A Ação Civil Pública (ACP) e o controle incidental de constitucionalidade

Leia nesta página:

O presente trabalho visa demonstrar a possibilidade jurídica de o magistrado, no julgamento de ação civil pública, reconhecer incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo.

A Ação Civil Pública serve como instrumento jurídico de proteção dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos violados. Muitas vezes a inconstitucionalidade de uma lei/ato normativo pode gerar danos essencialmente coletivos: nesses casos, os legitimados à propositura da ação civil pública poderão ingressar com a referida demanda, mas a inconstitucionalidade será, assim como ocorre na sistemática das ações individuais, mera causa de pedir.  

A polêmica acerca da (im)possibilidade de o controle incidental de constitucionalidade ser exercido em sede de ACP reside na seguinte questão: como a coisa julgada coletiva tem eficácia contra todos (“erga omnes”), a ocasional procedência do pedido em no julgamento da Ação Civil Pública equivaleria à declaração de inconstitucionalidade feita pela Suprema Corte, em controle concentrado.

O STF, manifestando-se acerca da matéria, decidiu ser possível o controle incidental de constitucionalidade em sede de ACP, pois a inconstitucionalidade, se declarada, não constituirá o dispositivo do “decisum”; o fato de o efeito da decisão proferida em ACP ser “erga omnes” – assim como ocorre no controle concentrado – é meramente conseqüencial, não sendo correto impedir o magistrado a reconhecer, “incidenter tantum”, a inconstitucionalidade de uma lei em sede de julgamento de ação civil pública:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA E CONTROLE INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. É legítima a utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional não se identifique como objeto único da demanda, mas simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Com base nesse bentendimento, o Tribunal desproveu recurso extraordinário interposto pelo Distrito Federal, contra acórdão do STJ, em que se pretendia fosse julgado improcedente o pedido formulado em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal, fundada na inconstitucionalidade da Lei distrital 754/94, que regulamenta a ocupação de espaços em logradouros públicos no DF, ou fosse restabelecido o acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que, acolhendo a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público para a ação, extinguira o processo sem julgamento de mérito. Alegava-se, na espécie, que a ação civil pública teria sido utilizada como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade. Inicialmente, o Tribunal resolveu questão de ordem suscitada pelo Min. Joaquim Barbosa, relator, no sentido de dar prosseguimento ao julgamento do recurso extraordinário, não obstante já ter sido declarada a inconstitucionalidade da Lei distrital 754/94 pelo TJDFT em ação direta lá ajuizada. Tendo em conta serem distintos o objeto da ação originária ajuizada pelo parquet - a prevenção e repressão de uma suposta ocupação ilícita de logradouros públicos, apresentada na forma de vários pedidos e, junto a isso, a declaração de inconstitucionalidade da referida lei - e o objeto propriamente dito do recurso extraordinário, concluiu-se não ter havido perda de objeto deste. No mérito, considerou-se que a declaração de inconstitucionalidade da lei seria apenas um dentre outros 6 pedidos formulados na ação civil, configurando-se, ademais, como uma nítida causa de pedir. RE desprovido, com determinação da baixa dos autos ao TJDFT para julgamento de mérito da ação. RE 424993/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 12.9.2007. (RE-424993).

Com razão o STF.  A Ação Civil Pública (ACP) representa importante instrumento na tutela dos direitos coletivos “lato sensu” e na busca do direito constitucional de acesso à justiça. Impossibilitar o reconhecimento incidental de inconstitucionalidade seria o mesmo que proibir a guarda da Constituição pelo magistrado, o que, por si só, já se afigura contraditório em termos.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Matheus Augusto de Almeida Cardozo

Defensor Público do Estado de Pernambuco, titular da Vara Privativa do Tribunal do Júri da Comarca de Petrolina.<br><br>Ex-Defensor Público do Estado de Goiás.<br><br>Ex-Analista Superior Jurídico da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.<br><br>Pós-graduado em Ciências Criminais pelo JusPodivm.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos