Desaposentação e o príncípio da solidariedade social

15/03/2016 às 15:34
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Este artigo traz comentários sobre o princípio da solidariedade social, e outros princípios que regem a seguridade social brasileira, e suas implicações no advento da desaposentação, situação jurídica que se apresenta no cenário previdenciário brasileiro.

RESUMO: Este artigo tece alguns comentários sobre o princípio da solidariedade social, e outros princípios que regem a seguridade social brasileira, e suas implicações no advento da desaposentação, situação jurídica que se apresenta no cenário previdenciário brasileiro.

ABSTRACT: This article makes some comments on the principle of social solidarity and other principles governing the Brazilian social security, and its implications for the advent of desaposentação, legal situation that presents itself in the Brazilian social security scenario.

PALAVRAS-CHAVE: Seguridade Social – princípio da solidariedade – desaposentação – dignidade da pessoa humana.

KEYWORDS: Social Security - the principle of solidarity - desaposentação - human dignity

SUMÁRIO: Introdução. Princípio da solidariedade social. Direito patrimonial e disponível. Direito à desaposentação. Conclusão. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Dentre tantas alterações ocorridas no sistema previdenciário brasileiro, uma tem chamada atenção tanto pela falta de previsão quanto pela não vedação legal. Fato este que se mostra verdadeiro campo aberto para os mais diversos entendimentos, por parte de estudiosos, doutrinadores e magistrados.

Trata-se do fenômeno da desaposentadoria, instituto que está longe de ser pacificado na doutrina e mesmo nos tribunais, dado que até mesmo no Supremo Tribunal Federal o tema tem repercutido das mais variadas formas. Desse modo, pretende-se aqui trazer uma pequena mostra das divergências e possibilidades de interpretação afeta ao assunto.

1 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL

O sistema previdenciário brasileiro, de repartição simples, e não de capitalização, é amparado, também, pelo princípio da solidariedade, em que cada um dos segurados contribui para custear seu próprio benefício futuramente e para custear os benefícios concedidos à geração que não está mais em atividade.

A solidariedade é mais do que um princípio da seguridade social, haja vista que é um dos objetivos fundamentais da República, constante do artigo 3º da Constituição Federal. Além disso, diz o artigo 195 da Carta Magna que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei”. Esse princípio pode ser observado ainda na redação do artigo 40 da Constituição Federal, que afirma que é “assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário”

Assim, a responsabilidade de manutenção do sistema é de todos, Estado e sociedade. No momento da contribuição, é a sociedade quem contribui; todavia, é o segurado quem usufrui do benefício, sem, no entanto, haver, sempre, a necessidade de uma contraprestação.

Nesse sentindo, De Antoni ressalta que

a existência de contribuintes para o sistema sem serem, ao mesmo tempo, beneficiários, possui base constitucional, especialmente nos princípios da solidariedade e da equidade na forma de participação no custeio, que advém do sistema de repartição de nosso sistema previdenciário: a contribuição previdenciária é dirigida ao fundo de custeio geral do sistema, sendo os recursos utilizados em prol da seguridade, não se destinando a compor fundo privado com contas individuais. (Fernanda De Antoni, disponível em www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-desaposentacao-sob-a-otica-dos-principios-constitucionais-da-seguridade-social,48770.html, acessado em 05 de janeiro de 2016, às 17h45min)

Em respeito à legislação previdenciária brasileira (Lei n. 8.213/91), o aposentado no regime geral que retorna às atividades laborativas se enquadra na categoria de contribuinte, e não de beneficiário da Previdência Social, conforme interpretação do artigo 11, § 3º:

§ 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995) (Lei n. 8.213/91)

Já o artigo 18, § 2º, do mesmo instituto, restringiu as prestações cabíveis ao aposentado que retorna à atividade, assim prevendo:

§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

Ainda com arrimo no princípio da solidariedade a jurisprudência tem pautado suas decisões, como se vê no julgamento da ADI 3.105/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade da contribuição instituída sobre os proventos de inatividade dos servidores públicos, com fundamento na “Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento.” (Rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, DJ de 18/02/2005).

2 DIREITO PATRIMONIAL E DISPONÍVEL

Atualmente, é acirrado o debate sobre a possibilidade de o segurado dispor de sua aposentadoria para voltar ao seu mister, no mesmo regime ou em outro, para contabilizar novo tempo de contribuição e auferir aposentadoria mais vantajosa, em função do novo tempo contributivo.

