A inconstitucionalidade da abrangência da modalidade de concorrência

23/03/2016 às 09:38

Resumo:


  • O princípio da eficiência na Administração Pública é assegurado constitucionalmente desde a Emenda Constitucional 45/2004.

  • A modalidade de concorrência, por permitir a participação de qualquer interessado, torna o processo licitatório mais moroso e burocrático.

  • A escolha da modalidade de licitação mais abrangente, em detrimento dos valores estabelecidos, pode gerar ineficiência e desrespeitar os princípios da Administração Pública.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sobre a inconstitucionalidade de dispositivo previsto na Lei nº 8.666/93. Explanação a respeito dos aspectos históricos dos procedimentos licitatórios. Análise da obrigatoriedade constitucional em face da realização da licitação.

                              

Para o entendimento desse artigo, se faz necessário o conhecimento de conceitos acerca dos princípios da licitação e da Administração Pública bem como os conceitos relativos as modalidades de licitação, baseado em tais considerações podemos destacar o que sempre afirmou o saudoso Hely Lopes Meirelles a respeito do princípio da eficiência, in verbis:

Com a EC 45/2004 a eficiência passou a ser um direito com sede constitucional, pois o Titulo II, “Dos Direito e Garantias Fundamentais”, inseriu no art. 5º  o inc. LXXVIII, que assegura “a todos, no âmbito judicial e administrativo”, a “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.[1]

                É fácil notar o que o doutrinador quis afirmar com tal menção ao texto constitucional ao tratar do princípio da eficiência, Hely Lopes Meirelles, expôs que tudo o que a Administração Pública deve fazer tem que fazer de maneira mais célere possível para que o princípio da eficiência seja observado e respeitado, garantindo assim ao administrado uma Administração satisfatória. Por essa razão quando o Estatuto da Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/93) autoriza ao administrador a possibilidade de adoção da modalidade de concorrência em qualquer caso fica claro a afronta ao princípio da eficiência, o artigo 23 § 4º traz a seguinte redação: “Nos casos em que couber convite, a Administração poderá utilizar a tomada de preços e, em qualquer caso, a concorrência”. [2]

            É  de todo sabido que a modalidade da concorrência é um procedimento mais moroso que os demais uma vez que exige do administrador uma análise mais minuciosa a respeito da documentação e julgamento das propostas por se tratar de determinação legal, a cada novo procedimento nova análise da documentação bem extensa. Portanto mais demorado o rito licitatório se desenvolverá, ao passo que nas demais modalidades os licitantes já estão pré habilitados no SICAF (sistema de cadastro de fornecedores).

            Nesta ótica destaquemos o conceito em relação às três modalidades tradicionais, concorrência, tomada de preços e convite nos dizeres de Odete Medauar:

Concorrência é a modalidade que possibilita a participação de quaisquer interessados que, na fase de habilitação, comprovem possuir os requisitos de qualificação exigidos no edital (§ 1º do art. 22). É utilizada, em geral, para contratos de grande valor (...). A Tomada de Preços é a modalidade de que participam interessados previamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação (§ 2º do art. 22). O convite é a modalidade de que participam interessados do ramo pertinente ao objeto do futuro contrato, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de três pela  unidade administrativa; (...).[3]

            Com esta distinção pode-se constatar que, ao permitir que na Concorrência ocorra a possibilidade de participar quaisquer interessados, o legislador dificultou ao administrador o desenvolvimento do rito licitatório uma vez que se torna mais lenta a análise de tamanha documentação, nas demais modalidades os licitantes já apresentaram anteriormente a mencionada documentação, facilitando assim o trabalho do administrador, fazendo que com isso ele o desenvolva com mais celeridade, garantindo ao administrador uma Administração mais eficiente não apenas no fator rapidez como também no fator economicidade.

            Os doutrinadores mencionados anteriormente entendem que é possível a escolha uma vez que a lei assim determina, se que com isso cause dano aos cofres públicos, nesse foco Marçal Justen Filho se promuncia ao tratar de substituição por modalidade mais complexa em comentário ao dispositivo da Lei nº 8.666/93 art. 23 § 4º:

A Lei presume que complexidade da contratação deriva de seu valor econômico. Por isso, supõe-se que, quanto menor o valor, tanto mais simples a execução da prestação imposta ao particular e menores as exigências a avaliar na licitação. Porém, essa presunção é relativa e nem sempre procedente. O § 4º autoriza, portanto, a utilização de procedimentos mais complexos independentemente do valor a ser desembolsado pelo Poder Público.[4]

