A Justiça Ambiental

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08/03/2016 às 00:05

Resumo:


  • O movimento da Justiça Ambiental surgiu nos Estados Unidos na década de 80, criticando a distribuição desigual de externalidades ambientais negativas, com destaque para a questão racial.

  • No Brasil, a assimilação dos princípios da Justiça Ambiental ainda é incipiente, sendo encoberta por questões como extrema pobreza e más condições de vida.

  • A teoria aplicada da Justiça Ambiental busca uma distribuição equitativa de benefícios e ônus ambientais, enfatizando a participação da população afetada e a relação entre direitos humanos, meio ambiente e pobreza.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É a construção de um conceito da teoria da justiça ambiental, fazendo um histórico do instituto e delimitando seus principais autores.

Este artigo tem como objetivo analisar os aspectos referentes à teoria da justiça ambiental.

Para tanto, historiamos o surgimento da referida teoria, relatando o seu percurso, na realidade norte americana, e sua assimilação no Brasil.

Após a abordagem histórica, apresentou-se a teoria aplica à Justiça ambiental, destacando em que bases a teoria fundamenta-se e delimitando a construção de um conceito a ser aplicado neste estudo.


1. Histórico

1.1. EUA

O movimento, que ficou conhecido como “Justiça Ambiental” (Environmental Justice), surgiu nos Estados Unidos na década de 80, do século XX.

Nos dez anos anteriores, o movimento ambientalista se fortaleceu, naquele país, e foram editadas as primeiras e importantes leis de proteção ao meio ambiente (Clean Air Act e Clean Water Act). A despeito do avanço normativo, representantes de minorias raciais posicionaram-se criticamente ao movimento ambientalista e ao sistema de proteção legal instituído, denunciando-o de classista.

Essas críticas cresceram e se organizaram através de protestos, na década de 80, tendo como gatilho decisões de governos estaduais ou locais autorizando a instalação de aterros de resíduos perigosos, próximos a bairros de população predominantemente negra.

Àquela época, alguns estudos já indicavam que a distribuição espacial das externalidades ambientais era desigual, conforme a raça e a situação econômica, da população1. Referidos estudos demonstraram que a raça da população era mais correlacionada com a distribuição dos custos ambientais (localização de rejeitos tóxicos), do que o fator “baixa renda”. Diversas foram as explicações de tal fato, tais como terras mais baratas, em comunidades de minorias e suas vizinhanças; falta de oposição da população local por fraqueza organizativa e ausência de recursos políticos, falta de mobilidade espacial em razão de discriminação residencial e, por fim, subrepresentação política das “minorias”, nas agências governamentais2.

A expressão “justiça ambiental” de acordo com David Schlosberg, na obra “Defining environmental justice: theories, movements and nature” possui ao menos duas vertentes do movimento popular ambiental norte-americano, quais sejam, o movimento contra a contaminação tóxica e o movimento contra o racismo ambiental 3 .

Como dito, na gênese do movimento por justiça ambiental o que se destacou foi a desigualdade da distribuição das externalidades ambientais negativas, tendo o componente racial como determinante. Cole e Foster descrevem referida desigualdade, nos EUA:

“Há uma divisão racial na forma como o governo dos EUA limpa depósitos de resíduos tóxicos e pune os poluidores. Comunidades brancas vêem uma ação mais rápida, melhores resultados e penalidades mais efetivas do que as comunidades onde os negros, hispânicos e outras minorias vivem. Esta proteção desigual ocorre independentemente da comunidade ser rica ou pobre.4

A despeito desta realidade detectada e relatada abundantemente em diversas obras norte-americanas, eram imprescindíveis estudos científicos que subsidiassem as lutas do movimento.

Assim, o movimento estruturou suas estratégias de resistência recorrendo a pesquisas multidisciplinares sobre as condições da desigualdade ambiental5.

