A efetividade do pluripartidarismo:o caráter nacional e a participação social

14/03/2016 às 14:04
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O texto levanta uma discussão sobre a criação dos partidos políticos e os mecanismos para que tenham efetiva participação política no seio da sociedade.

 

A sociedade brasileira, já preceitua o preâmbulo de nossa carta constitucional, é pautada pelo valor supremo de uma sociedade pluralista. Tal característica pode ser destacada pelos mais variados atores existentes no cenário social. Uma das formas de se efetivar a pluralidade social é em grande medida, mas não exclusivamente, o pluripartidarismo, ou seja, mais do que a existência de múltiplas vertentes e ideologias políticas nossa carta fundamental firma o pluralismo político como o principal mecanismo de mediação entre a sociedade e as instâncias de poder político. Os partidos, por sua vez, devem seguir alguns preceitos constitucionais para sua existência e participação eleitoral. Quatro são estes princípios, a saber:

 

“Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes princípios:

I – caráter nacional;

II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidades ou governos estrangeiros ou de subordinação a estes;

III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;

IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.”[ii]  (Grifo nosso)

 

Na presente reflexão, trataremos somente do princípio trazido no inciso I, qual seja, o caráter nacional, e como este, conjugado com a participação social, deve ser fomentado para que a crise de representatividade existente no sistema político nacional seja mitigada.

Podemos perceber que o caráter nacional é o primeiro princípio constitucional para a existência de um partido político. De acordo com a legislação infraconstitucional, mais especificamente a Lei nº 9.096/1995, tal exigência é cobrada à agremiação no momento de sua criação.

A necessidade de ter caráter nacional tem raízes históricas e remonta o passado  e as origens da formação dos partidos políticos existentes no Brasil. Isto porque, desde a fase embrionária das agremiações políticas brasileiras preponderou-se as questões locais e os pensamentos políticos regionalizados deixando em segundo plano temas de importância nacional. É neste contexto que se exige dos partidos a participação em uma parte considerável do país.

Para tanto, ao partido político é exigido, para registrar seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a comprovação de que tenha atingido o caráter nacional para participação regular no processo eleitoral. Para isto, é necessário apresentar o apoiamento de eleitores em pelo menos um terço dos estados brasileiros, sendo que a agremiação política deve obter, em cada um dos estados, pelo menos um décimo por cento do eleitorado que haja votado naquele estado e o total de assinaturas obtidas deve atingir pelo menos meio porcento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Para este cálculo não se consideram os votos em branco e os nulos.

Neste sentido, emana da própria população a base para que o partido político alcance a participação institucional nas disputas eleitorais. Significa dizer que, uma vez obtido o caráter nacional e tendo sua situação finalizada junto ao TSE, o partido político passará a ter direito a uma série de prerrogativas em relação às eleições, às atividades parlamentares e ao recebimento de recursos.

O partido desde o registro de seu estatuto passará, por exemplo, a receber valores do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, o denominado Fundo Partidário.

A distribuição dos recursos do fundo partidário é dividida de duas formas. A primeira com base no critério igualitário entre todas as agremiações existentes e a segunda considerando a proporcionalidade de suas votações para a Câmara dos Deputados.

O artigo 41-A da Lei 9.096/1995 define que 5% (cinco porcento) do total do fundo partidário será dividido igualmente entre todos os partidos políticos regularmente registrados no TSE. Os outros 95% (noventa e cinco porcento) dos recursos deverão ser rateados proporcionalmente aos votos que cada agremiação obteve na disputa para deputado federal.

Com isso, quanto mais votos o partido político obtiver para câmara dos deputados maior será sua parcela do fundo partidário. Do contrário, aquele partido que não obteve votação para tal cargo ficará restrito a receber os dividendos do menor percentual.

Chama atenção o fato de que em nenhum outro momento é exigida contrapartida partidária para que sejam agraciados com recursos e participação nos meios de comunicação de massa, que não seja sua mera existência.

Ainda que existam restrições à utilização destes direitos inerentes aos partidos políticos, nenhuma delas cria qualquer obrigação para as legendas partidárias brasileiras, ou seja, ultrapassada a barreira inicial referente ao caráter nacional o partido político terá assegurado, por toda sua existência e sem exigência de qualquer retorno para a sociedade, benefícios excepcionais.

Uma vez criado, o partido político pode ficar indefinidamente sem disputar qualquer eleição e ainda assim receberá mensalmente a parte que lhe cabe do fundo partidário.

Pois bem, esta possibilidade de inércia partidária só é agravada com uma série de outros benefícios que facilitam sua participação eleitoral sem qualquer obrigação de efetiva participação social.

O grande exemplo desta benevolência com os partidos políticos pode ser simbolizado com as regras para disputar às eleições. Ao partido político é exigido o prazo de um ano de regular registro no TSE para que tenha possibilidade de participar do certame eleitoral. Todavia, uma vez cumprido este prazo, a próxima exigência de participação política na localidade de disputa é circunstancial e oportunista.

Para uma melhor compreensão do caráter interesseiro da participação das agremiações em algumas eleições é fundamental verificar as condições necessárias para que sejam disputadas as eleições. Para tanto, é preciso, antes, fazer uma digressão e elencar as condições que cada candidato deve cumprir para colocar seu nome em disputa. São as denominadas condições de elegibilidade. Passemos, então, a este ponto.

Para um cidadão disputar uma eleição é necessário que preencha, segundo definição constitucional, os requisitos de nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio na circunscrição, filiação partidária e idade mínima de acordo com o cargo que almeja.

Pois bem, a Constituição Federal, ao relacionar os critérios anteriores, delegou à lei a definição dos critérios para a comprovação de cada requisito. Não iremos tratar de todos, mas apenas daqueles que nos interessam para o debate da participação dos partidos nas eleições.

Trataremos especificamente de três requisitos que estão relacionados à questão temporal. O primeiro, alistamento eleitoral, é exigido ao candidato com prazo de, pelo menos, um ano antes da realização das eleições. Assim, para candidatar-se, a pessoa precisa compor o corpo de eleitores com antecedência de um ano. A segunda condição, domicílio na circunscrição, deve ser obtida igualmente com prazo de antecedência de um ano, sendo que tal marco temporal conta da data do requerimento apresentado em cartório e não do referido deferimento pelo juiz eleitoral. Por fim, a filiação partidária deverá ser, novamente, por um ano de antecedência ao pleito, sendo que tal prazo pode ser aumentado pelo partido político desde que expressamente constante em seu estatuto.

Podemos verificar que, salvo raras exceções, ao candidato é exigido prazo não inferior a um ano de antecedência das eleições para o cumprimento de uma série de condições. Sendo que as que chamam mais atenção são o domicílio na circunscrição e a filiação partidária.

A razão de existir dessas exigências guarda fiel relação com a necessidade de se exigir do candidato a efetiva participação política dentro de sua agremiação e, ainda, que esta se dê em um ambiente social ao qual o candidato esteja vinculado e apto para que, se eleito, possa colaborar com os rumos daquela localidade.

Voltando a questão do oportunismo partidário, para indicar candidatos na disputa eleitoral é exigido do partido político que até a data da convenção tenha constituído órgão de direção na circunscrição. Todavia, segundo a Lei 9.504/1997, as convenções partidárias se darão entre os dias 10 e 30 de junho do ano eleitoral.

Vejam que o marco inicial das convenções é o dia 10 de junho, ou seja, até esta data o partido político que queira concorrer ao pleito deverá compor órgão de direção na circunscrição. Neste sentido, não há qualquer exigência de vínculo partidário com a região em que pretende concorrer que não seja a própria ânsia de disputar as eleições.

Então devemos nos indagar qual a razão de se obrigar o candidato a preencher  uma série de requisitos com prazo razoável de antecedência às eleições e ao partido político, que é a célula principal do processo eleitoral, visto que no Brasil não há possibilidade de candidatura sem filiação partidária, é dada tamanha liberalidade e falta de compromisso com a parte da população que pretende representar?