            O mesmo autor explica a razão do porque entende o cabimento de modalidade mais abrangente em qualquer caso e tipo de contratação:

Há hipóteses em que a modalidade de licitação não depende de valor da contratação, mas de outras circunstâncias. Em alguns casos, a contratação não se insere na atividade usual da Administração e se supõe ausência de cadastrados aptos a participar da licitação. Em outros, a capacitação do interessado é irrelevante, eis que o contrato envolverá para o particular apenas o dever de desembolsar recursos. Daí a previsão legal de adoção de concorrência, sem atentar para o valor estimado da contratação.[5]

           

Apesar das pertinentes considerações de Marçal Justen Filho fica frágil as considerações ora colocadas por conta da determinação legal no que tanje aos valores definidos para adoção de cada modalidade, se estes não são relevantes, uma vez que ocorre a opção na escolha da modalidade, qual seria o sentido de existirem limitações nos valores? Se, conforme bem aponta o doutrinador mencionado nem sempre a modalidade de licitação dependerá de valor da contratação mas de outras circunstâncias. Não faz sentido nenhum. Ou o administrador desenvolve o procedimento licitatório baseado nos valores determinados ou não desenvolve o procedimento licitatório baseado nos valores determinados.

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Diante de tamanha controvérsia legal e afronta ao princípio constitucional da eficiência fica complicado para a sociedade obter da Administração Pública atuação célere, econômica e eficiente, ficando esta (a sociedade) a mercê daquilo que o administrador entender como moral, ético, honesto, satisfatório e eficiente.

CONCLUSÃO

         Chegar a uma conclusão depois desta pesquisa realmente é algo extremamente motivador uma vez que ficou claro que o Estatuto das Licitações e Contratos permitiu ao administrador uma discrionariedade, no que tange a escolha da aplicação da modalidade mais ampla para suas contratações, que afronta claramente o princípio da eficiência consagrado pela Carta Magna.

            Os diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no sentido de elucidar os princípios e modalidades são importantes para que o leitor possa ter elementos suficientes para averiguar a verdadeira afronta ao princípio da eficiência e até mesmo da moralidade caso o administrador se valha da liberdade a ele conferida em relação à adoção de modalidade mais abrangente onde poderia ocorrer a contratação por meio menos oneroso, mais célere e mais simplificada para a Administração Pública.

            Destarte, repise-se, é inconstitucional o dispositivo da Lei nº 8.666/93 que permite que ocorra a opção na escolha da modalidade de licitação em detrimento aos princípios que norteiam toda a atividade da Administração Pública inclusive os ritos licitatórios. Não faz sentido nenhum que a mesma legislação estabeleça limites máximos e mínimos de valores estimados para contratação em cada modalidade se estes podem ser simplesmente desprezados em face ao artigo 23 § 4º da Lei nº 8.666/93.

            Ante o exposto se faz necessária uma reforma ao texto da legislação infraconstitucional no sentido de ao menos apresentar sua vontade em relação à atuação que deseja obter por parte do administrador. No caso sub oculi, ou aplica-se às faixas de valores ou opta-se pela modalidade mais abrangente, eis que, os dois dispositivos ficam de difícil convívio por se tratar de opostos claros que provocam confusão na atividade administrativa em relação às práticas licitatórias.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIOCHINI, Alberto. Codificação da contabilidade pública brasileira, vol II. Rio de Janeiro: Editora Imprensa Nacional, 1930.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Alexandre de Moraes. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2000.

______. Lei nº 8.666/93, com redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 03 de novembro de 2008.

______. Lei nº 8.666/93, com redação dada pela Lei nº 8.883/94: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 03 de novembro de 2008.

______. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações básicas / Tribunal de Contas da União. – 3. ed, rev. atual. e ampl. Brasília: TCU, Secretaria de Controle Interno, 2006.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19. Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2008.

FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11. Ed. São Paulo: Dialética, 2005.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

MUKAI, Toshio. Licitações e Contratos Públicos. 8. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 6. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

PESTANA, Marcio. Direito Administrativo Brasileiro. 1. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2008.

[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. P. 97.

[2]BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com redação da Lei nº 8.883/94: Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília, 1993. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de novembro de 2008.

[3] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. P. 183

[4] FILHO, Marçal Justen. Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11. Ed. São Paulo: Editora Dialética, 2005. P. 222.

[5] FILHO, Marçal Justen. Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11. Ed. São Paulo: Editora Dialética, 2005. P. 222.

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Sobre a autora
Ingrid dos Santos Barbosa

Advogada/Professora

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