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Sanção administrativa desmotivada e sem fundamentação legal é arbítrio

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17/01/2004 às 00:00
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7. Licenciamento

De notar que o pressuposto, para exclusão da praça com estabilidade, é a condenação à pena restritiva de liberdade superior a dois anos, em sentença transitada em julgado, quando assim se pronunciar o Conselho Permanente de Justiça (CPJ). Aliás, a despeito de ser denominado de Permanente, o CPJ é escolhido, trimestralmente, mediante sorteio, pela Auditoria da Justiça Militar Estadual, nos casos de sentenças criminais transitadas em julgado, portanto, na esfera judicial.

Nesse diapasão, a Lei Estadual nº 5346, de 26 de maio de 1992, modificada pela Lei Estadual nº 5358, de 01 de julho de 1992, que tratam dos estatutos dos castrenses do Estado de Alagoas, estabelece o seguinte, a saber:

"Art. 65 - O licenciamento do serviço ativo, aplicado somente às Praças, se efetua:

I - a pedido;

II - ex-offício.

§1º O licenciamento a pedido poderá ser concedido a qualquer época, desde que não haja prejuízo para o tesouro do Estado.

§2º O licenciamento "ex-offício" será feito na forma da legislação própria: (De lembrar que a Legislação própria trata-se da Lei 4000/78 – Lei do Conselho de Disciplina combinada com o Regulamento Disciplinar da PMAL, ambas com eivas legalidade e de constitucionalidade.)

"Art. 68. O licenciamento "ex-offício" do aspirante a oficial e da praça com estabilidade assegurada, a bem da disciplina, ocorrerá quando:

I - submetido a Conselho de Disciplina e julgado culpado, assim decidir o Comandante Geral;

II - omissis;

Parágrafo único. O aspirante a oficial ou a praça com estabilidade assegurada, licenciada a bem da disciplina, só poderá readquirir a situação anterior por decisão do Comandante Geral da Polícia Militar, se o licenciamento foi conseqüência de julgamento do Conselho de Disciplina.

Art. 69. É da competência do Comandante Geral da Polícia Militar o ato de licenciamento "ex-offício".

Na esfera administrativa, há o Regulamento Disciplinar da PMAL, aprovado pelo Decreto Estadual nº 37.042/96, que dispõe o seguinte:

"Art. 40 - As punições disciplinares a que estão sujeitos os policiais militares são as seguintes, em ordem de gravidade crescente:

I - advertência;

II - repreensão;

III - detenção;

IV - prisão;

V - licenciamento a bem da disciplina.

"Art. 48 - Licenciamento a bem da disciplina consiste no afastamento "ex-offício", do policial militar das fileiras da Corporação, conforme prescrito no Estatuto dos Policiais militares.

§ 1º O licenciamento a bem da disciplina deve ser aplicado à praça sem estabilidade assegurada, mediante análise de suas alterações por iniciativa do Comandante, ou por ordem das autoridades relacionadas nos itens I, II e III do Art. 11, quando:

I - a transgressão afeta o sentimento do dever, a honra pessoal, o pundonor e o decoro policial militar, e como repressão imediata, assim se torna absolutamente necessária à disciplina;

II - no comportamento MAU, se nesta condição sobrevir prática de transgressão disciplinar de qualquer espécie e natureza.

§ 2.º - O licenciamento a bem da disciplina poderá ser aplicado às praças com estabilidade assegurada quando, numa das situações previstas no parágrafo anterior, for julgado culpado por decisão de Conselho de Disciplina, se assim decidir o Comandante Geral.

§3.º omissis

§ 4º - O ato de licenciamento "ex-offício", a bem da disciplina, é da competência do Comandante Geral da Corporação.

Tem-se, portanto, dois tipos de licenciamentos de ofício aplicados à praça: a) sem estabilidade assegurada, nesta tem-se em duas hipóteses distintas, quando: 1) a transgressão disciplinar praticada afetar ao: (a) sentimento do dever, à honra pessoal, ao pundonor policial militar e ao decoro da classe – hipótese do inciso I do artigo supra – no caso a falta há de ferir aos preceitos subjetivos cumulativamente, para espeque da "repressão imediata" e "se absolutamente necessária à disciplina"(?); (b) se, estando no comportamento MAU, praticar qualquer transgressão disciplinar, independente da espécie ou natureza – de lembrar que o comportamento Mau não enseja submissão ao Conselho de Disciplina e, menos ainda, se presta ao fundamento de arrazoados e propostas de licenciamentos, como sói acontecer. Se a praça está neste comportamento ainda há um plus, i.e., é necessário que ela torne a transgredir, para que se justifique qualquer pedido nesse sentido – Porém, nesse caso, onde o devido processo legal (?); b) com estabilidade assegurada, dês que submetido ao Conselho de Disciplina por uma das situações descritas nas hipóteses do §1º do citado artigo.

