A expressão “Estado Democrático de Direito” é amplamente utilizada nos dias atuais, tanto no meio acadêmico quanto na vida prática dos operadores do Direito.
Assim, percebe-se a importância da definição do termo, o qual aponta para quais são os fundamentos do ordenamento jurídico do país em que vivemos, bem como denota os princípios que devem ser observados no momento de aplicabilidade da lei.
Nesse contexto, o Estado é um ente composto por um território onde vive uma comunidade humana governada por um poder soberano e cujo aparecimento, cabe desde logo destacar, não depende da anuência de outros membros da sociedade internacional (PORTELA, 2011, p. 155).
De outro lado, o Estado de Direito em sua origem é um conceito tipicamente liberal, caracterizado pela submissão ao império da lei, divisão de poderes e garantias dos direitos individuais (AFONSO DA SILVA, 2005, p. 112).
Nessa toada, muito embora a limitação do poder estatal, por meio da lei, seja um grande avanço que marca a importância do surgimento do Estado de Direito, não se pode olvidar que o seu significado acaba por depender da própria ideia que se tem do termo “direito” (AFONSO DA SILVA, 2005, p. 113), o que pode dar azo a interpretações totalitárias e ambíguas, afrontando-se, assim, o pilar da segurança jurídica.
De igual modo, a ideia do Estado Social de Direito, embora mais afastada do excessivo individualismo presente na concepção liberal, porquanto se caracteriza pela busca à concretização dos chamados direitos de segunda geração (LENZA, 2010, p. 52), também depende da conceituação do que seria “social” (AFONSO DA SILVA, 2005, p. 114), abrindo espaço, portanto, a ambiguidades, repetindo, em muitos pontos, problemas recorrentes do Estado de Direito.
Por tais razões, exsurge a necessidade de se buscar um Estado permeado por valores, ultrapassando a simples reunião formal de regras e princípios.
Nesse diapasão, floresce a concepção do Estado Democrático de Direito, o qual se funda no princípio da soberania popular que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública (AFONSO DA SILVA, 2005, p.117).
Deste modo, podem ser citados como princípios da citada concepção de Estado: o princípio do pluralismo político (CF, art. 3º, inciso V); o princípio da separação de poderes (CF, art. 2º); o princípio da prevalência dos direitos humanos (CF, art. 4º, II); e o princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput).
Releva, ainda, citar os princípios do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, incisos LIV e LV), os quais servem de esteio para o surgimento de outro postulado: o princípio da cooperação.
Neste sentido, cumpre consignar excerto de relevante julgado da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema:
(...) 1. O processo, em sua atual fase de desenvolvimento, é reforçado por valores éticos, com especial atenção ao papel desempenhado pelas partes, cabendo-lhes, além da participação para construção do provimento da causa, cooperar para a efetivação, a observância e o respeito à veracidade, à integralidade e à integridade do que se decidiu, conforme diretrizes do Estado Democrático de Direito. (...) (REsp. 1324760/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 18/02/2015). Grifo nosso.
Não obstante a sua importância no processo civil pátrio, o Diploma Processual Civil de 1973 (Lei nº. 5.869/1973) não trazia de forma explícita o citado postulado em seu regramento, o que também se justifica pelo momento no qual foi editado, isto é, antes do surgimento da Constituição Federal de 1988, a qual fixou a solidariedade como objetivo fundamental da república brasileira (CF, art. 3º, inciso I) e, repise-se, o devido processo legal como princípio fundamental (CF, art. 5º, inciso LIV).
Entretanto, atualmente, com a edição do Novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015), o postulado em questão encontra-se expressamente previsto no artigo 6º, nos seguintes termos:
Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Dessa maneira, não há mais dúvidas acerca da característica cooperativa do processo civil brasileiro, o que explicita a valorização do contraditório e a inclusão do órgão jurisdicional no rol de sujeitos do diálogo processual, e não mais como um mero espectador do diálogo de partes (DIDIER, 2011, p. 83).
Noutra banda, se as partes participam mais, também lhes são outorgados deveres que devem ser cumpridos no decorrer do trâmite processual, sendo um deles o respeito à cláusula geral da boa-fé objetiva (CC, arts.113, 187 e 42; NCPC, art. 5º).
Portanto, a transformação do processo em uma comunidade de trabalho (DIDIER, 2011, p. 88) não pode deixar de lado a responsabilidade inerente à atuação dos sujeitos processuais, que devem responder, seja no bojo do próprio feito (como exemplo, tem-se a litigância de má-fé, descrita no artigo 142 do NCPC), seja na esfera administrativa ou criminal, conforme a configuração do caso concreto.
Cooperar, desta forma, é uma expressão que se coaduna com o ambiente democrático no qual se encontra estabelecido o Poder Judiciário Brasileiro, não podendo, todavia, servir de subterfúgio para uma atuação descompromissada das partes (e do próprio Estado), buscando tumultuar o feito sob a justificativa de uma participação efetiva.
Considerações finais
De todo o exposto, percebe-se que o princípio da cooperação aponta para a construção de um processo em que todos os sujeitos ali envolvidos são partes ativas, imbuídas de deveres e responsabilidades, limitando e direcionando o caminho para a resolução do conflito.
Essa visão é positiva não apenas do ponto de vista da colaboração mútua no âmbito processual, mas também no que tange à legitimidade das decisões judiciais, que passam a ser produto de amplo debate participativo das partes.
Só se deve ter cautela e ponderação na aplicação do postulado em debate, de modo que o esforço mútuo dos atores processuais seja exercido dentro dos liames da boa-fé objetiva, cláusula geral do ordenamento jurídico pátrio.
Assim, feitos tais sopesamentos, verifica-se que o Novo Código de Processo Civil, ao fincar a cooperação como princípio expresso, sedimentou as bases democráticas do Estado Republicano Brasileiro, o que é notável não só para os operadores do direito, mas, especialmente, para o destinatário por excelência da prestação jurisdicional: o cidadão.
Referências
AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros. 26ª ed. 2005.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Salvador: Juspodivm. 3ª ed. 2011.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva. 14ª ed. 2010.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: 13ª ed. 2011. v.1.