Muitos doutrinadores e juristas entendem que a aposentadoria é irrenunciável, por constituir ato jurídico perfeito, mas prepondera o entendimento de que a irrevogabilidade da aposentadoria, como ato jurídico perfeito, tem por base a proteção do segurado, que fica garantido contra alterações de análise de mérito do ato administrativo.

A corrente doutrinária e jurisprudencial majoritária no STJ entende que a aposentadoria é um direito patrimonial disponível, podendo ser renunciada em detrimento de outro benefício mais favorável. É o que se vê no acórdão:

PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. CONCESSÃO DE NOVA APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE NORMA IMPEDITIVA. DESNECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS NA VIGÊNCIA DO BENEFÍCIO ANTERIOR. (...). A possibilidade de renúncia à aposentadoria por segurado da Previdência Social, para fins de averbação do respectivo tempo de contribuição em regime diverso ou obtenção de benefício mais vantajoso no próprio Regime Geral, com o cômputo de tempo laborado após a inativação, é amplamente admitida por esta Corte e pelo Superior Tribunal de Justiça. Tal posicionamento fundamenta-se em entendimento já consolidado no sentido de que a aposentadoria é direito patrimonial, disponível, passível de renúncia, ato que, tendo por finalidade a obtenção de situação previdenciária mais vantajosa, atende à própria natureza desse direito, sem afronta aos atributos de irreversibilidade e irrenunciabilidade. Precedentes. (...). (TRF4, AC 5000566-45.2011.404.7107, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, DJE 12/07/2012)

É sabido que para que o segurado goze de sua aposentadoria, é necessária sua vontade, desde que preenchidos todos os requisitos impostos pela Administração Pública, cujo ato é vinculado, mas é o segurado que tem o poder de analisar se é oportuno e conveniente aposentar-se ou não.

Desta feita, entende-se não haver razão para impedir a aposentação reversa, na medida em que é o próprio segurado quem deseja deixar de exercer o direito à aposentadoria, abrindo mão dos proventos. Nesses termos, parece ser um paradoxo que a norma, visando protegê-lo, o impeça de assumir postura que lhe pareça mais benéfica.

2.2 DIREITO À DESAPOSENTAÇÃO

A desaposentação é uma criação doutrinária e jurisprudencial, posto que, não prevista em lei, estudiosos, advogados e juízes a criaram por entenderem-na justa, uma vez que, sendo a aposentadoria direito disponível, inserido no patrimônio jurídico do segurado, que tem em suas mãos o direito de escolher aposentar-se ou continuar laborando e, por consequência, contribuindo para auferir aposentadoria mais vantajosa, no mesmo ou em outro regime.

A desaposentação se caracteriza, portanto, pela possibilidade de o aposentado solicitar o recálculo de sua aposentadoria para computar as contribuições recolhidas após a concessão deste benefício, sem a devolução dos valores à Previdência Social. Ou seja, é “a renúncia, pelo beneficiário, da aposentadoria que vem recebendo, para a finalidade de constituir novo benefício, com o aproveitamento das contribuições efetuadas após o primeiro jubilamento”. (Fernanda De Antoni, disponível em www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-desaposentacao-sob-a-otica-dos-principios-constitucionais-da-seguridade-social,48770.html, acessado em 05 de janeiro de 2016, às 19h43min)

Não há, portanto, previsão, tampouco vedação legal ao advento da desaposentadoria. Assim, inexistindo

expressa proibição legal, subsiste a permissão, tendo em vista que a limitação da liberdade individual deve ser tratada explicitamente, não podendo ser reduzida ou diminuída por omissão. O aposentado tem direito de buscar melhores condições e como a situação se mostra mais vantajosa não há qualquer impedimento na lei ou na Carta Magna em desconstituir o ato jurídico da aposentadoria anteriormente concedida. (Luiz Henrique Picolo Breno, disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/%3C?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12362, acessado em 06 de janeiro de 2016, às 09h02min).

Há ainda quem se posicione contrariamente ao que dispõe a lei n. 8.213/91, no parágrafo 2°, do artigo 18, citado anteriormente, que determina, ao aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, o direito apenas ao salário família e à reabilitação profissional. Muitos doutrinadores e juristas entendem ser este dispositivo uma afronta ao princípio da reciprocidade contributiva retributiva.

É esse o posicionamento do juiz federal Marcelo Tavares, para quem

a norma, além de possuir caráter extremante injusto, desrespeita o princípio da contraprestação relativo às contribuições devidas pelos segurados, tendo em vista que as prestações oferecidas ao aposentado que retorna à atividade são insignificantes, diante dos valores recolhidos”.( Processo n. 2003.51.51.065331-4-1. MARCELO LEONARDO TAVARES Juiz federal da 1ª. Turma Recursal Seção Judiciária do Rio de Janeiro).