À praça com estabilidade, ainda que ligeiramente, se vê um mero rascunho, uma defesa pífia ou um alinhavado esboço tênue do devido processo legal face à submissão do infrator ao Conselho de Disciplina, consoante previsto nos artigos supra. Porém, já para a praça SEM estabilidade assegurada sequer há essa previsão estatutária ou disciplinar, e, no mais da vez, é submetida à sumária sindicância, sem respaldo legal, sem nenhuma garantia ou respeito aos seus direitos fundamentais, restando licenciada da corporação por ato incompetente e contrário ao Art 125, §4º, da CF88.

Infere-se, portanto, que o disposto no Art. 68, I, da Lei Estadual 5346/92, somente poderá ser aplicado ao castrense estadual se houver a condenação suso citada e transitada em julgado, ou seja, desde que considerado culpado pelo Conselho de Disciplina, na esfera disciplinar, e/ ou for condenado à pena privativa de liberdade superior a dois anos, com trânsito em julgado, na órbita judicial castrense e sendo mister seu julgamento pelo TJM ou TJ, se inexistir aquele; mas não condenado pelo foro comum e sim pelo foro castrense, v.g, por Tribunal de Justiça Militar, ou pelo TJ, inexistindo aquele, passando pelo juízo a quo da Auditoria de Justiça Militar Estadual, nos Estados em que o efetivo castrense seja inferior a 20 mil PM.

Entrementes, é mister salientar que o licenciamento "ex-officio", a bem da disciplina, somente ocorrerá quando julgado culpado pelo Conselho de Disciplina, conquanto culpado das acusações, julgado pelo Conselho, acarretará, pois, por conseguinte, o dever(ex-officio)do licenciamento a bem da disciplina, sob pena de prevaricação, porém se lhe assegurando todas as garantias da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, mormente tendo sua defesa patrocinada por advogado competente e devidamente habilitado.

Contrario sensu, julgado inocente (ou não culpado) da acusação não assiste razão ao licenciamento, de ofício, a bem da disciplina, senão o devido e justo arquivamento do Processo, consoante o disposto no Art. 13, §1º, I, da Lei Estadual nº 4000, de 19 de dezembro de 1978, in verbis:

"Art. 13 - Recebidos os autos do processo, o Comandante Geral, dentro do prazo de 20 (vinte) dias, homologará ou não, o julgamento.

§1º. Em caso de não homologação do julgamento, o Comandante Geral fundamentará, detalhadamente, seu despacho, e determinará:

I - o arquivamento do processo, se não julgar a Praça culpada ou incapaz de permanecer na ativa ou na inatividade;

De notar, do preceito sub examine, que o Cmt Geral tem prazo fatal de até vinte dias, para homologar ou não a decisão do julgamento do Conselho. Portanto, não o homologando, tem o dever de fundamentar, detalhadamente, seu despacho (Em caso de não homologação do julgamento, o Comandante Geral fundamentará, detalhadamente, seu despacho, e determinará), ou seja, motivando e fundamentando seu despacho, sob pena de odiosa nulidade insanável ou de difícil reparação.

Demais disso, o STJ decidiu recentemente, em 04.04.2003, que Administração não pode demitir servidor se a comissão de inquérito sugeriu outra pena. [4] sustentando que o Estatuto dos Servidores Públicos Federais é categórico em dispor que o julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas, o que não ocorreu. Assim, não havendo contrariedade às provas coligidas nos Autos pela comissão de apuração da falta, a Administração não poderá aplicar nenhuma sanção se julgado inocente e nem aplicar sanção mais gravosa do que a sugerida pela comissão de apuração regular da falta, no caso da das corporações castrenses mediante conselho de disciplina ou sindicância.

Com efeito, restando amplamente demonstrada a nulidade do Ato Administrativo de licenciamento ex-officio a bem da disciplina apontado, bem como o caráter ilegal e abusivo decorrente do mesmo face à incompetência do Cmt Geral para tal, consubstanciado no excesso e abusivo descumprimento à Lei, de logo ensejando ao castrense prejudicado meios de buscar a mais lídima justiça, para postular ante ao Judiciário o devido remédio e reparação dos danos sofridos, a saber:

a) A concessão dos benefícios da justiça gratuita, na forma do art. 4.º da Lei n.º 1.060/50, por ser o Postulante pobre na forma da lei, não podendo arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo de seu prejuízo de seu sustento próprio e de sua família (cf. Declaração de Pobreza em apenso);

b) A concessão de antecipação de tutela, initio litis et inaudita altera pars, para assegurar a reintegração do Pleiteante às fileiras da briosa, bem assim o pagamento de sua remuneração mensal e ressarcimento dos meses não pagos, inclusive oficiando-se incontinenti ao Comandante Geral, autor do Ato arbitrário.

c) A intimação pessoal de todos os atos processuais e a contagem dos prazos processuais em dobro para os defensores da Fazenda Pública.

d) A citação da parte Demandada, para, se entender necessário, apresentar contestação no prazo legal, sob pena de revelia e confissão.

e) A procedência do pedido em todos os seus termos, no sentido de confirmar os efeitos da antecipação de tutela antes pleiteada, bem como declarar a nulidade do ato administrativo de licenciamento, exarado pelo Demandado no BGO.

f) A intimação do Ilustre Representante do Parquet, para atuar no feito.

h) Por fim, a condenação da Demandada no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.