A importância dos partidos políticos para a sociedade brasileira é tamanha que assim os define Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco:

 

“Os partidos políticos são importantes instituições na formação da vontade política. A ação política realiza-se de maneira formal e organizada pela atuação dos partidos políticos. Eles exercem uma função de mediação entre o povo e o Estado no processo de formação da vontade política, especialmente no que concerne ao processo eleitoral. Mas não somente durante essa fase ou período. O processo de vontade política transcende o momento eleitoral e se projeta para além desse período. Enquanto instituições permanentes de participação política, os partidos desempenham função singular na complexa relação entre o Estado e a sociedade.”[iii]

 

Então, considerando este papel de anteparo entre sociedade e estado a questão fica mais evidente se considerarmos que o órgão de direção exigido por lei pode se dar não pela criação de diretórios e sim de comissões provisórias, única e exclusivamente com o objetivo efêmero de disputar o pleito. Tão logo encerrada a disputa eleitoral, findam, igualmente, as atividades partidárias.

A quadra em que vivemos tem demonstrado que se agrava a situação de descrédito enfrentado pelas agremiações partidárias em relação ao cidadão. Muito disto está relacionado ao declínio deste papel de mediação anteriormente destacado. Por conta da multiplicação dos partidos, afinal atualmente já temos mais de 30 (trinta) agremiações constituídas e outras dezenas em processo de criação, mas não só por este motivo.

A quantidade de partidos políticos só é considerada excessiva porque a população não cria vínculos e identidades com seus representantes. Por certo, o Brasil possui uma sociedade plural e, afastada a discussão ideológica de direita, esquerda, socialista, capitalista, etc, existem no seio desta sociedade um sem número de grupos de interesses que, para o bem ou para o mal, têm necessidade de buscar maior participação no Estado para que sejam preservados seus interesses.

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Neste sentido, poderíamos facilmente ter muito mais partidos com boa representação sem que tal fato fosse intrinsecamente ruim. O desvirtuamento vem ocorrendo porque as preocupações dos partidos existentes estão exclusivamente restritas a tomada do poder ou a melhor posição possível na disputa, deixando ao largo o interesse daqueles aos quais deveriam dar voz, ou seja, os cidadãos.

O quadro foi ainda mais agravado com uma série de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, ao deliberarem sobre algumas questões partidárias, mormente, de fidelidade partidária, elevaram em importância novos partidos políticos.

Tal destaque está diretamente relacionado ao fato de que a criação de partido novo é fato objetivo para que parlamentares deixem suas agremiações para ingressar no grupo político recém criado. O TSE, ao editar a Resolução nº 22.610/2007, definiu no inciso II do artigo 1º que se considera justa causa para mudança partidária sem perda do mandato eletivo a criação de novo partido.

É de se destacar que diferentemente dos incisos III e IV do mesmo artigo, onde fica definido que para mudar de partido é necessário comprovar que ocorreu mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário ou, ainda, grave discriminação pessoal, na criação de partido novo[iv] não há qualquer outra exigência.

Assim, lideranças políticas valem-se de tal regra para buscar a criação de partidos políticos e, com isso, possibilitar a conquista de parlamentares que já têm mandato obtido por agremiação partidária distinta. Tal situação provoca simultaneamente o surgimento de partidos novos já com grande força no cenário político e enfraquecimento de tantas outras agremiações que se vêem impedidas de buscar respaldo para estancar a debandada.

Ainda na esteira da complicação do quadro apresentado, o STF, ao analisar a constitucionalidade da exclusão de partidos políticos da distribuição da parcela proporcional do tempo de propaganda partidária, bem como de recebimento de cotas do fundo partidário quando tais agremiações não tenham tido representação na última eleição para a Câmara dos Deputados, entendeu, por interpretação, que as novas agremiações, mesmo que não tenham concorrido à vagas na Câmara dos Deputados Federais, têm direito ao tempo de propaganda partidária e ao fundo partidário na proporção dos votos obtidos por parlamentares que migraram de seus partidos de origem diretamente para a agremiação criada.

Assim dispõe parte da ementa do aludido acórdão:

 

“[...]7. Continência entre os pedidos da ADI nº 4.430 e da ADI nº 4.795. Uma vez que se assenta a constitucionalidade do § 6º do art. 45 da Lei 9.504/97 e que o pedido maior, veiculado na ADI nº 4.430, autoriza o juízo de constitucionalidade sobre os vários sentidos do texto impugnado, inclusive aquele referido na ADI nº 4.795, julga-se parcialmente procedente o pedido da ADI nº 4.430, no sentido de i) declarar a inconstitucionalidade da expressão “e representação na Câmara dos Deputados” contida na cabeça do § 2º do art. 47 da Lei nº 9.504/97 e ii) dar interpretação conforme à Constituição Federal ao inciso II do § 2º do art. 47 da mesma lei, para assegurar aos partidos novos, criados após a realização de eleições para a Câmara dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, considerada a representação dos deputados federais que migrarem diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos para a nova legenda no momento de sua criação. Por conseguinte, fica prejudicado o pedido contido na ADI nº 4.795.”[v] (grifo nosso)

 

Com  a devida vênia, tal compreensão abre a possibilidade de ruir o sistema partidário brasileiro e deslegitimar a vontade popular depositada nas urnas por meio do voto. Isto porque o novo partido político não teve a participação em qualquer escrutínio tendo sua base sido formada por migração de parlamentares que, é bom destacar, não precisou ter qualquer problema na agremiação anterior para mudar de partido político se seu destino for uma agremiação partidária recém criada. Há, sem sombra de dúvidas, uma possibilidade de profusão de partidos políticos sendo criados por parlamentares que busquem maior domínio do quadro de filiados e que grupos sejam formados para migrar em conjunto de vários partidos dando corpo a outro pelo qual nenhum destes parlamentares fora eleito. Devemos lembrar que a eleição para Deputado Federal segue a regra da proporcionalidade e conta com votos de legenda, ou seja, há contribuição do partido político diretamente na ascensão vitoriosa do parlamentar que, sem maiores problemas, pode virar às costas para tal realidade e partir para nova agremiação.

Tal interpretação, inclusive, contraria o próprio posicionamento do Supremo Tribunal Federal quando da análise da constitucionalidade da Res. TSE 22.610/2007. Isto porque os ministros da Suprema Corte compreenderam pela constitucionalidade com base na necessidade do fortalecimento dos partidos políticos e que apenas em casos excepcionais os parlamentares deveriam poder manter os mandados ao deixar os partidos pelos quais foram eleitos. Ora, a excepcionalidade, em regra, é consubstanciada em dissonância entre pensamentos políticos do parlamentar em relação a grei em que está inserido, todavia, no momento da eleição havia coincidências de interesses.

O doutrinador Admar Gonzaga Neto, em recente artigo, defende a posição adotada pelo STF tendo como argumento a representatividade dada pelo cidadão ao parlamentar. Neste sentido, preleciona o autor, seria quebra de isonomia entre as agremiações a exigência de se manter partido político que tenha concorrido ao pleito, mas que não tenha mais representatividade, com tempo de televisão e fundo partidário superior aquele devido as novas agremiações que conseguiram a adesão de parlamentares eleitos.[vi]

Todavia, como já tivemos oportunidade de explicitar, a premissa ora posta é incompatível com o pluripartidarismo uma vez que há desrespeito aos preceitos partidários e ao eleitor que se vê impotente em relação a eventual troca de agremiações. Além disso, a própria instrumentalização desta nova interpretação torna-se tormentosa por conta das várias lacunas dela decorrente. Apenas a título de exemplo, e sem nos aprofundarmos no tema por não ser o escopo do presente texto, como se dará a distribuição de fundo partidário e tempo de televisão se o parlamentar, após migrar para o partido recém formado mudar novamente de partido dentro da mesma legislatura? Os benefícios acompanharão o parlamentar para sua nova agremiação? E se o parlamentar apenas sair do segundo partido sem ingressar em outro? Os direitos de distribuição ficarão com a nova agremiação ou retornarão ao partido pelo qual foi eleito? São várias indagações de difícil resolução.

