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Reaquisição da nacionalidade pelo brasileiro nato.

É possível o Brasil extraditar os filhos de sua Pátria?

11/01/2004 às 00:00
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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade demonstrar a impossibilidade da extradição do brasileiro nato que readquiriu a sua nacionalidade de origem. A Constituição Federal de 1988, impede, sem exceções, a sua extradição, permitindo apenas quanto ao naturalizado, em caso de crime praticado antes da naturalização ou envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes.

No entanto, para uma parte da doutrina, a nacionalidade readquirida cria uma situação de naturalização para aquele que já foi nato, permitindo, desse modo, a sua extradição. Procurar-se-á demonstrar a impossibilidade de aplicação desse posicionamento, tendo em vista a ofensa grave aos princípios insertos na Carta Magna.


2. NACIONALIDADE: CONCEITO E CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO

Segundo Francisco Xavier da Silva Guimarães, a nacionalidade "é o vínculo que une, permanentemente, os indivíduos, numa sociedade juridicamente organizada. [1]"

Para Alexandre de Moraes, a nacionalidade é o "vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal do Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos" [2].

Nesse sentido, pode-se depreender que a nacionalidade é o elo do indivíduo com a sua nação de origem, tendo em vista a sua identificação histórico-cultural. É por meio da nacionalidade que o indivíduo exerce seus direitos como cidadão, oriundos da Constituição de um determinado Estado.


3. DA NACIONALIDADE ORIGINÁRIA: JUS SOLI E JUS SANGUINIS

Primeiramente, vale destacar os dois tipos de aquisição originária da nacionalidade. Alguns países adotam o critério jus soli, enquanto outros adotam o jus sanguinis. Segundo os países que seguem o jus solis¸ para que o indivíduo seja considerado um nacional nato, basta que ele tenha nascido em território nacional [3], independente da nacionalidade dos pais.

Em contrapartida, para aqueles que adotam o jus sanguinis, é irrelevante que o indivíduo tenha nascido em território nacional, é necessário que ele seja filho de pai e mãe (pai ou mãe, dependendo do país) que sejam natos daquele determinado país. É um critério mais rigoroso, que busca preservar as origens históricas e culturais de um país. Critério adotado pela Itália, França e Alemanha, por exemplo.

O Brasil, por sua vez adota o critério misto. São brasileiros os nascidos em território nacional, bem como os nascidos em território estrangeiro, desde que filho de pais brasileiros, se estes estiverem a serviço do país. Não estando a serviço, poderá o filho optar a qualquer tempo pela nacionalidade brasileira ao regressar ao Brasil [4].


4. DA NACIONALIDADE DERIVADA: A NATURALIZAÇÃO

Segundo Edgar Carlos de Amorim, naturalização "é vínculo político. É ato gracioso, pois nenhum país é obrigado a naturalizar esse ou aquele estrangeiro. É, portanto, uma faculdade do próprio poder Executivo." [5]

A naturalização é ato discricionário do Presidente da República, mediante decreto referendado pelo Ministério da Justiça, conforme dispõe o artigo 7º da Lei 818, de 18 de setembro de 1949. [6]

Quanto à aquisição derivada da nacionalidade, dispõe o inciso II do art. 12 da Constituição [7]:

São considerados naturalizados, aqueles que, "na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; originários de países de língua portuguesa," [8]

Também são considerados naturalizados, "os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira." [9]

Por fim,"aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição." [10]


5. DA PERDA DA NACIONALIDADE

A nacionalidade, assim como pode ser adquirida, pode ser perdida. A Constituição, em seu art. 12, § 4º [11], traz o elenco das situações em que se pode perder a nacionalidade brasileira.

O inciso I aplica-se tão somente a brasileiros naturalizados. Trata o dispositivo do caso em que o brasileiro tiver a naturalização cancelada por sentença judicial, por atividade nociva ao interesse nacional.

