Exigência de motivação substancial da sentença no novo CPC e sua inaplicabilidade no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis

08/03/2016 às 17:33
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O novo Código de Processo Civil em seu artigo 489, §1º, passa a exigir do magistrado, quando da elaboração de um sentença, uma fundamentação substancial, robusta e supra-exauriente.Essa disposição normativa seria aplicável no âmbito dos Juizados Especiais?

 INTRODUÇÃO

A recente aprovação do novo Código de Processo Civil caracteriza-se como a maior mudança experimentada em nossa legislação processual desde a vigência do CPC/1973.

Dentre os objetivos propostos na elaboração do novo código, destacam-se a tentativa de obter uma razoável duração do processo, sem ferir os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, e ao mesmo tempo garantir que prestação jurisdicional seja célere e efetiva.

Com efeito, é notório que uma alteração legislativa de tamanha envergadura impactará a vida de todos.

Primeiramente, do jurisdicionado, destinatário da prestação jurisdicional, aquele que espera que a justiça operante neste país, seja prestada com qualidade e rapidez.

Impactará, ainda, nas funções dos advogados, defensores e membros do Ministério Público, os quais embora atuem cada qual no âmbito de suas atribuições, todos contribuem para uma efetiva prestação jurisdicional.

Mas, sem dúvida, quem mais de perto sentirá os efeitos imediatos da nova legislação, serão os servidores da justiça, entre os quais se destaca os magistrados.

Afinal de contas, passam se os anos e a quantidade de processos multiplicam-se, em quantidades estratosféricas, não observadas em nenhum único país do mundo.

Portanto, dentro dessa cultura litigiosa que impera em nosso país, o novo CPC surge como instrumento para amenizar essa crise, digo amenizar porque somente ele sozinho será incapaz de modificar esse panorama.

Como o novo CPC, é à base de todo sistema processual exigente, sua repercussão irá irradiar para outras áreas, notadamente, no microssistema dos juizados especiais cíveis.

Dentre as inúmeras mudanças trazidas pelo novo código, merece peculiar atenção, nesse sucinto estudo, o artigo 489, §1º, do NCPC, que supostamente exigiria do magistrado, uma fundamentação substancial, robusta, supra exauriente, quando da prolação de uma sentença.

Isto porque, além de manter a exigência de um relatório minucioso, inclui na fundamentação uma série de exigências e regras não previstas na legislação anterior.

A propósito, eis o teor do citado artigo:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Como se observa, o novo dispositivo, ao menos em tese, demandaria uma sentença mais ampla, e até mesmo em alguns casos prolixa, ampliando os regramentos do CPC/1973, que são resumidos ao expor os requisitos da sentença.

Diante desses fatos, os processualistas passaram a debater entre si, se exigência de motivação substancial passaria a incidir nos âmbito dos Juizados Especiais.

Para o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), conforme se observa de seu enunciado nº 309, “o disposto no §1ª do art. 489 do CPC é aplicável no âmbito dos Juizados Especiais.”

Entretanto, já para o Fórum Nacional dos Juízes dos Juizados Especiais (FONAJE), por meio de seu enunciado 162 “Não se aplica ao Sistema dos Juizados Especiais a regra do art. 489 do CPC/2015 diante da expressa previsão contida no art. 38, caput, da Lei 9.099/95.”

Percebe-se, portanto, um grande embate doutrinário acerca da aplicação ou não do §1ª do art. 489 do CPC no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.

Quem está com a razão? As sentenças proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis exigiriam com advento do NCPC substancial fundamentação? Ou continuariam regradas pela própria lei 9.099/95?

Com devido respeito à posição contrária, que conta com apoio de boa parte da doutrina, perfilho do entendimento de que é inexigível no microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, a motivação substancial de suas sentenças.

Passo, pois, a fundamentar minha singela opinião, a partir dos elementos normativos e doutrinários a seguir listados.

DESENVOLVIMENTO

Antes de adentrar no mérito propriamente dito, cumpre-me tecer valiosas considerações acerca dos motivos que culminaram com a elaboração dos diplomas normativos que originaram os Juizados Especiais Cíveis. (Estadual, Federal e da Fazenda Pública), uma vez que tais motivos irão impactar na conclusão do presente artigo.

O tempo mostrou que o modelo tradicional de processo civil não se mostrava adequado suficientemente para solução de conflitos de pequenas expressões financeiras, já que os custos do processo representavam na maioria das vezes um empecilho a busca do acesso a justiça.

