Análise da lei anticorrupção empresarial brasileira

14/03/2016 às 19:04
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Analisa a Lei 12.846/2013, regulamentada em 18 de março de 2015, sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

 

 

Cenário Prévio

 

O cenário que antecedeu a promulgação da Lei Anticorrupção Empresarial Brasileira se compunha de seguidos e gravíssimos escândalos de corrupção no País, envolvendo não só as principais autoridades dos poderes públicos dos governos municipais, estaduais e federal, como algumas das principais empresas públicas ou controladas pelo poder público.

Desde a década de setenta, inúmeras foram as operações, casos, esquemas e escândalos investigados e veiculados diariamente nos jornais de grande circulação, quase a totalidade envolvendo o poder público. A lista é extensa e vexatória, chegando a ser, apesar de real, inacreditável. Grande parte contando com a participação de pessoas jurídicas privadas.

Década de 70:

  1. Caso Lutfalla
  2. Caso Roberto Farina

Década de 80:

  1. Escândalo da Mandioca
  2. Escândalo da Proconsult
  3. Caso Chiarelli

Década de 90:

  1. Caso Jorgina de Freitas
  2. Caso Edmundo Pinto
  3. Caso Nilo Coelho
  4. Caso Eliseu Resende
  5. Caso Queiroz Galvão
  6. Caso Ney Maranhão
  7. CPI do Detran
  8. Dossiê da Pasta Rosa
  9. Escândalo dos Anões do Orçamento
  10. Caso Rubens Ricupero
  11. Escândalo do Sivam
  12. Escândalo do Banestado
  13. Escândalo da Encol
  14. Escândalo da Mesbla
  15. Dossiê Cayman
  16. CPI do Banestado
  17. Banco Nacional de Minas Gerais
  18. Banco Noroeste
  19. Banco Econômico
  20. Bancos Marka e Fonte Cindam
  21. Escândalo da SUDAM e da SUDENE

Década de 2000:

  1. Caso Luís Estevão
  2. Caso Toninho do PT
  3. Caso Celso Daniel
  4. Operação Anaconda
  5. Escândalo do Propinoduto
  6. Escândalo dos Bingos
  7. Caso Kroll
  8. Escândalo dos Correios
  9. Escândalo do IRB
  10. Escândalo do Mensalão
  11. Mensalão mineiro
  12. Escândalo do Banco Santos
  13. Escândalo dos Fundos de Pensão
  14. Escândalo do Mensalinho
  15. Escândalo da Quebra do Sigilo Bancário do Caseiro Francenildo
  16. Operação Sanguessuga
  17. Escândalo das Ambulâncias
  18. Operação Confraria
  19. Operação Dominó
  20. Operação Saúva
  21. Escândalo do Dossiê
  22. Escândalo da Renascer em Cristo
  23. Operação Hurricane
  24. Operação Navalha
  25. Operação Moeda Verde
  26. Caso Renan Calheiros ou Renangate
  27. Caso Joaquim Roriz (ou Operação Aquarela)
  28. Escândalo dos cartões corporativos
  29. Caso Bancoop
  30. Esquema de desvio de verbas no BNDES
  31. Máfia das CNH's
  32. Caso Álvaro Lins
  33. Operação Satiagraha ou Caso Daniel Dantas
  34. Escândalo das passagens aéreas
  35. Escândalo dos atos secretos
  36. Caso Gamecorp
  37. Escândalo dos Correios
  38. CPI das ONGs
  39. Operação Faktor

Década de 2010:

  1. Caso Erenice Guerra
  2. Operação Tsunami
  3. Esquema do Plano Safra Legal
  4. Operação Esopo ou Escândalo do Ministério do Trabalho
  5. Caso Siemens (e Caso Alstom)
  6. Operação Maet
  7. Caso Ana Cristina Aquino (Escândalo do PDT)
  8. Operação Lava Jato
  9. Operação Zelotes (CARF)

 

Além dessa cansativa lista de escândalos ocorridos em quatro décadas, o Brasil encarava um período de desenvolvimento econômico com a captação de consideráveis investimentos externos.

Um dos pontos analisados pelo investidor para a tomada de decisão pela empreitada em determinado país é a sua conjuntura e estabilidade política. Pode-se imaginar que não é fácil, para um executivo corporativo, defender a injeção de altos valores em um país cujo cenário é a plena corrupção nas mais altas esferas do poder público. Investidor busca perspectiva de crescimento, estabilidade e confiança mercadológica.

É nesse cenário que não só os formadores de opinião, mas os principais países investidores iniciam uma pressão para a elaboração de uma lei brasileira que dispusesse, especificamente, sobre a responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, na linha do que fizeram em seus próprios países, no passado.

 

Referências Internacionais

 

Por óbvio, em nenhum país do mundo é legal subornar funcionários do Governo. Cada país trata do assunto à sua maneira, mas dia após dia pode-se observar uma tendência para edição de leis especiais sobre a matéria. Apenas a título ilustrativo, seguem alguns exemplos espalhados pelos continentes:

 

EUA:               Lei de Práticas de Corrupção no Exterior.

Canadá:          Lei sobre a Corrupção de Agente Públicos Estrangeiros.

Reino Unido:  Lei de Suborno.

Bélgica:           Lei de Supressão da Corrupção.

Ucrânia:          Lei sobre o Enquadramento para a Prevenção e Luta contra a Corrupção.

Azerbaijão:     Lei da República do Azerbaijão sobre Combate a Corrupção.

Rússia:            Lei Federal 273-FZ sobre Contramedidas contra a Corrupção

China:            Lei sobre a Concorrência Desleal, Regulamento sobre o Suborno Comercial.

Índia:              Lei sobre a Prevenção da Corrupção, Lei (Regulamento) sobre a Contribuição Estrangeira.

Austrália:        Alteração ao Código Criminal (Suborno de Agentes Públicos Estrangeiros).

África do S.:   Lei sobre a Prevenção e Combate das Atividades de Corrupção.

Colômbia:       Estatuto Anticorrupção.

Argentina:       Seção 258B do Código Criminal da Argentina (ACC).

 

É inegável que as Leis Americana e Inglesa são as mais relevantes no assunto, servindo de referência e sendo aplicáveis em diversos países ao redor do mundo.

O século vinte, para os EUA, foi de enormes desafios na luta contra a corrupção, em especial na década de vinte e de setenta. Nessa última, não mais graves que na primeira, verificaram-se inúmeras investigações por parte da U.S. Securities and Exchange Commission, e pelo Department of Justice, que seriam no Brasil a Comissão de Valores Mobiliários e o equivalente ao Ministério Público Federal, respectivamente.

As investigações envolveram, por vezes, as relações das empresas americanas com os governos estrangeiros, normalmente para apurar pagamentos realizados para se obter a concessão de facilidades. O caso mais famoso foi o da empresa de aeronaves Lockheed, que subornava políticos estrangeiros para que seus governos dessem preferências de compra aos produtos da companhia.

Em 1977, os EUA promulgam a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA), que dispõe especificamente sobre a relação entre empresas americanas e governos estrangeiros. Mais recentemente, após os escândalos da Enron e Worldcom, temos a entrada em vigor da Lei Sarbanes-Oxley, que refletiu a preocupação das empresas americanas na prevenção da corrupção por meio de processos de compliance e consequente devolução de confiabilidade ao mercado financeiro.   

A referência britânica foi a UK Bribery Act, ou Lei do Suborno de 2010, que, diferente da Lei americana, amplia o espectro da relação entre as empresas e governos estrangeiros para as relações com os entes públicos internos, englobando não só as relações com empresas públicas, mas também as relações entre empresas privadas. Nesse regime constitui crime requerer ou aceitar propina. O delito criminal ocorre no advento de uma pessoa requerer vantagem, seja ela financeira ou não, em contraprestação da prática de uma atividade ilícita.

A lei estabelece um delito criminal adicional no caso de pagamento de propina a funcionário público estrangeiro, mediante oferta de vantagem financeira ou não, com a intenção de influenciar um funcionário público e obter ou reter uma vantagem nos negócios.

Tamanha é a ingerência e referência da legislação estrangeira, que se tem notícia que o governo brasileiro solicitou ao Department of Justice norte-americano sessões de treinamento de apuração e investigação de supostas práticas de suborno, o que é, sem sombra de dúvidas, uma providência inteligente de melhores práticas, considerando a experiência e modelo norte-americano.

A Lei brasileira, além disso, precisava trazer harmonização da legislação brasileira com os tratados internacionais anticorrupção, de cujos textos o Brasil é signatário, a saber, a Organização de Cooperação ao Desenvolvimento Econômico (OCDE), ONU Global Pact e Organização dos Estados Americanos (OEA).