Em 1983, a U.S. General Accounting Office (GAO – agência independente e apartidária que trabalha para o Congresso dos EUA, intitulado Siting of hazardous waste landfills and their correlation with racial and economic status of surrounding communities) concretizou um estudo motivado pelo caso de Afton.

Segundo Robert Bullard, o estudo concluiu que 75% das áreas, nas quais se situavam os aterros comerciais de resíduos perigosos da chamada “Região 4” dos Estados Unidos, localizavam-se em comunidades negras. Dado alarmante se considerarmos que as comunidades negras eram 20% da população naquela região6.

Em 1987, outro estudo foi concretizado, denominado de Toxic Wastes and Races (Resíduos Tóxicos e Raças), objetivou correlacionar os fatores demográficos que influenciavam na decisão locacional as instalações de manipulação de resíduos7.

Este estudo, conforme Bullard demonstrou a importância da questão racial na escolha locacional dos empreendimentos, em detrimento da pobreza, do valor da terra e até mesmo da propriedade de imóveis8.

Assim nasceu a expressão racismo ambiental.

Por esta expressão destacou-se que diversas políticas públicas ambientais afetavam de forma desigual, intencionalmente ou não, indivíduos e comunidades de cor.

A despeito da origem do movimento ter sido através de discussões que envolviam questões raciais é unânime a conclusão de que, nos dias de hoje, a expressão justiça ambiental traduz outros significados, para além do racismo ambiental.

A noção de justiça ambiental identifica justamente que esta desigual exposição ao risco é o resultado da acumulação de riqueza que, para sua realização penaliza ambientalmente os mais desprovidos.

O movimento envolve os conflitos socioambientais, cujos riscos sejam suportados de forma desproporcional sobre populações socialmente vulneráveis ou mesmo sobre os países de “Terceiro Mundo”.

Justiça ambiental e pobreza estão intrinsicamente relacionados.

A ausência de ações governamentais que freiem a atuação do mercado faz com que o mercado guie a lógica da exploração ambiental, realizando práticas danosas em áreas desvalorizadas.

Conhecer esses mecanismos e a construção de uma capacidade organizativa podem redefinir as práticas sociais e técnicas correntes de apropriação do meio e de distribuição do poder sobre os recursos ambientais.

Acselrad, Mello e Bezerra, destacam igualmente que “Nesse novo tipo de avaliação, a pesquisa participativa envolveria, como co-produtores do conhecimento, os próprios grupos sociais ambientalmente desfavorecidos, viabilizando uma integração analítica apropriada entre os processos biofísicos e sociais. Postulava-se, assim, que aquilo que os trabalhadores, grupos étnicos e comunidades residenciais sabem sobre seus ambientes deve ser visto como parte do conhecimento relevante para a elaboração não discriminatória das políticas ambientais”9.

Ao contrário da lógica dita “Nimby” – “not in my backyard” [“não no meu quintal”], os atores que começam a se unificar nesse movimento propugnam a politização da questão do racismo e da desigualdade ambientais, denunciando a lógica que acreditam vigorar “sempre no quintal dos pobres” (Bullard, 2002).

1.2. Brasil

No Brasil, a assimilação dos princípios da Justiça Ambiental e seu desenvolvimento teórico são ainda incipientes, ficando muitas vezes encoberto pela extrema pobreza e pelas péssimas condições gerais de vida da sociedade nacional10.

A internacionalização do movimento da justiça ambiental norte-americana foi incentivada com a divulgação pública do Memorando Summers, em 1991 [11] .

No referido memorando há a indicação dos motivos pelos quais os países pobres eram o destino dos polos industriais de maior impacto ao meio ambiente.

Diversos motivos foram expostos.

A um porque o meio ambiente seria uma preocupação “estética”; a dois porque os indivíduos mais pobres, não possuem expectativa de vida alta capaz de sofrer os efeitos da poluição ambiental; a três porque pela lógica econômica de mercado, as mortes em países pobres têm um custo mais baixo12.

