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Do crime do colarinho branco:

uma análise dentro do contexto normativo atual

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18/01/2004 às 00:00
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Resumo

A história brasileira aponta inúmeros casos de corrupção e descaso com o patrimônio público. Exemplos não faltam. A sociedade clama por uma adequada responsabilização ao agente público ímprobo.

Nesse contexto, a lex mater de 1988 elevou ao status constitucional inúmeros princípios atinentes à Administração Pública (art. 37), bem como a responsabilização de seus agentes pela prática de atos que acarretem lesões ao patrimônio público material e moral. Tais atos são denominados atos de improbidade administrativa, com repercussão nas esferas civil, penal, administrativa e eleitoral.

Mais tarde, com a promulgação da lei 8.429/92, também conhecida como a lei do colarinho branco, tais condutas foram definitivamente tipificadas, bem como as sanções delas decorrentes, que passaremos a estudar, principalmente no que tange aos seus aspectos mais polêmicos.

Palavras-Chave: Improbidade administrativa, crime do colarinho branco, patrimônio público, administração pública, corrupção, princípios constitucionais.


ABOUT THE WHITE-COLLAR CRIME: AN ANALYSIS ON THE CURRENT NORMATIVE CONTEXT

Abstract

Brazilian history highlights countless cases of corruption and negligence to the public patrimony. Thus, the society claims for the dishonest public agent to be considered responsible for that. In that context, the lex mater of 1988 elevated to the constitutional status a host of principles referred to the Public Administration (37 article) as well as its agents responsibility for the practice of acts that do damages to the material and moral public patrimony. These acts are called acts of administrative dishonesty, and have repercussions in the civilian, penal, administrative and electoral spheres.

With the promulgation of the law 8.429/92 (also known as the white-collar law), these conducts and its sanctions were definitively exemplified. The sanctions will be studied especially in what refers to its most controversial aspects.

Keywords: Administrative dishonesty, white-collar crime, public patrimony, public administration, corruption, constitutional principles.


1 Considerações Preliminares

Na formação de um Estado, principalmente naquele sob a égide Republicana, tem, como preocupação precípua, a eficaz administração da res publica. Por pertencer ao povo a titularidade do poder (Regime Político Democrático), qualquer atitude que venha a ferir esse princípio deve ser severamente estirpada. Esse princípio se coaduna com a idéia de tutela e autotutela na Administração Pública.

Inobstante toda a cautela existente, que fomenta e às vezes até burocratiza a máquina administrativa, sempre visando ao estrito cumprimento das formalidades em prol da legalidade e a intangibilidade do patrimônio público, algumas vicissitudes são flagrantes, chamando a atenção popular diante de atos repudiáveis de maus administradores, que, no exercício do seu munus público, agem em total desrespeito à res publica, indignando todos nós. Infelizmente, temos grande e vergonhosos exemplos, como a aplicação irregular de verbas públicas, superfaturamento de obras, fraude em concurso público, ausência e ineficiência na prestação de contas, entre outros.

Diante desse contexto, surge a necessidade da responsabilização desses agentes, com instrumentos eficazes, restaurando, a dignidade e a probidade da Administração. Nesse intuito, a Lei nº 8.429 de 02/06/1992, conhecida como lei do colarinho branco, veio definitivamente regulamentar o parágrafo 4º do artigo 37 da lex mater (Constituição Federal de 1988), que estabelece, in verbis:

A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade [...] e também o seguinte: § 4º - os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (BRASIL, 1988)

Tecnicamente, a noção de crime do colarinho branco deve ser substituída pelo conceito de ato de improbidade administrativa. Este, possuidor de elementos jurídicos próprios, como passaremos a estudar, é mais abrangente, pois o termo crime enseja responsabilidade especificamente penal, e como veremos a seguir, o conceito de improbidade encerra característicos penais, administrativos, civis e até eleitorais.


2 Improbidade e Imoralidade

Tema bastante controverso doutrinário e jurisprudencialmente, que ora se expressam como sinônimos, ora gênero e espécie, e por suas vezes até, conceitos distintos. Necessário se faz buscar o verdadeiro elemento axiomático do termo, para conceituarmos e trabalharmos com a questão principal: a tipificação do ato de improbidade e suas conseqüências.