O inciso II aplica-se a brasileiros natos e naturalizados. O brasileiro perderá a nacionalidade caso adquiria outra, salvo se a lei do país estrangeiro reconhecer a nacionalidade originária [12], ou se a naturalização for imposta pela lei estrangeira, como condição para permanência ou exercício dos direitos civis [13].


6. DA REAQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PELO BRASILEIRO NATO

Conforme disposto na Lei 818 de 18 de setembro de 1949 [14], a nacionalidade, originária ou derivada, pode ser readquirida; pois a sua perda não tem caráter irreversível.

Contudo, não é pacífico o entendimento da doutrina quanto aos efeitos da reaquisição da nacionalidade pelo brasileiro nato. Nesse sentido, pode-se considerar duas correntes: Para a primeira, terá efeitos ex nunc,ou seja, o brasileiro nato, após adquirir outra nacionalidade, ao pretender sua nacionalidade brasileira, voltará como naturalizado.

Já a segunda corrente entende que terá efeitos ex tunc, isto é, voltará à condição de nato, por conseguinte os efeitos da reaquisição irão retroagir à época anterior de sua naturalização.

Francisco Xavier da Silva Guimarães adota o primeiro entendimento [15]. "Ora, quem perde a nacionalidade brasileira, por escolha de outra, estrangeiro passa a ser.Assim, a reintegração de ex-brasileiro ao seu país de origem dá-se por naturalização, com efeito ex nunc". [16]

Em contrapartida, J.A. Silva entende que " o readquirente recupera a condição que perdera: se era brasileiro nato, voltará a ser nato, se naturalizado, retomará essa qualidade". [17]

Bandeira de Mello adota o mesmo entendimento: "Improcede, ao nosso ver, a opinião dos que consideram com brasileiros naturalizados os anteriormente natos, ao readquirirem a nacionalidade perdida. Somente se readquire, como dissemos, o que se tinha. Quem, por conseguinte, possuía a nacionalidade brasileira de origem não pode readquirir nacionalidade secundária." [18]

Pedimos vênia à primeira corrente para adotar a segunda, que nos parece mais adequada. Conforme mencionado anteriormente, o Brasil adota um critério misto de aquisição originária, reforçando, dessa maneira, os laços do nacional com a sua pátria de origem.

Portanto, o termo "naturalizado" se adequa somente ao estrangeiro que adquiriu nacionalidade brasileira. Uma vez atendidos os requisitos do inciso I do art.12 da CF/88, ele será considerado nato.

Assim, não se pode considerar naturalizado um individuo nascido no Brasil, ainda que tenha adotado a condição de estrangeiro. A condição de naturalizado é um fato jurídico-político, enquanto que a condição de nato é um fato social e cultural, o que não se pode mudar definitivamente por uma decisão política.


7. DA EXTRADIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE O BRASILEIRO NATO SER EXTRADITADO

Conforme o inciso LI do art. 5º da Constituição Federal, "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei."

Imaginemos agora a seguinte situação: João, um brasileiro nato se torna estrangeiro, passando a residir fora do país. Anos depois, retorna ao Brasil, adquirindo nacionalidade brasileira. Em seguida, as autoridades do país em que João residia descobrem que ele cometera um crime, e fazem um pedido formal de extradição ao Brasil. Poderá ou não João ser extraditado?

Entendemos, neste caso, que tal pedido não deverá ser atendido. Ora, João, ao retornar ao Brasil retomou a sua condição anterior de brasileiro nato, e em seu país deverá ser julgado por eventuais crimes que possa ter cometido no exterior.

Afirmar que o brasileiro nato que, ao readquirir sua nacionalidade original, será tratado como naturalizado configura uma verdadeira ofensa ao princípio da não extradição.