Concedida sua justa reintegração às fileiras, o castrense ofendido poderá pleitear indenização por perdas e danos, responsabilizando à autoridade indigitada como coatora pelo vexame, constrangimento e os gravames sofridos.


Referências bibliográficas

Constituição Federal de 1988, atualizada até a EC nº 36.

Código de Processo Penal Militar – Dec-Lei nº 1002, de 21 de outubro de 1969, atualizado pela Lei Federal nº 9.299.

Código Penal Militar – Dec-Lei nº 1001, de 21 de outubro de 1969, atualizado pela Lei Federal nº 9.299.

Decreto Estadual nº 37.042, de 06 de novembro de 1996, que aprovou o Regulamento disciplinar da PMAL.

FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001.

Lei 4898 – Lei de abuso de autoridade -, de 09 de dezembro de 1965.

Lei Federal nº 6880/80, que dispõe sobre os Estatutos dos Militares Federais.

Lei Estadual nº 5346, de 26 de maio de 1992, modificada pela Lei Estadual nº 5358, de 01 de julho de 1992, que tratam dos estatutos dos castrenses do Estado de Alagoas.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 26.ª edição, São Paulo: Malheiros. 2001.

OCTAVIANO, Ernomar, GONZÁLEZ, Átila J. Sindicância e processo administrativo

PAIXÃO, Ana Clara Victor da. DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (Apontamentos para a observância do devido processo legal no âmbito administrativo disciplinar) in D’Artagnan Júris no URL www.djuris.hypermart.net


Notas

01. Paixão, Ana Clara Victor da. DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (Apontamentos para a observância do devido processo legal no âmbito administrativo disciplinar) in D’Artagnan Júris no URL www.djuris.hypermart.net

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02. FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 161.

03. OCTAVIANO, Ernomar, GONZÁLEZ, Átila J. Sindicância e processo administrativo (n.01), p. 192.

04. A Comissão de Inquérito Administrativo afastou a tese de legítima defesa, por entender que houve disparo acidental, tendo o patrulheiro agido com culpa, por imperícia. A conclusão a que chegou foi no sentido de que deveria ser aplicada a pena de suspensão não inferior a 30 dias. Para a comissão, em nenhum momento o policial teve perfeito domínio da situação, o que o levou a efetuar os disparos, culminando naquele desfecho. A Assistência Jurídica do Ministério da Justiça, contudo, recomendou a aplicação da pena de demissão, embora entendendo não ter ficado caracterizado dolo na conduta do policial.

Clemildon impetrou mandado de segurança no STJ, tentando reverter a demissão. Alegou, para tanto, que não agiu com imprudência ou imperícia, pois tentou pacificar uma briga de grandes proporções que ocorria no meio da pista e não teve ajuda, encontrando-se sozinho. Defendeu, ainda, que o disparo acidental ocorreu por ter sido agarrado por um dos envolvidos na briga, que tentava derrubar-lhe e tomar-lhe a arma e que não há norma interna da Polícia Rodoviária Federal regulando qual conduta deve ser adotada em tal situação. Segundo ele, na colheita de provas não se considerou o grau de parentesco entre as pessoas que testemunharam e depuseram no caso e foi indeferida a acareação entre ele e a vítima sobrevivente. Além disso, anexou documentos em que a o Departamento de Polícia Rodoviária Federal informa, em resposta a sua solicitação, que a PRF não possui nenhum manual sobre manuseio de armas, sendo que a turma em que Clemildon se formou recebeu apenas informações teóricas. Segundo esse documento, não houve qualquer treinamento sobre como proceder em caso de necessidade de dispersar multidão.

O entendimento que prevaleceu no STJ foi o do ministro Vicente Leal, que concluiu que tanto a Comissão de Inquérito quanto a Assistência Jurídica do ministério chegaram à mesma dedução: não houve dolo na conduta do patrulheiro, ficando caracterizada tão-somente a sua culpa. "O que houve foi discrepância quanto à penalidade sugerida pela Comissão e àquela imposta pela autoridade julgadora", afirma, sustentando que o Estatuto dos Servidores Públicos Federais é categórico em dispor que o julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas, o que não ocorreu. Assim, deferiu o pedido para, revisando a pena imposta, determinar a reintegração do servidor nos quadros da Polícia Rodoviária Federal.

Fonte: S.T.J.

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Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. Sanção administrativa desmotivada e sem fundamentação legal é arbítrio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 195, 17 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4728. Acesso em: 24 abr. 2024.

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