Uma das questões mais polêmicas do Direito Constitucional-Administrativo (se hoje não o é, ao menos nos anos 90 o foi) é aquela das funções do Estado – se existem, e quais seriam, em existindo.
Desde o fim do século XVIII, começaram a surgir os Estados Constitucionais modernos, e estes foram idealizados com objetivos específicos, em especial o de garantir a liberdade de seus cidadãos. Garantir o direito à liberdade civil e política, à propriedade, à liberdade religiosa, etc., e manter a Ordem constitucional – de onde vem a função jurisdicional e de segurança pública. Ou seja, o papel daqueles primeiros Estados Constitucionais se resumia a algumas obrigações negativas – não intervir nos direitos e nas liberdades dos cidadãos – e em apenas uma obrigação positiva – estabelecer a ordem social, a segurança interna, algo que os cidadãos não poderiam fazer por si mesmos sem que sobreviesse o caos.
O Estado Constitucional adquiriu novas dimensões funcionais, com o fenômeno do Estado Social, de Bem Estar Social, no qual o Estado passou a ser considerado também um instrumento de transformação social, adquirindo mais obrigações constitucionais positivas. Exemplo dessas obrigações é a promoção de certos serviços, oferecendo certas atividades que beneficiarão a todos, mas sobretudo os desvalidos – saúde e educação, basicamente.
Pode-se então falar em uma primeira obrigação positiva do Estado – a segurança interna, civil – e a promoção do bem estar social como uma segunda obrigação a ser definida, in casu, em cada Constituição positiva. Um Estado pode ser constitucionalmente obrigado a oferecer serviços de saúde, mas não de educação, ou vice-versa, ou oferecer ambos os serviços. E mais – o Estado ainda pode deter para si não só a obrigação de realizar tais serviços, como pode optar por proibir, permitir ou limitar a atuação dos particulares nesses serviços.
Parece que mais aulas de História e Ciência Constitucional precisavam aqueles que aparentemente tentaram aplicar as teorias de “reforma do Estado” no Brasil na época em que em outros países esteve em voga o Estado Neoliberal – sucessor do Estado Liberal (quando das primeiras Constituições) e do Estado Social (do início do Século XIX). O que tais teóricos aqui fizeram foi implantar um “Neoliberalismo às avessas”.
O Estado Neoliberal difere do Estado Social – seu antecessor imediato – em dois pontos essenciais – o Neoliberalismo advoga pela privatização e desregulamentação, com o fim de reduzir o tamanho do Estado. Segundo a teoria neoliberal, essa atitude teria como consequência desonerar o contribuinte e incentivar a liberdade de mercado.
Os ideólogos da “reforma do Estado” conseguiram privatizar alguns serviços que para eles não eram “típicos” do Estado. Em sua concepção, apenas são “típicas” as seguintes funções: a diplomática, a fiscal, a procuradoria do Estado, a função militar, e a de polícia (de segurança pública). Erram, como demonstrado, porque somente a última função é serviço típico do Estado – a única função típica do Estado, que somente é indispensável que o Estado realize.
Com essa falsa perspectiva, não só privatizaram certas empresas públicas, como criaram as chamadas “Organizações Sociais”, com o fim de transferir aos particulares não só a faculdade de ofertar serviços até então oferecidos pelo Estado, mas de entregar-lhes o patrimônio (bens e verbas), os funcionários, etc., de entes públicos, para que realizem tais serviços. Pior – tais O.S.’s (como ficaram conhecidas) funcionariam (pelo que diz sua lei regulamentadora) sob o regime de direito privado, mas com verbas públicas, e tendo como dirigentes alguns altos oficiais do poder público (Ministros, Secretários, etc.).
Em suma, foi criada uma “teoria” mal feita, foi levada a cabo uma reforma constitucional absolutamente desnecessária, e ineficaz aos aparentes propósitos de seus idealizadores. Tudo isso com o objetivo de dar aos governantes a chance de nomear livremente e administrar verbas públicas como coisa privada, dento das ditas O.S.’s.