Envolvendo-se na questão, inevitavelmente deparamos com a problemática que envolve o tema: os conceitos indeterminados.

É verdade que o homem se comunica por signos. Muitas vezes, expressões ambíguas, ao contrário de definir um instituto ou mesmo expressar o real sentido da norma jurídica que advém, acabam por transmitir imprecisão, fazendo com que o exegeta busque seu verdadeiro significado. Este fato causa grande celeuma social, pois a norma jurídica, além de ser acessível a todos, em decorrência do princípio da inescusabilidade da ciência da lei consubstanciada no art. 3º da Lei 4.657 de 04/09/1942 – Lei de Introdução do Código Civil, ela deve ser clara e precisa.

Nessa esteira de entendimento, Lúcia Valle Figueiredo adverte que todo conceito, muito embora pragmático ou indeterminado, detém um núcleo mínimo de compreensão, sendo que a sua conotação e sua denotação deverão ser extraídas das normas e princípios informadores do ordenamento.

Celso Antonio Bandeira de Mello, ressaltando o óbice enfrentado pelo jurista na busca interpretativa dos conceitos indeterminados, pontifica que de acordo com a doutrina Alemã, inexiste discricionariedade nos conceitos jurídicos indeterminados, pois, aplicando o conceito indeterminado no caso concreto, este se torna determinado: os conceitos indeterminados ou fluídos só apresentam tal característica considerados em abstrato; não porém diante de casos concretos, isto é, por ocasião de sua aplicação [...] a questão suscitada por tais conceitos é meramente uma questão de interpretação, definível, como qualquer outra, pelo Poder Judiciário e não uma questão de discricionariedade, a qual supõe certa margem de liberdade decisória para o administrador (MELLO, 1992, p.23 apud FIGUEIREDO,1994, p.45)

Dessa forma, pragmaticamente tais conceitos hão de determinar-se, principalmente após a investigação do caso pelo Poder Judiciário. Não obstante a dificuldade de valoração do conceito de ato de improbidade, como outrora vimos, devido a sua indeterminação conceitual, doutrinariamente, o tema é muito polêmico. Não há consenso entre os doutrinadores em estabelecer uma forma inteligível a conceituar tal tema. O problema se intensifica quando partem, na tentativa de conceituação do ato de improbidade, à análise paralela aos princípios da moralidade, legalidade, entre outros, como veremos a seguir.

Di Pietro (2002) entende serem conceitos equivalentes. A autora coloca a moralidade e a probidade como princípios, e como tal, significam a mesma coisa. Ela estabelece uma subsunção entre legalidade ampla e restrita.

Segundo a autora,

[...] é possível falar em legalidade restrita, significando exigência de lei, em sentido formal, para a prática de determinados atos [...] todavia, também é possível falar em legalidade em sentido amplo, para abranger não só a obediência à lei, mas também a observância dos princípios e valores que estão na base do ordenamento jurídico. (DI PIETRO, 2002, p.671)

Continua a autora:

[...] a legalidade estrita não se confunde com a moralidade ou honestidade, porque diz respeito ao cumprimento da lei; a legalidade em sentido amplo abrange a moralidade, a probidade e todos os demais princípios e valores consagrados pelo ordenamento jurídico. (DI PIETRO, 2002, p.672)

Uma segunda posição doutrinária, cujo maior expoente é José Afonso da Silva, vem destacando que a improbidade administrativa não é propriamente sinônimo de imoralidade administrativa. Esta teria um sentido mais amplo, de sorte que nem toda imoralidade administrativa conduziria, necessariamente, à suspensão dos direitos políticos, salvo como pena acessória em condenação criminal. A improbidade diz respeito à pratica de atos que gere prejuízo ao erário público em proveito do agente, cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo. (SILVA,1996,p.332)

Diferentemente da posição anterior, como vimos, José Afonso vai mais além, estabelecendo uma situação de gênero e espécie, onde a improbidade, espécie daquela, também poderia ser denominada como uma imoralidade qualificada. Hodiernamente, tem-se mostrado como posição mais aceita na doutrina.