Independente dessas referências, o texto da norma brasileira apresentou uma série de diferenças que a tornaram mais rigorosa, considerando os valores das multas, e severa, considerando o estabelecimento da responsabilidade objetiva do ato, detalhes que serão devidamente analisados.

Além disso, procurou ampliar o alcance de sua eficácia ao focar na responsabilização administrativa e civil do eventual autor do fato, inobstante da responsabilização criminal já existente pelo Código Penal. Ou seja, objetiva alcançar o bolso da empresa de maneira severa, aplicando o Direito Administrativo Sancionador, sem impedir que as medidas criminais sejam tomadas em paralelo. Um cenário de possibilidade real de força tarefa pelo combate à corrupção.

 

Introdução

 

A Lei 12.846/2013 foi promulgada em 1º de agosto de 2013 e entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014 e logo foi denominada Lei Anticorrupção Empresarial Brasileira. Dispõe basicamente sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Aqui se faz importante frisar, como já mencionado, o caráter administrativo sancionador da lei, bem como seu foco exclusivo na penalização das pessoas jurídicas.

O conceito de “corrupção”, pela melhor doutrina, é o ato de corromper alguém ou se corromper, por meio de dinheiro ou qualquer outro valor, para obter vantagem indevida para si ou para a empresa em que trabalha ou mesmo para terceiros.

Especificamente, no que cabe ao presente estudo, os “atos de corrupção” são listados no art. 5º da Lei Anticorrupção e são basicamente: prometer, oferecer, dar direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público ou a terceira pessoa a ela relacionada. Financiar, custear, patrocinar, ou de qualquer modo subvencionar a prática de atos de corrupção. Utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.

 

Condutas e Responsabilidade Objetiva

A Lei Anticorrupção determina a responsabilização de pessoas jurídicas, mas sem afastar a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, coautora ou partícipe.

Cumpre destacar, desde já, que a grande novidade desse novo ordenamento é a criação de uma nova referência ou perspectiva no combate aos atos de corrupção. Tenta-se nesse caso utilizar, ao invés do Direito Penal, o Direito Administrativo Sancionador, uma vez que a responsabilização é de cunho administrativo e civil, ou seja, o legislador abre mais uma frente de ataque, onde desta vez o alvo é o bolso das empresas agentes dos atos, através de sanções pecuniárias pesadíssimas.

Outro ponto importantíssimo e de destaque dentro do novo regime é que a responsabilidade do ato de corrupção é objetiva, ou seja, não depende de comprovação de culpa (negligência, imperícia ou imprudência). Desde que exista a relação de causa e efeito, surge o dever de indenizar.

 

Sanções Estabelecidas pela Lei e Atenuantes

 

As sanções são pecuniárias e altas. Basicamente, a multa pode ser aplicada no valor de 0,1 a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos tributos, e nunca será inferior à vantagem auferida, o que não exclui a obrigação de reparar integralmente o dano causado. Ainda, poderá ser publicada a decisão condenatória em meios de comunicação de grande circulação na área de infração. Caso não seja possível determinar o valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 a R$ 60.000.000,00.

A Lei Anticorrupção prevê atenuantes, quais sejam: i) a cooperação da pessoa jurídica para apuração das infrações, ii) a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica. Já prevemos isso em nosso Código de Conduta e precisamos incluir nos contratos de prestação de serviços uma cláusula padrão de obrigação dos fornecedores de cumprimento da Lei Anticorrupção, bem como criar um canal de denúncias.

 

Acordos de Leniência

 

A Lei Anticorrupção prevê acordos de leniência, com o objetivo de promover a cooperação das pessoas jurídicas na apuração de práticas de atos de corrupção. O acordo de leniência fundamenta-se no compromisso da pessoa jurídica de colaborar com as investigações e o processo administrativo. Seriam os “acordos de delação premiada” para as pessoas físicas.

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Como se pode imaginar, o intuito dos acordos de leniência é identificar os demais envolvidos e obter indícios e provas que levem à resolução da investigação, com a comprovação do ilícito sob apuração.

Os acordos de leniência só poderão ser celebrados se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: (i) que a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre o seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; (ii) a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada, a partir da data de propositura do acordo; e (iii) a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que convidada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

A Medida Provisória n. 703, editada em dezembro de 2015, alterou significativamente o tratamento dado pela Lei Anticorrupção aos acordos de leniência, assunto a ser tratado em trabalho específico, pois ainda pode ser derrubada pelo Congresso.