O absurdo do divulgado neste memorando só fez com que o movimento da justiça ambiental se consolidasse e ganhasse força internacionalmente, expandindo globalmente as lutas do movimento norte-americano.

Vinte anos depois do início do movimento que pregava as denúncias das desigualdades ambientais, nos Estados Unidos, a questão ganhou visibilidade nacional em 2005.

Contudo, antes disso, alguns representantes do Movimento de Justiça Ambiental dos Estados Unidos estiveram no Brasil, em 1998, difundindo experiências e estabelecendo relações com organizações locais no combate à injustiça ambiental.

Acselrad, historiando esse contato estabelecido narra as primeiras experiências de assimilação do movimento no Brasil:

“Desenvolveram na ocasião contatos com ONG e grupos acadêmicos, que vieram ser retomados ulteriormente por meio da realização de várias oficinas no âmbito de diferentes edições do Fórum Social Mundial. Uma primeira iniciativa de releitura da experiência norte-americana por entidades brasileiras deu-se pela realização de um material de discussão elaborado e publicado por iniciativa da ONG IBASE, da representação da Comissão de Meio Ambiente da Central Sindical CUT no Rio de Janeiro e de grupos de pesquisa do IPPUR/UFRJ. Os três volumes da série Sindicalismo e justiça ambiental (IBASE/CUT-RJ/IPPUR-UFRJ, 2000) tiveram circulação e impacto restrito, mas estimularam outros grupos da universidade, do mundo das ONG e do sindicalismo a explorar o veio de tal debate, o que levou à organização do Seminário Internacional Justiça Ambiental e Cidadania, realizado em setembro de 2001 na cidade de Niterói, reunindo representações de diferentes movimentos sociais, ONG, pesquisadores de diferentes regiões do Brasil, além de um certo número de intelectuais e representantes do Movimento de Justiça Ambiental dos Estados Unidos, entre os quais o sociólogo Robert D. Bullard, responsável pelo primeiro mapa da desigualdade ambiental utilizado como base empírica de denúncias pelos movimentos nos Estados Unidos”13.

Assim, percebe-se que o princípio do desenvolvimento do movimento, no Brasil, se deu com o surgimento da Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA, criada no Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania, realizado em 2001, na Universidade Federal Fluminense, momento no qual foi desenvolvida uma Declaração de Princípios norteadores de obtenção da Justiça Ambiental.

Nesta oportunidade foi criada uma Declaração de Princípios que define o que os presentes, após intensas discussões e debates, entendiam por injustiça e por justiça ambiental:

injustiça ambiental: o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. Por justiça ambiental, ao contrário, designamos o conjunto de princípios e práticas que:

a - asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas;

b - asseguram acesso justo e eqüitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país;

c - asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito;

d - favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso”14

Entre 2001 e 2004, a Rede estabeleceu-se basicamente como instrumento de transmissão de experiências e denúncias por meio digital, reunindo cerca de 100 (cem) entidades.

No I Encontro realizado em 2004, reuniram-se os membros da Rede, clarificando as linhas de confronto do conjunto dos atores e movimentos sociais ali representados com um modelo de desenvolvimento caracterizado como “voltado à produção de divisas a qualquer custo”. Na Amazônia, por exemplo, denunciaram-se as injustiças associadas aos mecanismos da acumulação primitiva, caracterizados pelo sequenciamento entre grilagem de terras, exploração madeireira, desmatamento, criação extensiva e entrada da soja de alta tecnologia.

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A história de um determinado local influencia por completo como determinado movimento social vai nascer e se estruturar.

O Brasil foi marcado por um desenvolvimento com contornos expansionistas, privatistas e com privilégios. Atualmente, a despeito, de a legislação ambiental possuir um importante crescimento é muitas vezes atravancada pela burocratização e contenção do papel do Estado.

Apesar do desenvolvimento destas iniciativas, em razão da vulnerabilidade das populações afetadas e do baixo grau de associativismo, escolaridade e de exercício de cidadania, as iniciativas que se dirigem para a temática da Justiça Ambiental, no Brasil, têm crescido mais através de movimentos ambientalistas, formados por uma massa mais escolarizada e informada, ao invés de movimentos de base dos cidadãos afetados15.