Consoante as duas posições apresentadas, verificamos uma terceira corrente que, apesar de manter a relação de gênero e espécie, propõe a inversão dos elementos. Nesse entendimento, destaca-se o ilustre Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, Flávio Satiro Fernandes, quando medita:

De nossa parte, divergindo dos que assim pensam, entendemos que a moralidade e a probidade administrativa são noções bem claramente distintas, que não se podem confundir ante os textos legais que, a partir da Constituição Federal, a elas se referem. Por esses mesmos textos é forçoso reconhecer, que a probidade é gênero, do qual a moralidade é espécie, haja vista maior amplitude e maior alcance emprestados à primeira. (FERNANDES, 1997, p.2)

Também é coerente a afirmação do autor, pois, como vemos, a moralidade só foi instituída na Constituição recentemente, como princípio atinente à administração pública (art. 37, caput da Constituição Federal de 1988), enquanto o termo improbidade já está cristalizado no ordenamento jurídico desde, pelo menos, 10/04/1950, com a promulgação da lei 1.079, que define os crimes de responsabilidade do Presidente da Republica e Ministros de Estado, ao estabelecer no capítulo V, dos crimes contra a probidade da administração. Sendo gênero, tem maior amplitude, e conseqüentemente deve preceder à espécie; este é o entendimento do autor.

Data maxima venia, ousamos discordar das três posições acima destacadas. A priori, sabemos que a probidade em si, não é principio, mas um ato, ao passo que moralidade, é princípio. Tanto a afirmativa é procedente, que a própria Constituição Federal, ao tratar da Administração Pública no artigo 37, caput, expressamente refere-se aos princípios que informam aquela. Como princípio, a moralidade, a legalidade, a eficiência, entre outros tantos, existem no mundo ideal, não possuindo auto-executoriedade. Servem apenas para informar a conduta do administrador. Porém, todo ato, ao suscitar no mundo jurídico, produz efeitos, como conseqüência da atividade volitiva humana. O fato, subsistindo no mundo pragmático, pode ser objeto de repressão e responsabilização, pois possui efeitos concretos. Daí concluir que de um lado temos princípios, e de outro, atos, que, apesar de informados por aqueles, não se confundem. Este ato é o ato de improbidade administrativa.

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Necessário se faz estabelecer esta distinção, para podermos vislumbrar e identificar definitivamente quando há ato de improbidade, e conseqüentemente tipificá-lo, consoante o mandamento legal, e quando há princípio informador deste, insuscetível de tipificação, pois subsiste apenas no plano ideal.


3 Conceito e Evolução

Como vimos anteriormente, toda a problemática acima levantada decorre da imprecisão do conceito de improbidade administrativa. Tais nuances devem ser superadas para que se estabeleça um conceito preciso.

A palavra ímprobo advém do latim improbus, exprimindo o sentido mau, perverso, corrupto, desonesto. Já a palavra improbidade, do latim improbitas, significa má qualidade, malícia, sendo utilizado para adjetivar a conduta administrativa corrupta. Em linhas gerais, designa toda e qualquer conduta, comissiva, ou omissiva, que venha a atentar contra a administração, seus princípios, e principalmente o patrimônio público.

A lei da improbidade administrativa, ou lei do colarinho branco, estabeleceu três modalidades de atos de improbidade, a saber: os que importam enriquecimento ilícito (art. 9º), os que causam prejuízo ao erário (art. 10) e os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11).

Porém, antes da lei 8.429/92, a situação era bem diferente. O status constitucional só foi logrando com a Constituição de 1988, ao introduzir o ato de improbidade no capítulo referente à Administração Pública, que estabelece no art. 37 § 4º que "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento do erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível". (BRASIL, 1988)

Antes da atual Constituição, as leis que em linhas gerais tratavam do tema, apenas previam sanção para atos que causassem prejuízo à Fazenda Pública e o locupletamento ilícito, sendo este de natureza tipicamente civil, sempre ressalvada a responsabilidade criminal.

