RESUMO: Com o intuito de mascarar uma verdadeira relação de emprego, surge uma fraude denominada pejotização. Neste artigo serão apresentadas as características, as conseqüências e as razões pelas quais tal fraude vem se tornando cada vez mais corriqueira nas relações de emprego. Como forma de descaracterizá-la, aplica-se os princípios específicos do direito do trabalho, além de outras legislações e jurisprudências. A pejotização decorre de uma fissura encontrada em lei pelo empregador com o escopo de exonerar-se das obrigações que lhe são impostas, acarretando em um confronto com a legislação trabalhista.
Palavras-chave: Pejotização. Contrato de Trabalho. Princípios do Direito do Trabalho. Fraude. Pessoa Jurídica. Supressão de Direitos do Empregado. Vínculo Empregatício.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo discorreu a respeito do fenômeno da pejotização, que compreende em uma fraude com o intuito de encobrir uma verdadeira relação de emprego, prejudicando e suprimindo direitos inerentes ao trabalhador. A relação de emprego consiste em um vínculo contratual entre o prestador (empregado) e o tomador de serviço (empregador), que tem como finalidade o trabalho de forma remunerada. Empregado é a pessoa física que presta serviços de caráter pessoal, não eventual e de modo subordinado a outrem, mediante remuneração.
Em contrapartida, empregador define-se como pessoa física ou jurídica, dotado de despersonalização e poder diretivo, assumindo, portanto, os riscos da atividade.
2 CARACTERÍSTICAS DA PEJOTIZAÇÃO
O instituto da pejotização vem se tornando cada vez mais presente nas relações trabalhistas, nas quais, por meio da imposição do tomador, os prestadores de serviço a fim de serem contratados, são forçados a constituir pessoa jurídica, afastando-os da esfera de proteção do direito do trabalho.
A intitulação nasceu da sigla de pessoa jurídica (PJ = pejotização), sendo a “transformação” de uma pessoa física (empregado) em PJ (pessoa jurídica).
O intuito da pejotização é mascarar a verdadeira relação de emprego, tornando-se mais benéfico ao empregador, uma vez que reduz os altos custos trabalhistas. Como forma de convencer o prestador, o tomador promete conceder um aumento significativo no valor da remuneração, devido à redução de custos e pagamento de impostos. Porém, apesar do aumento da pecúnia parecer vantajoso ao prestador, este na verdade não estará protegido pelas leis trabalhistas, incluindo o direito a diversos benefícios exclusivos do trabalhador, como por exemplo: direito a horas extras, intervalos remunerados, décimo terceiro salário, direitos previdenciários entre outros.
Além de trabalhar de forma insegura e desprotegida, ainda terá o prestador, que arcar com todas as despesas advindas de uma pessoa jurídica, como o pagamento de impostos, contribuições de abertura, manutenção da atividade e também assunção dos riscos de um negócio fraudulento.
2.1 Pessoa Física e Pessoa Jurídica no Âmbito Contratual do Direito do Trabalho
Para não serem confundidas em uma relação de emprego, é de suma importância conceituar e apontar características de cada uma das pessoas.
Pessoa física é aquela denominada natural, sendo todo indivíduo desde o momento do seu nascimento até a sua morte, com capacidade para ser titular de direitos e deveres. Para o direito do trabalho, a pessoa física será, em sua maioria, compreendida pelo trabalhador, ou seja, aquele que presta serviço e mão de obra.
De forma contrária, a pessoa jurídica se encaixa na figura de entidade abstrata possuidora de responsabilidade jurídica, como por exemplo, uma empresa. Sendo representada nos atos da vida jurídica por quem a criou. Portanto, pessoa jurídica é o ente que dirige, assalaria e se beneficia da prestação de serviço.
Do relacionamento entre pessoa física e jurídica, surge no âmbito trabalhista, o contrato de trabalho, que se define como “[...] negócio jurídico expresso ou tácito mediante o qual uma pessoa natural obriga-se perante pessoa natural, jurídica ou ente despersonificado a uma prestação pessoal, não eventual, subordinada e onerosa de serviços.” (DELGADO, 1999, p.16)
Em suma, contrato de trabalho é um acordo de vontade entre as partes, manifestado de forma expressa (escrito ou verbal) ou de forma tácita na qual o empregado coloca seu serviço a disposição de outrem de forma subordinada e contínua, mediante remuneração.
2.1.1 Análise da pejotização com enfoque nos princípios do direito do trabalho
Os princípios do direito do trabalho têm como finalidade inspirar o sentido das normas trabalhistas e regulamentar as relações de trabalho, visando à proteção da parte hipossuficiente, ou seja, o empregado.
Dentre os diversos princípios existentes, alguns deles incidem de forma direta a descaracterizar a pejotização, como o princípio da primazia da realidade que compreende na preferência da verdade real, fática da prestação de serviço do que a que possa surgir através da forma documental, ou seja, na discordância entre contrato e realidade, prevalecerá a realidade.
Conforme Mario de La Cueva apud Américo Plá Rodriguez (1996, p.218) “A existência de uma relação de trabalho depende, em conseqüência, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação real em que o trabalhador se ache colocado”.
O princípio da irrenunciabilidade também possui o intuito de proteger o trabalhador, alegando que este não poderá renunciar seus direitos em nenhuma ocasião, mesmo que o faça em troca de outros benefícios, portanto, o empregado não poderá abrir mão da proteção das leis trabalhistas como forma de receber aumento de remuneração.
Segundo Mauricio Godinho Delgado (2011, p.195) o princípio da irrenunciabilidade “[...] traduz a inviabilidade técnico-juridica de poder o empregado despojar-se, por sua simples manifestação de vontade, das vantagens e proteções que lhe asseguram a ordem jurídica e o contrato”.
Urge salientar o princípio basilar que influi em todos os segmentos do direito do trabalho, o da proteção do trabalhador que tem como finalidade assegurar igualdade jurídica e proteger a parte economicamente mais frágil, buscando atenuar o desequilíbrio existente entre as partes.
O Tribunal Regional do Trabalho da 5a região também se utilizou de princípios para configurar o vínculo empregatício:
Verifica-se, pois, que ao contrário do quanto afirmado pelo recorrente, o recorrido trabalhou efetivamente como advogado da empresa de dezembro de 1983 a dezembro de 1986, ocasião em que foi despedido para ser, automaticamente recontratado, prestando os mesmos serviços. A diferença básica entre os dois contratos reside no fato de que antes prestava o serviço como empregado, após a despedida, como autônomo. O fenômeno ocorrido nos presentes altos, embora incipiente em 1996, ganhou depois grande notoriedade o mundo das relações de trabalho e é hoje denominado de “pejotização”. A pejotização é uma forma de terceirização mediante a qual a mesma pessoa, antes empregada, continua a realizar os mesmos serviços com a diferença de que a forma de contrato de trabalho transmuda-se geralmente sob a denominação jurídica de profissional liberal, micro-empresa ou cooperativa. Ora, são princípios basilares do contrato de trabalho o da primazia da realidade e da continuidade da relação de emprego. Este último decorre da presunção de que ao empregado não é vantajoso o término do vinculo empregatício, uma vez que o contrato de trabalho é regido por legislação especifica que assegura ao obreiro vantagens que dificilmente encontrará noutras relações de trabalho. Quanto ao princípio da primazia da realidade, é relevante no caso dos altos uma vez que retira o valor probatório do contrato escrito se a relação material com aquele não se coaduna. (Processo no 0049200-11.2004.5.05.0021 RO, DJ 19.11.2009, 5a Turma, TRT 5a Região, Rel. Des. Maria Adna Aguiar).
Da mesma maneira posicionado, o Tribunal Superior do Trabalho, decidiu sobre o agravo de instrumento que tinha como intuito dar andamento ao recurso de revista denegado pelo TRT da 1a Região, abordando caso envolvendo uma jornalista:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA COM O INTUITO DE DISSIMULAR O CONTRATO DE TRABALHO. DISCREPÂNCIA ENTRE O ASPECTO FORMAL E A REALIDADE. O acórdão recorrido contém todas as premissas que autorizam o exame do enquadramento jurídico dado pelo TRT aos fatos registrados. Nesse contexto, verifica-se que se tratava de típica fraude ao contrato de trabalho, consubstanciada na imposição feita pelo empregador para que o empregado constituísse pessoa jurídica com o objetivo de burlar a relação de emprego havida entre as partes. Não se constata violação dos artigos 110 e 111 do Código Civil, uma vez que demonstrada a ocorrência de fraude, revelada na discrepância entre o aspecto formal (contratos celebrados) e a realidade. Agravo de instrumento improvido. (AIRR-1313/2001-051-01-40, 6a Turma, TST, Public. DEJT 31.10.2008, Rel. Min. Horácio Senna Pires).
Verifica-se, portanto, que assim como o TST, o TRT também decide de forma a reconhecer a fraude, desconsiderando o aspecto formal e julgando de acordo com a realidade.
2.1.1 Conseqüências e efeitos da fraude
As empresas para gozarem do artifício da pejotização se embasam no Art. 129. da Lei no11.196, de 2005, que dispõe:
Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.
Entretanto, a interpretação de tal norma é feita de forma equivocada, uma vez que o uso da pessoa jurídica só poderá ocorrer em face de prestação de serviço não habitual e/ou sem subordinação, com a finalidade apenas de suprir uma demanda de caráter temporário e específico. Desta forma a legislação trabalhista não estaria sendo burlada, visto que tal relação configura um típico contrato de prestação de serviço.
Como conseqüência desta fraude, temos o prejuízo do empregado com relação à proteção e benefícios que deveriam alcançá-los, além de fazer parte da prática de um ato ilícito.
Já com relação ao empregador, as conseqüências, a priori, vêm como forma de “benefício”, uma vez que violando a legislação, haverá uma redução dos custos provenientes da manutenção de uma relação de emprego. Contudo, se tratando de uma fraude, uma vez descoberta, acarretará em diversos prejuízos ao bolso e a própria pessoa do empregador.
Verifica-se a nulidade de tal contrato através da analise do Art. 9º da Consolidação das Leis Trabalhistas: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.
Além de nula, a prática da pejotização é considerada ainda, crime contra a organização do trabalho, disposto no Art. 203. do Código Penal:
Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 1998).
Todavia, para que o empregador seja alcançado pelas conseqüências penais, será necessário que o empregado apresente queixa específica no juízo criminal.
3 CONCLUSÃO
Pela observação dos aspectos analisados no presente artigo, nota-se que o fenômeno da pejotização vem se tornando cada vez mais presente nas relações de trabalho. Muito possivelmente, tal fraude nasceu da insatisfação da classe dos empregadores diante dos inúmeros encargos trabalhistas, que muitas vezes impedem que pequenos empreendedores se arrisquem dentro do universo empresarial.
Por outro lado, os direitos dos empregados não podem ser suprimidos pelo fato do empregador não possuir o capital necessário para constituir uma empresa, uma vez que, o mesmo tem a obrigação de assumir todos os riscos e custos de seu negócio.
Por fim, como tentativa de reduzir a incidência da pejotização nos contratos de trabalho, deve-se procurar um equilíbrio entre direitos e deveres de ambas as partes, visto que a Consolidação das Leis Trabalhistas protege de forma abrasadora os trabalhadores, impondo inúmeras exigências aos tomadores de serviço, o que muitas vezes prejudica e desmotiva a atuação dos mesmos.
Entretanto, flexibilizar a Consolidação das Leis Trabalhistas não significa deixar de amparar a parte hipossuficiente, mas sim tutelá-los de forma a também incentivar a classe dos empregadores, pois são eles que contribuem para o crescimento de uma economia estável, através da geração de empregos, da movimentação do comércio e conseqüentemente, elevando o poder aquisitivo de toda população brasileira.
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