2. Teoria aplicada da Justiça Ambiental

Conhecendo a gênese do movimento e sua trajetória de construção, podemos pensá-lo academicamente a fim de delimitar suas bases teóricas e organizar um conceito a ser adotado.

Primeiramente, para pensarmos sobre o fenômeno da “justiça ambiental” é preciso se questionar e entender o porquê a degradação ambiental experimenta os mesmos contornos da desigualdade social.

Explico.

Como bem mencionou Henri Acselrad “os incêndios florestais em Roraima, a seca no Nordeste, a desigual exposição dos grupos sociais aos riscos da poluição são a expressão do mesmo processo de produção da desigualdade ambiental que distancia ricos e pobres, brancos e negros em nosso país”.16

Como dito, nesse contexto, para nominar esta realidade tem-se referido ao termo “injustiça ambiental”, já que os riscos ambientais são distribuídos de forma desigual, com maior gravame para as populações mais carentes de recursos financeiros e de informação.

Tendo sido firmado o parâmetro das injustiças ambientais, desenvolveu-se então a noção de “justiça ambiental”, que seria o ideal que se deseja alcançar, ultrapassando a realidade discriminatória existente.17

Conforme bem exprime Henri Acselrad o termo “justiça ambiental” exprime um movimento de ressignificação da questão ambiental. Trata-se de uma revisitação na temática ambiental através de um olhar sócio político.

Essa ressignificação ocorre e é necessária, em razão da constante mudança do cenário onde se dá os embates sociais.

Nos cenários atuais, a preocupação com o meio ambiente toma cada vez mais importância e não pode ser vista de forma dissociada das questões sociais.

Historicamente, explica Henri Acselrad, duas razões disputavam o terreno de construção da questão ambiental.

Uma razão utilitária e uma razão cultural.

A razão utilitária enxerga o meio ambiente composto unicamente de recursos materiais, sem conteúdos socioculturais específicos e diferenciados; pressupondo um risco ambiental único, instrumental (risco de inviabilização crescente da cidade produtiva).

Em razão desta visão o risco ambiental é apresentado de forma “democrático”, não propenso a fazer distinções de classe.

Em determinado momento histórico, a razão utilitária se deu de forma estratégica para o alcance da modernização ecológica, da afirmação do mercado, do progresso técnico e do consenso político, “dando preço ao que não tem preço”.

Por sua vez, a razão cultural, questiona os motivos pelos quais há apropriação dos recursos naturais, pois não há ambiente sem sujeito. Nessa visão, os riscos ambientais, são distribuídos de forma diferenciada.

Ao se constatar que pode haver uma desigualdade distributiva e que as sociedades podem empregar seus recursos naturais de forma diferenciada, percebe-se que há prevalência de alguns sujeitos sobre outros, ocasionando os “conflitos ambientais”.

Além do conflito ambiental intergeracional, tão propagado desde a CF/88, devemos olhar para os conflitos ambientais existentes que são todo dia expostos através da desproporção social dos riscos ambientais aos socialmente mais desprovidos, já que vivemos em uma sociedade onde o ônus da exploração ambiental não é necessariamente “democrática”, afetando diferentemente grupos sociais.

A razão cultural busca superar a desigual distribuição dos benefícios e ônus ambientais, já que vê na injustiça social e na degradação ambiental a mesma origem.

Dito isto, é importante destacar que o parâmetro que deve ser utilizado, pelos estudiosos do tema, é a busca por uma distribuição equitativa de benefícios que deve ser analisada e percebida muito através da percepção da população local, no sentido de que esta população entende que deve receber uma contraprestação pelos danos que a exploração ambiental irá causar.