Pioneiras foram as leis 3.167 de 1º/06/1957, conhecida como Lei Pitombo-Gogoi Ilha e a lei 3.502 de 21/01/1958, conhecida como a lei Bilac Pinto, que subsistiram até a legislação atual.

A primeira estabelecia o seqüestro e o perdimento de bens, em favor da Fazenda Pública, na qual o administrador adquirisse por influência ou abuso de cargo ou função pública, promovida por iniciativa do Ministério Público, ou por qualquer pessoa do povo.

Quanto à segunda, sem revogar a primeira, veio complementá-la, regulando o perdimento e o seqüestro dos bens. Inovou no sentido de estender o seu alcance a toda administração direta e indireta, aos três poderes, e elencou nos artigos 2º,3º e 4º os casos de enriquecimento ilícito, mantendo o caráter civil da sanção, independentemente da penal.

Na vigência da Constituição de 1967, que no artigo 153, §11, na parte final previa "a lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício da função pública" (BRASIL, 1967),foi drasticamente alterada com a edição do Ato Institucional nº 5, de 13/01/68, prevendo, no seu artigo 8º, que

[...] o Presidente da República podia, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tivessem enriquecido, ilicitamente, no exercício do cargo ou da função publica, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. (BRASIL, 1967)

Totalmente inconstitucional, essa medida tipicamente administrativa com caráter confiscatório, não respeitava o devido processo legal e o contraditório, onde não era passível a apreciação judicial, e perdurou até a emenda constitucional nº 11, de 13/10/78, que revogou os referidos Atos Institucionais.

Finalmente, somente com a lei 8.429/92, o tema foi definitivamente disciplinado, e com maior amplitude.

Ressalva Maria Sylvia, que os atos de improbidade são de amplitude muito maior do que as hipóteses de enriquecimento ilícito previstas nas Constituições anteriores e disciplinadas pelas referidas leis. Na lei 8.429/92, o enriquecimento ilícito constitui apenas uma das hipóteses de atos de improbidade (art. 9º), ao lado dos atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) e dos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). (DI PIETRO, 2002, p.674)

Com essa breve análise histórica, vemos que a preocupação do legislador brasileiro em punir o administrador nefasto, é de longa data. Porém, somente com a Constituição de 1988, e finalmente com a promulgação da lei do colarinho branco, estabeleceram-se definitivamente os contornos acerca dos atos de improbidade, bem como alargou-se sua esfera de aplicação, aplicando-se a todos os agentes públicos em geral.


4 Elementos do Ato de Improbidade

Uma vez conceituado e vislumbrada sua evolução legislativa, passaremos a estudar seus elementos constitutivos: o sujeito ativo e o passivo, os atos propriamente ditos, bem como as sanções cabíveis.

4.1 Do Sujeito Ativo

Cuida a lei de improbidade, no seu art. 1º, estender sua aplicação a toda administração direta e indireta, nos termos

[...] os atos de improbidade, praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios, de empresa incorporada ao patrimônio público ou entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita atual, serão punidos na forma da lei. (BRASIL, 1992)

A lei fala em agente público, em sentido amplo, cuidando de definí-lo expressamente no texto legal (art. 2º),

[...] reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. (BRASIL, 1992)

Parece desnecessária a preocupação do legislador em definir o termo agente público, que por si só dá a idéia central da lei: de abranger todos aqueles que colaboram com a Administração, quer direta, quer indiretamente.

Di Pietro (2002, p.431) define o termo agente público como "toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta".

Como vimos, o termo é bem abrangente, abarcando todas as pessoas que, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, colaboram com a Administração. O termo agente público, numa conceituação mais precisa, engloba os agentes políticos, os servidores públicos e os particulares em colaboração com o Estado.

Por agentes políticos, entende-se serem todas as pessoas físicas detentoras de cargo de poder, ou seja, os parlamentares de todos os níveis, Chefes do Poder Executivo federal, estadual e municipal, Ministros e Secretários de Estado Estaduais e Municipais. Quanto aos membros do poder Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas, muito embora haja inclinação doutrinária em classificá-los nesta categoria, tecnicamente são servidores públicos, pois apesar de gozarem de certas prerrogativas institucionais, o regime jurídico é estatutário, assim como os demais servidores públicos.