Fábio Zambitte Ibrahim (2009, p.133) assim disserta sobre a desaposentação:

Quando a desaposentação ocorre dentro do mesmo regime, em especial do Regime Geral de Previdência Social RGPS, não acredito que haja maiores problemas, pois o segurado, ao retornar ao trabalho, volta a contribuir, propiciando um ingresso de receita imprevisto no sistema e, portanto, justificador de um recálculo de sua aposentadoria, que é, ao final, a razão de ser da desaposentação.

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É perceptível, portanto, que se sobrepõe o argumento de que deve prevalecer a situação mais favorável ao segurado, até porque a Constituição Federal cingiu o princípio da dignidade humana de máxima importância, elencando-o já em seu artigo 1º

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana [...]. (BRASIL, CF/1988)

Sendo, então, a dignidade da pessoa humana valor supremo na ordem jurídica e base de todos os demais direitos constitucionais, esse princípio visa proteger o ser humano, a fim de manter e garantir a vida com dignidade e respeito recíprocos. Pretende-se também tutelar a pessoa humana, possibilitando-lhe uma existência digna.

Assim, se a dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito, importa dizer que cada homem é um fim em si mesmo e o Estado é que existe em função das pessoas, e não estas em razão do estado. E esse princípio deve nortear, obviamente, as decisões afetas ao direito previdenciário.

Além disso, é notório que, ao se desaposentar, o segurado volta a contribuir com o fundo e não parece razoável que não possa se beneficiar dessas novas contribuições. Nem mesmo o princípio da solidariedade pode autorizar a expropriação do patrimônio do segurado, o que ofenderia o princípio retributivo contributivo do artigo 201, I, da CF/88.

Por fim, recentemente, a Lei 13.183/2015, que altera o cálculo da aposentadoria, com variação progressiva de acordo com a expectativa de vida da população, sofreu veto presidencial no trecho que trata da desaposentação, valendo, a partir de então, a regra 85/95, que permite ao trabalhador se aposentar sem a redução aplicada pelo fator previdenciário sobre os proventos.

3 CONCLUSÃO

Pelo exposto, o tema da desaposentação é alvo de interpretações as mais variadas, baseadas em princípios igualmente vários, posto que afeta diretamente direito do segurado que pretende uma aposentadoria que, ao mesmo tempo, atenda seu direito a proventos para os quais contribuiu e lhe garanta uma vida com mais dignidade, justamente no momento em que menos pode contar com sua força e higidez físicas.

Certo é que o segurado não pode suportar sozinho a má gestão da administração pública que, em tempos pretéritos, não se cercou de meios que previssem e amenizassem o impacto enfrentado pelo sistema previdenciário atualmente, a ponto de promover verdadeiro estrangulamento no direito a proveitos condizentes com a dignidade humana de cada cidadão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRAL, Welber Oliveira. Metodologia da pesquisa jurídica. 4 ed. Belo Horizonte (MG): Del Rey, 2010.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. (Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm, acessado em 05 de janeiro de 2016, às 13h46min)

________. Lei 8.213 de 1991. (Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm, acessado em 06 de janeiro de 2016, às 16h34min)

________. Lei 13.183 de 2015. (Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13183.htm, acessado em 06 de janeiro de 2016, às 13h04min)

BRENO, Luiz Henrique Picolo. Breves considerações acerca do instituto da desaposentação. (Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/%3C?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12362, acessado em 05 de janeiro de 2016, às 12h59min)

DE ANTONI, Fernanda. A desaposentação sob a ótica dos princípios constitucionais da seguridade social. (Disponível em www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-desaposentacao-sob-a-otica-dos-principios-constitucionais-da-seguridade-social,48770.html, acessado em 05 de janeiro de 2016, às 22h19min)

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 13. ed., rev. e atual. Niterói: Impetus, 2012.

________ DesaposentaçãoNovos Dilemas. In: Previdência Entre o Direito Social e a Repercussão Econômica no Século XXI, Juruá: 2009.

Processo n. 2003.51.51.065331-4-1. MARCELO LEONARDO TAVARES Juiz federal da 1ª. Turma Recursal Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

TRF4, AC 5000566-45.2011.404.7107, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, DJE 12/07/2012


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Sobre a autora
Kátia Beata Ferreira Fraga

Graduanda do 10º período de Direito/ noturno da Unimontes (1º semestre de 2016)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado ao Professor Ms. Alexandre Ricardo Damasceno Rocha, para obtenção de nota parcial na disciplina Direito Previdenciário I

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