Além desse fato, demora na prestação jurisdicional, também criava um obstáculo no acesso ao poder judiciário, na medida em que a desproporção entre o tempo despendido com o processo e o resultado útil alcançado fomentava o desestímulo à busca da satisfação do direito lesado.

Diante desse contexto, a atual carta magna, dispôs em seu artigo 98, acerca da criação de Juizados Especiais, que até então detinham apenas previsão infraconstitucional, com o escopo de facilitar e ampliar o acesso à justiça.

Nesse toar, a fim de que a previsão constitucional não se tornasse inócua e sem efeito, o legislador federal editou, inicialmente a Lei 9.099/95, que disciplinou os Juizados Especiais Cíveis, no âmbito da Justiça dos Estados, complementada posteriormente pela Lei 10.259/01, que institui os Juizados Especiais Federais, e posteriormente pela Lei 12-153/09, que regulou os Juizados Especiais da Fazenda Pública, este último integrante dos Juizados Especiais Estaduais.

Pois bem. Conforme alhures dito, a criação do microssistema dos Juizados Especiais trouxe ao cidadão, a possibilidade de desfrutar de uma prestação jurisdicional simples, célere e eficiente.

Diferentemente de outros diplomas legais, a Lei 9.099/95 instituiu um microssistema pleno, que não somente dispõe acerca dos princípios norteadores de sua aplicação, mas também toda a estrutura do primeiro e segundo grau jurisdicional.

Não obstante essa completude, isso não significa que os Juizados Especiais não possam sofrer influência direta de normas insculpidas no Código de Processo Civil, até porque a própria lei prevê essa influência.

Entretanto, no caso da Lei 9.099/95, a aplicação subsidiária do NCPC, somente poderá ocorrer se estiver em sintonia com os princípios basilares do Juizado Especial Cível.

Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

Portanto, defendo que para incidência de uma norma geral prevista na legislação processual, não basta que a Lei 9.099/95 seja omissa, além desse fato, não pode a norma desrespeitar os princípios basilares dos Juizados Especiais Cíveis.

Sobre o tema, colaciono os seguintes trechos extraídos de obras de alguns autores.

“Nenhuma lacuna da lei n. 9099/95, poderá ser preenchida por regra de Código de Processo Civil que se mostre incompatível com os princípios que norteiam o Juizado Especial na sua concepção constitucional e na sua estruturação normativa específica. 1

Tratando-se de um microssistema com regras próprias, embora, como visto, não insularizado, as normas do Código de Processo Cível somente serão aplicáveis, se houver lacuna e se forem compatíveis com os princípios norteadores da norma de regência. Em outras palavras, é incompatível a aplicação de dispositivo do Código de Processo Civil que afete a celeridade ou a efetividade dos processos junto aos Juizados Especiais Cíveis por mera formalidade.2

Sob esse prisma, passo a análise, acerca da inaplicabilidade do artigo 489, §1º, do NCPC, sobre o rito sumaríssimo.

Conforme já explicado, para a influência de uma norma geral processual sobre o rito sumaríssimo, mister se faz necessário que: a) haja autorização expressa na lei de regência ou lacuna e b) compatibilidade com os princípios norteadores do rito sumaríssimo.

No caso em análise, o NCPC estabelece em eu artigo 489, §1º, requisitos minuciosos que seriam vitais para a prolação de uma sentença fundamentada.

Referido dispositivo, não deve ser visto como regra absoluta, isto porque como em qualquer outro microssistema legal, exige-se não somente a existência de lacuna, como também o respeito à própria estrutura normativa e princípios norteadores.

No que tange a sentença, a Lei 9.099/95, não é omissa, pelo contrário, regula inteiramente o tema, uma vez que regulou expressamente quais seriam os requisitos da sentença.

A propósito:

Art. 38. A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório.

Percebe-se nitidamente que o dispositivo acima é claro e expresso ao dizer que o único requisito da sentença, é a menção aos elementos de convicção do magistrado. Nada, mais.

Ora, fica evidente que uma norma geral, mesmo que posterior, não pode alterar o microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, por já haver dispositivo regulando a matéria.

Ademais, ainda que ultrapassado esse argumento, a novidade legislativa feriria frontalmente os princípios norteadores dos Juizados Especiais Cíveis.