Servidores públicos são pessoas que prestam serviços ao Estado, incluindo aqueles detentores de cargo, emprego ou função pública, e finalmente, os particulares em colaboração com o Poder Público; são aqueles que prestam serviços sem vínculo contratual ou estatutário, e principalmente sem remuneração. Atuam transitoriamente, mediante requisição ou delegação.

Em que pese a preocupação de estender a lei aos agentes público em geral, o diploma também se aplica a uma categoria de não-agente público, ou seja, ao beneficiário do ato de improbidade. É o que dispõe o art. 3º: "as disposições desta lei são aplicáveis no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a pratica do ato de improbidade ou deles se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta". (BRASIL, 1992)

Igual aplicação cabe ao sucessor daquele que causar o dano, até o limite do valor da herança (art. 8º).

Portanto, por sujeito ativo, temos o agente e o beneficiário e até mesmo o sucessor deste.

4.2 Do Sujeito Passivo

Como vimos, a lei tem alcance amplo, quer em dimensão, quer em profundidade. Em dimensão, abarca todos os agentes públicos e demais beneficiários. Em profundidade, aplica-se a toda administração direta e indireta nos três níveis de governo.

Nas palavras de Mello (1975, p.69), ao explanar sobre a administração direta, a define como órgão público, que "nada mais significam como feixes de atribuições, os feixes individuais de atribuições de poderes funcionais repartidos no interior da personalidade estatal e expressados através dos agentes neles providos". Desta forma, traduz a idéia da Administração Direta como sendo aquela ligada diretamente ao estado e suas repartições, sob supervisão ministerial.

De outro lado, ao falar em administração indireta, o vocábulo engloba todas as pessoas jurídicas criadas pelo Estado para a consecução de seus fins. É uma espécie de descentralização administrativa, onde, para prestar o serviço público, o Estado o faz mediante a criação destas entidades, ou seja, pessoas jurídicas com finalidades específicas; daí o termo administração indireta. Integram a administração indireta as Fundações Públicas, as Sociedades de Economia Mista, as Empresas Públicas, as Autarquias e as Agências Reguladores e Executivas.

O artigo 1º, na parte final, fala em entidade que para criação ou custeio o erário público tenha concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento). Tal disposição se faz desnecessária. Ora, caso o erário tenha concorrido com essa percentagem, a entidade já está sob seu controle.

Também se coadunam com a idéia de sujeito passivo, aquelas entidades de natureza privada, que não fazem parte da administração direta ou indireta, na qual o Estado subvenciona. É o que traduz o parágrafo único do art. 1º: "estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio público de entidade que receba subvenção, beneficio ou incentivo, fiscal ou creditício de órgão público [...]".(BRASIL, 1992)

Assim, o sujeito passivo do ato de improbidade pode ser a Administração direta ou indireta, de todas as pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), nos três Poderes da República, bem como aquelas pessoas jurídicas de direito privado que recebam fomento estatal para a sua criação ou custeio.

4.3 Objeto

A tipificação dos atos de improbidade encontra-se nos artigos 9º, 10 e 11 da referida lei.

Embora a lei elenque um rol de condutas, mister é dizer que não se trata de um rol taxativo, e sim, meramente exemplificativo, pois uma vez não enquadrada a conduta diretamente nos casos pré-estabelecidos, a conduta pode ser estendida ao caput dos respectivos artigos, que ensejam a formulação genérica da conduta.

Pelo art. 9º:

[...] constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas atividades mencionadas no art. 1º desta lei. (BRASIL, 1992)

Na seqüência, o art. 10:

[...] constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário público qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbarateamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades [...]. (BRASIL, 1992)

Até aqui não há grande novidade, pois a lei manteve a fórmula geral da improbidade, conforme demonstrada na evolução histórica, no que se resume ao enriquecimento ilícito pelo abuso do cargo ou função e conseqüente responsabilidade civil pelo lesão acarretada ao erário. A grande questão a ser levantada é da exigência, na conduta do agente, do aninus doloso ou culposo. Trata-se, portanto, de responsabilidade subjetiva. Esse artigo arrosta, expressamente, a responsabilidade estatal objetiva, haurida do art. 37, §6º, da Constituição Federal.