 

Sucessão

 

A pessoa jurídica sucessora poderá ser responsabilizada quanto aos atos praticados anteriormente a operações de transformação, aquisição, incorporação, fusão ou cisão societários. Em caso de fusão ou incorporação, a responsabilidade da sucessora se restringirá à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido. As demais sanções da Lei Anticorrupção Brasileira não serão aplicadas, exceto em caso de simulação ou fraude.

 

Competência Administrativa

A Lei Anticorrupção determina mecanismos administrativos de análise e apuração de atos de corrupção, que competem a Controladoria Geral da União.

A MP 703/2015 parece ampliar o poder de decisão da Controladoria Geral da União na matéria e, de certa forma, limitar o papel do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, pelo menos nos acordos de leniência. Como já dito, não cabe, no momento, aprofundar, pois ainda não foi convertida em Lei.

 

Competência Judicial e o CNEP

Em razão da prática de atos previstos na Lei Anticorrupção, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:

i) perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito, direta ou indiretamente, obtidos da infração;

ii) suspensão ou interdição parcial de suas atividades;

iii) dissolução compulsória da pessoa jurídica;

iv) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público, pelo prazo mínimo de um ano e máximo de cinco anos.

O prazo prescricional das sanções previstas na Lei Anticorrupção será de cinco anos contados da data da ciência da infração, ou no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. O prazo prescricional é interrompido com a instauração do processo administrativo ou judicial.

Empresa coligadas, controladas, controladoras ou consorciadas serão solidariamente responsáveis pelo pagamento da multa e reparação integral do dano causado.

A personalidade jurídica da empresa poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

Por fim, a Lei Anticorrupção criou o Cadastro Nacional das Empresas Punidas – CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades. Ou seja, a certidão negativa no CNEP poderá, no futuro, ser condição para participação em licitações ou para obtenção de empréstimos de bancos públicos, sem contar que a condenação pela Lei Anticorrupção poderá ser uma mancha permanente na imagem da empresa.      

 

Regulamentação pelo Decreto 8.420/2015

 

Em 18 de março de 2015, pressionada pela mídia e sociedade, a Presidência da República anunciou um pacote de medidas contra a corrupção, dentre elas a mais importante, a regulamentação da Lei 12.846/2013, através do Decreto n. 8.420/2015.

Dentre outras providências o Decreto regulamenta:

(i) os procedimentos necessários para a apuração e julgamento da responsabilidade administrativa aos quais as pessoas jurídicas estão sujeitas, através do PAR, Processo Administrativo de Responsabilização, no qual a competência para a instauração e julgamento é da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou em caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado;

(ii) as sanções administrativas e encaminhamentos judiciais aos quais as pessoas jurídicas estão sujeitas, sendo as sanções possíveis: aplicação de multas e publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora;

(iii) os variados critérios de aplicação das multas, baseadas em percentual do faturamento bruto da pessoa jurídica no exercício anterior ao da instauração do PAR, critérios semelhantes aos já observados na lei administrativa antitruste, determinando limites mínimos e máximos, as disposições para sua eventual redução e a forma de cobrança;

(iv) as regras para celebração dos acordos de leniência e competência para tal, assim como o seu prazo dentro do PAR, entendido como um incentivo às pessoas jurídicas que colaborarem nas investigações e auxiliarem na reparação do eventual dano causado ao interesse público. Importante destacar que o Decreto estabelece que não importará em reconhecimento do ato lesivo investigado, a proposta de acordo de leniência rejeitada, da qual não se fará qualquer divulgação, a não ser que o proponente a autorize e a Controladoria Geral da União esteja ciente;

(v) os programas de integridade, geralmente conhecidos como programas de compliance, o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública nacional ou estrangeira. Estabelece, ainda, os parâmetros de existência e aplicação a serem avaliados em eventual necessidade, com fins de dosimetria das sanções a serem aplicadas;

(vi) a existência do CEIS – Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas, determinando que contenha informações referentes às sanções administrativas impostas a pessoas físicas e jurídicas que impliquem restrição ao direito de participar de licitações ou de celebrar contratos com a administração pública de qualquer esfera federativa, conforme critérios estabelecidos no artigo 43 e nas Leis 8.666/93, 10.520/02, 12.462/11 e 12.527/11.

