Diz-se que a eficácia subjetiva das decisões proferidas em ações de controle concentrado de constitucionalidade processa-se “erga omnes”. No entanto, deve-se entender com temperamentos essa afirmação, até porque o art. 102, §2º, da CF/88 nos ensina que a extensão subjetiva dos efeitos alcança os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública (direta e indireta). Dessa forma, uma primeira conclusão a ser extraída da interpretação literal do mencionado dispositivo constitucional é a seguinte: o Poder Legislativo não está vinculado à decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em sede de ADI, ADO, ADC e ADPF.
Estão, pois, sujeitos à decisão proferida pelo Pretório Excelso em ações de controle concentrado de constitucionalidade: a) os particulares; b) a Administração Pública em geral; e c) os órgãos do Poder Judiciário[1].
Como dito acima, o Poder Legislativo não é alcançado pela decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de ação de controle concentrado. Isso porque o Poder Judiciário (em especial, o STF) não detêm exclusividade na árdua e diuturna tarefa de “realizar” a Constituição, missão esta que incumbe aos três Poderes republicanos. Pode-se dizer, aqui, que a tarefa de interpretar e aplicar corretamente a Constituição incumbe ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário, e deve haver entre eles uma cooperação dialógica na realização dos valores constitucionais.
Partindo dessa premissa, fica superada antiga parêmia segundo a qual “o Supremo tem o direito de errar por último”. Na verdade, quando se trata de materializar os valores constitucionais, nenhum dos Poderes tem o direito de errar. Por isso, conceder ao STF o direito de “dar a última palavra” acerca da interpretação constitucional, além de causar o negativo fenômeno da “fossilização da Constituição”, privaria o Legislativo do exercício de sua atividade típica e seria campo fértil para a proliferação do autoritarismo judiciário (espécie de abuso de direito).
O Poder Legislativo pode, sim, reeditar uma lei (por óbvio, após um novo processo legislativo), ainda que o STF já tenha se pronunciado anteriormente a respeito daquela matéria em sede de controle concentrado de constitucionalidade. A “reação legislativa” funciona, pois, como um “contra-ataque” do Congresso Nacional, com o objetivo de reverter situações de autoritarismo judiciário e “oxigenar” o sistema jurídico-normativo. Dessa maneira, pode o Legislativo editar uma emenda constitucional ou lei ordinária com o objetivo de superar o entendimento jurisprudencial da Suprema Corte já consolidado.
Pode ser que o STF declare a nova norma inconstitucional, reiterando seu posicionamento anterior; no entanto, pode ser que a Suprema Corte, diante de novos argumentos jurídicos e da nova realidade social, decida modificar seu entendimento anterior, patenteado a constitucionalidade da nova lei. Eis a “oxigenação” do Direito mencionada outrora, fenômeno de vital importância, notadamente diante da velocidade meteórica das relações sociais no mundo contemporâneo.
A “superação legislativa da jurisprudência” constitui, como visto, importante instrumento democrático de realização da Constituição através do Poder Legislativo.
Na hipótese de reversão jurisprudencial procedida por lei ordinária, o STF tem entendido (ADI 5.105/DF) que a lei nova nascerá com presunção relativa de inconstitucionalidade, cabendo ao Poder Legislativo o encargo de demonstrar com argumentos consistentes que a alteração da jurisprudência afigura-se legítima e necessária. Trata-se de uma verdadeira situação de mutação constitucional pela via legislativa.
Já no caso de superação legislativa da jurisprudência pela via da emenda constitucional, entende o Supremo Tribunal Federal que a invalidação da referida espécie legislativa somente poderá ocorrer se a nova lei ofender alguma cláusula pétrea ou desrespeitar o devido processo legislativo.
[1] Nesse ponto, de suma importância salientar que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em ações de controle concentrado vinculam os futuros julgamentos monocráticos a ser proferidos pelos próprios Ministros do STF; todavia, o Plenário do STF não se vincula à sua própria decisão, uma vez que, havendo modificação de entendimento da Corte pelas mais variadas razões (de cunho social, econômico, político etc.), será possível a alteração do posicionamento acerca da (in)constitucionalidade de lei ou ato normativo.