A desigualdade ambiental é sem dúvida uma das expressões da desigualdade social que marcou a história do nosso país. Os pobres estão mais expostos aos riscos decorrentes da localização de suas residências, da vulnerabilidade destas moradias a enchentes, desmoronamentos e à ação de esgotos a céu aberto.

Para o aprofundamento do tema devemos abordar os principais aspectos de sua base teórica.

Para tanto, o principal ponto a ser destacado é o fato de que ao analisar a degradação ambiental sob o prisma da justiça ambiental percebe-se que não é o mercado e nem mesmo a análise da eficiência que são usados como instrumento de superação da desigualdade ambiental.

Ao revés!

Aqui, a degradação ambiental possui uma correlação lógica com a democratização e a capacidade da sociedade se defender da injustiça ambiental.

Assim, é fundamental ter em mente que a conservação do meio ambiente não tem somente (ou determinantemente) como resposta questões técnico-regulatórias, aspectos tecnológicos, legislativos; mas sim mecanismos redistributivos, participativos e compensatórios, com ênfase na busca de uma sociedade mais justa, inclusiva e democrática.18

Por ‘Justiça Ambiental’, entenda-se o conjunto de princípios que veda a distribuição desigual dos benefícios e dos gravames ambientais, entre os diferentes grupos sociais envolvidos no processo.

Ao pensarmos em justiça/injustiça ambiental, temos em mente a existência de conflitos. Não é difícil perceber que a maior parte das formas de degradação ambiental acontece, onde vivem as populações de menor renda, comunidades negras e grupos indígenas.

O embasamento teórico da “justiça ambiental” apresenta-se de forma distinta do discurso ambiental promovido através da dicotomía entre meio- ambiente X escassez, no qual o meio-ambiente tende a ser visto como uno e limitado. Diferentemente, a idéia de Justiça remete a uma distribuição equânime de partes e à diferenciação qualitativa do meio ambiente.

Reforçando o que foi dito, Henri Acselrad destaca que a discussão acerca da justiça ambiental alcança a “idealização de mecanismos redistributivos, participativos e compensatórios, estabelecendo uma relação direta com a construção de uma cidadania mais justa e com a consolidação de estratégias mais inclusivas e democráticas”[19] .

O principal teórico do assunto, Robert Bullard, define Justiça Ambiental como: “a busca do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas resultantes de operações industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais, locais ou tribais, bem como das conseqüências resultantes da ausência ou omissão destas políticas”20.

A real concretização da Justiça ambiental depende de uma dimensão substantiva, no que tange à distribuição dos benefícios, riscos e gravames e de um aspecto procedimental, relacionado à participação da população afetada, nas decisões das políticas ambientais que as atingem.

A teoria da justiça ambiental atenta que para dimensionar o problema é necessário observar a relação com a natureza, pois o relacionamento entre sociedade e natureza reflete, em maior ou menor escala disparidades políticas, sociais e econômicas, as quais são específicas de um determinado momento histórico e de uma dada configuração espacial.

Somente com a atenção voltada para estes aspectos é que se pode compreender como as assimetrias influenciam na origem e multiplicação dos impactos ambientais e ignorar as desigualdades sociais por detrás dos destes impactos comporta na adoção de soluções que não asseguram igual proteção ambiental para todos.

Em termos práticos, alcançar uma justiça ambiental envolve diversas estratégias de ação e permanente capacidade criativa21.

E se por um lado sabe-se que o mercado, na busca de menores custos, influencia a desigualdade ambiental, por outro se sabe que a é omissão de políticas públicas que autoriza esta ação.

É com esta constatação que necessário se faz analisar o fenômeno social em si, vez que a realidade só se torna clara quando vislumbramo-la fora do sistema, através da análise interdisciplinar.

Jack Donnelly afirma que normalmente só se fala sobre direitos quando eles são violados. Muitos dos direitos que parecem bem “claros” e “delimitados” mesmo dentro do sistema de proteção dos Direitos Humanos, só têm seu conteúdo definido e redefinido no caso concreto. É analisando de forma interdisciplinar o direito ambiental, considerando seu viés social, que podemos avançar na concretização de seus ditames de proteção.