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É mister afirmar que o Supremo Tribunal Federal, em 18 de junho de 1986, ao julgar a Ext 441, tendo como Relator o Ministro Néri da Silveira, se pronunciou pela impossibilidade da extradição do brasileiro que readquiriu sua nacionalidade, conforme ementa a seguir:

"Extradição. Havendo o extraditando comprovado a reaquisição da nacionalidade brasileira, indefere-se o pedido de extradição. Constituição federal, art. 153, parágrafo 19, parte final. Não cabe invocar, na espécie, o art. 77, i, da lei n. 6.815/1980. Essa regra dirige-se, imediatamente, a forma de aquisição da nacionalidade brasileira, por via de naturalização. Na espécie, o extraditando é brasileiro nato (Constituição Federal, art. 145, i, letra ''a''). A reaquisição da nacionalidade, por brasileiro nato, implica manter esse status e não o de naturalizado. Indeferido o pedido de extradição, desde logo, diante da prova da nacionalidade brasileira, determina-se seja o extraditando posto em liberdade, se al não houver de permanecer preso."


8. CONCLUSÃO

Ante o exposto, conclui-se que seria incabível e inaceitável a possibilidade de extradição daquele que readquiriu a nacionalidade brasileira, o que mitigaria a aplicação do princípio da não extradição do brasileiro nato.

O Direito Pátrio, por seu caráter paternalista não poderia de forma alguma permitir que um brasileiro nato seja submetido às leis estrangeiras, tolhendo, assim, a aplicação do princípio internacional da soberania das nações.


Notas

01. GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. Forense: Rio de Janeiro, 2001.

02. Apud Adriana Ferrari. Nacionalidade. http://geocities.yahoo.com.br/adri_ferrari/direito.html

03. Ressalte-se que quanto às embaixadas, essas não são extensão de seu país de origem, o que ocorre é apenas uma imunidade garantida por tratado.

04. Dispõe a CF/88: art. 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

05. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. Forense: Rio de Janeiro, 2001.

06. Art. 7º - A concessão da naturalização é de faculdade exclusiva do Presidente da República, em decreto referendado pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Parágrafo único. A naturalização poderá ser concedida mediante decreto coletivo, desde que, no seu texto, fique perfeitamente individualizado cada beneficiário.

07. Vide Lei º 6.815 de 19 de agosto de 1980. Estatuto do Estrangeiro.

08. CF/88. Art 12, II, alínea "a".

09. CF/88. Art 12, II, alínea "b".

10. CF/88. Art 12, II, §1º.

11. CF/88, Art. 12, § 4º: Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que : I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional, II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis."

12. Não obstante tal consideração, a República Federativa do Brasil adota a soberania como princípio. Ora, submeter-se à legislação de outro país seria declarar, ainda que tacitamente, uma verdadeira ofensa a sua soberania. Dessa forma, adota-se no Brasil o critério de que, ainda que o país estrangeiro não reconheça a nacionalidade originária, o indivíduo ainda será considerado brasileiro para os efeitos legais.

13. Art. 12, § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis;"

14. Art. 36 - O brasileiro que, por qualquer das causas do art. 22, números I e II, desta lei, houver perdido a nacionalidade, poderá readquiri-la por decreto, se estiver domiciliado no Brasil. § 1º O pedido de reaquisição, dirigido a Presidente da República, será processado no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, ao qual será encaminhado por intermédio dos respectivos Governadores, se o requerente residir nos Estados ou Territórios.

15. No mesmo sentido:Yussef Said Cahali e Pontes de Miranda. CAHALI, Yussef Said. Estatuto do estrangeiro. MIRANDA, Pontes de.Comentários à Constituição de 1967.

16. GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva.Op. Cit.

17. Apud BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. Del Rey: Belo Horizonte, 1996.

18. BANDEIRA DE MELLO, O.A. A nacionalidade no direito constitucional brasileiro. Forense: Rio de Janeiro.

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Sobre o autor
Thiago de Moraes Silva

acadêmico de Direito do UniCEUB, em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Thiago Moraes. Reaquisição da nacionalidade pelo brasileiro nato.: É possível o Brasil extraditar os filhos de sua Pátria?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 189, 11 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4712. Acesso em: 16 abr. 2024.

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