Procurando elucidar a questão, oportuno o entendimento de Maria Sylvia, que sabiamente ensina ‘no caso da lei de improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto mais relevante pelo fato de ser objetivo primordial do legislador constituinte o de assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade dentro da administração publica. Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função publica’. Continua a autora, ‘[...] por isso, a aplicação da lei exige bom senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar inutilmente o judiciário com questões irrelevantes, que podem ser enquadradas e resolvidas na própria esfera administrativa’. (DI PIETRO, 2002, p.689)

Finalmente, o art. 11 estatui: "constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração publica qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições". (BRASIL, 1992)

A grande novidade encontra-se nesse artigo, pois, pela primeira vez exige-se, sob pena de sanção, o estrito cumprimento das atribuições administrativas sob a égide dos princípios que informam a Administração Pública. Destarte o artigo enumera alguns princípios, como dissemos anteriormente, o rol é exemplificativo, sendo integrado o artigo pelos inúmeros princípios ínsitos na Administração, como os decorrentes do art. 37, caput da lex mater, bem como outros tantos dispositivos da lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo na esfera federal.

Nesse caso, não há necessidade da efetiva lesão ao patrimônio; basta que o ato fira a moral administrativa, para ser enquadrado como ato de improbidade. Assim, podemos dizer que nos dois artigos anteriores ocorre lesão ao patrimônio material ao passo que neste último vem à baila o patrimônio moral.

4.4 Natureza Jurídica das Sanções e Cominação Legal

A primeira indagação que se suscita diz respeito à natureza da sanção do ato de improbidade. O art. 12 da lei ressalva expressamente que independentemente das sanções cíveis, penais e administrativas cabíveis, o agente será responsabilizado pelo ato de improbidade. A própria constituição federal, no art. 37, § 4, determina que os atos de improbidade importarão na suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e o ressarcimento do erário, sem prejuízo da ação penal cabível.

Conclui-se, portanto, que o ato repercute nas esferas administrativas, penais, cíveis e eleitorais (com a suspensão dos direitos políticos).

Afinal, qual a natureza da sanção?

Se fosse ilícito penal, estaria tipificada a sua conduta e conseqüentemente restariam sem efeito as disposições do Código Penal a respeito dos crimes contra a Administração Pública, bem como não haveria ressalva no próprio artigo da Constituição: "sem prejuízo da ação penal cabível". Dessa forma, leva-nos a concluir que tais atos, em si não são ilícitos penais, mas assim o podem ser, caso encontre sucedâneo na legislação penal.

O mesmo ocorre quando a lei fala em perda da função pública. Se admitirmos a natureza administrativa, estaria estabelecido um flagrante de inconstitucionalidade, pois a responsabilidade administrativa é apurada mediante processo administrativo, de competência de cada ente da federação. Dessa forma, ressalva-se a competência de cada ente da federação a apuração da responsabilidade do agente, conforme a legislação estatutária pré-estabelecida. Assim, cabe ao Ministério Público, ao apurar o ato de improbidade que tipifique ilícito administrativo, requerer à autoridade competente a instauração do procedimento administrativo adequado, conforme art. 22 da lei.

Assim, vimos que embora repercuta na esfera criminal e administrativa, não são da natureza do ato de improbidade tais característicos. O próprio art. 22 dispõe que:

[...] para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício ou a requerimento da autoridade administrativa ou mediante representação [...] poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo. (BRASIL, 1992)

Reforça-se, portanto, a natureza não-penal e não-administrativa do ato de improbidade.