É com a união entre justiça social e proteção ambiental que se freia a degradação ambiental, protegendo os socialmente mais fracos.

A ação predatória sobre os mais fracos é exercida através da ausência de políticas ambientais de licenciamento e fiscalização efetivas, nos grandes projetos ambientais; assim como a ausência de políticas sociais e de emprego. Nesse cenário, as populações mais pobres e desorganizadas tendem a sucumbir as condições precárias que lhe são oferecidas e a rentabilidade dos grandes projetos são altas em cima dos custos desse panorama.

Por esta razão é cada vez mais clara a fusão entre risco ambiental e insegurança social. E é por meio de movimentos inovadores e lutas sociais, como a justiça ambiental, que se busca fazer do meio ambiente um espaço democrático e de construção de justiça.

Graves violações aos direitos humanos são perpetradas quando empreendimentos/políticas públicas, aliados à vulnerabilidade social e ambiental, não obedecem a princípios basilares de relocação (reprodução da vida) da comunidade local.

Sob o enfoque da justiça ambiental, portanto, direitos humanos, meio ambiente e pobreza, se relacionam, já que condições ambientais desfavoráveis podem ser causa de violações de direitos humanos, assim como sua consequência, quando se verifica que indivíduos e grupos que dispõem de menos condições para exercer efetivamente estes direitos são as vítimas preferenciais dos riscos e custos ambientais.

Direitos humanos e meio ambiente são direitos interdependentes, vez que o respeito aos direitos humanos é uma condição para o desenvolvimento sustentável, bem como a proteção ambiental é condição para o gozo efetivo dos direitos humanos.

A pobreza é um dos fatores que agrava a crise ambiental e num movimento cíclico é intensificada por ela. A ONU, em vários documentos oficiais, entre eles, nos objetivos de Desenvolvimento do Milênio, reconhece que a pobreza está no centro das violações de direitos humanos e é um obstáculo à proteção ambiental.

Nesse sentido que se torna imprescindível que a abordagem seja feita a partir de uma dimensão de justiça ambiental, evidenciando, para proteger, a vulnerabilidade ambiental dos mais pobres, a distribuição equitativa dos benefícios ambientais.

Muitos instrumentos internacionais, a despeito de não utilizarem a expressão “justiça ambiental” já trazem a percepção acerca da vulnerabilidade ambiental, ao estabelecer relações entre os direitos humanos, a pobreza e a questão ambiental.

A falta de previsão expressa da justiça ambiental, nas normas internas ou internacionais, faz com que o estabelecimento de relações entre o direito ambiental e a proteção dos direitos humanos se configure em uma estratégia para a sua realização. A aproximação destes sistemas é a base da construção teórica da justiça ambiental, sendo centrada em um conjunto de direitos socioambientais substantivos e procedimentais.

O movimento da justiça ambiental propõe a cessação dos mecanismos de transferência dos custos ambientais para os mais pobres, já que enquanto as externalidades ambientais negativas forem repassadas para os mais pobres e distribuídas de forma não equitativa, a pressão sobre todo o ambiente não diminuirá.

A noção de risco ambiental e insegurança social se torna cada vez mais entrelaçada e que se torna amplamente crescente o entendimento de que a proteção ambiental deve ser parte integrante das lutas sociais.

Os atores sociais, através de suas estratégias argumentativas e luta inovadora, devem procurar do fazer do ambiente um espaço de construção de justiça e não apenas da razão utilitária do mercado.

Como bem pontuou Henri Acselrad, é importante “evidenciar a dimensão ambiental do projeto de construção democrática da sociedade brasileira”22 para que a produção de desigualdade ambiental não seja o espelho da desigualdade social existente, no país23.

É assim que devemos pensar a justiça ambiental, olhando cada vez mais para esse instituto para que possamos pensar o direito ambiental de forma mais voltada aos direitos humanos.

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