Exigir densa fundamentação na sentença é ir de encontro à regra matriz estrutural do microssistema dos Juizados Especiais que se orientam pela simplicidade, celeridade e informalidade.

Apenas para ficar bastante claro, não está se dizendo que a sentença não deve ser fundamentada, mas apenas que a substancial fundamentação é inaplicável.

Novamente recorro-me a doutrina:

Ora, a fundamentação nesse caso não se submete a um exaustivo rol de regras, mas a liberdade do magistrado decidir em conformidade com o ordenamento jurídico. Trata-se de uma opção legislativa plenamente compatível com os princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade do microssistema, sem prejuízo ao art. 93, IX, da Constituição Federal, haja vista que as decisões são fundamentadas, ainda que sinteticamente.3

E como já dito, reitero: ainda que se desconsidere em absoluto a previsão legal da Lei 9.0099/95, acerca dos requisitos da sentença, haveria evidente incompatibilidade entre a fundamentação substancial exigida no NCPC e os princípios do rito sumaríssimo.

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CONCLUSÃO

Para que uma norma processual geral possa irradiar seus efeitos no âmbito dos Juizados Especiais é necessário que haja expressa autorização ou lacuna existente e ainda que a alteração superveniente não ofenda os princípios norteadores do rito sumaríssimo.

Caso uma alteração legislativa geral trouxesse maior rapidez e praticidade ao feito, seria ela compatível com a estrutura processual dos Juizados e, portanto teria aplicabilidade plena.

Entretanto, as novas regras do NCPC, que exigem uma robusta e exaustiva fundamentação da sentença, não devem ser aplicadas no rito estabelecido pela Lei 9.099/95 e demais diplomas disciplinadores, porque as decisões proferidas no âmbito desse microssistema possuem características próprias, quais sejam: a) dispensam o relatório; b) fundamentação limitada ao resumo dos fatos e elementos de convicção do Juiz; c) dispositivo.

E como já alhures dito, ainda que se desconsiderasse a previsão expressa acerca dos requisitos da sentença estabelecido no artigo 38, caput, da Lei 9.099/95, existiria evidente incompatibilidade entre as sentenças conforme artigo 489§1º do NCPC e os princípios norteadores dos Juizados Especiais.

Nesse toar, conquanto a Lei 9.099/95 não seja um sistema fechado, qualquer alteração em sua estrutura fundamental comprometeria o rito sumaríssimo, contrariando a sua própria finalidade, já que o procedimento seria inócuo.

Deve-se ressaltar que os Juizados Especiais Cíveis que estão atualmente lotados de processos a serem julgados, possuem uma finalidade precípua consubstanciada no trinômio: oferecer uma prestação jurisdicional célere, justa e efetiva, sem comprometer os direitos fundamentais dos jurisdicionados.

E deve permanecer assim, sob pena de inviabilizar o acesso à justiça a parcela da população que mais necessita.

Diante dos argumentos apresentados, ouso discordar do teor do enunciado 309 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis, por absoluta incompatibilidade sistêmica entre a regra do art. 489, §1º, do NCPC e os princípios norteadores do rito sumaríssimo.

Correto, portanto, o entendimento do enunciado 162 do FONAJE que assim dispõe “Não se aplica ao Sistema dos Juizados Especiais a regra do art. 489 do CPC/2015 diante da expressa previsão contida no art. 38, caput, da Lei 9.099/95.”

1 (HUMBERTO THEODORO JR, Curso de Direito Processual Cívil – Procedimentos Especiais, 41, ed., Forense, 2009, V. III, p. 414)

2 (EDUARDO PEREZ OLIVEIRA, Coleção Reprcussões do Novo CPC, v. 1, ed JusPodivm, 2015, p. 101.)

3 (EDUARDO PEREZ OLIVEIRA, Coleção Reprcussões do Novo CPC, v. 1, ed JusPodivm, 2015, p. 103.)

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Sobre o autor
Nícolas Alvarenga

Assistente Jurídico de Juiz - JECC da comarca de Morrinhos/GO - Aprovações em concursos com efetiva nomeação: Escrevente Judiciário - Comarca de Goiatuba/GO, Escrevente Judiciário - Comarca de Morrinhos/GO. Assistente Jurídico - PROCON/ITUMBIARA/GO - Aprovações em concursos aguardando nomeação: Oficial de Justiça - 4ª Região - TJGO

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