(vii) a existência do CNEP – Cadastro Nacional de Empresas Punidas, determinando que contenha informações referentes às sanções impostas com fundamento na Lei Anticorrupção ora analisada, bem como referentes ao descumprimento de acordo de leniência celebrado com fundamento na mesma Lei.

(viii) por fim, que as informações serão registradas no sistema de gerenciamento eletrônico dos processos administrativos sancionadores mantido pela Controladoria Geral da União, que será ainda responsável por expedir orientações e procedimentos complementares para a execução do Decreto.                   

O Decreto entrou em vigor em 19 de março de 2015.

 

Conclusão, Cultura de Compliance e MP 703/2015

 

Percebe-se, com essa comparação, que a Lei Anticorrupção representa um notável instrumen­to de combate à corrupção, especialmente em rela­ção às infrações cometidas em contextos empre­sariais complexos, envolvendo práticas sofistica­das. Antes, a repressão aos delitos econômicos e ao crime organizado dava-se através da criação de leis incriminadoras ou majoração das penas previstas.

Como dito anteriormente, a Lei Anticorrupção procurou ampliar o alcance de sua eficácia ao focar na responsabilização administrativa e civil do eventual autor do fato, inobstante da responsabilização criminal já existente pelo Código Penal. Objetiva alcançar o bolso da empresa de maneira severa, aplicando o Direito Administrativo Sancionador, sem invadir a esfera criminal, medidas que podem e devem andar em paralelo. Um cenário de possibilidade real de força tarefa pelo combate à corrupção.

Agora, com sua existência, verifica-se uma mudança na ótica do legislador quanto à forma de enfrentamento desses esquemas delitivos, reconhecendo que a busca pela informação e o cerco aos principais beneficiários revelam-se muito mais eficazes para o combate à corrupção no meio corporativo.

Importante notar e salientar que a Lei Anticorrupção procura ainda dar maior ênfase à necessidade de vigilância pelas empresas aos seus executivos. Ela expressamente concede atenuantes às empresas que praticarem em, suas rotinas, treinamentos e outras providências preventivas que visem antecipar e evitar qualquer comportamento ilegal, instrumentos chamados de compliance.  

As ferramentas administrativas foram criadas, cabe agora serem aplicadas pelas autoridades competentes.

Em dezembro de 2015 o Governo Federal editou a Medida Provisória 703/2015. Alguns chegaram a chamar de presente de Natal do governo para as empreiteiras acusadas na Operação Lava-Jato.

Três são as razões principais das críticas à MP. Ela passa a permitir que as empresas que confessadamente corromperam órgãos públicos voltem a celebrar pactos comerciais com o Governo Federal, o que era expressamente vetado pela Lei Anticorrupção, abrindo assim caminho para a impunidade.

A MP ainda limita a função do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União na negociação dos acordos de leniência, ao mesmo tempo que amplia o poder de decisão da Controladoria Geral da União em relação ao tópico.

Por último, por quebrar um instrumento de pressão do método de investigação. No que tange a cartelização, a primeira empresa a decidir colaborar com as investigações era beneficiada com redução nas punições. Com o advento da MP, várias empresas passaram a poder celebrar os acordos de leniência ao mesmo tempo e sem que haja necessidade de apresentarem novos elementos à investigação que remetam ao esclarecimento concreto dos fatos ocorridos. Ao mesmo tempo em que se abre a possibilidade de celebração os acordos com várias empresas, oferece oportunidade de novo acerto entre elas, dessa vez para combinarem as eventuais informações a serem prestadas, de forma a estabelecerem estratégias para filtrar suas participações.

Importante frisar que em dezembro de 2015 o Legislativo Federal discutia projetos de leis com objetos semelhantes.

Pelo lado do Governo Federal a justificativa para antecipar-se ao Legislativo foi a urgência apresentada pela crise econômica sistêmica e suas consequências na manutenção dos empregos. Além disso, há quem defenda que as alterações foram realizadas com o intuito de viabilizar os acordos, uma vez que no cenário anterior as empresas não se sentiam seguras em realiza-los, e com o advento da MP suas anistias foram de certa forma ampliadas.

Como a MP ainda pode ser derrubada pelo Congresso e já sofreu uma ação direta de inconstitucionalidade, esse estudo não entrará em maiores detalhes sobre o assunto.

 

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Sobre o autor
Diogo Ribeiro de Gusmão

Advogado Empresarial, formado pela UFRJ e pós graduado pelo IBMEC em Direito Empresarial - LL.M. Gerente Jurídico de empresa multinacional. <br>

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