E quanto a natureza eleitoral, já que a própria Constituição dispõe sobre a suspensão dos direitos políticos. Devemos ter, entrementes, que a suspensão dos direitos políticos é conseqüência da prática de atos de improbidade, não se confundindo com eles. Dessa forma, também não é da natureza do ato de improbidade a sanção eleitoral, mas conseqüência. Trata-se de direito político, que tem como núcleo o direito ao sufrágio, expressamente disposto no art. 14 da Constituição Federal, que se traduz no direito de votar (alistamento eleitoral) e no direito de ser votado (elegibilidade). A suspensão dos direitos políticos do administrador ímprobo (inelegibilidade) é conseqüência da prática de ato de improbidade, que, por si só, ressaltamos, não é de sua natureza típica. Tais casos de suspensão dos direitos políticos estão descritos no art. 15 da Constituição, que, dentre eles, estabelece a possibilidade da suspensão como decorrência da prática de atos de improbidade ("é vedada a cassação dos direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: inciso V improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º"), e não simplesmente da sua prática. A suspensão dos direitos políticos é de rito específico, não se decidindo no processo judicial que apure o ato de improbidade.

Concluindo, traduziremos o salutar magistério da autora Maria Sylvia, que definitivamente estabelece a natureza jurídica do ato de improbidade: a natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter conseqüências na esfera criminal com concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função publica e instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza-se um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do erário. (DI PIETRO, 2002, p.678)

A autora evidencia o caráter político-civil das sanções. Mas parece que essa conclusão deve ser entendida com algumas ressalvas. Acreditamos ser conveniente a consideração do caráter político de forma limitada. A lei de improbidade, apesar de prever penas relativas à suspensão dos direitos políticos, não pode ser aplicada individualmente. Seria um contra-senso admitir a suspensão dos direitos políticos para ilícitos que em tese sequer poderiam caracterizar ilícitos penais (crimes de responsabilidade), como por exemplo, a prática de atos contrários aos princípios da administração pública por um agente político. Pior seria admitir essa suspensão ser decretada por uma autoridade de nível inferior.

A própria Constituição Federal no art. 52, parágrafo único, estabelece como competência exclusiva do Senado Federal processar e julgar os crimes de responsabilidade imputados aos agentes políticos que assim elenca, cujas sanções correspondem à perda do cargo e à inabilitação por oito anos. Tais crimes são definidos na lei 1.7079/50, que define os crimes de responsabilidade. Dessa forma, o caráter político ou eleitoral não é autônomo, onde, no caso concreto, ocorrendo um ato de improbidade que tipifique crime de responsabilidade, o processo será instaurado perante o Supremo Tribunal Federal, ressalvada a aplicação das demais sanções decorrentes do ato de improbidade que não impliquem a perda do cargo.

Quanto à cominação das penas, prevista no art. 12 da lei, estabelece-se uma gradação das sanções, conforme a conduta esteja tipificada no art. 9º, 10 e 11, já estudados anteriormente.

Opera-se a suspensão dos direitos políticos, variando de 8 a 10 anos no primeiro caso, de 5 a 8 no segundo e de 3 a 5 no terceiro. O valor da multa civil varia da seguinte forma: ao enriquecimento ilícito, verifica-se o acréscimo patrimonial, com multa de até 3 vezes o valor do acréscimo patrimonial auferido com a prática do ato de improbidade. No caso de dano ao erário, a multa pode chegar ao dobro do dano. Finalmente no caso de atentado contra os princípios administrativos, a multa pode chegar até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, ou a proibição de contratar ou receber benefícios fiscais pelo prazo de 3, 5 ou 10 anos.

Em qualquer dos casos, a pena a ser fixada será levada em conta a extensão do dano e o proveito patrimonial auferido pelo agente (art. 12, parágrafo único).

Quanto à cumulatividadade das sanções, esta é perfeitamente possível, em se tratando de atos que contrariem as diversas disposições legais.

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Sobre o autor
Ricardo César Massanti

Acadêmico do curso de Direito com Habilitação em Direito do Trabalho pelo Curso de Direito da UNIVEM, mantido pela Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha, Marília/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASSANTI, Ricardo César. Do crime do colarinho branco:: uma análise dentro do contexto normativo atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 196, 18 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4758. Acesso em: 22 dez. 2024.

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