O Brasil, Estado Democrático de Direito garante, na Constituição Federal, o direito à liberdade e à segurança para a sociedade. Já no preâmbulo da Carta Magna, bem como o artigo 5º e 6º, trazem expresso à garantia aos brasileiros e estrangeiros o direito à segurança.
A segurança pública, garantida no art. 144 da CF/88, é uma atividade exercida pelo Estado, com o objetivo de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei.
O professor Alexandre de Moraes leciona que a Constituição preceitua a segurança como dever do Estado, sem, contudo, reprimir-se abusiva e inconstitucionalmente a livre manifestação de pensamento. Assim, a segurança publica é exercida para a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis e polícias militares e corpos de bombeiros. (MORAES, 2005, p. 1764)
Entretanto, é visível que no Brasil existe uma escandalosa insegurança motivada pelo não cumprimento desta garantia. Situação constantemente abordada na mídia devido ao significativo número de atos de violência de forma geral, que aumenta a cada dia excedendo os limites que podem ser suportáveis.
Com isso, sentimento de insegurança surge associado a um clima de ansiedade da população, ocorrendo a perda de confiança na capacidade do Estado em assegurar a segurança e de ordem pública.
A constante abordagem feita pelos noticiários gera uma massificação da insegurança, fazendo com que a sociedade busque por soluções imediatas para a crescente criminalidade. Assim, o Estado busca meios de dar uma resposta a ânsia da população através de medidas imediatistas, tal como a redução da maioridade penal, que, ao nosso ver, representam um retrocesso ao Direito Penal.
Os constantes assaltos, assassinatos, mortes nos acidentes de trânsito, o crime organizado do tráfico de entorpecentes e armas, não podem nem devem ser considerados normais, pelo fato de serem reflexo da desorganização do Estado e descaso dos governos na minimização ou quem sabe, solução desses problemas.
Esses fatores, aliados a má distribuição de rendas, o crescente estado de pobreza e miséria acabam por gerar a favelização urbana, o descaso com crianças pelas ruas têm sido o fomento dessa gigantesca onda de violência, de forma que deixa claro a responsabilidade do Estado diante da obesidade da criminalidade.
No entanto, associar, com exclusividade, a causa da prática delituosa na sociedade com a pobreza, além de equívoco, não deixa de ser uma conclusão preconceituosa. Afinal, o que gera a criminalidade não é a pobreza, mas sim o descaso estatal associado à falta de políticas públicas, de programas sociais que visem materializar os preceitos e garantias constitucionais.
Para analisar com exatidão o caos em que nos encontramos, uma vez reconhecida a responsabilidade estatal perante a obesidade criminal brasileira, faz-se necessário compreender que o cidadão tem parcela na responsabilidade de manter uma convivência social isenta de ameaça de violência, permitindo a todos o gozo dos seus direitos assegurados pela Constituição Federal.
Nesse sentido, a inobservância dos deveres incumbidos tanto ao Estado quanto à sociedade como instituições garantidoras da segurança pública, levou Zaffaroni a desenvolver o Princípio da Coculpabilidade do Estado.
Para Moura a coculpabilidade é um princípio implícito que reconhece a co-responsabilidade do Estado no cometimento de determinados delitos. (MOURA, 2006, p. 41).
Assim, este princípio é um mecanismo de justiça social, que reconhece fatores socioeconômicos que influenciam o indivíduo ao cometimento de um ato delituoso.
Coadunando com o entendimento, dispõe Greco (2002, p. 469):
A teoria da co-culpabilidade ingressa no mundo do Direito Penal para apontar e evidenciar a parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de determinadas infrações penais pelos seus supostos cidadãos. Contamos com uma legião de miseráveis que não possuem teto para abrigar-se, morando embaixo de viadutos ou dormindo em praças ou calçadas, que não conseguem emprego, pois o Estado não os preparou e os qualificou para que pudessem trabalhar, que vivem a mendigar por um prato de comida, que fazem uso da bebida alcoólica para fugir à realidade que lhes é impingida, quando tais pessoas praticam crimes, devemos apurar e dividir essa responsabilidade com a sociedade. (GRIFO NOSSO)
Ainda, à título de esclarecimento, de acordo com o estudo do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz e encampado oficialmente pela Secretaria-Geral da Presidência da República, a evolução histórica da mortalidade violenta no Brasil “impressiona pelos quantitativos implicados”: entre os anos 1980 e 2012, morreram no País 1.202.245 pessoas vítimas de homicídio. Homicídios, suicídios e acidentes de trânsito cresceram significativamente nesse período, fazendo com que o ganho com a melhoria das condições de vida da população acabasse anulado pelo crescimento da violência e da criminalidade.
Desta maneira, diante dos dados supracitados, não é possível ignorar a inversão de papéis ocorrida. Nota-se, pois, que com a crescente onda de criminalidade, a população vê preterido o seu direito de ir e vir blindando-se através de grades de condomínio, enquanto que, as mentes criminosas podem se alimentar do descaso social em liberdade. Afinal, como preleciona Jeffrey Sachs - economista norte-americano-, "Estado desorganizado; crime organizado!".
Assim, resta evidente que não se pode responsabilizar somente o agente praticante do ato ilícito, mas também o Estado, por causa da sua negligência pelo não cumprimento da sua obrigação em garantir os direitos assegurados pela Carta Magna.
Portanto, a criminalidade é um problema que precisa ser resolvido, não de formas imediatistas, mas através de medidas sociais, que solucionem a raiz do problema e não através de medidas pouco ou ineficazes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Constituição Federal, Senado Federal, Distrito Federal, Brasília, 1988.
MELLO, Letícia. Co-culpabilidade: um problema de Estado. Revista Jus Brasil, Disponível em: http://leticiaconsorsinos.jusbrasil.com.br/artigos/204212974/co-culpabilidade-um-problema-de-estado <acesso em março de 2016>
MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e Legislação Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2005.
OLIVEIRA, Ana Patricia da Cunha. Responsabilidade civil do Estado em relação à segurança pública. O fenômeno "bala perdida". Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2721, 13 dez. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/18024>. Acesso em: 13 mar. 2016
Autoria: Elaine Garrido
Gabriele Ribeiro
Graziele Rocha
Lanessa Mangabinha