art. 105 da Constituição, será feita:

a) por certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos apontados divergentes, permitida a declaração de autenticidade do próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal;

b) pela citação de repositório oficial, autorizado ou credenciado, em que os mesmos se achem publicados.

§ 2º Em qualquer caso, o recorrente deverá transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

§ 3º São repositórios oficiais de jurisprudência, para o fim do § 1º, "b", deste artigo, a Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Revista do Superior Tribunal de Justiça e a Revista do Tribunal Federal de Recursos, e, autorizados ou credenciados, os habilitados na forma do art. 134 e seu parágrafo único deste Regimento.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Refira-se, de plano, que é inviável a demonstração de divergência com base em paradigma exarado pela mesma Turma, exatamente porque não haveria aí a discrepância exigida para que se busque a uniformização da jurisprudência do Tribunal. Tal interpretação, ressalte-se, vale também naquelas hipóteses em que se operou alteração na composição daquele órgão fracionário. [20]

De resto, o que se há de ressaltar, em tema de comprovação de divergência é a alteração operada pela Emenda Regimental nº 6, de 12 de agosto de 2002, a qual passou a permitir a declaração de autenticidade do acórdão paradigma pelo próprio advogado. É o que se constata do teor do § 1º, alínea "a" no artigo indigitado.

Quanto aos demais parágrafos do artigo 266 do regimento interno do STJ (§§ 2º a 4º), não necessitam de abordagem mais pormenorizada. Da mesma forma, o artigo 267 não padece de uma análise detida. Veja-se o teor deste último:

Art. 267. Admitidos os embargos em despacho fundamentado, promover-se-á a publicação no Diário da Justiça, do termo de "vista" ao embargado para apresentar impugnação nos quinze dias subseqüentes.

Parágrafo único. Impugnados ou não os embargos, serão os autos conclusos ao relator, que pedirá a inclusão do feito na pauta de julgamento.

Estas, enfim, as questões mais candentes sobre os embargos de divergência no âmbito do STJ.

6. À guisa de conclusão

Estas, enfim, as principais considerações acerca do tema. Resta esperar que o texto cumpra sua singela função, servindo como incentivo e subsídio à viabilização dos embargos de divergência junto às nossas Cortes Superiores.


Notas

01. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória - recurso extrordinário, recurso especial e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 249 e segs.

02. SARAIVA, José. Recurso Especial e o STJ. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 384.

03. ERESP 155326 / AL. Rel. p/acórdão Min. José Delgado.

04. Em: Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 50.

05. Faz-se tal observação, ressalte-se, sem olvidar que muitos Tribunais continuam a conhecer de recursos cuja previsão faz-se tão-somente em seus próprios regimentos internos. Ademais, há decisões do Supremo Tribunal Federal em que o Tribunal reputa que o seu próprio regimento interno possui força de lei, eis que elaborado quando a Corte possuía competência legislativa, nos termos da Constituição Federal de 1969. A respeito: STF – Plenário. Rel. Min. Carlos Velloso. AI 205090-AgR-EDv-AgR. DJ de 13/11/1998. p.0005.

06. Em: Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil em Vigor. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 1927.

07. STF – Pleno - Rcl 556 ED-ED-EDv-QO / TO - Relator(a): Min. Ilmar Galvão. Publicação: DJ 28/02/2003.

08. Embora o CPC não estabeleça o cabimento de embargos de divergência em face de decisão exarada em sede de agravo de instrumento, parece razoável considerar tal possibilidade, até porque, consoante supra referido, o próprio STF confere força de lei ao seu próprio regimento. Ademais, há que se priorizar a uniformização dos julgados do Tribunal, em prol daquela que é a função por excelência do recurso em análise.

09. STF – Pleno - AI 205090 AgR-EDv-AgR / MG - Relator(a): Min. Carlos Velloso. Publicação: DJ 13/11/98 pp.- 0005. No mesmo sentido: Reclamação 1639, Rel. Min. Sidney Sanches. Publicação: DJ de 31/10/2001.

10 Em: Acórdãos paradigmas nos embargos de divergência: entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 53., jan. 2002. Disponível em < http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2538> . Acesso em: 04 nov. 2003.

11Veja-se, v.g., o teor do RE 204.039 Embargos-AgR/PR.

12 STF. Tribunal Pleno. RE 112.146-embargos-ED. Rel. Min. Otavio Galotti. Publicação: DJ 29/09/00. Voto vencido apresentado pelo Min. Marco Aurélio.

13 STF –Pleno. RE 115.847 embargos-AgR / DF. Rel. Min. Carlos Velloso. Publicação: DJ 14/11/96

14. A aludida lei estabelecia a viabilidade da interposição dos embargos no Supremo, quando houvesse divergência entre a decisão e outros precedentes da Turma ou do Plenário do Tribunal, acrescendo um artigo ao Código de Processo Civil vigente à época.

15. Vide, neste sentido: RE 170717 EDv-AgR / PR. Rel. Min. Carlos Velloso. DJ 13/12/2002.

16. Em: Curso de Direito Constitucional Positivo. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

17. STJ – Corte Especial. AEDAG 426905/DF. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Em: DJ de 30 de junho de 2003. No mesmo sentido: STJ – Primeira Seção EAEAG 430032/DF. Rel. Min. Eliana Calmon. Em: DJ de 15/09/2003.

18. STJ – Corte Especial. ERESP51920-3/SP. Rel. Min. Eduardo Ribeiro.Em: DJ de 06 de março de 1995.

19. Esta última Súmula, exarada originalmente pelo STF, quando ainda dispunha esta Corte de competência para julgamentos fundados em divergência jurisprudencial na apreciação de lei federal.

20. Vide, a respeito: STJ – Corte Especial. ERESP 291551/MS Rel. Min. Felix Fischer. DJ de 03/11/2003. p. 00239.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Humberto Acacio Trez Seadi

Advogado em Brasília-DF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEADI, Humberto Acacio Trez. Dos embargos de divergência no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 184, 6 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4701. Acesso em: 5 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos