Uma árdua missão: combater a influência do poder econômico na atividade política

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Este trabalho trata essencialmente do abuso do poder econômico, com ênfase no processo eleitoral do interior do Estado do Piauí.

INTRODUÇÃO

A cobiça pelo poder, cuja origem se perde nas páginas da História, fere de morte o ponto nevrálgico concernente à  proteção dos direitos individuais e das minorias, atacando de forma endêmica a moral e a liberdade do voto, já que as diversas formas abusivas ou criminosas da influência do poder econômico na atividade política, refletem-se danosamente no processo eleitoral brasileiro, transcendendo a existência dos sistemas políticos e sociais como uma doença moral ou como um fenômeno normal da vida, tendo sido, dia após dia, aperfeiçoado e se tornado cada vez mais poderoso.

A responsabilidade nos domínios eleitorais é mais voltada para a efetiva proteção dos bens jurídicos tutelados, da liberdade do eleitor, da lisura e da normalidade das eleições e da legitimidade dos resultados por ser imperiosa a correlação que deve existir entre a vontade popular e o resultado das urnas.

Pois bem, o tema não é novidade no cenário político, pois as condutas típicas manifestam-se prejudicando as liberdades civis e individuais e ocasionam atraso no desenvolvimento social, em elevado grau, devido aos efeitos deletérios da fraude e da corrupção como forças diruptivas das instituições brasileiras.

É bem verdade que o mau funcionamento da Administração Pública, em todos os níveis, está diretamente relacionado à perniciosa influência do poder econômico no processo de escolha de candidatos a cargos eletivos, interferindo, assim, no meio legítimo através do qual o indivíduo exerce sua cidadania ativa, trazendo à baila questionamentos a respeito dos ditames revelados na Constituição Federal – cuja finalidade é o alcance do bem-estar público, a partir da vontade da maioria, desde que respeitados os direitos dos setores minoritários, não esquecendo que o cargo público visa servir e não ser utilizado para fins escusos com a potencialização do individual em detrimento do coletivo.

No Estado Democrático de Direito, interessa-nos enfatizar, todavia, que, restringir os direitos e liberdades fundamentais dos grupos minoritários em desfavor da liberdade do voto afeta o processo eleitoral propriamente dito – este compreendido como uma relação jurídica entre vários participantes e mexe com a expressão mais sagrada de uma democracia, que é a manifestação da vontade popular pelo voto, garantida pela Constituição, bem como pelas leis eleitorais que são regidas em consonância com essa garantia.

É inegável que o poder econômico existe e é naturalmente aceito. Porém, o seu abuso nunca poderá ser tolerado devendo ser coibidos e punidos todos os casos de corrupção eleitoral em que se considere que a vontade do povo foi fraudada. Quando seu exercício se afasta da normalidade, da forma preconizada, da aceitação do preceito comum e da finalidade para a qual esse direito foi criado ou conferido, configura-se o abuso que se manifesta quase sempre de forma velada, muito bem dissimulado, revestido geralmente de ato jurídico aparentemente lícito; porém, no cerne, a ilicitude o preenche, justamente pelo caráter falho, incompleto, dúbio e até farsante de nossa legislação, já que na seara eleitoral, pode surgir em vários momentos, no período das eleições, fato que afete a normalidade e a legitimidade do pleito.

O nosso Direito Eleitoral atual elaborou uma teoria  do abuso de poder econômico a partir, unicamente, da constatação de gastos não contabilizados como despesas de campanha. É abusivo o gasto não registrado, ou seja, aquela despesa cuja fonte não fosse autorizada.

O abuso e a corrupção eleitoral interferem na lisura da conquista do mandato, no provimento dos cargos, na representatividade política da Nação e, principalmente, ferem direitos e garantias conferidos pela Constituição Federal já que a vontade coletiva se forma na livre concorrência dos grupos para assegurar a verdade do sufrágio eleitoral. A entrega de benesses a eleitores carentes, mais que o recebimento de uma vantagem, representa a manipulação da sua liberdade de escolha, pois cria o sentimento de que a vantagem obtida deve ser retribuída com a manifestação favorável ao candidato nas urnas.

Nem o tempo nem as novas leis foram capazes de evitar que as eleições se transformassem em terreno fértil para o surgimento de práticas criminosas, durante o processo político eleitoral, advindas das ações nefastas de alguns políticos e agentes públicos desprovidos da noção de convivência moral. Não podemos negar a própria História, afirmando que a prática da corrupção e da fraude em período eleitoral são formas novas e sutis de propaganda. Esses comportamentos tem resistido ao longo dos tempos, pois a maior parte dos políticos ainda aposta no atraso para garantir seu quinhão de votos – prática eleitoral corriqueira no Brasil.

Com efeito, uma mera e simples compra de votos sempre trará transtornos à sociedade mesmo que não tenha influxo fecundo no pleito eleitoral. Comprar um, um único voto, significa impor silêncio a um indivíduo, omitindo a sua vontade e a sua contribuição para a alteração do panorama sócio econômico que lhe maltrata, e ajuda a depravar a estrutura democrática.

Em razão disso, no Direito Eleitoral prevalece a influência da responsabilidade objetiva nos domínios eleitorais e esta deve ser corroborada pelo Estado através do regular processo judicial – até porque o Estado detém o monopólio da jurisdição. Para afirmar essa garantia, dispõe o Direito Eleitoral de ações com a principal finalidade de coibir o uso abusivo dos poderes econômico e político, objetivando a responsabilização quer seja dos infratores, quer seja dos beneficiários do ato ilícito. Destacando-se entre elas: a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), fundada nos artigos 1º,I, “d” e “h”, 19 e 22, XIV e XV, todos da Lei Complementar nº64/90; a ação por captação ou emprego ilícitos de recursos de campanha, fundada no artigo 30-A da Lei das Eleições; a ação por captação ilícita de sufrágio, fundada no artigo 41-A da Lei das Eleições; a ação por conduta vedada, prevista nos artigos 73 da Lei das Eleições; o Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED), previsto no artigo 262, I e IV, do Código Eleitoral; a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), prevista no artigo 14, §§ 10 e 11, da Constituição Federal; a ação criminal pela prática do ilícito de  corrupção eleitoral, prevista no artigo 299 do Código Eleitoral.

Cabe ressaltar que a lei eleitoral estabeleceu a perda de mandato eletivo como punição para os casos de corrupção eleitoral. A lista de casos está cada vez maior e inclui homens públicos de vários partidos e de trajetórias distintas. A lei não tolera o excesso, uma vez que se sabe sobejamente, prejudicarem situações ligadas à normalidade, à legitimidade, à lisura, à moralidade e à legalidade do processo eleitoral, tanto é que é explícito na legislação vigente o objetivo de proteção à normalidade e à legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na Administração Direta, Indireta e Fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

RETROSPECTIVA DA ATUAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL:

 MECANISMOS DISPONÍVEIS PARA COIBIR O ABUSO DE PODER E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Relembrando a nossa história eleitoral, em 1932, surgiu o primeiro Código Eleitoral Brasileiro, Decreto nº21.076/32, que tratou de toda a matéria eleitoral, sendo sucedido por mais três codificações: a Lei nº48/35, o Decreto-Lei nº7.586/45 e a Lei nº1.164/50. A Lei nº4.737/65, positivada nos albores do regime militar, compreende o quarentenário Código Eleitoral vigente, datado de 15 de julho de 1965, que, contudo, não impediu a existência de  um emaranhado de legislações específicas, que se apresentam sinuosas, sujeitas a flutuações e repletas de lacunas, como também reina a irracionalidade devido ao casuísmo com que novas regras são introduzidas no sistema, apresentando subjetivismo e desencontro de opiniões. Faltam racionalidade, organização e método, aspectos estes peculiares ao espaço político.

Naturalmente isso ocorre nos domínios do Direito Eleitoral como também em todos os ramos do direito, pois não se pode olvidar que os intérpretes podem fazer uso de argumentos escolhidos através da via  hermenêutica, não sendo possível neutralidade absoluta, pois depende das convicções e da subjetividade do intérprete. Assim não é de se estranhar, pois, que o Direito Eleitoral abrigue contradições internas no âmago do sistema jurídico.

Ao mesmo tempo em que se anseia por uma hermenêutica eleitoral atualizada, em harmonia com os princípios fundamentais, com a idéia de justiça e com os valores compatíveis com a atualidade, urge compilar e reorganizar a legislação eleitoral em prol de uma sociedade politicamente organizada, buscando prestigiar os direitos fundamentais, a cidadania e a legitimidade no exercício do poder, buscando estabelecer uma relação de adequação entre meios e resultados, de maneira a possibilitar a harmonização dos princípios colidentes e a solução justa para a convivência harmoniosa dos princípios introduzidos na consciência jurídica e, nessa esteira, a idéia fundamental de democracia reside na “determinação normativa do tipo de convívio de um povo pelo mesmo povo”, segundo assinala o jurista Friedrich Müller.

O universo político abrange a direção do Estado nos planos externo e interno, a gestão de recursos públicos, a implementação de projetos sociais e econômicos, o acesso a cargos públicos, a realização de atividades legislativas e jurisdicionais, enfim tudo que diz respeito à vida coletiva, agregando-se múltiplos e, por vezes, contraditórios interesses.

Trata-se do complexo de normas e princípios jurídicos que organiza as relações entre entes públicos, estrutura os órgãos e os serviços administrativos, organiza o exercício das atividades político administrativas, tudo isso visando ao bem comum e ao interesse público, pois o Direito Eleitoral é justificado pelo próprio regime democrático e suas normas são imperativas, não podendo ser alteradas pela vontade de particulares ou das pessoas e entidades envolvidas no processo eleitoral.

A obediência aos preceitos eleitorais confere legitimidade a eleições, plebiscitos e referendos, o que enseja o acesso pacífico, sem contestações,  aos cargos eletivos, tornando autênticos o mandato, a representação popular e o exercício do poder político.

A partir de uma abordagem do regramento contemporâneo, com a aprovação da lei nº9.504/97, em 30 de setembro de 1997, o legislador pretendeu dar início a uma nova fase, sem casuísmos e oportunismos que pudessem enfraquecer a democracia e a livre escolha do eleitor, pois as democracias contemporâneas assentam sua legitimidade na idéia de povo, na soberania popular e o povo  integra e fundamenta o Estado Democrático de Direito.

Nesse amplo quadro,  a primeira inovação foi a tecnológica. A votação feita em urna eletrônica dispõe de recursos que, mediante assinatura digital, permite o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi registrado, resguardando o anonimato do eleitor; cada voto é contabilizado individualmente e tem assegurado o sigilo e a inviolabilidade, obedecendo à Lei das Eleições, arts. 59, §4º, e 61, lei que consolidou o sistema de votação eletrônica. O sigilo, também, é assegurado pelo uso de sistemas de informática desenvolvidos com exclusividade para a Justiça Eleitoral e por mecanismos específicos de urna, como a autonomia operacional, o não funcionamento em rede, a chave de segurança e a lacração a que é submetida.

O país, ao adotar a urna eletrônica, na década de 90, passou a viver uma experiência marcante no que diz respeito ao sucesso e  à eficiência alcançados nas eleições – sob múltiplos aspectos – e, como resultado, principalmente, o reconhecimento internacional, pois a Justiça Eleitoral Brasileira é a mais avançada do mundo em tecnologia de segurança, presteza, eficiência e celeridade na votação, inexistindo, assim, grandes incidentes, demonstrando, aparentemente, o caráter democrático e, consequentemente,  a idoneidade das apurações. A sociedade brasileira evoluiu em relação à importância do voto na realização da cidadania e da democracia.

Nesse contexto, a observância do procedimento legal que regula as eleições é extremamente relevante para a legalidade dos governantes, tudo no sentido de proporcionar as mesmas oportunidades a todos os participantes do certame, visando à ética dentro do jogo eleitoral, pois as ações imorais e ilícitas tem sido repudiadas em toda parte por não gozarem de legitimidade, devendo sempre o mandato eletivo ser conquistado dentro dos padrões éticos aceitos pela sociedade.

Hodienamente, quanto às medidas legais de combate à fraude e ao abuso de poder, a legislação eleitoral apresenta preceito e sanção, por estarem envolvidos bens e interesses indisponíveis. A Lei 9.504/97 ( Lei das Eleições), no que diz respeito à defesa da liberdade do voto e da moralidade pública, dispõe de instrumentos legais e processuais para reprimir os abusos que refletem na lisura da conquista do mandato popular e na representatividade política da Nação e, ao ser criada, deu mais agilidade à Justiça Eleitoral ao prevê a utilização desses mecanismos legais, visando conter os abusos e punir o comportamento criminoso de candidatos ou políticos eleitos, embora não exista limite máximo de gastos fixados pela legislação eleitoral.

Para aperfeiçoar o controle de captação de recursos e de gastos e em resposta ao passado de abusos em campanhas eleitorais, notadamente do poder econômico, surgiram várias inovações com a Lei 11.300/2006, alterando a Lei das Eleições, implantando, assim uma minirreforma eleitoral já vigendo para as eleições presidenciais, federais e estaduais de 2006, mesmo tendo sido considerada por juristas e políticos uma afronta ao dispositivo constitucional da anualidade, previsto no art. 16:

Art. 16. (CE)

(...)

§ 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data da sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano de sua vigência.

            Algumas considerações devem ser feitas sobre a “reforma eleitoral” que foi editada devido à urgente necessidade de profundas alterações em nosso regramento eleitoral, mas cabe ressaltar que a mencionada lei não trouxe nenhuma alteração que afetasse o processo eleitoral propriamente dito, nem tampouco disciplinou novas regras procedimentais para a disputa eleitoral, ocorrendo, na verdade, apenas a proibição de determinadas condutas, entendidas excessivas e veio tentar baratear as campanhas e resgatar a sua real finalidade: a divulgação das idéias e dos programas políticos e discussão dos problemas sociais e assuntos do interesse comum, proporcionando um maior controle e transparência nos gastos, permitindo à população, aos interessados e aos órgãos fiscalizadores uma maior transparência das contas de campanha.

            Esta reforma que foi defendida por juristas, magistrados e também políticos, mas possui pontos polêmicos, principalmente, por não ter motivado o surgimento de um debate amplo e aprofundado, envolvendo os mais diversos setores de nossa sociedade.

 Nesta perspectiva, a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) teve seu primeiro esboço no art. 237 do Código Eleitoral, o qual foi aperfeiçoado pela Lei 7.493/86, quando pôs em ordem a eleição daquele respectivo ano, estabelecendo no artigo 23, que “a diplomação não impede a perda do mandato, pela Justiça Eleitoral, em caso de sentença julgada quando comprovar que foi obtido por meio de abuso do poder político ou econômico”

Demonstrada a ocorrência de abuso de poder econômico, que se constitui em uma das hipóteses de cabimento de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, mecanismo já previsto no art. 24 da Lei nº7.664/88, reguladora das eleições do ano de 1988, pouco antes da vigência  da Constituição  de 1988, intentada também, nos casos de corrupção, de fraude e de outras transgressões eleitorais, visando à retirada do mandato eletivo do candidato que se beneficiou da fraude, o art.14 §10, do texto constitucional, promulgado em outubro/88, emprestou mais visibilidade à referida ação, reconhecendo seu grande papel na depuração do processo eletivo brasileiro.

Reveste-se de potencialidade lesiva à normalidade e à legitimidade das eleições quando analisados  em conjunto o acervo fático-probatório. É irrelevante que o fato patrocinado com o mau uso do poder  influencie concretamente a vontade do eleitor. Na verdade, contenta-se a lei com a potencialidade e a probalidade de ocorrência de dano ao bem protegido, isto é, à normalidade e à legitimidade do processo eleitoral. Assim não se faz necessária uma relação de causa e efeito entre a prática do ato abusivo e o resultado das eleições, de modo a se elaborar uma sentença matemática para provar a contabilidade dos votos, mas tão somente que a conduta ilegal seja de tal ordem que influencie na cooptação de votos, de modo a desequilibrar o pleito eleitoral.

Não se pode deixar de considerar, ainda, as peculiaridades de um município de pequenas proporções, em que práticas dessa natureza têm maior probalidade de viciar as eleições.

Assim, o constituinte de 1988 cristalizou, no artigo 14, §§10 e 11 da Constituição Cidadã, a previsão constitucional desta ação.

Art. 14. (CE)

(...)

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

§ 11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

Contudo, como não havia e ainda não há procedimento judicial previsto para esta ação, o Tribunal Superior Eleitoral baixou a Resolução nº21.634/04 ( Instrução Normativa nº81), determinando o seguimento do célere procedimento da Lei Complementar 64/90, de 18 de maio de 1990, editada em atenção ao preceito constitucional e conhecida usualmente como Lei das Inelegibilidades.

 Também o §9º, do art. 14, da Constituição Federal é de tamanha importância e se reveste de maior relevância dentro do universo de nosso Direito Eleitoral, pois o legislador constituinte pretendeu evitar desequilíbrios indesejáveis na igualdade de oportunidades entre os candidatos, oriundos de abuso do poder econômico, político ou de autoridade.

Art. 14. (CE)

(...)

§ 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

A Lei Complementar nº64/90, por sua vez, dsciplinou a impugnação do registro de candidatura, trazendo como inovação, em seu texto, a investigação judicial.

            Já o Recurso Contra Expedição de Diploma, também conhecimento como Recurso Contra Diplomação, vem previsto pelo art. 262 do Código Eleitoral:

 (Código Eleitoral)

“Art. 262. O recurso contra expedição de diploma, caberá somente nos seguintes casos:

I – inelegibilidade ou incompatibilidade de candidato;

II – errônea interpretação da lei quanto à aplicação do sistema de representação proporcional;

III – erro de direito ou de fato na apuração final, quanto à determinação do quociente eleitoral ou partidário, contagem dos votos e classificação de candidato, ou a sua contemplação sob determinada legenda;

IV – concessão ou denegação do diploma, em manifesta contradição com a prova dos autos, na hipótese do art. 222 desta Lei, e do art. 41-A da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997."

            É a partir da data da diplomação que se inicia o prazo para interposição desse recurso, é aplicável a ele a regra do art. 258 do Código, de acordo com a qual, “quando a lei não fixar prazo especial, o recurso deverá ser interposto em 3 (três) dias da publicação do ato, resolução ou despacho”

            Por outro turno, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, como já citado anteriormente, está amparada no art.22 da Lei Complementar nº64/90, mas constata-se, também, que a Lei nº9.504, de 1997, em seu art. 74, e a Constituição da República, em seu art. 37, § 1º, também, preveem  determinadas práticas de abuso de autoridade que podem ser apurados em sede de ação de investigação judicial e que o abuso do poder econômico também deve ser apurado nesta ação a ser proposta até a data da diplomação. Esta ação deve ser apreciada fazendo-se um paralelo com o art. 41-A desta lei, por ser um dispositivo bastante polêmico, inovador e moralizador no âmbito da Justiça Eleitoral e que significa uma grande barreira às práticas de corrupção eleitoral e de captação ilícita de sufrágio, comuns neste País, além de sujeitar  o infrator, e quem com ele haja concorrido, à responsabilização cível e à criminal, por amoldar-se ao tipo do art. 299, do Código Eleitoral:

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Art. 41-A. (Lei 9.504/97 –Lei das Eleições – Artigo acrescido pelo art. 1º da Lei nº 9.840/99.)

Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no ar. 22 da Lei Complementar nº64, de 18 de maio de 1990.

Art. 299 (Código Eleitoral)

Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva,ou qualquer outra vantegem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 (cinco) a 15 (quinze) dias-multa.

A Lei Complementar nº 86, de 14 de maio de 1996, acrescentou alínea j, ao inciso I, do art. 22 do Código Eleitoral, atribuindo com isso competência ao Tribunal Superior Eleitoral, para processar e julgar originariamente “ a ação rescisória, nos casos de inelegibilidade, desde que intentada dentro do prazo de cento e vinte dias de decisão irrecorrível, possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado. No entanto essa última parte do dispositivo foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que recebeu provimento do STF, “possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado”. A previsão em si da existência da ação rescisória, não foi considerada inconstitucional por não ofender o texto da Constituição.

Essa ação rescisória terá cabimento das decisões do próprio TSE, que hajam decidido a investigação judicial eleitoral por abuso do poder econômico ou de autoridade e que, hajam cassado o registro de candidato e proclamado sua inelegibilidade, nos termos do inciso XIV, do art. 22 da Lei Complementar 64/90 e também da letra d, do inciso I, de seu art. 1º.

Terá cabimento também a referida ação rescisória no tocante a decisões proferidas pelo próprio TSE, nas impugnações aos pedidos de registro de candidaturas, em que haja sido rejeitado o registro, em função do reconhecimento da presença de causa de inelegibilidade, a impedir a participação do pretenso candidato  no pleito.

Essa ação terá cabimento também em relação a decisões transitadas em julgado, proferidas pelos TRE’s e pelo TSE, em ações  de impugnação de mandato eletivo, proposta com base no § 10, do art. 14, da Constituição Federal. Tais ações podem ter por fundamento inclusive o abuso do poder econômico, a corrupção e a fraude, podendo ser intentadas naquelas situações em que a investigação judicial por abuso do poder, embora ajuizada, não tenha podido ser definitivamente decidida antes das eleições.

Finalmente, a ação rescisória terá cabimento também em face das decisões do TSE, que hajam apreciado recursos contra expedição de diploma, na hipótese do art. 262, incisos I e IV (inelegibilidade de candidato e abuso de poder) do Código Eleitoral.

Diante desse panorama, a transformação da sociedade com as infindáveis denúncias contra pessoas investidas na representação popular, comprova a necessidade da consolidação da idéia de que o exercício da função pública é exclusivamente para servir à população e não para dela tirar proveito. A interpretação do Direito deve convergir  para impedir o acesso ou retirar dos cargos, sem hesitação, as pessoas comprovadamente desonestas

Essas ações visam separar “o político do delinquente da política”, para impedir que a sociedade continue exposta aos insuportáveis vexames decorrentes de distorções graves no exercício da representação popular. A perspectiva da sanção ajuda-lhes a recobrar a serenidade, pois a ambição desenfreada - a maioria dos candidatos que almejam mandato eletivo, em princípio, tem como objetivo imediato conquistá-lo a qualquer custo – torna cego o postulante, levando-o à utilização, muitas vezes, de ações inaceitáveis para alcançar o poder político. Comprovada a ilicitude de sua conduta, cabe, então, ao Direito Eleitoral contê-lo, retirando-o da disputa por inobservância às regras que a disciplinam.

É preciso que fique bem sedimentada, no grupo social, a idéia de que o processo eleitoral é a seiva que revitaliza o Estado democrático. Todos têm o dever de zelar por sua regularidade, retirando dele tudo o que possa contaminá-lo ou levá-lo ao descrédito. A prosperidade, na democracia, tem como base a lisura e a confiabilidade no processo eletivo. Se a corrupção, o abuso, a fraude nele forem tolerados, definitivamente, a nação, que o consente, será pobre. Fatalmente, haverá de escolher governantes que sobrepõem seus interesses pessoais e patrimoniais ao interesse coletivo.

É necessário, ainda, que a aplicação do Direito Eleitoral propicie confiança e tranquilidade ao cidadão titular do poder, responsável por sua delegação através do voto. O Direito vigente deve responder a todos os anseios da sociedade. A preservação da lisura nas eleições deve ser seu objetivo fundamental.

SANÇÕES ELEITORAIS:

Remédio para combater o abuso de poder em desfavor da liberdade do voto?

            A invalidação do escrutínio, contaminado pelo abuso de poder econômico e consequente extinção do mandato, será analisado como pano de fundo no desenvolvimento do tema proposto, através do próprio desvelar dos aspectos referentes às diversas ações ajuizadas, como corolário da lei, nos municípios do Estado do Piauí, sustentando-se a tese de que a maioria dos casos de perda de mandato entre os detentores do poder pauta-se, principalmente, em condutas ilegais praticadas em desfavor da liberdade do voto.

            As peculiaridades do processo eleitoral exigem a adoção dos procedimentos céleres próprios do Direito Eleitoral, respeitando-se, sempre, as garantias do contraditório e da ampla defesa, tal como ocorre nos demais sistemas de controle social, o procedimento adotado pelo regramento visa à imediata sanção à conduta ou à situação infratora de suas regras e seus princípios para evitar dano irreparável e dar prevalência à vontade popular.

            Assim o sistema eleitoral reage às ações contra si desfechadas e contempla várias espécies que visam à punição dos responsáveis pelo abuso de poder propriamente dito, entre as quais destacam-se a inelegibilidade, a negativa de registro de candidatura, a perda de registro de candidatura, a negativa de expedição de diploma, a cassação de diploma, a cassação de mandato, entre outros que vieram ao encontro da vontade da sociedade de ver rapidamente apurados e punidos os ilícitos eleitorais.

            Ao analisar a evolução da Jurisprudência, observamos que cada vez mais se foi dado elastério à sua interpretação, embora com temperamentos decorrentes de cada caso concreto, de modo a compilar todos os ilícitos eleitorais. Busca-se resultados de efeitos rápidos, com o máximo de efetividade, ainda que para isso a convicção jurídica seja abolida ou secundada Entretanto, como se pode observar, a mudança na interpretação reiterada que os tribunais dão à lei, nos casos concretos submetidos ao seu julgamento também é preocupante. Percebe-se o avanço como remédio para todos os males da legislação eleitoral, mas ao mesmo tempo aprofunda-se a insegurança jurídica, pois com a finalidade de dar efetividade às decisões judiciais, sacrifica-se princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito.

            De qualquer sorte, a análise da questão em apreço não deve se restringir à vitória eleitoral ou à quantidade de votos, pois, mesmo gozando da preferência da maioria do eleitorado na urna eletrônica, o candidato eleito poderá ser submetido a processo judicial já que a investidura em mandato eletivo, realmente, só é justa e legítima se observar rigorosamente o procedimento democraticamente traçado, bem assim os princípios e as regras ínsitas na Constituição e nas normas eleitorais.

            Por certo, ninguém ignora que o resultado do procedimento eletivo não se encontra vinculado unicamente às características intrínsecas dos candidatos vitoriosos. O êxito nas eleições, acima de tudo, é reflexo do poder econômico, permitindo o planejamento de uma estratégia adequada de campanha para que  seja alcançada maior parcela do eleitorado, pois quase sempre vence o candidato que tenha ou angarie mais dinheiro, nada  tendo a ver com consciência política e sim como uma relação contratual, devendo ser cumprida, logo após, que normalmente consistirá na contratação de pessoas indicadas pelos colaboradores para o preenchimento de cargos em comissão, na contratação de obras e serviços sem a realização do procedimento licitatório, sendo que quanto mais ricos os contribuintes, mais influência estes terão sobre as decisões políticas, uma vez eleito.

            É bem verdade que as ações eleitorais sempre têm uma motivação política em seu nascedouro, pois, como se trata de uma conquista a cargos públicos, esta é almejada por diversos atores políticos que buscam sempre razões internas e subjetivas para o seu ajuizamento, pretendendo, na maioria dos casos, benefícios para os interesses próprios, auferindo ganhos oblíquos e ferindo de morte o espírito democrático.

            Por outro turno, temos como resultado, conforme já explicitado, a lamentável deteriorização da garantia jurídica que esgarça a legitimidade democrática dos mandatos, fazendo com que a Justiça Eleitoral interfira, diretamente, no resultado do pleito eleitoral para tentar garantir o controle da legalidade, da moralidade e do exercício probo do mandato, invalidando a vontade do eleitor e a legitimidade do seu voto os quais passam a ser irrelevantes, pois o candidato eleito pode perder o mandato por decisão judicial assujeitada ainda aos tribunais superiores, através de via recursal própria Isto, de certa forma, enfraquece a nossa democracia, inverte a lógica democrática, tornando o eleitor mero coadjuvante do processo de escolha de seus líderes, pois ao mesmo tempo em que a Justiça Eleitoral tenta procurar a solução mais justa  e coerente, torna vazio o significado de eleições livres.

            É curioso observar que, na maioria dos pleitos eleitorais, principalmente nos interiores do Estado, a maioria dos candidatos, na verdade, utilizam-se de práticas eleitoreiras indevidas para enganar o eleitor mais humilde e alcançar o resultado pretendido –  a busca pelo poder - caracterizando, assim, um fenômeno, no ordenamento jurídico,  norteado, na verdade, pelo enfraquecimento da própria legitimidade do resultado das eleições, já que esta  não corresponde, na prática, ao interesse da coletividade, aos portadores da cidadania, pois a consciência política é fraudada e consubstanciada com promessas de benesses individuais de qualquer natureza, com a finalidade precípua de cooptação ilegal de  votos - e por  vezes até multiplicá-los - ofendendo potencialmente o que está explícito no texto constitucional, gerando, assim, algaravia no sistema jurídico eleitoral e perdendo totalmente o valor a vontade popular manifestada nas urnas que, tradicionalmente, era garantia de presunção de legalidade e expressão da vontade do eleitor.

            Não há que se falar, também, em voto consciente e para isso basta pensarmos naquelas situações de extrema pobreza que assolam os interiores como regra geral e que trazem, no período eleitoral, para os menos favorecidos, esperanças de auferirem vantagens de natureza pessoal para abrandar o sofrimento familiar, mas que apenas nesse momento são mormente lembrados e passam a ser peças fundamentais em um esquema de grandes proporções eleitorais, transformando o pleito  em um grande comércio em troca de voto. Essa afirmação é fundamental e relevante no Direito Eleitoral.       

            Mesmo com as sucessivas mudanças na legislação eleitoral, é bem verdade que hoje a política do Piauí ainda está inteiramente dominada por “oligarquias”, mesmo com a permanente discussão de propostas para a alteração das regras que disciplinam o acesso ao poder. Como nos anos 50, os “coronéis” continuam com maior poder político, e consequentemente, controlam o processo eleitoral. Além de exercerem coerção sobre os eleitores, ainda burlam à fiscalização e fazem uso do poder econômico comprando votos.

A grande verdade é que os eleitores sofrem coação para votarem desde que ganharam direito ao voto. A maioria dos eleitores dos municípios do Piauí ainda acompanham o “coronel” e seu político, que geralmente são o prefeito, um grande fazendeiro ou um comerciante bem sucedido. Estamos em 2010, mas num ambiente de ausência de espírito público e de excesso de corrupção, é fácil convencer qualquer eleitor a aceitar a votar em troca de algumas migalhas e assim a maioria da nossa população continua submetida ao voto de “cabresto” e ao “curral eleitoral”. Nos “currais eleitorais” do Piauí os adversários são impedidos de entrar e a população sofre pressão para votar no candidato indicado por grupos financiados pelo governador, senadores, deputados e prefeitos.

A lei do mais forte retoma assim sua eficácia no grupo social, que passa a viver num clima de profunda insegurança, pois o grupo dominador, muitas vezes pertencente ao mesmo partido, classe ou família  atua com a mesma estratégia das milícias e dos tráficos,  só que neste caso o dominante não cobra dinheiro, compra o voto com o abuso do poder econômico em prejuízo da população mais carente, já que o dinheiro proveniente do poder público beneficiará apenas os pertencentes a mesma facção,  após a investidura no poder e, assim, os coronéis sentem-se estimulados a retornar aos tempos mais remotos quando, nos litígios, a força e a audácia eram os fatores determinantes para a prevalência de um interesse.

E o pior: o corruptor estará sempre se valendo da fraqueza de um outro ser, impondo-lhe determinações que regulam seu comportamento, interesse e ideologia, um ser muitas vezes perseguido por uma necessidade imediata e premente que o torna cego para enxergar a que está se submetendo, ou ignorante o bastante das consequências futuras de sua participação em tal ilícito. Neste contexto, há, por ilação lógica e natural, a existência de um vício grave de consentimento. E se assim o permitir, sob o manto da tolerância e da indiferença, o corrompedor, como um tumor maligno, continuará se proliferando silencioso, indefinido e continuamente por todos os cantos, fazendo sofrer seus efeitos  por lógica, até mesmo  aquele que fora corrompido.

Notadamente o abuso do poder econômico se sobressai no campo da nocividade, por se valer das mazelas sociais, das necessidades materiais das pessoas,  e, principalmente,  da ignorância proveniente da falta de instrução básica, derivando outros tantos ilícitos que impõem a ruína da sociedade.

É preciso buscar um novo rumo para a sociedade brasileira, pois o nível de escolaridade da população também influencia nesse controle eleitoral, pois a educação do povo deve ser encarada como prioridade por todos os integrantes da nação objetivando a retificação dos rumos do Direito. Não existe democracia com desigualdades tão gritantes. A universalidade da  instrução é tanto uma condição quanto uma consequência da democracia.

Se todos os cidadão são chamados a participar da escolha dos representantes da nação, é indispensável que possam fazer suas escolhas com conhecimento de causa. A instrução elementar e gratuita como também a liberdade de informação são consideradas, sem dúvida, os pilares da democracia. Somente com educação é que haverá estímulo para uma mudança de mentalidade em relação a tudo o que diga respeito ao exercício do poder político.

Ao ser a democracia soterrada, vítima da ambição de alguns inconsequentes e da fragilidade dos valores cultivados, todos perdem profundamente com isso. Sobretudo gerações futuras, que amargarão a ausência dos alicerces necessários a sua consolidação e à perenização do estado de direito.

A ruptura da ordem institucional na democracia, através do abandono das vias legais de acesso ao poder, como enfatizado, é profundamente nociva a qualquer nação. Quebra-lhe, mortalmente, o sentimento de respeito pela Constituição e pelas normas jurídicas vigentes, estimulando crescente ousadia, nas gerações subsequentes, para afrontar a legislação por ocasião da disputa pela influência, principalmente com a certeza da impunidade por parte daqueles que são empossados apenas com o desastroso “hábito” de enriquecer ilicitamente enquanto permanecem no cargo disseminando enormes perdas para a coletividade, deflagrando-se desigualdades cada vez mais marcantes nos estratos sociais.

A ausência de sanção, insista-se, configura pedagogia típica de estímulo à violação da ordem jurídica, autêntica forma de “deseducação” que se consolida pela omissão na repressão aos infratores de grande porte. O motivo básico da aflição da sociedade brasileira: a completa falta de virtude de seus homens públicos, ainda assim sempre prestigiados, com a permanência na política, diante da ausência efetiva de sanção, agravada com a garantia de perpetuação no poder já que a muitos políticos com improbidade comprovadamente documentada nos autos, restou configurada a elegibilidade.

Alcançado o poder, aquele que o exerce, ainda, tem a irresistível tendência de tentar perpetuar-se no exercício de uma função eminentemente temporária. Ainda que obstáculos sejam opostos à sua permanência, tudo fará para contorná-los, inclusive exercendo cargos distintos até que cesse a incompatibilidade ou o impedimento, sempre direcionando os fins para si ou mesmo para terceiros que de algum modo possam beneficiá-lo, desviando-se da coletividade.

O novo milênio se iniciou promissor para o Direito Eleitoral com a cidadania eufórica, testemunhando a efetiva aplicação da sanção nos casos em que, efetivamente, comprovada a infração à lei, assegurada ampla defesa ao acusado, a punição deve ser inevitável, apesar de todas as artimanhas utilizadas pelo candidato. Essa mudança de paradigma, a partir de uma correta avaliação do papel do homem público, é fundamental para o progresso de qualquer nação.

            Frise-se que tanto o abuso do poder político e/ou o econômico, quanto à corrupção e à fraude  devem ter por desiderato a indevida influência nas eleições ou em seus resultados, de sorte a macular a soberania  da vontade popular expressa nas urnas para surtirem os efeitos prescritos nas normas eleitorais já que a vida prática mostra que entre poder político e econômico opera-se uma simbiose: ora é o poder do dinheiro que facilita a busca do poder político; ora é o poder político que, velada ou ostensivamente, facilta a conquista do poder patrimonial.

            “À proporção que a riqueza invade a disputa eleitoral, cada vez se torna mais avassaladora a influência do dinheiro, espantando os líderes políticos genuínos, que também vão cedendo, ainda que em menor escala, a comprometimentos econômicos que não conseguem de todo escapar, sendo compelidos a se conspurcarem com métodos corruptores.” ( in Abuso de Poder no Direito Eleitoral, Forense, Rio, 1998, p.52).

            Acontece que, muitas vezes, o fato objeto da ação é “aparentemente” e “potencialmente” inofensivo para o equilíbrio da eleição, não se conseguindo provar, portanto, tratar-se de um grande esquema de proporções eleitorais, não sendo estabelecida na inicial a clara imputação de uma conexão ideológica entre o ardil e o objetivo de conseguir votos, impedindo a busca da verdade real e definitiva, mesmo tendo esta existido. A tônica do debate também diz respeito à existência do nexo de causalidade entre o fato reputado ilícito e o resultado das eleições.

            Cabe realçar que a perda de mandato eletivo foi introduzida em nosso ordenamento jurídico com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 e o texto reclama seja instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, entende-se um conjunto de condutas definidas como crime, que atentem contra o interesse público de lisura eleitoral, na medida em que agem em desfavor da liberdade do voto, comprometendo as condições igualitárias da disputa, determinantes para a perda do mandato.

Há, ainda, a necessidade de se demonstrar, além das provas da ocorrência do fato abusivo, a relação entre os votos obtidos e o delito praticado já que a lei complementar exige, para efeito da prática de abuso de poder econômico, o risco de perturbação da livre manifestação popular. E é isso que é difícil de ser demonstrado, devido à ausência de provas robustas que por si só comprovem os fatos ilícitos já que, dia após dia,  os candidatos utilizam-se cada vez mais de instrumentos e meios ardis para enganar  o eleitor, a população e, principalmente, os seus opositores. Tudo isso objetivando, a qualquer custo, serem detentores do poder.

Segundo o doutrinador ADRIANO SOARES DA COSTA:

“ O abuso de poder econômico consiste na vantagem dada a uma coletividade de eleitores, indeterminada ou determinável, beneficiando-os pessoalmente ou não, com a finalidade de obter-lhe o voto. Para que a atuação do candidato, ou alguém em seu benefício, seja considerada abusiva, necessário que haja probalidade de influenciar no resultado do pleito, ou seja, que haja relação de causalidade entre o ato praticado e a repercussão no resultado das eleições. Desse modo, o conceito de abuso de poder econômico ou político, é relacional: apenas há abuso juridicamente relevante se, concretamente, trouxer possibilidade de modificar o resultado da eleição. Assim, apenas no contexto do caso concreto poderá ser observada a existência de abuso relevante para incoar a sanção de inelegibilidade.”

            Ainda para justificar uma maior reflexão sobre o assunto, basta imaginar também, as eleições municipais, em que o juiz eleitoral não seja totalmente imparcial e talvez amasiado com o outro grupo político concorrente ao candidato eleito, cassa-lhe o diploma e empossa o segundo colocado nas eleições para o  cargo de prefeito municipal, ferindo também a vontade do eleitor, ocasionando dano irreparável ou de difícil reparação ao interesse público. O juiz manifestamente tendencioso, que mancha sua toga com o estigma da parcialidade, ao favorecer qualquer postulante na disputa em detrimento do conceito da Justiça, deve também ser afastado da função de julgador.

            Na perspectiva da Justiça, na confiança de sua atuação isenta, situa-se uma força invisível que age na sociedade, levando os cidadãos a um crescente apreço e respeito pela ordem jurídica,  desencorajando suas elites de aventuras ousadas pela conquista do poder. O Direito vigente deve dispor, paralelamente, de mecanismos eficientes para retirar, inclusive da Magistratura e do Ministério Público, aqueles que comprometem a credibilidade das instituições junto à cidadania. O Judiciário altivo e confiável representa um permanente desestímulo a quem busca sempre a ruptura institucional para ser detentor do poder.

            Por outro lado, é preciso reconhecer a posição de candidatos inconsequentes que, envolvidos pela euforia da disputa, saem a difamar os Magistrados responsáveis pela condução do pleito, sendo muitas das alegações de parcialidade de Juízes Eleitorais destituídas de fundamento, decorrentes apenas da instabilidade reinante no período eleitoral.

Ao longo de sua existência, contudo, a Justiça Eleitoral tem inegavelmente tentado trazer mais segurança à disputa eletiva. Entretanto, é forçoso reconhecer, a partir de um exame na jurisprudência consolidada nos seus diversos momentos, uma variação de intensidade na reação ao abuso de poder  econômico e político.

            Já no final do ano de 2001, foram cassados alguns prefeitos, alguns vereadores e o Governador do Estado do Piauí, inclusive, e todos os que ousaram afrontar a legislação eleitoral, tendo sido enaltecida em editoriais de todo o Brasil a postura inovadora dessa corte.

            Em vários municípios do Piauí, em diversas ações ajuizadas, existem pedidos formulados contra a decisão monocrática, visando ora à  destituição do mandato, no que diz respeito à  análise dos fatos praticados pelo detentor do mandato eletivo entrelaçada com o arcabouço probatório, ora à sua restituição, em grau de recurso, conforme a interpretação dada pelo TRE-PI ao caso concreto, baseada na harmonia do conjunto probatório, como também nas  sanções que são aplicadas como remédio processual para a aplicação jurisdicional.

            Desse modo, a harmonia do conjunto probatório foi capaz de permitir ao Juiz Eleitoral, próximo dos fatos postos à sua apreciação, e com base na livre apreciação das provas, convencer-se da ocorrência de compra de votos no Município de Nova Santa Rita   ( São João do Piauí) – no pleito de 2004, levando-o a sentenciar pela procedência da ação de impugnação de mandato eletivo, diante de um substrato probatório harmônico e consistente, produzido sob o crivo do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, sendo constatado pelo TRE-PI que a diferença entre a votação dos eleitos e dos segundos colocados foi de apenas 05 (cinco) votos, de modo que o conjunto probatório produzido nos autos se afigurou mais que suficiente para permitir a ilação de que a compra de votos havida nas eleições de 2004 pelos impugnados, foi decisiva para influir no resultado das eleições, sendo flagrante a potencialidade lesiva dos fatos descritos nos autos.

            Ainda no que concerne ao pleito de 2004, em Prata do Piauí –PI (São
Félix do Piauí), foi interposto recurso pelos candidatos não eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, contra decisão proferida pela Meritíssima Juíza da 52ª Z.E, que julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo em face dos eleitos. Entretanto, após uma análise detida pela Corte, reformou-se a decisão a quo, constatando-se que houve a contratação de pessoas sem a prévia aprovação em concurso público, inclusive em período vedado e este comportamento fomentou, irretorquivelmente, o sentimento de gratidão, ou seja, os impugnados foram reeleitos por uma maioria de apenas 21 (vinte e um) votos, razão pela qual entendeu-se que o abuso de poder econômico e político perpetrado pelo prefeito reeleito, consistente na contratação de 13 (treze) prestadores de serviço, sem prévio concurso público, em pleno período eleitoral, teve potencialidade suficiente para desequilibrar o pleito a seu favor, notadamente, porque com uma margem tão pequena de maioria, um emprego dado a um chefe de família transforma-se, no mínimo, em dois votos, pois é natural que os familiares dos contratados agraciem o benfeitor com votos, sobretudo porque se trata de um município pobre do interior do Piauí, cuja população, igualmente pobre, inclusive, segundo dados do IBGE, com raras oportunidades de emprego, apresenta baixíssimo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.

            Já, na peça recursal referente ao pleito de 2008 do Município de Isaías Coelho, por exemplo, os recorrentes se insurgiram contra a decisão em primeiro grau que desacolheu alegativas de abuso de poder econômico e afirmaram que a farta distribuição de camisetas, bonés e motocicletas ocorridas naquele município, além de ferir a legislação vigente no que diz respeito a condutas vedadas denotavam abuso do poder econômico, pois os recorridos foram eleitos em razão daquelas condutas ilegais. O TRE-PI deu provimento ao recurso devido à existência de provas documentais robustas acompanhadas de depoimento testemunhal harmônico e consistente da prática de atos de abuso de poder econômico, aplicando-se penas de inelegibilidade e de cassação dos diplomas do prefeito e do vice-prefeito, realizando-se ainda novo pleito à luz do que disciplinam os arts. 222 e 224 do Código Eleitoral.

            Nas contrarrazões do recurso, os recorridos, numa tentativa desesperada de continuar no poder, sustentaram que o assunto já estava superado por decisão em demanda com o mesmo objeto, ou seja uma ação de investigação judicial cuja decisão monocrática também entendeu não haver nada de errado na campanha eleitoral por eles promovida e argumentaram que as alegações dos recorrentes não restaram provadas de sorte a justificar sentença em seu favor.

            De igual modo, os corruptores sempre afirmam que jamais cometeram tais ilícitos, que nunca se beneficiaram de suposta distribuição de motocicletas e outros bens, pretensamente realizada por cabos eleitorais seus, com promessa de recompensa futura e alegaram tratar-se de uma farsa porquanto nunca aconteceram. Enfim, rebatem todos os argumentos para que o resultado do pleito permaneça intocável e em seu favor com a justificativa de falta de potencialidade para alterá-lo.

            Acontece que, com efeito, a Justiça Eleitoral, atendendo anseio popular, proibiu  confecção, utilização ou distribuição de camisetas, chaveiros, bonés, além de outros brindes (art. 39, § 6º, da Lei nº9.504/97), por verificar que tais atitudes, além de contribuírem para a desigualdade e desequilíbrio do pleito, também levam ao escancarado abuso do poder econômico por parte de candidatos, exatamente como aconteceu em Isaías Coelho.

            Não se trata apenas de ações contrárias às prescrições legais, mas de concretização de ações não razoáveis nem normais à vista do contexto em que ocorreram, revelando, na maioria das vezes, exorbitância econômica que desprestigia uma disputa igualitária e justa.

            No presente caso, a distribuição de inúmeras camisetas e bonés, com cores, números e slogan que levam o eleitor a uma associação imediata entre as benesses recebidas e a candidatura dos impugnados, caracteriza desproporcionalidade dos meios empregados e visaram indubitavelmente a conquista da simpatia e do apoio político do eleitorado local, trazendo benefício à candidatura daqueles que se valem da miséria e da falta de instrução de grande parte da população para auferir dividendos eleitorais e o requisito da potencialidade está na própria gravidade e seriedade da conduta, não deixando de considerar, ainda, as peculiaridades de um município de pequenas proporções, em que práticas dessa natureza tem maior probalidade de viciar as eleições como já bastante enfocado.

            Ainda no que se refere ao pleito de 2008, no Município de São Pedro do Piauí - PI, também foi conhecido o recurso, não se mantendo a decisão a quo, diante das provas colhidas e confirmadas da prática de abuso de poder econômico em benefício dos recorridos para desconstituir os mandatos eletivos do prefeito e do vice-prefeito eleitos, já que o abuso do poder político pode ocorrer entrelaçado com o econômico. No caso em tela houve farta doação de quantia em espécie em troca de voto, manutenção de poços, contratações com a intenção de angariar voto e utilização da máquina administrativa em benefício da população, mas em prol da candidatura do prefeito, para sua perpetuação no poder, comprometendo a legitimidade e a normalidade da eleição. E como a diferença de votos entre os candidatos mais votados foi ínfima, os fatos cometidos pelos impugnados se revestiram de potencialidade suficiente para influenciar no resultado do certame.

            Em Francinópolis - PI, houve alegações de doação de materiais de construção e elétricos e de dinheiro, no entanto a prova coligida aos autos não se mostrou suficiente visto que a prova testemunhal colhida não foi robusta para a formação do juízo  de certeza sobre os fatos. Tais provas, isoladamente, embora possíveis, não constituíram, no caso, prova suficiente para comprovar a prática de corrupção, uma vez que a jurisprudência exige, para tanto, a presença nos autos de prova inconcussa, não significando que tais fatos não aconteceram, mas que simplesmente não foram comprovados nos autos. No entanto, no que se refere ao conjunto probatório colacionado aos autos quanto aos pagamentos de contas de água, luz e telefone de eleitores se mostrou suficiente para caracterizar a potencialidade da prática de corrupção eleitoral, ou a ocorrência do abuso do poder econômico, impondo-se a manutenção da decisão de primeiro grau, decretando – se a inelegibilidade com fundamento no ar. 22, XVI da LC 64/90, assim como a realização de novas eleições.

            Em Itaueira - PI, os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Piauí, à unanimidade, confirmaram a cassação dos mandatos dos impugnados/recorrentes, decretando a inelegibilidade do primeiro recorrente, cuidando-se de contratações sem concurso público, proporcionando ganho fácil de salários em nítido abuso de poder político em simbiose com o abuso do poder econômico, a um só tempo, ou seja, o nefasto uso corriqueiro da máquina administrativa. Neste caso, o abuso se revela intenso apenas para a administração pública e para a coletividade, sendo que a realização de concurso é exigência constitucional prevista no art. 37 da Constituição Federal, sendo uma forma de moralizar o serviço público, evitando que gestores públicos contratem pessoas aleatoriamente, de forma apenas a atender interesses políticos, e tal fato restou comprovado nesse município. Contratações sem concurso, após longos anos de entrada em vigor da C.F/88 é prática abusiva do ponto de vista do poder de autoridade (político) e do ponto de vista do poder econômico.

            Em algumas situações a Justiça Eleitoral acaba por dar provimento a recursos, reformando a sentença proferida pelo Juiz de primeiro grau, restituindo-se os respectivos diplomas e os mandatos eletivos que foram outorgados aos eleitos quando uma decisão é tomada aparentemente sem uma amadurecida instrução processual como aconteceu, por exemplo, em Guaribas – PI, em que os recorrentes alegaram que a sentença de primeiro grau fundou-se tão somente em depoimentos inconsistentes e contraditórios de três testemunhas e que não havia nos autos qualquer prova material das práticas narradas na exordial. Na situação em apreço, os representantes não lograram êxito em demonstrar a ocorrência de nenhum dos três fatos narrados na inicial, motivo pelo qual foi despiciendo falar em potencialidade, pois a consistência probatória tem que ser suficiente a forrar a crença na existência e na autoria do fato, o que não significa, frisando-se mais uma vez,  que tais fatos não ocorreram, mas simplesmente não foram comprovados. Isso porque o cotidiano tem demonstrado que  tais práticas são antigas e efetivamente corriqueiras no processo eleitoral, principalmente nos interiores do país.

            Por sua vez, houve também, casos em que o TRE-PI julgou improcedente o pedido de reforma de decisão em casos em que o Juiz a quo não cassou o mandato dos eleitos por ausência de prova robusta e incontroversa dos fatos ilícitos praticados, como também da potencialidade lesiva para interferir no resultado do pleito, conhecendo, mas negando provimento à ação de impugnação de mandato eleitivo com alegativas de abuso de poder econômico.

 Assim aconteceu no Município de Parnaguá-PI, em que o candidato recorrente suscitou na petição inicial uma grande quantidade de fatos supostamente enquadrados como captação ilícita de sufrágio, corrupção e abuso de poder econômico, sem colacionar aos autos algum indício mínimo que encetasse a conclusão por ele defendida, apresentando apenas uma fita com sua respectiva degravação, que não foi hábil a comprovar os fatos, motivo pelo qual não foi efetuada perícia, pois esta não iria servir para elucidar os fatos, pois continuaria persistindo a dúvida sobre a ocorrência dos ilícitos noticiados. Foi ouvida, também, apenas uma pessoa, na qualidade de informante, sendo estas declarações muito frágeis, pois além de referir-se a apenas uma oitiva,  tratava-se de alguém que sequer assumiu o compromisso de dizer a verdade em face da ligação que tinha com o recorrente. Acerca do transporte irregular de eleitores, observou-se que também não foram juntadas provas. Além dos fatos já citados, o recorrente indica inúmeros outros que supostamente foram praticados pelo recorrido, entretanto, não trouxe prova alguma, apenas alegou que ocorreram e somente isso e a ação de impugnação de mandato eletivo não se satisfaz com mera presunção, antes, reclama a presença de prova forte, consistente e inequívoca.

O mesmo aconteceu em Arraial-PI, onde o conjunto probatório não restou demonstrado, não sendo comprovada nenhuma das condutas apuradas, mantendo-se a sentença a quo no ponto e que o TRE-PI reconheceu não restarem comprovadas as condutas imputadas aos recorridos.

Recentemente, em Paes Landim, município localizado na região sul do Piauí, aconteceu um fato de extrema repercussão em todo o Estado, onde restou comprovado que houve grande derrama de dinheiro por parte do grupo político ligado ao ex-governador, em benefício dos candidatos então eleitos, pois estes foram agraciados pelo dinheiro proveniente da máquina pública para atrair mais eleitores.

 Constam dos autos que, mesmo após a municipalização, do Hospital de Paes Landim, em 2007, 25 (vinte e cinco) prestadores de serviço continuaram recebendo seus salários, indevidamente,  do Governo do Estado, mesmo sem trabalhar todo o ano de 2008, e é óbvio e ululante que outro desiderato existia com aquele ato que acarretava dispêndio indevido de dinheiro público. Não há como negar que por trás de todo aquele dispêndio financeiro do Estado do Piauí, houve abuso do poder econômico, ou mesmo político de conteúdo econômico com finalidade eminentemente eleitoral. Toda ação humana é exercício de uma atividade final, não de uma mera atividade causal. A finalidade é presente, portanto, em toda conduta humana e na sombra do ato escondia-se o propósito de eleger, nas eleições municipais de 2008, que se avizinhavam, os candidatos ligados politicamente ao Governador do Estado.

E mais, tal abuso de poder econômico teve sim potencial lesivo nas eleições municipais de 2008, conforme convencimento do Juiz de  primeiro grau, pois restou evidente que as pessoas beneficiadas pelo ato criaram um misto de sentimentos, ora de agradecimento, ora de temor da vitória da candidatura adversária, tanto que, os prestadores de serviços retornaram ao trabalho após a vitória dos candidatos beneficiados com o dinheiro do Estado. O pedido de reforma da decisão já foi ajuizado no TRE-PI e aguarda o julgamento pela Corte Eleitoral, do recurso eleitoral interposto quando será a questão devidamente analisada

            O ponto fundamental, então, diz respeito à preservação dos mandatos obtidos a partir desses vícios que contribuem para a distorção do conceito da atividade política vivenciada no grupo social, pois, do ponto de vista formal, a Jurisprudência por vezes, ainda, prestigia os mandatos obtidos de forma ilícita.

CONCLUSÃO

O voto no sistema eleitoral brasileiro apresenta as seguintes características: personalidade, obrigatoriedade, secreto, direto, periódico e igual para todos.

Embora expresse um direito público subjetivo, é também um dever cívico e um dos mais importantes instrumentos democráticos, pois enseja o exercício da soberania popular e do sufrágio, concretizando-se assim o processo de manifestação da vontade popular.

Em pouco mais de uma década, houve avanços na moralização do processo político-eleitoral, mas continua árdua a missão de manter a “normalidade e a legitimidade das eleições” estatuídas no art.14, parágrafo 9º da Constituição federal, diante da nobreza do bem jurídico tutelado, pois verifica-se que de eleição para eleição os candidatos investem em formas cada vez mais nocivas e ousadas de manipulação do clientelismo político, acarretando graves preocupações pelo volume dos danos à lisura do processo eleitoral, atingindo o núcleo da legitimidade concernente à representação política.

O controle jurisdicional está tentando estancar gradualmente os desmandos oriundos de autoridades públicas mesmo sendo a nossa legislação específica ultrapassada em relação às circunstâncias momentâneas dos períodos eleitorais. A inexistência de uma magistratura própria e especializada no âmbito da Justiça Eleitoral é outro elemento que, em primeira análise, também explica a razão da insuperável ineficácia dos mecanismos para o combate ao abuso de poder.

            É bem verdade que a inexistência de uma estrutura judiciária satisfatoriamente delineada no campo do Direito Eleitoral, de fato pode ser apontada como causa, também, da impotência que se percebe em relação aos meios que dispomos de combate e de punição ao abuso de poder em matéria eleitoral.

Historicamente, na década de 90, o país adotou a urna eletrônica, o que acabou com a fraude nas apurações. No ano seguinte, estabeleceu-se uma lei eleitoral permanente, que criou uma série de medidas para coibir o uso da máquina pública. Em 1999, entrou em vigor a punição à compra de votos. Em 2006, implantou-se uma minirreforma eleitoral, que criou regras para disciplinar propaganda, financiamento  e prestação de contas de campanha. A partir dela foram vetados showmícios e o uso de outdoors, além de proibida a distribuição de camisetas, chaveiros, bonés e brindes. Essa lei surgiu em decorrência do escândalo do mensalão, quando ficou clara a necessidade de maior rigor no combate ao caixa dois nas eleições. Sem falar que, ao longo desse período, o uso cada vez maior da internet para divulgar dados dos candidatos – como prestação de contas e declaração de bens – deu mais transparência ao processo.

Não se pode olvidar que a cassação do mandato de um governante eleito mexe com a expressão mais sagrada de uma democracia, que é a manifestação da vontade popular pelo voto. Mudar o resultado das urnas repercute negativamente na alma e soa a golpe por dizer respeito à vontade popular garantida pela Constituição.

Ao invalidar uma eleição, a Justiça Eleitoral está julgando que a vontade popular foi frustrada. Estas decisões não atropelam a vontade popular, pois levam em conta a possibilidade de a conduta ilícita ter alterado o resultado da eleição, principalmente onde a disputa foi decidida por pequena margem de votos.

Aceitar a continuidade e a permanência de um detentor de um cargo público que o obtivera de maneira ilícita e imoral, só prejudica a sociedade. O equilíbrio eleitoral está em proporcionar e tratar todos da mesma maneira, conferindo igualdade de armas para uma disputa saudável.

O rigor na  legislação eleitoral é inafastável e indispensável, pois por trás do abuso do poder econômico esconde-se uma montanha de fraudes, sonega-se a verdade, falseia-se a realidade e cria-se a aparência de licitude para esconder sua face verdadeiramente suja.

À Justiça Eleitoral cabe desempenhar seu papel, respeitando os princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na busca de garantir ao cidadão o efetivo cumprimento dos dispositivos legais.

Finalmente, cumpre observar que, num ambiente de ausência de espírito público e de excesso de corrupção, é difícil acreditar na qualidade dos homens que chegam ao poder. Na verdade, é preciso reformar a mentalidade geral em relação à finalidade do exercício de qualquer função pública: servir exclusivamente à coletividade e não ao próprio bolso, pois sem essa compreensão, todas as tentativas de modificação da legislação eleitoral serão inúteis.

Dia após dia, sucessivas operações policiais deixam a sociedade  perplexa e cada vez mais incrédula, após ouvir-se a própria voz de delinquentes que ocupam função pública negociando propina, é fácil perceber que a democracia brasileira é frágil e está ameaçada. Gravações feitas, com autorização judicial, exibidas nos veículos de comunicação ao longo da história, comprovam de forma incontroversa a existência de corrupção no âmbito do Legislativo, do Judiciário e, principalmente, do Executivo.

A História não admite eufemismo quanto à inevitável ruína de qualquer sociedade cujo povo não confia nos seus juízes, nos legisladores, nem tampouco nos responsáveis pela condução da Administração Pública e dessa forma o campo para o surgimento de populistas com vocação ditatorial vai se tornando cada vez mais fértil, formando assim nuvens negras sobre o céu de nossa tão sonhada democracia, sufocando-a irremediavelmente.

REFERÊNCIAS

DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e inelegibilidade. 2 ed. São Paulo:                            Dialética, 2004.

CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Tratado de direito Eleitoral: tomo III: processo penal eleitoral. São Paulo: Premier Máxima, 2008.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral. 6 ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GARCIA, Emerson. Abuso de poder nas eleições: meios de coibição. 3 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 4 ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Tratado de direito Eleitoral: tomo IV: processo civil eleitoral. São Paulo: Premier Máxima, 2008.

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Sobre os autores
Luan de Araújo Brito

Estudante de Direito vinculado à Universidade Federal do Piauí

Leila de Araújo

Analista Judiciária do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí, formada em Letras Português - Inglês pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB) – Chefe de Cartório Eleitoral em Paes Landim – PI.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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