Outro argumento utilizado quanto a eventual desproporcionalidade em relação a criação de partidos políticos toca na questão de partidos novos serem tratados como agremiações de segunda classe por não fazer jus a divisão proporcional dos direitos esposados aos partidos já constituídos no período eleitoral. No entanto, tal argumentação é parcial no que se refere a todos os partidos novos criados, visto que, aqueles partidos que não obtiverem êxito ao atrair parlamentares para seus quadros terão que seguir normalmente a regra atual e contarão apenas com a parte distribuída de forma igualitária, seja do fundo partidário, seja do tempo de televisão. Esta situação é por demais incompatível com a criação de partidos políticos e a isonomia entre estes, isto porque tanto o partido que conseguiu parlamentares, quanto aqueles que não o fizeram passaram, ambos, pelo mesmo processo de criação e demonstração do caráter nacional, ou seja, foram apoiados por parcela significativa do eleitorado em sua formação e não no pleito, mas com base em interpretação constitucional, serão tratados de forma desigual tendo como base o desrespeito à soberania do voto que deu a outras agremiações o direito de receber os benefícios proporcionais a votação obtida na eleição.

José Jairo Gomes ao discorrer sobre a importância dos partidos políticos e a necessidade de se organizar o sistema político-partidário brasileiro demonstra o problema causado pela troca incessante de partidos políticos, condição agravada com a decisão do pretor excelso, vejamos:

 

“[...] Para além de frustrar a vontade do eleitor, a intensa mudança de legenda por parte dos eleitos falseia a representação política e desarticula o quadro partidário, tornando-o ainda mais instável e confuso. A esse respeito, focalizando a Câmara de Deputados, revela Melo (2004, p. 152) o impacto dessa prática no sistema eleitoral brasileiro, na medida em que ‘provoca distorções entre o conjunto de preferências manifestadas pelo eleitorado e a efetiva distribuição de cadeiras entre os partidos’. Em outros termos, a migração partidária faz com que as bancadas que terminam a legislatura sejam bem diferentes daquelas que a iniciaram.”[vii]

 

Assim, o problema central não é fundamentalmente a quantidade de partidos políticos que existem no sistema político brasileiro e sim como estas agremiações devem ser fortalecidas, tanto por força da lei quanto da jurisprudência, para que voltem a ser figuras centrais na mediação necessária entre a sociedade e o Estado.

Neste sentido, é preponderante para o fortalecimento da democracia, e dos partidos políticos, que estes efetivamente se preocupem com a sociedade que representam, sendo que  a mudança de atitude passa não só por adoção de uma postura interna mas também por melhoramento das normas de atuação das agremiações partidárias.

Relegar apenas ao momento de sua criação o controle do caráter nacional e o respaldo popular dos partidos políticos é permitir o enfraquecimento do exercício da política e o distanciamento dos partidos em relação ao eleitorado. Retirar do partido político os direitos conquistados tendo por base a vontade popular demonstrada nas urnas sob pretexto de manter a representatividade do parlamentar que, no nosso regime democrático de direito, não tem poder de se eleger sem a necessária e vital participação partidárias, é ignorar a sistemática em que se fundamenta o sufrágio no Brasil.

Tal constatação não significa dizer que até o presente momento medidas não tenham sido tomadas para dificultar ou diminuir o descompromisso apresentado por partidos políticos em relação à população, que deveria ser o cerne de suas preocupações.

Foi criada, por exemplo, a denominada cláusula de barreira que posteriormente foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Contudo, na discussão sobre a constitucionalidade da referida norma, os ministros do STF deixaram claro que era necessário o estabelecimento de critérios melhores para o fortalecimento dos partidos políticos. A inconstitucionalidade daquela norma se devia ao fato de que a barreira estabelecida era tão draconiana que poderia ferir o pluralismo político fortemente pois restringia não só a participação eleitoral, como também o funcionamento parlamentar das agremiações.

Para fomentar o pluripartidarismo com a efetiva participação social e sem prejudicar agremiações já existentes e que já contaram com apoio popular é necessário alterar o percentual de divisão do fundo partidário e o acesso aos meios de comunicação de massa elevando o percentual de divisão igualitária e diminuir o atribuído de forma proporcional a votação. É preciso, ainda, estabelecer outras medidas para que as atividades partidárias não fiquem restritas exclusivamente à participação eleitoral sendo exigida da agremiação partidária presença social com fomento de divulgação de idéias políticas e disseminação de formas de participação popular nas decisões que o Estado adota.

É de suma importância que seja cobrada efetiva participação das agremiações partidárias no cenário social ao qual esteja inserido para que melhor possa compreender e, por seu turno, representar a população local e os interesses sociais.

Deve-se estabelecer parâmetros claros e precisos, sem ferir a autonomia partidária, para que os partidos políticos tenham capilaridade no meio social de forma a conseguir traduzir com eficiência a participação política de acordo com a necessidade popular e, com isso, passar a se identificar realmente com o eleitorado.

Para que se efetive a participação ora sugerida é vital que se procedam alterações legislativas sempre tendo em conta a autonomia partidária.

A alteração mais simples e direta é a mudança da redação do artigo 4º da Lei n 9.504/1997, ou seja, deve ser exigido maior tempo de existência da instância partidária na circunscrição em que pretenda lançar candidatos, sendo sugerido, para tanto o prazo de pelo menos um ano de antecedência do pleito. Não é, por certo, suficiente, que a existência do partido político seja cobrada em momento tão próximo ao da escolha dos candidatos. Tal medida já proporcionaria a igualdade de tratamentos entre candidatos e partidos políticos, uma vez que estes teriam as mesmas obrigações que aqueles, mas não resolveria o principal problema da atuação efetiva na circunscrição.

Já para garantir a efetiva participação social do partido político na circunscrição, deve-se adotar critério semelhante aquele exigido para a comprovação do caráter nacional. Significa dizer que qualquer regra estabelecida para a atuação dos partidos políticos na sociedade deve ter a abrangência deferida ao apoiamento de eleitores, ou seja, a atividade deve ser levada a cabo em pelo menos um terço dos estados da federação.

Longe de ter a pretensão de esgotar o tema, o presente texto apenas tem a intenção de fomentar o debate acerca da importância dos partidos políticos, sua atuação perante a sociedade e a manutenção de seu caráter nacional.

A crise de representatividade pela qual a democracia brasileira passa é mais do que uma fase de pessimismo da população. É, antes de tudo, uma dissociação do cidadão em relação àqueles que deveriam ser os representantes, ou melhor, a voz do poder que emana do povo para a construção do país que todos desejamos.

Com isso, urge a compreensão dos partidos políticos e de seus correligionários de que devem retomar seu lugar na democracia brasileira e, ao lado de outros atores sociais, promover as medidas e fomentar o debate para que o pluralismo social seja efetivamente exercido em toda sua plenitude e com a capilaridade necessária para atingir o maior universo possível de cidadãos em todo território nacional.

 


[i] Texto publicado originariamente na Revista Jurídica Verba Legis (ISSN 2177 - 4110), nº X, Goiânia, 2015.

[ii]BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em: 13 fev. 2015.

[iii]MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014. pp. 742-743.

[iv] O Tribunal Superior Eleitoral ao responder a consulta 755-35/DF estabeleceu o prazo máximo de trinta dias contados do deferimento do registro do estatuto partidário para que os detentores de mandato eletivo filiem-se à nova agremiação, em observância à hipótese de justa causa disposta no art. 1º, § 1º, II, da Res.-TSE 22.610/2007.

[v]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de incostitucionalidade nº 4.430. Relator Min. Dias Toffoli, Brasília, DF, 29 de junho de 2012.

[vi]GONZAGA NETO, Admar. A criação de partidos políticos no Brasil. In: DALLARI, Adilson Abreu, et. al. Direito Eleitoral: estudos em homenagem ao desembargador Mathias Coltro. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2014, p. 29.

[vii]GOMES, Jairo José. Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas, 2013, p 97.

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Sobre o autor
Bruno Cezar Andrade de Souza

Pós-graduado em Direito Eleitoral pela Universidade Cândido Mendes, graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e graduando em Direito pela Universidade Estácio de Sá. É servidor do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O artigo foi escrito escrito e publicado em momento anterior à promulgação da lei 13.165/2015, que fez algumas alterações na legislação tratada no texto. Foi reduzido o prazo para filiação partidária para seis meses e retirada a previsão de migração de parlamentar para partido novo como justa causa para manter o cargo eletivo. Tais alterações não modificam a fundamentação central do artigo.

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